terça-feira, 30 de junho de 2009

A validade constitucional da lei "seca" (11.705, de 10.06.2008) e a sua efetividade e proveito prático.

A validade constitucional da lei 11.705, de 10.06.2008 (“lei seca”); a sua efetividade e proveito para o Povo.

Por Mozar Costa de Oliveira: bacharel em filosofia pela Universidad Comillas de Madrid, mestre e doutor em direito pela USP, ex-promotor público, juiz de direito até à aposentadoria no Tribunal de Justiça de São Paulo, professor de Direito por mais de trinta anos na Universidade Católica de Santos (São Paulo).

Introdução

A razão deste estudo, do tempo em que a lei entrou em vigor, nasceu do fato de ser havido como inconstitucional ou ao menos como excessivamente rigoroso, o código de trânsito brasileiro (L. 9.503, de 23 de setembro de 1997), no tocante às alterações trazidas pela “lei seca” (número 11.705, de 10.06.2008, em vigor ao dia seguinte). Não havia a dita inconstitucionalidade: é quanto procuramos demonstrar, e repetimos agora, quando a lei completou um ano (junho).

Raciocinamos com regras jurídicas, extraindo delas o que pudemos. Passagens há em que nos firmamos em obras, nacionais ou não, pertinentes. Preferimos, na metodologia formal, uso mais simplificado que o recomendado pela ABNT. A menção completa de cada livro deixamo-la, pois, para final nas referências bibliográficas.

No que tange ao método no sentido de processo de investigação, a prioridade máxima não podia ser outra: é o método indutivo-experimental. Logo, nem só a coleta de dados, nem só o pensamento solto, livre, sem compromisso com os dados extramentais; seria cair na velha escolástica — elegante, lógica, mas, sem possibilidade de as conclusões do discurso ser testadas perante o universo dos fatos, pelos acontecimentos do mundo cuja existência e estrutura não dependem de elucubrações vazias, semelhantes à mó que mói sem grãos. Ou seja, recolher o máximo possível de dados, e ver-lhes semelhanças e diferenças, e classificá-los, e compará-los e distribuí-los em categorias logicamente aceitáveis pelo espírito humano nos dias que correm (os do estado da cultura no tempo e no espaço brasileiros). Feito isto, extrair as proposições gerais que esse quadro permite. A seguir, em vez de filosofar “livremente” com tal quadro de pensamento geral (discurso amigo do carro sem freio), testar as proposições encontradas por meio da verificação com os dados achados e de tantos outros quantos forem possíveis. É este o método indutivo-experimental, ou método científico positivo.

Mais precisamente: exige-se no estudo científico o menos possível de produto mental. Isto se consegue com a crescente percepção das realidades trans-pessoais e incessante redução da subjetividade do intérprete. Para tanto é da maior importância o apreço pelos fatos com a ajuda de todas as ciências particulares (lógica, matemática, física, biologia, sociologia).

Cumpre atender-se, com o cuidado de sempre, aos trabalhos com idéias gerais sobre a formação do juiz, por exemplo, em matéria ambiental. É apenas um exemplo. Há de ser do mesmo modo em todo o ramo da ciência jurídica, como no estudo do Código Brasileiro de Trânsito (CBT). [1]

Tal o que faremos com os princípios e as regras jurídicas relacionadas com o Código Brasileiro de Trânsito em sua vigência atual.

I — Alguns fatos sobre acidente com veículos em geral.

A matemática de alguns danos oriundos do trânsito. Os acidentes de trânsito matam hoje mais de um milhão de pessoas por ano, em todo o mundo, e deixam entre 20 milhões e 50 milhões de pessoas feridas. Os jovens representam a maioria das vítimas, que, muitas vezes, apresentarão seqüelas pelo resto da vida. Como se o custo desse sofrimento não bastasse, os países ainda perdem de 1% a 2% do PIB com gastos relacionados aos acidentes de trânsito. [...] O Brasil conta mais acidentes neste campo que vários outros países. [2] Para cada 10.000 automóveis o número de mortos é percentualmente o seguinte: [3]

Brasil: 11,6; França: 2,9; Suíça: 2,3; Alemanha: 1,9; USA: 1,7; Japão: 1,3.

Mais recentemente temos este conjunto de dados: [4]

“[...] [...] o número de mortes em acidentes de trânsito no Brasil equivale a 19 pessoas por 100 mil habitantes. “Na França, essa média é de 7 por 100 mil habitantes e, nos Estados Unidos, 12 por 100 mil.”

Outra fonte fornece alguns elementos complementares. [5] Ei-los.

Tratados como uma das principais causas de óbitos entre pessoas com menos de 59 anos, os acidentes de trânsito aumentaram 9% em três anos no Brasil. [...]

As faixas etárias mais afetadas foram as dos 20 aos 39 (45%) e dos 40 aos 59 anos (26%), totalizando 25.375 óbitos entre os 35.753 registrados em 2005. Do total de mortes nessas faixas, 85% (cerca de 21.529 óbitos) ocorreram entre homens. Entre os adolescentes, o acidente de trânsito já é a segunda principal causa de morte; a primeira é o homicídio. De acordo com nova avaliação, 3.976 pessoas entre dez e 19 anos perderam a vida no trânsito em 2005. [...] A elevada mortalidade por acidentes de trânsito representa um problema de saúde pública tanto no Brasil como em diversos países, tomando aspectos de uma verdadeira epidemia. Os acidentes de trânsito e a violência urbana são as causas mais importantes de mortalidade entre jovens com menos de 35 anos, principalmente do sexo masculino. [...] O impacto dos acidentes sobre a saúde da população contribui com a diminuição da qualidade de vida e da expectativa de vida entre adolescentes e jovens, além de repercutir no aumento dos custos sociais com cuidados em saúde, previdência e absenteísmo ao trabalho e à escola. [...] As causas das preocupantes estatísticas estão relacionadas ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, alta velocidade, não uso de capacetes ou de cinto de segurança e problemas na infra-estrutura de rodovias e vias públicas. [...] As mensagens divulgadas pela a OMS sobre o tema são estas: 1. Lesões de trânsito são sério problema global de saúde pública e de desenvolvimento. Espera-se que a sua magnitude aumente consideravelmente nos próximos anos; 2. Lesões de trânsito têm um impacto imenso sobre as vidas dos jovens; 3. Lesões de trânsito podem ser evitadas; 4. Segurança nas rodovias não é um acidente; 5. A cooperação internacional é crucial para o fortalecimento nacional dos esforços pela segurança nas rodovias. [...] Consta sobre ações do Ministério da Saúde, o seguinte. “Para reverter esses graves impactos, o Ministério da Saúde, desde 2001 elegeu como uma de suas prioridades a redução da mortalidade e das lesões por acidentes de trânsito. Entre as principais ações já implantadas estão a instituição das Políticas Nacionais de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências, de Atenção às Urgências e de Promoção da Saúde, além da implantação do Projeto de Redução da Morbimortalidade por Acidentes de Trânsito, da Rede Nacional de Núcleos de Prevenção das Violências e Promoção da Saúde e da Vigilância de Violências e Acidentes em Serviços Sentinela (VIVA), dentre outras ações. [...]

Já agora, felizmente, o rigor da lei seca causou a diminuição desses acidentes. Temos dados gerais e os temos das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Confiram-se os seguintes sites:

Geral.

http://www.jusbrasil.com.br/noticias/77487/lei-seca-diminui-a-quantidade-de-acidentes-e-mortes-no-transito

São Paulo: >

http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2008/07/04/lei_seca_diminui_atendimentos_a_vitimas_de_transito_em_ate_27_1416741.html

Rio de Janeiro:

http://oglobo.globo.com/rio/transito/mat/2009/06/18/em-um-ano-lei-seca-diminui-numero-de-vitimas-no-transito-do-rio-756397087.asp

II — Acidentes de veículo por o motorista estar sob efeito de álcool.

Acidentes causados por efeito do álcool. Entremos agora a ligeiro exame das estatísticas sobre os danos causados por motoristas que dirigem sob efeito do álcool. Primeiro no Brasil e depois dados mais recentes de outros países. Sobre o Brasil:[6]

“Ainda de acordo com PRF [=Polícia Rodoviária Federal], foram registrados 6.128 acidentes envolvendo flagrantes de alcoolemia ao volante em 2007. Um crescimento de 154% sobre os flagrantes realizados em 2006 (2.412).” [...]

De outra fonte[7] temos:

“Estudos mais recentes mostram que em 61% dos acidentes de trânsito o condutor havia ingerido bebida alcoólica. Uma capacidade indispensável ao motorista é prejudicada pelo consumo de bebida alcoólica: percepção, seus reflexos são diminuídos tendo pré-disposição ao envolvimento em acidentes.”

E em outro site[8] escreveu-se que cerca de 35% dos acidentes de trânsito com vítimas são causados pelo álcool, segundo a Associação Brasileira de Acidentes e Medicina de Tráfegos e 75% dos acidentes tem relação direta com embriaguez”.

Em outros países há dados recentes. Na Alemanha, consta[9] que

“O objetivo do governo alemão é reduzir as mortes no trânsito causadas pelo consumo de álcool. Segundo o Departamento Federal de Estatísticas, 20% dos mortos e feridos em acidentes de trânsito no ano de 2005 tinham entre 18 e 25 anos. Apenas 8% da população alemã está nesta faixa etária.”

Quanto à França e nos Estados Unidos, há os dados seguintes: [10]

“Braz de Lima ressaltou que o número de mortes em acidentes de trânsito no Brasil equivale a 19 pessoas por 100 mil habitantes. “Na França, essa média é de 7 por 100 mil habitantes e, nos Estados Unidos, 12 por 100 mil.”

Conclusão parcial. Os acidentes automobilísticos são causa importante de mortes e de lesões corporais graves em todo o mundo, sem exclusão do Brasil.

III — Os exames de sangue exigido de motoristas em outros Estados (“países”).

Lei mais rígida do que antes. No Brasil a lei não é mais rígida que as de vários países culturalmente avançados. Essas leis não vedam a direção só quando o indivíduo está “bêbado”, no sentido do “porre” da nossa gíria. Basta o perigo, a possibilidade efetiva de alteração psicossomática, demonstrada pela pesquisa científica; aqui no Brasil, assim: [...] igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. [...]. Lá o mesmo, ou até com menos de seis decigramas. Não pode, aliás, nem a polícia nem o Judiciário substituir-se à concepção legal que, por sua vez, se funda na experiência de outros Povos e, com isso adquire foros de segurança científica maior. Se a lei é ou não simpática é situação em que a paixão tem de dar lugar à racionalidade na hora de revelar-se-lhe o conteúdo e de aplicá-la. Fora daí sobra o arbítrio, que a Constituição Federal de 1988 não permite. A autoridade que assim não pensa, ou não sente, retrocede à Idade Média — à “suserania”.

Países da Europa. A jornalista brasileira, Márcia Freitas, fez levantamento em países da Europa sobre a questão entre ingestão de bebida álcool e direção de veículo. [11] Alguns dados obtidos são os que abaixo seguem e mostram como por lá Estados há, e culturalmente adiantados, em que as regras jurídicas são mais rigorosas que no Brasil. Em outros o limite de percentual de álcool do sangue é ligeiramente acima do atual nosso.

Veja-se, pois.

“[...] 1,7% dos europeus bebe acima do limite permitido antes de dirigir. [...] Na média, levando em consideração Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia, menos de 1% dos motoristas foram pegos dirigindo após ter bebido acima do nível permitido. [...] A Grã-Bretanha - juntamente com Irlanda, Luxemburgo e Malta - tem o limite de teor alcoólico permitido para motoristas mais alto da Europa - 0,8g (8 decigramas de álcool por litro de sangue). [...] Em alguns países europeus - como Croácia, República Checa, Hungria, Eslováquia e Romênia - o limite é de 0g. Alguns países têm um limite de 0,2g, mas a maioria tem limite de 0,5g. A Comissão Européia recomenda um limite de no máximo 0,5g, com o objetivo de reduzir para 0,2g. [...] O presidente do grupo que realizou a operação européia, o policial britânico Adam Briggs, afirma que o grupo defende uma redução do limite de teor alcoólico permitido na Grã-Bretanha de 0,8g para 0,5g. [...] Para Briggs, a redução do limite de teor alcoólico permitido é apenas um dos fatores que podem contribuir para a redução do número de motoristas que bebem antes de pegar no volante. Outros fatores incluem punições pesadas para quem é pego e policiamento efetivo. [...] Na Grã-Bretanha, quem é flagrado com um teor alcoólico acima do limite pode pegar até seis meses de prisão, ter a carteira de motorista suspensa por 12 meses e está sujeito a uma multa de até 5 mil libras esterlinas (quase R$ 16 mil). [...] O limite em vigor na Noruega e na Suécia é de apenas 0,2g. Na Dinamarca e na Finlândia, é de 0,5g. [...] Na Escandinávia, dependendo da concentração de álcool encontrada no sangue do motorista, quem comete uma infração pela primeira vez tem a carteira de motorista suspensa, paga uma multa calculada de acordo com a renda mensal e tem de arcar com os custos de cursos de trânsito. Os reincidentes podem receber penas de prisão”.

