quarta-feira, 10 de junho de 2009

O Conselho Nacional de Justiça segundo a Constituição Federal

O Conselho Nacional de Justiça segundo a Constituição Federal

Nestas anotações de direito trazemos à consideração dos leitores alguns tópicos relativos ao CNJ. Entra ele a ser dia a dia mais debatido, notadamente pelos profissionais do direito. Não pouco pelos magistrados de todo o país. Condiz, pois, com esta situação pôr à mostra o pensamento de muitas dessas pessoas. Aqui vai, assim, uma primeira colaboração nossa, exposta à crítica.

A — O CNJ é órgão do Judiciário Brasileiro

Consta ele hoje da própria Constituição Federal de 1988, com posição muito próxima em alguns pontos ao próprio Supremo Tribunal Federal. Vem regrado logo após o Supremo e antes de todos os restantes tribunais. Os demais “tribunais superiores” vêm, sim, depois, a partir do item II, ao passo que o CNJ ficou como se fosse algo assim como um apenso do Supremo – deram-lhe o segundo lugar (I-A):

Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

I - o Supremo Tribunal Federal;

I-A o Conselho Nacional de Justiça; II – [...] § 1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal. [...]

Se fosse possível a só interpretação literal, ou se tivesse sentido ir buscar a “intenção do legislador”, ou falar-se de “espírito da lei”, poderia parecer que todo magistrado fica subordinado administrativamente ao CNJ em termos de correção de atos disciplinares, exceção feita aos ministros do Supremo. Não é assim, porém, já que em nenhum passo é dito passarem esses ministros ao largo, imunes à correição do Conselho. Mais: porque também eles são magistrados, de mesma composição biológica dos demais. Podem errar, e não apenas em crime comum (julgamento do próprio Supremo) ou em crime de responsabilidade (julgamento do Senado).

B — O CNJ tem hoje atribuições de alto poder na República

O status dos seus membros é havido como elevado, junto aos quais oficiam o Procurador-Geral da República e o presidente de uma importante pessoa jurídica de direito privado de nível máximo:

Artigo 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] r) as ações contra o Conselho Nacional de Justiça e contra o Conselho Nacional do Ministério Público; [...] Artigo 103-B, § 6º Junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Gozam os membros do CNJ de foro privilegiado ao modo seguinte:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] II - processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade; [...]

Os crimes de responsabilidade estão definidos em lei muito antiga, a de número 1.079, de 10 de abril de 1950. Não se definem aí, por alteração ulterior, os ilícitos de responsabilidade dos membros do CNJ. A despeito de não serem infrações “comuns”, poderão os membros acusados de ilícito alegar no seu prol o nullum crime sine lege. (É geral o princípio do artigo 5º- XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”).

C) É também um órgão julgador por ser parte do Poder Judiciário:

O CNJ julga, como julgam os outros órgãos de julgamento do Poder Judiciário, de modo que também ali vige a norma:

IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; [...]

D) Mantém, sobre todos os magistrados, poderes inéditos até 2004

Não bastaram os órgão dirigentes de cada tribunal, anos a fio, para a correta administração de cada qual deles. Veio então a constar também da Constituição vigente:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: [...] VIII o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa; [...]

Artigo 103-B, §4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências; II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, [...] III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa; [...] V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano; [...]

E) A sua composição é complexa e submetida ao poder político

Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de quinze membros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e seis anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo: [...] XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado Federal. [...] § 2º Os membros do Conselho serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. [...]

F) A sua competência é vasta e plúrimos são os direitos-deveres

O poder de fiscalização do CNJ recai sobre todos os magistrados brasileiros, em exercício em qualquer Instância. A respeito de todos eles tem que elaborar relatórios de alta repercussão, ao menos em tese (depende da aplicação deles ao depois). O corregedor é corregedor de qualquer outro corregedor. Pode e deve atender a reclamações de qualquer pessoa do povo, diretamente feitas a este órgão judicial, por ser ele uma nova unidade da magistratura nacional.

Artigo 103-B, §4º-VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa. [...] § 5º O Ministro do Superior Tribunal de Justiça exercerá a função de Ministro-Corregedor e ficará excluído da distribuição de processos no Tribunal, competindo-lhe, além das atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura, as seguintes: I receber as reclamações e denúncias, de qualquer interessado, relativas aos magistrados e aos serviços judiciários; II exercer funções executivas do Conselho, de inspeção e de correição geral; III requisitar e designar magistrados, delegando-lhes atribuições, e requisitar servidores de juízos ou tribunais, inclusive nos Estados, Distrito Federal e Territórios. § 6º Junto ao Conselho oficiarão o Procurador-Geral da República e o Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

G) Conseqüências

a) A reforma constitucional mediante a qual se introduziu o CNJ no direito brasileiro é formalmente válida. As diversas regras jurídicas introduzidas com ela na Constituição Federal de 1988 não contrariam as do artigo 5º e compaginam-se com os princípios fundamentais do Preâmbulo e dos artigos de 1º-4º.

b) A discussão sobre a conveniência dessa reforma é outra matéria, agora de jure condendo. Como parece ter sido necessário o CNJ para se suprirem as omissões, para se diminuírem as negligências e para se combater corrupção, hoje a controvérsia de maior relevo situa-se no modo como é feita a composição do CNJ.

c) É conforme ao sistema jurídico brasileiro o exercício dos direitos atribuídos a este órgão, parte mesma que é do Poder Judiciário. Este exercício, quando abusivo, tem ainda correção possível no Superior Tribunal de Justiça (se a violação cometida tiver sido de norma infraconstitucional) ou no Supremo Tribunal Federal. Se o interessado não for atendido nesses tribunais, restam a ação política perante o Congresso Nacional, a crítica na Internet, o tentame de levar o caso à imprensa, a passeata.

d) Surgem reclamações sobre ser o CNJ um órgão anódino quando se cuida de inserir corrigendas em ministros do Supremo. Também com eles deveria atuar sem provocação (Constituição Federal de 1988, artigo 103-B, §4º-II). Ora bem, um dos modos de se tentar esta possível distorção pode ser formular a esse respeito a reclamação escrita, protocolada etc., com notícia para a imprensa.

e) Há quem defenda a tese de o CNJ dever ser composto só por magistrados; poderia surgir a increpação de corporativismo. Ou de ser de mister um órgão único misto para corrigir também as erronias dos membros do Ministério Público e dos Advogados. Neste caso seria composto só por juízes, membros do Ministério Público e advogados, eleitos por sua respectiva classe (sem necessidade de aprovação pelo Senado nem de nomeação pelo Presidente da República). Há aí complexidades a solver, mas claro está que a idéia não pode desprezar-se sem mais. Sabe-se quão difícil será mais uma reforma na Constituição nestes pontos.

f) Muita outra matéria haverá de ser pensada para se haurir, da incidência das regras jurídicas constitucionais sobre os respectivos suportes fáticos, a gama alargada de eficácias jurídicas irradiadas dos correspondentes fatos jurídicos, em cuja composição entrem o CNJ e mais outra pessoa qualquer: são as possíveis relações de direito-dever, pretensão-obrigação, ação-(sujeição) e exceção-(abstenção).

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Mozar Costa de Oliveira (aposentado)

Santos – São Paulo

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