Conclusão parcial. É, pois, certo que a nossa lei não pode qualificar-se sociologicamente como draconiana, ou juridicamente inconstitucional porque fosse porventura contra o regime jurídico de país democrático de direito. Todos os Povos acima estudados são de regime democrático e libertário. Alguns têm “lei seca” mais rigorosa que a brasileira.

IV — Alguns princípios jurídicos e algumas regras jurídicas

Neste item recapitularemos algumas regras jurídicas de larga amplitude (os “princípios”) e outras de âmbito menor de suportes fáticos sobre que incidem (as “normas”).

Linguagem, meio de comunicação independente a respeitar-se. Muito raramente aparece na redação da norma alguma palavra inútil; norma não é locus de devaneios “filosóficos” ou contemplações literárias. Expressa ela algum modo de ser do processo jurídico de adaptação social. O que ali figura tem que ser objeto de exegese, para saber-se o que é que, no mundo da cultura de cada círculo social, em cada tempo, aquilo representa de transubjetividade. Um exemplo é o da norma posta no artigo 144 caput da Constituição Federal de 1988. Diz ela:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...]

Está escrito que a segurança pública é também responsabilidade de todos. E alude à polícia rodoviária e às polícias civis, de modo que a segurança no trânsito está compreendida nesta regra jurídica Constitucional. Agora, quem diz responsabilidade também diz dever jurídico, de cuja omissão decorre, ou pode decorrer, sanção. Responsabilidade é a situação daquele que tem capacidade de pensar e atuar por si e, pois, de arcar com as conseqüências dos próprios atos. [12] Assim, o motorista tem, no Brasil, obrigação de submeter-se a testes, segundo a lei (ver Código Brasileiro de Trânsito, artigo 277, caput). O estado-instrumento tem direito (e dever) a que as pessoas observem as regras de trânsito. Lembrete [13] de grande jurista:

Se há direito, há, do outro lado, dever. Para que se tenha de respeitar direito, tem de haver o dever. Quan­do se diz que há deveres sem direitos, como o de respei­tar os trânsitos e os lugares públicos, pelo menos se me­nosprezou o direito do Estado a exigir que se observassem as ordens de percurso e de atenção ao que se exige em bem do público (sem razão, WALTHER BURCKHARDT, Methode und System des Rechts, Zürich, 1946, 215 s.).

Do resultado do teste se poderá outrem saber se ele faltou ou não a outros deveres jurídicos que o mesmo código estabelece. Quem testa apenas investiga, quer saber se houve culpa, não acusa de culpa o investigado, o testado.

Dado e construção. Conhecimento mais adequado do direito posto. Tem-se de pensar que, a par da excelente formação moral, o estudioso do direito há de ter a inteligência formada no método mais seguro de conhecimento e de investigação, que é o indutivo experimental ou da ciência positiva — material colhido do mundo dado ou posto para o ser cognoscente fora do sistema nervoso central deste. Aqui, na construção é mais densa a atividade do ser sentinte-pensante. Lá (no plano do dado ou posto), em lugar do mundo construído por elucubrações mentais, prepondera o mundo externo ao eu pensante-sentinte. As construções são necessárias, imprescindíveis, naturais, mas precisam ser controladas pela mentalidade científica. É o que se denomina, sem pruridos de falsa erudição (“cientismo” ou “cientificismo”), é o que se tem chamar — repetimos —, de ciência positiva — conhecimento do que está posto. De notar-se: nada tem este conceito a ver com positivismo nem de neo-positivismo. [14]

Regra jurídica e suporte fático, binômio fundamental. É como todo estudioso do direito posto (escrito ou não escrito) tem de se colocar mentalmente desde o estudo da ordem supra-estatal até a mais pequenina regra jurídica, por exemplo, de uma portaria administrativa (seja qual for a denominação que se lhe tenha dado). E, para tanto, cumpre tenham em mente o magistrado, e membro do Ministério Público, e professor, e aluno dos cursos de direito (enfim, todo o estudioso) tenham em mente — dizíamos — o binômio fundamental: regra jurídica e suporte fático. [15]

Com a primeira (regra jurídica) estudará as bases da teoria geral da dogmática jurídica; no segundo (suporte fático) terá cautela com os dados da sociologia geral e das ciências particulares (com os conteúdos de lógica, matemática, física e biologia). [16]

De todo modo — tornemos —, cuida-se da pesquisa dos suportes fáticos, com o máximo de abertura às realidades extramentais, mínimo de influxos subjetivos. É quando o intérprete (como o magistrado, o professor, o advogado) se liberta, ao máximo possível, de gostos, emoções, tendências, pressões, modismos, ojerizas, sublimações, idealizações; numa palavra, libertação dos subjetivismos — escória de difícil remoção em todo estudioso.

Ora bem, os princípios básicos estão na parte geral, nos capítulos introdutórios das fontes do Direito das Gentes, e das Constituições dos diversos Povos. As regras jurídicas mais específicas têm de ser lidas com a liberdade interior possível do exegeta, a começar pela linguagem. Falamos da liberdade perante os dados da científica positiva, distante de todo autoritarismo e de personalismos.

Nem é o caso apenas da gramática. Examina-se nela um processo social de adaptação pelo qual as relações humanas de comunicação de pensamento e de sentimento são entrelaçadas dentro de certa cultura. Há a linguagem gestual, há as normas jurídicas não escritas. São como que pedaços, porções da cultura, aquisição do todo dos seres humanos, são partes do círculo social. Quando a lei é edictada pela publicação, nenhuma alusão à intenção do legislador, ou a vontade da lei, tem interesse para compreensão do texto. Já se saiu, então, das relações políticas (vontades, sentimentos, animismo, subjetividades) e o texto entra no domínio do público todo. É nos instrumentos de comunicação humana (linguagem), de que a gramática é parte pequena, que se vão buscar 1) o sentido e 2) a orientação da norma; 1) sentido: o que a regra contém na sua estrutura humana dentro do círculo social (os “valores” dela, digamos) e, posto isto, a 2) orientação da regra jurídica: a que pessoa ou pessoas, ou grupos, se destinam as vantagens e as desvantagens existenciais contidas no sentido da norma. Isto é pesquisável nos fatos sociais vividos pelo círculo social dentro do qual a dita norma entrou pela publicação dela. Rasgos animistas, voluntaristas servem apenas para se ter noção da história da norma, não para a descoberta do conteúdo dela, nem da sua orientação espaço-temporal — para que membros do “grupo” são endereçados os bens de vida: se para cada um de per si ou se para alguns, ou se para o todo (em que cada qual é, vive, e atua existencialmente).

Indivíduo e Estado. De modo que entra aqui em consideração o velho problema da relação entre indivíduo e Estado: as suas necessidades e o grau possível de atendimento de cada lado, em cada conjunto de circunstâncias fáticas, em diferentes lugares e momentos.

V — O Estado e as suas funções.

Dificuldade científica. O termo “Estado”, a vox, parece ter surgido na Renascença. Para Maquiavel seria o Estado um conjunto de forças a atuarem sobre pessoas. Fim o propósito dele: a dominação para se governar sobre gentes. Concordam os autores ser “Estado” uma realidade de difícil definição. Mas, ele é um “dado”, ora posto para efeito de um ou uns poucos dominarem sobre a maioria (monocracia, aristocracia), ou um instrumento aparentemente sem dono para serviço de alguns (“elite” ou aristocracia disfarçada), ou enfim um instrumento gerido por eleitos e sempre para o serviço de todas as pessoas (democracia). [17]

A “Esquerda”. Segundo K. Marx o Estado tanto pode ser instrumento para controle da economia como para a tutela dos mais fracos como as crianças no trabalho, de modo que já na primeira metade do século XIX se via a instrumentalidade do aparelho estatal.[18] Essa inclinação do coletivismo comunista continuou na ex-URSS. Na ex-Alemanha Oriental o Estado não passaria, sempre, de ser instrumento próprio dos senhores capitalistas. Portanto um resultado da luta de classes, enquanto vencerem os inimigos da “Diktatur des Proletariats”, que lhe haveria de substituir... [19]

A “Direita”. Para o pensamento “elitista” é instrumento dos optimates — aristocracia dos que estão “bem de vida”, dos seletivos, dos que vivem individual ou grupalmente para si. E mais radical foi o pensamento nacionalista (determinados nacionais é que mandam, obedecem os outros). Dos mais conhecidos inventores modernos da nacionalismo temo-lo no racismo iniciado por Bismarck (Otto Eduard Leopold von Bismarck-Schönhausen), 1815-1898. Esse racismo nacionalista do século XIX alemão influenciou Hitler, especialmente por meio de Georg Schönerer.[20] Para esta direita, vencida militarmente, o Estado é instrumento de dominação da raça “pura” (arianismo).

O esforço científico positivo. Segundo os dados da ciência positiva (elementos havidos pelo método indutivo-experimental) o Estado é criação do direito, um dos sete principais processos social de adaptação: instrumento do homem, para o homem. Boa criação enquanto for serviço. Autoridade, que é boa enquanto é serviço às pessoas em geral — às pessoas do Povo, de que se origina (naturalmente!) todo o poder. Também, os encargos jurídicos dele — os deveres desse instrumento popular — é o Povo que lhos dá, ou lhos retira. Todo o poder emana do Povo.

Estado é ordem normativa, embora não seja só isto. Enquanto ordem normativa os Estados do mundo vão lentamente sendo cada vez menos fonte de mando e cada vez mais uma indicação de organização e de técnica. Democracia, liberdade e igualdade crescente aumentam a pouco e pouco no mundo. E, lentamente embora, os diversos Estados vão se entrosando segundo o princípio sociológico da “maior integração dos círculos sociais”. Mas, sabe-se que aqui e ali sempre surgem regressões, com os Estado totalitários, seja de direito ou de esquerda. Não se descortina na Sociologia a perspectiva de o Estado vir a desaparecer. Em transformar-se, sim: as relações sociais que o compõem, no tocante aos poderes públicos e os indivíduos, tendem a evolver nas três funções que ele, Estado, tem de desenvolver — edictar regras jurídicas, administrar os interesses segundo essas mesmas normas de direito e julgar (realizando esse conjunto de normas — o direito objetivo). Em toda essa gama de funções, fixam-se os limites com o mínimo indispensável à ordem do todo, ordem social, interesse público, necessidades do corpo total, da coletividade. Ele, Estado, internamente examinado, é órgão, de que a “condição humana” necessita. De modo que é o Estado para o homem, e não ao revés. Por outra, em termos de mecânica, o Estado é instrumento da população (=Povo) e não o dono dela; está a serviço da coletividade das pessoas que o compõem.[21]

Conclusão parcial. As pessoas ocupantes de cargo próprio do Estado (cargo público), seja qual for a função exercida (no Legislativo, no Executivo e no Judiciário) são, com precisão técnica, servidores públicos. Não há qualquer desabono nisto. O Estado, mesmo no exercício de autoridade, é necessariamente serviço. Tem de visar ao bem público e não ao pessoal ou grupal. Quando o simples guarda de trânsito, desconfiado de algum motorista estar dirigindo sob a influência de ingestão de algo proibido na sua dosagem, lhe faz parar o veículo e lhe exige submeter-se ao etilômetro, é ele, o guarda, um órgão servidor do Estado a realizar um trabalho próprio dos deveres administrativos do Estado, instrumento democrático.

VI — Direito e Estado

As funções do Estado. Já no século XVIII acentuava Adam Smith que entre outras funções do Estado estão as de promover a justiça, manter a polícia de segurança contra lesões, sustentar situação de paz.[22] Na nossa Constituição Federal de 1988 temos a mesma instrumentalidade do Estado. O Estado é, existe, sim, mas não como força contra as pessoas senão como instrumento de serviço a elas. As pessoas do povo, a coletividade, o público, estariam sem a proteção prevista nesta Constituição Federal de 1988 como, por exemplo, o conteúdo do artigo 144 que, em parte consta do seguinte:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...]

§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.

Sem isso, a desordem e a falta de paz na coletividade, consciente ou semi-consciente de riscos de todos, seriam evidentes. Isto, porém, é contra a mesma Constituição. Alguns exemplos de necessidades e anseios, que a pessoa precisa satisfazer, para manter a suportabilidade da vida, na Constituição Federal de 1988, são as seguintes concepções. [23]

Preâmbulo [...] a segurança, o bem-estar, harmonia social; artigo 1o- III - a dignidade da pessoa humana; Art. 4º-II - prevalência dos direitos humanos; Art. 3º [...] IV - promover o bem de todos, sem [...]; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, [...] garantindo-se [...] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, [...] Art. 5º- XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz [...]XXII – [...] o direito de propriedade. [...] XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; [...] LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...] LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a [...] etc.

Também sobre este tema, de direito e funcionalidade do aparelho estatal, convém ler um jurista de valor emérito.

[...] Há em toda a comunidade, em todos os corpos sociais, certa virtude de organização intrínseca para a qual somente existe uma explicação e um processo: o Direito. Não poderia ser [...] pura criação do Estado. Se algum deles criou o outro, foi o Direito. [...]

À vida humana não é essencial o Estado; o que é imprescindível às organizações humanas, às sociedades, é o ritmo, a ordem. Trabalho e harmonia são os princí­pios mais gerais da evolução social.

As leis não são o Direito; a regra jurídica apenas está em conexidade simbólica com a realidade. [...]

Para se captar o que se passa no ritmo e na ordem, antes de estudar o texto [...] é melhor aprofundar o estudo dogmático do Direito, conhecê-lo em sua ínti­ma fenomenalidade, baixar depois ao conhecimento da sociedade que mais nos interessa e finalmente examinar o texto legal. Ainda assim, entre o estudo da sociedade particular e o do dispositivo há de se achar o do sistema do direito positivo da nação, [...]. An­tes de tudo deve esmerar-se o jurista no obter a noção da realidade social, em sua estática e em sua dinâmica, em sua anatomia e em sua fisiologia, porque, sem ela, não teriam sentido as noções particulares, dependentes, posto que específicas, dos fenômenos jurídicos. [24]

Continuando, o mesmo autor escreve:

[...] A regra jurídica [...] dirige-se às pessoas, fixando-lhes posições em relações ju­rídicas. [...] Se A, para a regra jurí­dica, deve entregar a B alguma coisa, deve-a; B tem o direito a ela. [...] O dever é posterius; o que importa é o direito [...] Outras vezes, o dever é prius; o direito, posterius: é o que se passa com os deveres paternais.[25]

Sem ser pai nem tutor, o Estado-instrumento tem dever de cuidar. Cabe acrescentar que o Estado não é “pai”, como tampouco tutor, ou dono, nem há no Estado a suserania, a feudalidade. Mas, ele tem deveres com as pessoas do Povo, em alguns aspectos semelhantemente (analogicamente) aos deveres dos pais em relação aos filhos. São os direitos-deveres, como no caso dos atos vinculados. Tem de cuidar. Porque é instrumento de serviço à população, a que serve — tem direito e dever de agir com eficiência: Constituição, art. 37 caput (geral sobre a administração pública), artigo 74-I, 144 § 7º (específico sobre a segurança pública) Para isto se lhe empresta a potestas dentro da vida democrática e liberal a despeito de algumas pessoas, ou grupos delas, terem historicamente convertido o Estado-serviço em Estado-opressão.[26] É assim, contudo, segundo o sentimento já muito arraigado nos povos culturalmente mais avançados, tratado como uma regressão, uma perda, um golpe contra a personalidade dos componentes do povo.

Por mais primitivo que seja o círculo social (par andrógino, família) até aos mais largos (sociedades, grupos, Povo, Gentes), dizemos nós, por mais desorganizado e periclitante que seja, nele há de encontrar-se o Direito. Não há vida em comum sem ele, como não há vida em comum sem fenômenos econô­micos, e os restantes de relevo maior (tais são os fatos de Religião, Moral, Artes, Política e Ciência).

O Estado precisa de medidas eficientes para prover o bem público. Tanto tem o Estado incumbências (deveres jurídicos) na ordem da liberdade, com as tem tocantemente à democracia e, por fim (anda-se aqui mais devagar) no âmbito das igualdades crescentes. A não ser deste modo, desequilibra-se o círculo social e falta consistência à vida em comum mesmo para os estratos privilegiados mercê da sua sorte ou astúcia. É questão de tempo a duração precária desse desequilíbrio social. Di-lo a história, falam os fatos, não as ideologias.

Dano e ameaça de dano. Entre as medidas eficientes postas à disposição de todos, incluído o Estado, está a regra jurídica, cujo rigor corresponda aos males — danos presentes, ou simplesmente ameaçadores. Com isso o instrumento estatal fica dotado, segundo a vontade das massas, de uma maior influência sobre as outras vontades. É que não há solução possível dentro do quadro das realidades extra-mentais. No mundo fático do trânsito as estatísticas do Brasil são bastantes para indicarem mais severidade, adiantando-se ao perigo concreto, conjurando-o com mais distância dele, por meio do “perigo abstrato”. Quando, por exemplo, o motorista se nega ao teste do etilômetro, falta ele com o dever jurídico administrativo [27] porque tem o direito–dever de evitar que alguém dirija, não só embriagado, mas mesmo com a só quantidade de substância prevista em lei no quantitativo estabelecido por ela: 0,6ml no sangue. Aquele só não está com esse dever se contra ele não existe suspeita, nem ele se envolveu em acidente. O teste do etilômetro nada tem a ver com o ato de depor contra si ou confessar contra si, como repetiremos bastantemente. É apenas instrumento estatal para verificar se há ou não o ilícito previsto na lei específica. É de notar-se, dizíamos, que a Constituição Federal de 1988 estabelece, de um modo geral, mas expresso, que toda pessoa tem o dever de colaborar com o estabelecimento e a mantença da segurança pública (artigo 144).

Descumprimento de dever. Pela insubordinação administrativa, o motorista obrigado ao teste, omite o cumprimento de dever jurídico público, ou seja, o dever de ser investigado e com eficiência se evitar perigo à saúde, à incolumidade, à vida etc., valores inseridos na mesma Constituição (artigos 5º, 6º, 144 e outros). A omissão desse dever administrativo não é permitida porque sobrepaira o direito de muitos – o direito de contar com a fiscalização estatal endereçada à proteção do bem comum. Repetindo: a dita omissão é causa de perigo à saúde etc. (“periclitação”), perigo esse mais abstrato, porque a possibilidade de dano não é imediata. De todo modo, a lei estabeleceu até mesmo tipicidade penal para mais eficientemente conjurar a ameaça contra bens existenciais, tutelados pela Constituição Federal de 1988. Tipicidade é, em teoria geral da dogmática jurídica, o que na doutrina alemã se chamou de suporte fático (“Tatbestand”). Segundo alguns tem-se aí uma presunção “juris et de jure[28].

Penalidades administrativas. Quando o motorista deixa de submeter-se ao etilômetro, quadra repetir, sujeita-se a penas administrativas, sem cometer crime. A sua recusa, aliás, faz prova contra ele — um começo de prova. Essa prova é o indício. Quando se submete ao etilômetro, que registra a dose de substância proibida no nível estabelecido em lei, o motorista apenas está figurando como objeto de investigação, não está sendo interrogado, não está confessando, não está a produzir prova. Não incide, de modo algum, o Pacto de San José: quem faz prova é o Estado, não o motorista. O indício consta até mesmo de um ditado, de sabedoria popular: “quem não deve, não teme”.

Começo de prova contra o motorista insurrecto. O indício [29] é prova com o se vê do Código de Processo Penal, artigo 239:

Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

É uma prova que se funda em circunstâncias fáticas. Difere da presunção. Na legislação de muitos países, quando não haja outra explicação para a existência, ou a autoria, ou ambas as coisas, a não ser por sinais significativos, define-se essa situação como indiciária. Com base em indícios, muitos e convergentes, até mesmo a condenação criminal vem a ser admitida. [30] Também dos indícios cuidam, no Brasil, o Código de Processo Civil e o Código Civil. No Código de Processo Civil:

Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento.

Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.

Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

No Código Civil expressamente se fala da presunção no art. 212:

Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato jurídico pode ser provado mediante: [...] II - documento; [...] IV - presunção; [...].

E há neste mesmo código mais de uma alusão implícita ao indício, com aplicação analógica à recusa do teste do etilômetro. Ei-las:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

Graus de convicção. No fundo, a maior ou menor aceitabilidade dos indícios como prova se funda no princípio matemático das probabilidades (Mittermayer, op. cit., p. 496). Os indícios são chamados, também de ”prova circunstancial” (Mittermayer, 516-535). Admitem-se graus, probabilidade maior ou probabilidade menor: indício mais veemente, ou indício mais débil. Os indícios provam, sobretudo, a autoria (Mittermayer, 504-505). Mesmo quando não pudesse ser considerado “prova plena”, o indício tem efeito probatório para se dar início a um procedimento administrativo contra o suspeito. Isto é devido ao conjunto ineliminável, colhido, das circunstâncias.

Assim, este indício de não querer o motorista aceitar o teste, poderá ser levado em conta depois, em Juízo, como reforço da formação de convicção sobre o ilícito penal cometido pelo motorista. Tem-se nesta negativa de deixar-se fiscalizar a figura de um “non facere”, uma inércia ilícita, vedada em regra jurídica cogente que, em princípio, poderia até mesmo ser elemento de suporte fático penal, e não é.[31] Em matéria penal o ato de dirigir veículo, trazendo o motorista no sangue a dose proibida de substância vedada é hoje, já em si, crime. Nada tem a ver com o se recusar a fazer o teste. A lei penal do CBT é mais grave que antes (na Noruega a tipicidade penal é assim desde pelo menos a 1ª metade do Séc. XX, como relata um autor). [32]

Indício como prova durante a relação processual judicial e antes dela. Toda a dificuldade cognitiva para se acertar na avaliação dos indícios como prova cabal existe, sobretudo, durante a relação processual jurisdicional. Não antes, como elemento dos atos preparatórios dessa relação processual; exemplo: na colheita inicial de elementos para verificação se é ou não é caso de algum procedimento administrativo. Os autores alemães, estudando leis da Alemanha e da Áustria, têm em comum o frisarem o especial cuidado de que o juiz criminal tem de cercar-se para que os indícios, isolados, por si sós, sejam fundamento de uma sentença condenatória. Neste ponto particular muitas são as leis restritivas daqueles dois países e numerosos, alargados, se vêem na doutrina especializada.[33] De todo modo é um adminículo indiciário para efeitos penais saber que o motorista se recusou a fazer o teste do etilômetro.

Relação processual e procedimento. Quando o Estado julga, tanto na prestação jurisdicional como na prestação administrativa, ele o faz em algum procedimento. O procedimento é a seqüência de atos firmados em certa estrutura e ritmo. [34] Caminhando-se pela via do procedimento, em algum ponto vai ocorrer uma relação entre pessoas atuantes em pólos opostos. A relação processual surge dentro de algum procedimento, por simples que seja, jurisdicional ou administrativo. Rege-se o procedimento, com a sua relação processual específica, pelo direito público. O Estado tem obrigação de aplicar a lei aos fatos, que são geralmente oriundos de uma relação jurídica de direito material. O Estado faz isto tanto por algum julgador monocrático, como em juízo colegiado. O que se presume é que o julgador esteja à cata de decisão acertada. É como se realiza o direito objetivo, o sistema jurídico (o “império da lei”). Esgotados os recursos do procedimento administrativo, surge a coisa julgada formal administrativa.

No direito administrativo a relação processual pode iniciar-se por ato do agente público [35]; exemplo: começar por um ato de comunicação de vontade, como é a exigência feita a alguém para submeter ao etilômetro, ou outro utensílio técnico que sirva para medir “qualquer outra substância psicoativa que determine dependência” (CBT, artigo 165).

Estado de necessidade e poder de polícia. Quando o Estado precisa prover ao bem público, e se encontra em situação de ter de violar direito alheios, sem solução outra que adotar esta atitude violadora, está o aparelho público estatal, como vimos, em estado de necessidade (“Notstand”). [36] É o que eventualmente pode acontecer quando, no exercício do direito — dever de polícia (“Police Power”) —, exige o exame da expiração do indivíduo, para conhecer-lhe o psicofísico de dirigir veículo dentro dos limites estabelecidos no Código Brasileiro de Trânsito.

Coercibilidade no exercício do poder de polícia. O exercício do poder de polícia é coercível, coerção essa que pode até mesmo ser, em alguns casos (que não é o do etilômetro), a coerção fisicamente direta (“unmittelbare Swang”). [37] Exigir o uso do etilômetro não pode ser por meio de força física; quem não se submete, falta a dever jurídico seu, comete ilícito administrativo, sem que possa com isso, todavia, ser compulsoriamente levado a tal, ou preso. De todo modo, para se afastar para mais longe o risco (“perigo abstrato”) de quem é suspeito, risco e perigo tais como o concebeu o CBT (lei), bem pode o Estado, por seu agente público, estar em estado de necessidade, estado de necessidade este que dá ao agente público, em casos especiais, até o poder de empregar força física para o cumprimento da lei.[38] Não é o caso de submeter alguém ao etilômetro, caiba a insistência; mas, é-o a condução coercitiva.

Ato vinculado. Uma vez presentes os elementos do suporte fático, como a suspeita fundada de alguém poder estar dirigindo sem os pressupostos legais, o agente público torna-se portador do poder-dever de investigar. Ao fazê-lo, exerce esse poder-dever. É, aí, “autoridade”. Não solicita; impõe, exerce uma pretensão (Anspruch), que é mais que direito subjetivo, porque exige e não apenas tem disponibilidade de um bem de vida, como o ter em sua esfera jurídica o poder exigir, impor. A disponibilidade isto só direito subjetivo. Na Anspruch já se exerce o poder de exigir, exigindo. Como autoridade está aqui o Estado no velho “jus imperii” [39], sabendo-se que a distinção entre “jus imperii” e o “jus gestionis” há autores que a negam. Quando o agente público exerce a sua pretensão de o motorista submeter-se ao etilômetro, está ele a exercer um poder, um direito-dever, com o objetivo de prover, também com isso, a satisfação de uma necessidade pública — afastar com cautela maior, sempre por haver suspeita: a possível iminência de dano à vida, à saúde, à incolumidade, à segurança pessoal e social.

O dever estatal de cuidar. No dever estatal de cuidar há a já tão antiga e tão atual situação de gerir o bem geral a que todos têm direito (exemplo, direito à segurança).[40] Entre esses bens existenciais da “Daseinsvorsorge” estão na Constituição Federal de 1988, entre muitos outros, estes bens juridicamente tutelados: vida, incolumidade, patrimônio, segurança, tranqüilidade, expectativa de efetividade do sistema jurídico na aplicação do direito objetivo por todo e qualquer servidor público brasileiro. [41]

A condução coercitiva no exercício do poder de polícia. No procedimento investigatório a autoridade pode conduzir coercitivamente o suspeito para suasoriamente lhe tentar o interrogatório. É o caso de quem se recusa ao uso do etilômetro. Pode calar-se esse motorista no interrogatório, mas pode ser conduzido \a força para que o agente público tente interrogá-lo.[42] A polícia judiciária é um dos ramos do poder de polícia. Nela exerce o Estado também a potestas coercendi — a de conduzir o acusado (ver Código de Processo Penal, 260). O uso do etilômetro é um modo de o agente público, o policial, o servidor, descobrir se há ou não crime. É um primeiro exame do corpus delicti (Código de Processo Penal, art. 6o –VII). O que se examina é, diretamente, o corpo do motorista, do suspeito ou do que se envolveu em acidente de trânsito (a sua expiração). Pelo exame do seu corpo se chega ao seu estado psicofísico — se ele pode ou não pode continuar dirigindo, segundo os ditames da lei. O Estado-instrumento passa a ter elementos de verificação: se cometeu ou não o ilícito ao dirigir contrariamente ao Código Brasileiro de Trânsito. [43]

Relação jurídica judicialiforme. O suspeito está sob investigação, frise-se. Nem está na relação jurídica jurisdicional (em Juízo), nem está confessando culpa ou está sendo interrogado (Pacto de San José, artigo 8º). Pode o suspeito calar-se até quando interrogado pela autoridade policial. Posto seja judicialiforme a relação jurídica então estabelecida, a confissão nessa relação jurisdicional pode eventualmente prejudicar-lhe a defesa em Juízo. É razão bastante para se proceder à extensão analógica da norma sobre o silêncio também ao interrogatório policial ou a outro qualquer, feito por autoridade administrativa. Mas, acentue-se, ser fiscalizado é cumprir o dever de se submeter a ato legal de poder de polícia quando esse ato estatal é praticado conforme a direito. Para ser mais investigado pode ele ser levado coercitivamente para prestar declarações, momento quando lhe é dado permanecer calado (ver Código de Processo Penal, artigo 260 caput).[44]

Correlatividade: quando o Estado é constrito em direito-dever, o indivíduo tem dever-direito. Quando o Estado-instrumento tem direito a algo da pessoa, esta se põe automaticamente na posição de dever jurídico. Ainda na leitura de cientista do direito, temos o que segue.

O dever jurídico é o correlativo de todo direito. Se não é o caso de dever de determinada pessoa, dá-se dever de todas as pessoas de não desatender ao direito. O titular do direito tem sempre, diante de si, alguém, desde que a correlatividade é ineliminável. [...] O dever jurí­dico é o correlato do direito: ao plus, que é o direito, corresponde o minus do dever. Há de haver relação jurídica básica, ou relação jurídica interna à eficácia (relação intrajurídica), para que haja direito e, pois, dever. Quem está no lado ativo da relação jurídica é o sujeito do direito; quem está no lado passivo, é o que deve, o devedor (em sentido amplo). A ativi­dade (= qualidade de ser ativo) de um é o direito; a passivi­dade é o dever. Por isso mesmo, não há direitos contra si-mesmo, no direção de si-mesmo; nem deveres perante si-mesmo, na direção de si-mesmo. [...] É o princípio da correlatividade dos direitos e deveres.

Quanto aos deveres dos funcionários públicos para com as pessoas que com eles tratam, não é verdade que não haja di­reitos dessas: o Estado é o sujeito ativo na relação jurídica em que estão os deveres dos funcionários públicos [...] No mais, o direito brasileiro tem o funcionário público como órgão.

O Estado tem interesse em que o direito objetivo seja atendido, tal qual é, e para isso estabelece exames de quaestiones iuris. [...] A coercibilidade é plus [...] Cada dever tem o seu conteúdo. O conteúdo dos deveres consiste em ato ou omissão do devedor [...] A prestação pode ser positiva (facere) ou negativa (non facere) ; e dessa diferença surge a necessidade de regras jurí­dicas especiais, que atendam à natureza das prestações.

[...] O dever de tolerar é espécie de dever de abstenção, e existe, entre outros casos, onde as leis de direito público falam de entrada nas casas para fins de saúde pública: o proprietário não perde elementos do seu direito, mas tem de pôr às costas (tolerare!) o fardo dessa imposição legal. [...]

Existe direito ao cumprimento das leis, independente da pretensão à tutela jurídica dos interesses lesados [...] Se o direito e a pretensão ao cumprimento das leis existem, é questão de lege lata; [...]

Quer isto dizer que, prossegue o autor,

“Quando há regras jurídicas em vigor, o cidadão tem direito que a norma seja cumprida. E cumprida por todos já que [...] direito de igualdade perante a lei [...] é um dos direitos fundamen­tais, individual [...][45].

Esta exposição de Pontes de Miranda está a coincidir com o Direito das Gentes e com a Constituição Federal de 1988. Alguns exemplos podem ser trazidos aqui.

a) Um dos "direitos humanos" que a Carta da ONU regra é o de liberdade perante o Estado; tal não se dá se o Estado não atende à pretensão de legalidade do homem. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, entrado em vigor aos 23 de março de 1976 (artigo 49.º), menciona várias vezes observância da lei pelo Estado, a que o cidadão tem direito. O mesmo ocorre com o Pacto Internacional Sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 16 de Dezembro de 1966. O Pacto de San José traz regras jurídicas semelhantes à nossa Constituição.

b) Na Constituição Federal de 1988, artigo 37, tem-se que o Estado brasileiro tem de atuar segundo a lei, tem de cumpri-la, o homem tem direito a isto. Um caso destes é o de exigir a fiscalização pelo etilômetro contra se estabelece no CTB. A esse respeito todos são responsáveis pela segurança; ela é, pois, direito-dever. Sem regra jurídica a estabelecer deveres não se pode falar em responsabilidade pela segurança — Constituição Federal de 1988, art. 144, como dissemos:

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...]

A necessidade de fiscalização, na prática do ato administrativo do poder de polícia. O novo ilícito do Código Brasileiro de Trânsito é de perigo abstrato, o seu sentido e orientação consistem em afastar a possibilidade mediata de o motorista ir contra o direito da coletividade, assim na sua incolumidade como na sua própria vida; é como no Código Penal, artigos 250-259. Há perigo ainda mais abstrato: quando nem há o pressuposto de suspeita. Um exemplo de perigo mais abstrato ainda mais radical é o de soltar balão, sem fogo, só com pilha que se desfaz no contato com a terra. Isso pode levar outras pessoas, fora do controle imediato da autoridade, a brincarem com balões aquecidos pelo fogo. É também o caso de fiscalização de rotina. Ela tem lugar mesmo sem suspeita de perigo (exemplo: as conhecidas blitz nas estradas). É mais abstrato que o perigo abstrato da lei de trânsito porque esta pressupõe suspeita fundada em fatos ou atitudes antecedentes. [46] Outro: não se pode permitir que alguém vá a uma discoteca com uma ampola de gás dotada de algum potencial, pequeno, de explosão. Outrem vê e pode querer levar consigo uma ampola de capacidade maior. Então a proibição fica generalizada, com um “não” a qualquer ampola. [47] O direito não atende, portanto, à particularidade de cada pessoa; por sua natureza ele é mais violento (força, ainda que só simbólica), mais impositivo, mais despótico que a moral, que a arte, que a ciência.

Ainda sobre os graus de perigo. O artigo 252 do Código Penal é de perigo concreto, [48] mas se uma lei proibir o transporte de qualquer gás em carro de passeio sem autorização legal, a proibição é de perigo abstrato: o gás geralmente vedado pode ser não asfixiante, e mesmo assim se proíbe o transporte dele sem autorização. Se um crime é culposo e tem por resultado a lesão corporal, esta é uma circunstância de forma qualificada para aumento da pena (Código Penal, 258). É que aí se teme o perigo, e se quer afastar a ameaça de dano. Ora bem, quando essa ameaça de dano chega a nível fático elevado, mostrado por estatísticas, então a lei é mais rigorosa. Segue o ditado “para doença grave, remédio forte”.

O valor social da estatística. As estatísticas mostram que no Brasil os acidentes causados por pessoas que dirigem sob efeito e substância entorpecente, é de proporção superior à proporção que se encontra em outros países. No Brasil mostram as estatísticas que os acidentes de veículo determinados pelo álcool ou substância de potencial assemelhado, diminuíram depois que a dita lei começou a ser aplicado. [49] A estatística tem valor cognitivo que se não pode desprezar. Há estatísticos sérios. Eles são profissionais. Zelam por sua carreira. Há cursos de graduação e de pós-graduação em nível de mestrado e de doutorado, cujo estudo é a estatística — é o caso da USP e de algumas universidades federais. Em algumas universidades há no curso de exatas um departamento próprio para estudo da estatística (um exemplo é o da federal do PR). Há um livro de estatística que está na 11ª tiragem da 6 a. edição; dois são os seus autores. O cálculo de probabilidade, que anda a par e par com a matemática estatística, é tema estudado e em geral havido como difícil mesmo para bons cérebros. [50] Sabe-se que nos resultados da estatística aplicada se funda boa parte do mundo comercial, tanto na indústria como no comércio. Usa-se na política e na imprensa ("levantamento de opinião"); uma concorrente está pronta para apontar imperfeições de cálculos errados da outra. Qualquer pessoa preparada pode mostrar erros, ou imperfeições, de um cálculo. [51]

Se se nega validade a todo esse tipo de estudo, perde-se fonte importante de avanço do conhecimento indutivo-experimental. Temos de ou mostrar erro nas pesquisas cujo resultado foi o dos percentuais de diminuição dos crimes de trânsito por obra e graça da aplicação da nossa "lei seca" ou, ao menos provisoriamente, aceitar esses dados.

VII — A validade do Código Brasileiro de Trânsito perante a Constituição.

Ponto essencial deste estudo. Não é inconstitucional a nossa lei de trânsito por ser rigorosa. Ela atende ao bem público, ao bem da sociedade, ao bem do povo, ao bem coletivo. É na maioria do povo que está a origem do poder. Assim, afastar com punição as condutas que costumam acarretar algum perigo a coletividade é uma obrigação do Estado. [52]

A conduta ameaçadora de bens da existência, “ [...] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [...], como os bens da incolumidade, o patrimônio e muitos outros sob a tutela da Constituição Federal de 1988, tem graus: maior ou menor perigo, perigo imediato ou mediato. [53] A nossa “lei seca” não é inconstitucional em nenhuma das suas regras jurídicas. A norma mais criticada como inválida perante a Constituição é a do artigo 306:

Art. 306. “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor”.

Esta norma guarda ligação com mais estas, do mesmo CBT:

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006)

§ 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.275, de 2006)

§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)

§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)

Ora bem, 1) não existe desproporção com a realidade entre o máximo 0,6 gramas no sangue e a necessidade de se afastar o risco de dano para mais longe do que era antes (perigo abstrato). 2) Já foi edictado um decreto regulamentador das normas dos artigos 276 e 306 da lei no 9.503; interpretando, pois, a lei, é estabelecido uma “margem de tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeitos de crime de trânsito”. Passou a ser de 0,6 gramas (no exame de sangue) e de 0,6003 gramas (no etilômetro), até que para casos específicos as quantias sejam “definidas em resolução do Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, nos termos de proposta formulada pelo Ministro de Estado da Saúde”. 3) Como se viu acima, na experiência de outros Povos cultos, adota-se alhures o mesmo percentual, ou até menos ou, com pouca diferença, algo mais.

De modo que não se configura a alegada desproporção entre a legislação brasileira e a tolerabilidade humana, na espécie.

VIII — Mais pormenores sobre o atual artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito.

Uma análise do novo art. 306 caput da lei n. 9.503, de 23.9.1997 (parte do Código de Trânsito Brasileiro) não permite a conclusão da sua inconstitucionalidade. A interpretação do Direito das Gentes (como no Pacto de San José, artigo 8º, alínea g) nada tem a ver com depoimento ou confissão contra si próprio. Esta regra jurídica do Pacto alude a depoimento e a confissão contra si. Diretamente é regra jurídica apenas sobre a relação jurídica jurisdicional (“garantia em juízo). É inteiramente distinto do ato de deixar-se fiscalizar para a verificação estatal da ocorrência de ilícito. Quem é fiscalizado não depõe nem confessa. O direito do investigado, repetimos, é o de ficar calado e omitir-se em apresentar prova que, contra si, porventura tenha escondida:

Artículo 8. Garantías Judiciales

Toda persona tiene derecho a ser oída, con las debidas garantías y dentro de un plazo razonable, por un juez o tribunal competente, independiente e imparcial, establecido con anterioridad por la ley, en la sustanciación de cualquier acusación penal formulada contra ella, o para la determinación de sus derechos y obligaciones de orden civil, laboral, fiscal o de cualquier otro carácter.

g) derecho a no ser obligado a declarar contra sí mismo ni a declararse culpable, [...] — friso nosso.

Pode até mentir no interrogatório. Quando alguém vai ser investigado, porém, para se descobrir se está ligado a ilícito administrativo, ou penal, tem de submeter-se à investigação. Do contrário, insistimos, em qualquer situação delicada o indivíduo poderia alegar que não pode ser revistado para se verificar se porta ilegalmente armas, ou se porta droga, ou se praticou crime de sonegação fiscal. Isto impediria o Estado de cumprir o seu dever de afastar do conjunto social os perigos por que todos passam com alguém, por exemplo, que dirige veículo com álcool no sangue acima dos limites que a lei estabeleceu (esta com base em dados científicos).

Extensão analógica infundada. Aquela analogia referida, da norma do artigo 8º do Pacto de San José, está sendo introduzida sem base jurídica para a exegese do Código Brasileiro de Trânsito. A pretensa assimilação também do ato de ser fiscalizado, é um produto de “filosofia intimista”: de quem tem dificuldade de conferir, nos acontecimentos do mundo extra-subjetivo, as suas idéias — proposições sem fundamentos na realidade do direito — se não forem testadas com os fatos do mundo exterior ao “eu”. [54]

O direito de ficar calado (não o de não ser fiscalizado) é igualmente admitido entre nós. Na Constituição Federal de 1988 temos:

Artigo. 5º - LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; [...]

O Código de Processo Penal adaptou-se à norma Constitucional:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003)

Logo: o direito de calar-se não guarda relação alguma com o dever jurídico de ser investigado, de submeter-se a testes comprobatórios do eventual cometimento de ilícito, administrativo ou penal. Este fenômeno jurídico é inafastável por ele ser parte da natureza a que o homem pertence, é um fato natural. [55]

Note-se também que, por ser assunto da “natureza das coisas” (natura rerum), no Pacto traça no Capítulo V, artigo 32, a correlação entre deveres e direitos, segundo o Direito. Eis a norma:

CAPITULO V. DEBERES DE LAS PERSONAS

Artículo 32. Correlación entre Deberes y Derechos * 1. Toda persona tiene deberes para con la familia, la comunidad y la humanidad. 2. Los derechos de cada persona están limitados por los derechos de los demás, por la seguridad de todos y por las justas exigencias del bien común, en una sociedad democrática.

Perigo exegético. Está se tornando um mito perigoso e sem sentido a versão quase mítica de que “ninguém é obrigado a produzir prova contra si próprio”. Vejamos o novamente o porquê. (a) A regra jurídica de Direito das Gentes no Pacto de San José, artigo 8º, número 2. alínea g, ou seja, “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; [...] é norma que não tem nenhuma relação com o ser submetido à fiscalização: primeiro porque o Pacto trata é das garantias judiciais (Art. 8º - Garantias judiciais) e a norma do art. 277 do Código Brasileiro de Trânsito é norma de direito administrativo, e extrajudicial é a relação jurídica que porventura se venha a instalar. (b) O mesmo ocorre com a Constituição Federal de 1988:

Artigo 5º- III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; -LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; [...]

Medicamentos e guloseimas. O importante é que não esteja o motorista, diz a lei, “[...] sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência [...]”. Se o dito medicamento tem esse poder “inebriante”, claro que pode ser tomado, como cerveja e uísque podem. Mas, não poderá dirigir enquanto estiver com ele no sangue na dosagem fixada na lei, do mesmo modo que não dirigirá anestesiado a ponto de não ter consciência mais clara dos atos. Os dados, os conceitos, a matematização, tudo isto está na lei. Não pode o intérprete alterá-los a seu talante por o seu “eu” discordar das proposições jurídicas da norma. Cumpre não se pensar só em “teor etílico” por isso que a substância psicoativa pode ser de outra natureza. O perigo que se conjura é “abstrato”; mais precisamente, é o próprio perigo mediato, mais distante do risco do que antes da nova lei. Repetindo: isto não é um absurdo. Outros povos cultos exigem o mesmo que nós, ou até mais. Se num bombom ou num desinfetante bucal houver substâncias que acarretam também desequilíbrio psicossomático, prejudicial à direção do veículo (nos exatos termos da lei), nem com eles ativos no sangue pode o motorista dirigir. Eis a regra uma vez mais:

“Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008)

Limitações legais válidas e fiscalização necessária. A lei é expressa quanto às limitações. Não mais que as da lei, nem poderia ser diferente. O mesmo ocorre, por toda a dita lei, quanto aos casos de proibição de dirigir. No que tange a remédios, idem, porque ou causam os mesmos efeitos vedados, ou não. Logo, ou se pode dirigir com a ingestão deles, ou se há de esperar o tempo necessário antes de se tomar a direção do veículo. A muita quantidade do remédio pode ser algo assim como se fosse a dose de cerveja acima do permitido etc. Entretanto, continuemos, o poder-dever estatal de praticar o ato administrativo de fiscalizar é inabluível. Não fora assim, então o Estado não teria como exercer poder de polícia quando suspeitar de ilicitude: se o exame de pessoa ou documento, a fiscalização de empresa, a busca em carro suspeito etc., puder servir de instrumento de diagnóstico de algum ilícito, fosse o mesmo que a pessoa estar produzindo prova contra si, o Estado-instrumento ficaria impossibilitado de fiscalizar. Não seria possível a descoberta de crime fora do flagrante, porque o interessado invocaria o Pacto de S. José e a Constituição, dizendo alto e bom som: "até sentença criminal passada em julgado eu não posso ser considerado culpado"; "não estou obrigado a submeter-me à sua inspeção porque não sou obrigado a produzir prova contra mim próprio". O contrabandista, o traficante, não poderiam, sem a sua autorização, ser revistados, nem seu veículo de qualquer tipo; a mãe, ou mulher, ou irmã etc. de encarcerado não poderia passar por revista pessoal antes de sua visita ao preso, a menos que consentisse; se homem vai entrar em sala da 2ª Vara do Trabalho com duas bombas caseiras e um litro de líquido inflamável (bem guardados, mas em atitude suspeita), não poderia ele ser revistado sem a sua própria autorização. [56] Ainda: a polícia judiciária não teria como dar cumprimento ao Código de Processo Penal, art. 240 — "A busca será domiciliar ou pessoal...." sem autorização do suspeito, ou indiciado, ou acusado, e não estaria o indivíduo sujeito a ser reconhecido pela polícia relativamente a outrem parecido consigo, não teria de entregar arma suspeita para ser objeto de perícia, poderia recusar-se a ser fotografado etc.

Mais: estaria descartada do sistema penal até mesmo a prisão preventiva por falta de condenação final passada em julgado.

Argumento relativo dos direitos humanos. Outro ponto digno de exame — se o uso do etilômetro é um golpe contra os direitos humanos porque ele entraria de certo modo na intimidade da pessoa — a respiração no ato de expirar, a boca da pessoa. Digamos que fosse verdade. Os fatos regidos pelo direito são mais complexos: se houver suspeita fundada de ocorrência de ilícito o Estado tem sempre que investigar porque é dever dele cuidar da segurança, como diz a Constituição. Se a expiração é, digamos, algo íntimo, e a boca também, temos de ver que mais íntimo ainda é o interior de uma cueca. Pode haver suspeita fundada de alguém levar ali dólares para o Exterior. Não pode o suspeito dizer ao agente público: “o senhor não pode me examinar a cueca — não sou obrigado a fazer prova contra mim mesmo”. Ainda mais íntimos são os seios e a vagina da mulher. E se houver suspeita de ela portar droga proibida dentro do sutiã? “O senhor não pode examinar-me dentro do sutiã, nem funcionária alguma — não sou obrigada a fazer prova contra mim mesma”. Se uma mulher vai visitar o marido, irmão etc. na prisão, e houver suspeita de ela levar escondido na vagina um celular, não lhe é dado recusar-se ao exame alegando sempre a mesma lição de direito — “O senhor, a senhora, não pode examinar-me parte tão íntima do corpo, nem funcionária alguma vai poder fazer isto comigo — não sou obrigada a fazer prova contra mim própria”.

Muitos casos de fiscalização. Em geral: não se poderiam examinar notas fiscais a ninguém sem que o investigado consinta, nem exigir que alguém mostre a documentação do veículo, nenhuma blitz seria juridicamente possível, não poderia o fiscal tributário examinar livros de empresas, não seria legalmente possível exigir a quem viaja para o Exterior que mostre o seu passaporte, ou passe pela aparelhagem de identificar metais; aluno ou aluna de escola, de quem se suspeita o porte de “cola” não poderia ser examinado na sua bolsa, ou nos bolsos (onde pareça esconder a “sanfoninha”); nenhum suspeito de porte de arma (ou de droga, ou de contrabando etc.) poderia ser legalmente fiscalizado nem no corpo, nem na roupa, nem no veículo etc. — não seria obrigado a tal já que estaria sendo ilegalmente obrigado a fazer prova contra si mesmo. Grande parte dos deveres do Estado-Administração estaria baldada — não lhe seria mais possível fiscalizar. Parece claro que tudo isto é um mito, uma fantasmagoria golpista contra o direito vigente num “Estado democrático de Direito”. Trata-se de exegese da norma e de interpretação dos fatos com carga de voluntarismo e de subjetivismo, como se fosse confiável pensar-se em “vontade da lei” ou de “intenção do legislador”. Nessa subjetividade enleia-se destarte o próprio profissional do direito, por vezes substituindo-se à lei, já entrada no mundo da cultura, despersonalizada. [57] É claro não ser este de modo algum o sentido nem do Pacto nem da Constituição. Seria um preconceito danoso. As pessoas do povo, a coletividade, o público, estariam sem a proteção prevista nesta Constituição Federal de 1988 como vimos repetindo.

Cumpre acentuar, todavia: pode alguém causar acidente sem estar sob o efeito das substâncias proibidas de ingerir. Pode ser por má sorte, por culpa de outrem, por culpa nossa. Entanto, nenhuma outra substância perturbadora dos sentidos, como perturbador é o álcool acima da dose legal, pode ser permitida. Veda-o o bem público. Ainda uma pequena guloseima como bombons, ou algum tipo de preparado para a higiene bucal, bem podem ir contra o direito de todos à segurança pessoal e patrimonial.[58]

Sentido e orientação da lei brasileira.Tem sido grave o problema no Brasil (as estatísticas mostram-no). A lei não tem por fim humilhar: “bafômetro” é palavra da gíria, como “bafo de onça”; não está na lei, claro está. Com esse aparelho não está o agente público a violar a Constituição Federal de 1988, art. 5º-III — ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; [...] Verdade é que a vida das relações sociais é de teia muito complexa; pode haver quem, por alguma outra razão ainda desconhecida pela psicanálise, diante de aparelho dessa natureza, ou análogo, viesse a ser prejudicada no seu conjunto psicofísico. O espaço social é de elevada relatividade. O servido público é um profissional; há de estar vigilante, aberto ao conhecimento indutivo-experimental, para acompanhar esse dinamismo, difícil e imenso. É como se livrará do literalismo com segurança extra-mental — aferrado, digamos, aos fatos da vida real.[59] O agente público tem de ouvir a alegação e buscar solucionar o problema — eqüidade (“bom senso”). Nem todos estão preparados para tanto. Nem todo juiz está, tampouco, perfeitamente preparado para exercer todas as suas funções (sequer no Supremo). Assim também é com os membros do Ministério Público, da advocacia, da polícia civil, de cartório, de telefonia etc. Se houvesse no mundo a perfeição, toda fiscalização seria desnecessária. Este como que paraíso, porém, não é... Não há como o direito trabalhar com utopia. [60]

Ser conduzido à presença da autoridade policial não é o mesmo que ser preso.

Quando alguém se nega ao teste do etilômetro não está sujeito à prisão por isso. Ao contrário do que vem sido divulgado, o motorista pode se recusar, sim, a fazer o teste do etilômetro se não houver causa para tanto; causas legais para a exigência legal: 1) se se envolver em acidente; 2) se houver fato que autorize o agente público, pelo “quod plerumque accidit”, a pensar que possa o motorista estar sob influência de substância impeditiva de dirigir, segundo a lei. A recusa é ilícito administrativo apenas.

Conseqüências da não-aceitação do teste com o etilômetro. A recusa a fazer o teste do etilômetro, portanto, não é crime, nem dá azo legal a prisão. E o que acontece então com aquele que se recusa a fazer o teste? A lei é clara (§3º do art. 277 e art. 165 do CBT): o motorista que ilegalmente se recusar a fazer o exame será punido com (a) multa e (b) suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Além disso no ato da fiscalização a autoridade deverá realizar (c) a apreensão da carteira de habilitação e (d) retenção do veículo até que um condutor habilitado venha retirá-lo. As conseqüências previstas pela lei para quem se recusa a se submeter ao etilômetro são as mesmas previstas para aquele que é flagrado ao dirigir sob a influência de bebida alcoólica, infração (administrativa) de trânsito do artigo 165 do CTB.

Na prática, é como se a lei, diante da negativa do motorista em se submeter ao exame, "presumisse" seu estado de embriaguez, mas apenas para fins de aplicação das penalidades e medidas estritamente administrativas (não para medidas criminais). A pena criminal — detenção de seis meses a três anos de detenção — só poderá sobrevir se ele for processado e condenado por juiz, claro está. Pela mesma razão a recusa ao teste não configura crime de desobediência e não autoriza prisão em flagrante: não é crime. Mais: a multa é apenas objeto de autuação, como também o é a suspensão de dirigir por 12 meses. Não são penalidades imediatamente imponíveis. Pre-exigem o processo administrativo.

A lei vem para garantir bens existenciais que não para massacrar as liberdades. Nem poderia ser de outro modo por causa de uma Constituição democrática — o bem público, bem do Povo, está acima do bem particular; este, aliás, não fica restringido, senão limitado no seu exercício, em tanto quanto for indispensável.

Instauração de processo administrativo. O processo administrativo, iniciado com as medidas preparatórias anteriores (exigência do teste, negativa, apreensão da carteira, retenção do carro) dá direito de defesa e há recursos interponíveis. Sobre isto há regras jurídicas como as dos seguintes artigos:

Art. 265. As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa. * Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade. [...] * Art. 285. O recurso previsto no art. 283 será interposto perante a autoridade que impôs a penalidade, a qual remetê-lo-á à JARI, que deverá julgá-lo em até trinta dias. [...]* Art. 286. O recurso contra a imposição de multa poderá ser interposto no prazo legal, sem o recolhimento do seu valor. [...]* Art. 287. Se a infração for cometida em localidade diversa daquela do licenciamento do veículo, o recurso poderá ser apresentado junto ao órgão ou entidade de trânsito da residência ou domicílio do infrator. Parágrafo único. A autoridade de trânsito que receber o recurso deverá remetê-lo, de pronto, à autoridade que impôs a penalidade acompanhado das cópias dos prontuários necessários ao julgamento.* Art. 288. Das decisões da JARI cabe recurso a ser interposto, na forma do artigo seguinte, no prazo de trinta dias contado da publicação ou da notificação da decisão. [...] * Art. 289 e Parágrafo único* Art. 290. A apreciação do recurso previsto no art. 288 encerra a instância administrativa de julgamento de infrações e penalidades. [...]

Suspeita e conflitos jurídicos. Não se prende por suspeita. A suspeita é, isto sim, pressuposto legal para alguém ser fiscalizado. É de mister que a autoridade tenha sinais externos reveladores para poder suspeitar; a não ser assim, o motorista pode resistir ao teste e representar contra o policial. Depois, havendo os pressupostos, impetrar ou habeas corpus ou mandado de segurança. [61] E entrar com ação condenatória de ressarcimento de danos morais (e materiais, se ocorreram) contra o Estado. Eis, pois:

“Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”.

Este ponto, de exigir-se ao motorista o teste sem que ele se haja envolvido em acidente, ou esteja faticamente sob suspeita, vai ser um dos pontos mais encrencados, digamos assim, da lei. Surgirão conflitos jurídicos por causa da ilegalidade da exigência (se faltar causa para a suspeita). O problema da prova é central, e talvez difícil de ser resolvido no mundo real dos fatos extramentais. Claro que o mais simples para quem não quiser envolver-se em mais problemas da vida, é aceitar o engano do agente público e fazer o teste. Outra atitude: vendo que ele simplesmente não dá atenção, representar contra o dito guarda, se possível com alguma testemunha do seu abuso de poder. O agente público, note-se, tem a seu favor a presunção de agir corretamente (até prova em contrário) quando pratica ato administrativo — “presunção de legitimidade” (H. L. Meirelles e muitos outros). [62]

Outra conclusão. Admira, pois, dizer alguém que são ditatoriais, inconstitucionais, as novas regras jurídicas do nosso código de trânsito. Quando menos se “gosta” de uma lei, maior o cuidado se há de tomar para interpretá-la e aplicá-la. É regra básica de hermenêutica e de toda a teoria do conhecimento científico (= o conhecimento preciso, exato, definido, testável nos fatos). A aprovação popular que vem recebendo dos próprios freqüentadores de bares etc. é um sinal (embora não mais que isto) do acerto da lei, da sua exeqüilibidade material, da sua constitucionalidade.

IX — Algumas questões específicas

Ilícito penal e ilícito administrativo. Indaga-se se uma conduta tipificada penalmente deixa de sê-lo por ter sanções administrativas definidas em lei. Não deixa. Poder ser que haja suportes fáticos para uma e para outra esfera jurídica, a penal e a administrativa, e com penalidades de ambas as ordens. Não se cuida de um bis in idem — as sanções são diferentes, mas ambas admitidas pela ordem jurídica (salvo se a Constituição porventura o vedar). Hipótese semelhante ocorre com os crimes de responsabilidade, cujo suporte fático (“tipicidade”) pode ser, ao mesmo tempo, o de um crime comum. O agente responde por uma e outra ilicitude, mesmo sendo diversas as sanções legais. Vamos a um exemplo. No Código Penal tem-se:

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Na lei 8.429, de 02.06.1992, a lei de improbidade por “enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública” encontra-se a seguinte tipificação:

Art. 9°-X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado [...];

Os suportes fáticos equivalem-se. Há, contudo, duas penas distintas. Segundo a lei de improbidade (art. 12) é dito que as penalidades se cumulam, assim:

Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações: I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

Existem várias condutas no código que são ao mesmo tempo tipos penais e ilícitos administrativos. Tutelam-se bens de vida de duas dimensões — as penalidades administrativas acodem legalmente tanto o funcionamento do aparelho estatal, instrumento do Povo, como por meio dele, a sociedade; as sanções de ordem “penal” stricto sensu atendem mais diretamente as pessoas. Mas, há penas para crimes em que o aparelhamento estatal é vítima imediata. Se forem regras jurídicas válidas (= não contrárias à Constituição), o óbice jurídico não existe. Tal ocorre com penas graves do funcionário público civil, por exemplo, quando a pena administrativa é a de perda do cargo; em geral se cominam aí simultaneamente as sanções das leis penais propriamente ditas.

Se a pessoa sonegar tributo, deverá ser processado criminalmente, ainda que haja sanções administrativas (como pena de multa, devolução de quantias com acréscimo de juros etc.). Poderá estar sujeito a uma e a outra coisa porque uma ilicitude terá ido contra um valor mais específico e, na prática de outro ilícito, terá atingido outros bens de vida. Não há falar-se em bis in idem.

São independentes as esferas de responsabilidade criminal e administrativa, por isso que as funções são diversas. Só que, se a autoridade administrativa erra, pode o prejudicado buscar-lhe a correção na Justiça. Não há o e converso. Contradição tampouco está a ocorrer na espécie. As penalidades administrativas podem cumular-se com as penas criminais do Código Brasileiro de Trânsito.

Note-se o teor das regras jurídicas deste código no particular:

Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades: [...] § 1º A aplicação das penalidades previstas neste Código não elide as punições originárias de ilícitos penais decorrentes de crimes de trânsito, conforme disposições de lei. [63]

Exigência do etilômetro sem os pressupostos do Código Brasileiro de Trânsito. Crime. Quando o agente público erra na exigência do teste com o etilômetro (por exemplo, quando não tenha havido razão alguma para a suspeita, nem envolvimento em acidente), estará cometendo crime de abuso de autoridade. Se o motorista, posto na enrascada desta situação, se recusar a ir à presença da autoridade policial não comete crime algum como, por exemplo, o de desobediência: a hipótese aventada é a de ordem ilegal. Não é ordem ilegal como figura no artigo 330 do Código Penal. Na espécie a ordem da autoridade terá sido contrária ao sistema jurídico brasileiro. De outro lado, porém, não pode o motorista evadir-se para não ser fiscalizado. Nem lhe é dado desacatar o agente em serviço (Código Penal, 331). Toda a dificuldade prática nestes casos situa-se em outro tipo de regra jurídica: as das provas.

X— Respostas a algumas objeções levantadas contra a validade das normas jurídicas recém-introduzidas no CBT.

Veremos as questões que para alguns são dificuldades na aceitação da lei, por estarem a mostrar a invalidade das alterações havidas no Código Brasileiro de Trânsito. Somente trataremos das mais encontradiças em publicações.

1) Estão em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5722. [acesso em 02/07/2008]. Algumas delas vão abaixo.

No caso concreto não é necessário provar qualquer situação concreta, apenas a pura violação da norma jurídica, o que, com certeza, proporciona ao acusado poucas possibilidades de defesa. [...] verdadeira virada conceitual no Direito Penal Clássico, propondo criminalizar condutas por elas mesmas, presumindo a existência de um fato perigoso. Sinale-se, todavia, que a conduta do homem é fenômeno ocorrente no plano da experiência não podendo ser jamais presumida ou imaginada, mas sim verificada.

Ora, a exigência de a pessoa submeter-se a teste (como ao etilômetro) outra coisa não é senão a experienciação da verificabilidade — se há ou não o ilícito, diante de sinais fáticos da sua possibilidade concreta. Nenhuma intolerabilidade jurídica há nisto. Nem, pois, invalidade da norma perante a Constituição Federal de 1988. O exame detido das regras jurídicas do Direito das Gentes e da Constituição Federal de 1988 confirmam a posteriori a validade das novas regras jurídicas sobre trânsito.

[...] resulta afronta ao enunciado de Direito Penal clássico nullum crimen sine injuria, e, por conseguinte, inobservância ao princípio constitucional da ofensividade, pois não há crime sem resultado.

Há, no direito escrito de vários Povos, os crimes de perigo — o risco de lesão imediata e de lesão mediata. Nada de estranho, portanto, que as leis afastem mais eficientemente o dano com normas mais exigentes, incluído aí a exigência de teste. Consiste nisto o crime de perigo abstrato — mesmo que para algumas pessoas não seja perigoso dirigir com a dosagem expressa na lei (perigo mediato, perigo abstrato). Os fatos sociais relativos à segurança dos indivíduos em conjunto no todo social (Povo) são elementos fáticos. Mostram ser por vezes indispensável (natura rerum) afastar o risco de lesão para mais longe da sua aproximação. Caso típico são as fiscalizações de rotina, necessárias sem estar presente qualquer probabilidade imediata de dano. Eis aí um elemento fático confirmador da tese segundo a qual o atual Código Brasileiro de Trânsito é válido perante a Constituição.

[...] Ao sancionar-se penalmente um comportamento dentro destes parâmetros de valoração somos confrontados com a inexistência de uma qualquer ofensividade relativamente a um concreto bem jurídico. [...] estará o Estado estabelecendo responsabilidade objetiva no direito penal, punindo condutas in abstracto, violando os já explicitados princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da secularização, conquistas do Estado Democrático de Direito.

A ofensividade consiste em se expor a coletividade a risco faticamente possível, com algum grau de probabilidade. É por causa dos dados retirados ou ao envolvimento em acidente ou pela suspeita justificada com base na experiência de vida —, segundo o CBT, 277. É ofensiva a alguém (como à coletividade) a ameaça a direito seu. A pessoa pode entrar em Juízo também antes da ocorrência de dano, quando surge ameaça a direito seu, antes de o prejuízo ocorrer (Constituição, artigo 5º XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito). Isto assim é embora para um que outro motorista o fato de levar 0,6 gramas no sangue não seja perigoso para outrem. É somente generalizando a norma que se pode prover ao ritmo e à ordem da vida social. A ciência jurídica, como as outras demais ciências não, não tem como fazer incidir sobre cada indivíduo uma regra individual. Não pode ser diversamente pela natura rerum; o direito tem, por força de sua natureza, grau médio de autoritarismo, impositividade, cracia, mando, poder despótico sobre determinadas pessoas em particular (tem-nos menos que a Economia, a Política e a Religião; carrega-os mais que os critérios da Moral, das Artes e da Ciência). [64]

Estes aportes da sociologia geral testam e confirmam a tese da validade Constitucional da atual lei de trânsito.

[...] violam também, os delitos de perigo abstrato, o princípio da presunção da inocência, visto que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória, não se podendo presumir a culpabilidade de alguém sem a necessária comprovação através do devido processo legal, no qual o cidadão acusado possa fazer a contraprova da imputação, bem como, ainda, violam o principio da igualdade, pelo simples fato de o cidadão ter menos acesso a busca de meios absolutórios para a conduta abstratamente considerada criminosa.

A regra jurídica Constituição do artigo 5º- LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” — não proíbe a investigação. Com esta podem ser obtidos dados para eventual inquérito e ação penal. Semelhantemente com instauração de procedimento administrativo. Se o motorista levanta suspeita de poder estar dirigindo sob efeito de substância e quantidade dela fora e acima da lei, e por isso é submetido a teste, não está o agente público a dizer ser ele culpado. Aliás, tampouco é assim quando se recebe denúncia contra ele, ou quando se lhe aplica prisão temporária, ou prisão preventiva. Apenas se lhe diz que as circunstâncias exigem um teste. Nenhum juízo de culpabilidade, pois. E ele, se necessário o procedimento, terá direito de defesa e recursos diversos (CBT, artigos 265, 282, 285-288 e 290). Ou seja, nada contra a Constituição.

[...] representa essa exacerbada preocupação prevencionista do direito criminal da sociedade contemporânea, que quer antecipar a punição de condutas, com o fim de prevenir perturbações e garantir segurança, usando, para isso, o recurso do simbolismo da lei penal e da intimidação dos cidadãos com o estigma da punição criminal.

Não se dá tal. Tomam-se medidas de prevenção, como as têm o Código de Processo Penal e o Código de Processo Civil. Falta aí toda que qualquer punição de condutas. Estas sobrevirão, ou não, depois das apurações, sejam as administrativas sejam as penais. Já as medidas de urgência e de prevenção conhecem-nas os códigos de quase todo o mundo civilizado.

2) Ver Renato Marcão in > http://jusvi.com/artigos/34387 [acesso em 05/08/2008]. [65]

[...] estará configurado o crime quando o agente se colocar a conduzir veículo na via pública sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.

Os crimes de trânsito são os descritos na lei, a saber, os dos artigos 291-301 (“Disposições Gerais”) e todos os descritos nos artigos 302-312 (“Dos crimes em espécie”). Há penas principais e penas acessórias, coisa diversa das penalidades administrativas, que se não elidem. Nada mais que isto (não pouco, aliás). Tudo isto é anterior à lei de junho de 2008, derrogadora de parte do mesmo CBT. Nenhuma pena há aqui contrária à Constituição — contra o “princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, que a doutrina, de forma unânime, considera consagrado na Constituição Federal”.[66]

Confirma-se o dito neste trabalho: é conforme à Constituição Federal de 1988 o Código Brasileiro de Trânsito.

Continuando:

[...] Sob tais condições, para a persecução penal não é imprescindível prova pericial, sendo suficiente produção de prova oral. [...]

Não. A prova oral é também permitida, segundo está nos artigos 165 cc. 177. O flagrante pode dar-se sem o exame técnico se outras provas mostrarem [...] notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) [...], coisa, pois, do procedimento administrativo. Esta circunstância não elide, contudo, que seja necessariamente submetido [...] a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006) [...] [67] — salvo se a prova oral confirmar o evidente estado de embriaguez ao tempo do flagrante.

[...] todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, [...] [...] na verdade o condutor não está obrigado, e a autoridade nada poderá contra ele fazer no sentido de submetê-lo, contra sua vontade, a determinados procedimentos visando apurar concentração de álcool por litro de sangue. Não poderá, em síntese, constrangê-lo a exames de alcoolemia (sangue, v.g.) ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), vulgarmente conhecido por “bafômetro”.

Proposição verdadeira esta. Mas, o condutor comete ilícito a despeito de não pode ser compelido ao exame com etilômetro. A recusa tem um conjunto de outros efeitos jurídicos segundo as alterações do CBT: os do art. 277 § 3o que remete a outro artigo da lei.

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: * infração - gravíssima; * Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; * Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

Prosseguindo:

[...] Como bem observou Flavia Piovesan (Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional, 3. ed., São Paulo, Max Limonad, 1997, p. 254) [...] a Convenção Americana de Direitos Humanos, que em seu artigo 8º, II, g, estabelece que toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada, consagrando assim o princípio segundo o qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Não se pode aceitar a lição. Toda pessoa está obrigada a cumprir a lei, deixando-se fiscalizar segundo a lei. Trata-se de algo totalmente diferente do ato de fazer prova contra si etc. Exigir a alguém que faça o teste do etilômetro, segundo a lei, é ato do Estado, não do cidadão. Como vimos, se assim fosse, impossível seria toda e qualquer tentativa do poder público de descobrir toda e qualquer prática de ilícito. Não poderia mais haver essa classe de poder de polícia, civil ou militar — o praticar atos investigatórios teria por pressuposto da sua validade a prévia obtenção de consentimento daquele sobre quem recai suspeita de ilicitude...

A exegese de mais um trecho de normas do Direito das Gentes confirma a validade da nossa lei de trânsito.

[...] Dando melhor interpretação à regra, Sylvia Helena de Figueiredo Steiner ensina que “o direito ao silêncio, diz mais do que o direito de ficar calado. Os preceitos garantistas constitucional e convencional conduzem à certeza de que o acusado não pode ser, de qualquer forma, compelido a declarar contra si mesmo, ou a colaborar para a colheita de provas que possam incriminá-lo” (A Convenção Americana sobre Direitos Humanos e sua integração ao processo penal brasileiro. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 125). [...] É o que basta para afirmarmos que o agente [...] não poderá ser submetido, contra sua vontade, sem sua explícita autorização, a qualquer procedimento que implique intervenção corporal, da mesma maneira que não está obrigado a se pronunciar a respeito de fatos contra si imputados (art. 5º, LXIII, CF), sem que de tal “silêncio constitucional” se possa extrair qualquer conclusão em seu desfavor, até porque, como também afirma Sylvia Helena de Figueiredo Steiner: “Não se concebe um sistema de garantias no qual o exercício de um direito constitucionalmente assegurado pode gerar sanção ou dano” (Ob., cit. p. 125). [...]

Uma vez mais: são proposições tornadas mito, tantas as vezes que se foram repetindo, de autor para autor. Mas, sem base nos fatos e na própria letra dos tratados (parte do Direito das Gentes). Veja-se a esse respeito, no próprio Pacto de San José, a norma do artigo 32:

[...] 2. Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática.

Nem se encontra nada contrário no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, como se vê das seguintes normas de Direito das Gentes:

Artigo 9.º Todo o indivíduo tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser submetido a detenção ou prisão arbitrárias. Ninguém poderá ser privado da sua liberdade, excepto pelos motivos fixados por lei e de acordo com os procedimentos nela estabelecidos. [...] Artigo 14.º Qualquer pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma a sua inocência até que se prove a sua culpa conforme a lei. [...] g) A não ser obrigada a prestar declarações contra si própria nem a confessar-se culpada. [...] Artigo 17.º Ninguém será objecto de ingerências arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de ataques ilegais à sua honra e reputação.

Mais adiante se lê:

Há ainda o princípio da presunção de inocência, inscrito no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, a reforçar a idéia de que aquele a quem se imputa a prática de um delito não poderá ser compelido a produzir prova em seu desfavor.

Nessa linha de argumentação se faz necessário destacar o direito à ampla defesa consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal, que possui contornos bem mais amplos do que a ele tantas vezes se tem emprestado, a permitir que o condutor recuse ser submetido aos procedimentos que impliquem intervenção corporal apontados no art. 277, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, sem que de tal agir decorra qualquer implicação administrativa nos moldes do § 3º do art. 277, ou criminal, nos moldes do art. 330 do Código Penal, que tipifica o crime de desobediência.

Como dito acima, ilegal seria o ato físico de constranger o motorista a fazer o teste do etilômetro. Se assim proceder o agente público, comete ele crime de abuso de autoridade (lei 4.898, de 9 de dezembro de 1965). Há, mesmo no procedimento administrativo, lugar efetivo para a ampla defesa, ao modo dito. De modo que está a lei conforme à Constituição Federal de 1988, artigo 5º- inc. LV.

Antonio Scarance Fernandes [...] o princípio de que ninguém é obrigado a se auto-incriminar, não podendo o suspeito ou o acusado ser forçado a produzir prova contra si mesmo. Com a convenção de Costa Rica, ratificada pelo Brasil e incorporada ao direito brasileiro (Decreto 678, de 6.11.1992), o princípio foi inserido no ordenamento jurídico nacional, ao se consagrar, no art. 8º, n. 2, g, da referida Convenção que ‘toda pessoa tem direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada’. [...] Significou [supra] a afirmação de que a pessoa não está obrigada a produzir prova contra si mesma. Pode por exemplo, invocar-se esse princípio em face do Código de Trânsito (Lei 9.503, de 23.09.1997) para não se submeter ao teste por ‘bafômetro’” (Processo Penal Constitucional, 5. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 303-304).

Sobre este ponto já dissemos o suficiente, até ad nauseam.

Maurício Antonio Ribeiro Lopes [...] a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu art. 8º, garante o direito a não auto-incriminação. Desse modo, pode haver recusa pelo condutor de se submeter a esses exames sem que tal fato venha a caracterizar autonomamente crime, tampouco presumir seu estado de embriaguez.

Ser fiscalizado não é ato de “auto-incriminação”. O Estado, na função administrativa, precisa e deve fiscalizar a pessoa, na forma da lei. Ser fiscalizado é muito diferente de “auto-incriminação”. Deixamo-lo escrito ao falarmos das funções estatais nos Estados democráticos, onde autoridade é serviço público. A situação de ebriedade é mais do que exigido pela lei brasileira; basta o estar com sangue carregado com 0,6 Gr no sangue. A pessoa neste estado nem sempre está “ébrio”, “bêbado” no sentido comum da linguagem em português (“de porre”, na gíria). Ora bem, nada se presume senão que apenas, se houver indício (ou envolvimento em acidente), o afastamento mediato do possível dano (“perigo abstrato”) é pressuposto para o teste no etilômetro. É o teor da norma em apreço.

Luiz Flávio Gomes [...] Para provar que o agente conduziu veículo automotor na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, é imprescindível prova técnica.

Uma destas provas técnicas é o teste no etilômetro.

Observada a nova redação do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, fica claro em relação à embriaguez ao volante que só haverá processo e eventual condenação se houver prova técnica (bafômetro, por exemplo), indicando a presença de concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. A prova testemunhal isolada não é suficiente.

A menos que haja sinais de embriaguez, que é mais, como vimos.

Em decorrência das mudanças introduzidas com o advento da Lei n. 11.705, de 19 de junho de 2008, apenas poderá ser chamada a prestar contas à Justiça Criminal “por embriaguez” ao volante, nos moldes do art. 306, caput, primeira parte, do Código de Trânsito Brasileiro, a pessoa que assim desejar ou aquela que for enleada ou mal informada a respeito de seus direitos, e por isso optar por se submeter ou consentir em ser submetida a exames de alcoolemia ou teste do “bafômetro” tratados no caput do art. 277 do mesmo Codex e, em decorrência disso, ficar provada a presença da dosagem não permitida de álcool por litro de sangue.

Em relação à conduta capitulada na parte final do art. 306, caput (conduzir veículo automotor na via pública sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência), por não ser indispensável prova técnica, a configuração e conseqüente instauração da persecução penal independerá de boa vontade, engodo ou desinformação do agente.

O agente público não tem dever jurídico de dizer ao motorista faticamente suspeito etc., qual a razão de estar sendo investigado. Tal não consta de regra jurídica alguma. Se o faz, pratica ato de gentileza, convinhável, mas não juridicamente indispensável.

Ora, se o assim denominado “silêncio constitucional” existe para assegurar a regra estabelecida no art. 8º, II, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos, e tem as repercussões amplas que acima anotamos, por questão de lealdade e cumprimento da própria Constituição Federal, todo aquele que for abordado na via pública conduzindo veículo automotor sob suspeita de haver ingerido bebida alcoólica deve ser “informado de seus direitos, entre os quais o de não se submeter a exames de alcoolemia, teste do bafômetro” etc.

Já dissemos o bastante sobre a matéria.

Trata-se de decorrência lógica. A regra está prevista na Constituição Federal e é assim que se deve proceder em um Estado de Direito minimamente democrático.

Sem razão, como largamente mostramos. Nem a lei é intolerável para maioria do Povo, nem é ela inválida perante a Constituição Federal de 1988 por outro fundamento qualquer. Bem ao contrário, a decorrência extraída da lógica material (com exame de fatos) é no sentido de ser constitucionalmente válido o Código Brasileiro de Trânsito.

XI — Conclusões.

Os acidentes automobilísticos são causa importante de mortes e de lesões corporais graves em todo o mundo, sem exclusão do Brasil.

A maioria da população, mesmo os que se sentem incomodados com a lei, aprovam-na; isto é comprovação de ela ser de cumprimento possível.

O conceito de Estado, posto seja de difícil rigor técnico, pode ser examinado também no mundo jurídico; em país como o Brasil, o Estado é atualmente um instrumento de serviço ao Povo (a todas as pessoas da população); enquanto “autoridade” ele se impõe a todos, segundo a Constituição, mas sempre com o fito de prestar serviços, e não como dominador de quem quer que seja.

Direito é um processo social de adaptação naturalmente dotado de mediano quantum despótico, impositividade, mando, autoridade; quando cogentes as suas regras, não se consultam os interesses individuais e, pois, há regras jurídicas onde se expressa contrariedade a interesses, ora do indivíduo sobre o coletivo, e vice-versa — contra a vontade seja de um seja de outro lado da relação jurídica dentro do Estado.

As pessoas ocupantes de cargo próprio do Estado (cargo público), seja qual for a função exercida (no Legislativo, no Executivo e no Judiciário) são, com precisão técnica, servidores públicos. Autoridade só tem sentido jurídico como serviço prestado para bem diante de todos, não como força impositiva em si e por si.

O ato administrativo do exercício de polícia é inerente à função estatal a que todos, sendo ele exercido de acordo com a lei, têm de sujeitar-se para ser alcançado o bem público na realidade dos fatos humanos.

A exigência feita pelo funcionário público competente a quem está a dirigir automóvel sob suspeita fundada em fatos, de estar sob o efeito de álcool ou substância de efeitos análogos, é exercício de pretensão jurídica. A resistência a esta pretensão não é crime, mas é ilícito administrativo, e prova indiciária de crime do trânsito.

A nossa lei “seca” não pode qualificar-se sociologicamente como draconiana, ou juridicamente inconstitucional porque fosse porventura contra o regime jurídico de país democrático de direito. Todos os Povos acima estudados são de regime democrático e libertário. Alguns têm “lei seca” mais rigorosa que a brasileira.

A regra jurídica de Direito das Gentes no Pacto de San José, posta no artigo 8º, número 2. alínea g — “direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; [...] é norma que não tem nenhuma relação com o ato obrigatório de alguém ser submetido à fiscalização.

Ocorre o mesmo com qualquer outra fonte de Direito das Gentes, notadamente quando cuida dos direitos humanos, e da relação Estado-indivíduo, e vice-versa.

Formou-se nos meios acadêmicos e na jurisprudência uma sacralidade danosa, um erro mitológico daninho para a inteligência da matéria inserta no artigo 277 caput, cc. 165 e 306 do Código Brasileiro de Trânsito.

Não se encontra regra jurídica inconstitucional no atual Código Brasileiro de Trânsito, nem porque fosse norma de impossível cumprimento nem por estar em contrariedade direta com a Constituição Federal de 1988. É com alegria e esperança que se celebra o primeiro aniversário da nossa "lei seca".

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*


[1] Este cuidado metodológico consta de capítulo de livro: FÁVARO, Diocélia da Graça Mesquita. A formação do jurista, in FREITAS, Vladimir Passos (coord.). Direito em Evolução. Curitiba: Juruá. 2000. (A co-autora é juíza do PR).

[2] Assim figura numa relação breve, segundo está em http://www.portaldotransito.com.br;

[12] Ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, tomo I, p. 118 e seguintes; p. 131e seguintes, tomo IV, páginas 235-248 etc.

[13] Pontes de Miranda, Sistema de ciência positiva do direito, tomo IV, p. 378, parágrafo final.

[14] Para tanto veja-se GÉNY, François. Science et Technique en Droit privé positif, Paris, 1921, III, página 18 (onde discute a dicotomia “donné” e “construit”) apud Pontes de Miranda, Sistema de Ciência Positiva do Direito, 2ª. ed., tomo III, página 252.

[15] É tema, digamos, nuclear e que se pode estudar em PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo I. Rio de Janeiro: Borsói, 1954, p. 3-78.

[16] Alude Dallari (DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996, páginas 21-34 e 80-84) aos conhecimentos sociológicos — que recomenda vivamente. Fá-lo, todavia, ainda com tinturas retóricas, distantes do direito posto. Direito posto, (mais) trans-pessoalmente analisado e dominado, eis o caminhar mental próprio do método indutivo experimental. É o mesmo que direito segundo a ciência positiva, isto é, gama de informes adquirida e mantida pelo método indutivo-experimental — o mais seguro, exato, rigoroso, de resultados mentalmente controláveis, conferíveis com o mundo dos fatos extramentais.

[17] Idéia mais completa, ver livro longo: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.

[18] K. Marx, Das Kapital, t. I, páginas 515 e 266-268.

[19] BÖHME, p. 928-930.

[20] Ver Hamann, p. 337-344.

[21] Pontes de Miranda, Comentários à Constituição Brasileira de ..., t. I, páginas 44-69.

[22] Adam Smith, páginas 33-52.

[23] Estamos a prescindir das necessidades sociais (como as do artigo 6º); dizem respeito a outro caminho a ser trilhado pelo Estado-instrumento no prol da paz e, pois, da suportabilidade da vida em sociedade — crescente igualdade no plano econômico-cultural. Ver a esse respeito, em termos precisos, obra de fôlego já mencionada: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.

[24] Pontes de Miranda, Sistema de Ciência Positiva do Direito, tomo I, p. 75 e seguintes.

[25] Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. I, páginas 422 seguintes.

[26] Ver, por exemplo, BULLOCK, p. 808.

[27] Está na Constituição Federal de 1988, Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: [...]

[28] Ver Nelson Hungria, Comentário, vol. IX, p. 15-16.

[29] Leia-se a respeito Mittermayer, Tratado da prova em matéria criminal, páginas 20, 37, 491, 500-502, 545, 530 e passim.

[30] Mittermayer, Tratado da prova em matéria criminal, 491-494.

[31] J. F. Marques, Tratado de direito penal, t. II, p. 53-54.

[32] J. F. Marques, Tratado de direito penal, vol. IV, p. 289.

[33] Mittermayer, Tratado da prova em matéria criminal, p. 536-542.

[34] Pontes de Miranda, Comentários ao Código de Processo Civil, tomo I, p. XIX-XXIII.

[35] Ver Alberto Xavier, Do procedimento..., p. 155.

[36] FORSTHOFF. Lehrbuch des Verwaltungsrechts, p. 269-275.

[37] FORSTHOFF. Lehrbuch, p. 274.

[38] BIELSA, Rafael. Derecho administrativo, p. 27-30.

[39] Cretella, Tratado, vol. II, 101-102.

[40] “Daseinsvorsorge” literalmente é “cuidado vital” ou “encargo existencial”; ver FORSTHOFF, páginas 320-322 e 357-360.

[41] Ver também Oswaldo Aranha, Princípios gerais de direito administrativo, páginas 190-200.

[42] Ver J.F.Marques, Estudos de direito processual penal, 1960, páginas 99-103. Ainda que não se cuide de relação jurídica processual judicial (em Juízo, como escrito no Pacto de San José), as respostas dadas nessa fase administrativa podem prejudicá-lo ao depois, perante o Poder Judiciário. É de mister essa extensão, que a pedem os fatos.

[43] Ver a esse respeito , J.F.Marques, Elementos de Direito, vol. I, páginas 168-172.

[44] J. F. Marques, op. cit., p. 159.

[45] Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. I, páginas 422 seguintes.

[46] Sobre perigo abstrato, ver breve estudo em

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5722; [acesso em 02/07/2008]

[47] DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado, no estudo do artigo 251.

[48] DELMANTO, Celso. Código penal comentado, p. 401.

[49] Alguns poucos exemplos estão em:

http://www.orago.com.br/noticias.php?id=567&titulo=Lei_Seca_diminui_em_24%_resgates_do_Samu_no_País; http://www.esp.ce.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=316&Itemid=61;

http://www.dprf.gov.br/PortalInternet/index.faces

http://www.cornelionoticias.com.br/noticias/detalhes_noticias.asp?Nrs;

A nova Lei Seca de Tolerância Zero está em vigor e já se percebe bons resultados nas estradas brasileiras;

http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/noticias_detalh e.cfm?co_seq_noticia=51038.

Lei seca reduz operações de resgate de urgência - 14/07/2008; MINISTÉRIO DA SAÚDE * SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE * DEPARTAMENTO DE ATENÇÃO ESPECIALIZADA * COORDENAÇÃO GERAL DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA * REDE NACIONAL SAMU 192


[50] Em Vitória (ES) existe uma faculdade de economia que mantém curso de estatística na internet: http://www.geocities.com/pcrsilva_99/2A0.HTM;

[51] Na ciência do direito — há ainda quem entenda não se poder estudar cientificamente o direito... — essa parte da matemática é da maior importância. Veja-se, por exemplo, no gênio de Pontes de Miranda, o seu "Tratado das Ações" para cuja pesquisa ele levou cerca de 50 anos.

[52] Aníbal Bruno, op. cit., volume I, tomo I, pág. 268-269, citando o velho Garófalo.

[53] Aníbal Bruno, p. 272-274, IV, com a citação de uma dúzia de penalistas clássicos da Alemanha, além de quase 10 expositores italianos.

[54] Repetindo, agora em vernáculo: art. 8º [...] 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. [...] g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada [...]

[55] Alargadas são as pesquisas de Pontes de Miranda sobre a naturalidade do fenômeno jurídico, como em Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, notadamente o tomo I. Também sobre o Direito como fenômeno natural, ver Schröder, páginas 100-104.

[56] Este fato aconteceu em Belo Horizonte na 2ª Vara da Justiça do Trabalho, julho de 2008; ver >> http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3107200819.htm; [acesso em 13/08/2008].

[57] Ver a esse respeito Pontes de Miranda, Subjektivismus und Voluntarismus im Recht (todo).

[58] Note-se não ser, aliás, impossível que essa alegação à autoridade de trânsito seja peripécia para escapar à fiscalização; e que não o seja: se a substância prejudica (artigo 165), sobrepaira o bem público; o motorista não pode continuar dirigindo sob os efeitos dela.

[59] Sobre o espaço social e a sua grande relatividade, ver todo o trabalho de Pontes de Miranda, Vorstellung vom Raume. Atti del V Congreso Internazionale di filosofia, Napoli, 1925.

[60] A respeito de eqüidade (“bom senso”), a estar presente em toda a aplicação diária do direito, ver em termos mais técnicos, Schröder, páginas 15-17. Sobre direito na relação com a justiça, inclusive para aperfeiçoamento do jurista e respeito de direito não escrito (no direito romano) — igualmente uma tarefa diária de quem aplica o direito objetivo em cada pormenor diário, ver Mackeldey, páginas 4 e 5.

[61] Estudo técnico e alargado sobre o habeas corpus, ver Pontes de Miranda. História e Prática do Habeas Corpus (todo).

[62] Não é pela errada aplicação de qualquer lei que se pode dizer ser ela ruim. Fôra assim, toda vez que algum juiz errasse na aplicação de alguma norma de direito, deveria ela ser combatida para se lhe conseguir a revogação (?) — um pandemônio...

[63] Os crimes especiais vêm longamente descritos nos artigos 291-312.

[64] Ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Introdução à sociologia geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 138-195; Introdução à política científica. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1983, 133-174; Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, tomo I, p. 201-205; Comentários à Constituição Brasileira de 1967, com a Emenda 1/69. 6 v. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, tomo I, 29-43

[65] Algumas destas objeções são do próprio autor, professor Renato Marcão (membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, Mestre em Direito Penal, Político e Econômico etc.). Outras são de doutrinadores que o autor invoca, e que lembraremos nominatim.

[66] Estas as aspas são de trecho de decisão liminar concedida no Tribunal de Justiça de São Paulo (São Paulo, 8/7/08; Márcio Franklin Nogueira, Relator), cujo fundamento foi que “ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo”.

In >> http://www.migalhas.com.br/mostra_noticia.aspx?cod=64577 [acesso em 05/08/2008].

Falam outros do “princípio da proporcionalidade e razoabilidade”. Cuida-se de regra jurídica impossível de ser cumprida, como entende certo Povo em algum lugar da Terra. Exemplos risíveis: “toda criança, ao nascer, os pais têm de lhe gravar no braço o partido político do pai”; “é obrigatório o uso de roupa com distintivo de algum time de prática esportiva”; “ao casar no civil a noiva deve trajar roupa branca, sob pena de nulidade do casamento”; “no registro civil do casamento constará se algum dos noivos era virgem antes da boda oficial”... “Qualquer irregularidade nos livros fiscais, ainda que minúscula — multa de cinco vezes o imposto anual devido pelo contribuinte” etc.

Em sentido contrário à liminar ora mencionada tem-se, do Tribunal de Justiça de Sergipe, o Habeas Corpus de número 0581/2008, Aracaju, 25 de julho De 2008; Relator Des. Netônio Bezerra Machado. In>>

http://www.tj.se.gov.br/tjnet/noticias/noticiajuridicascompleta.wsp?tmp.pesq=106 [acesso em 8/6/2008].

[67] Art. 277 e § 2o.

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