quarta-feira, 10 de junho de 2009

JUROS BANCÁRIOS EXCESSIVOS — UMA VEXATA QUAESTIO

JUROS BANCÁRIOS EXCESSIVOS — UMA VEXATA QUAESTIO

I — OS FATOS EM DISCUSSÃO

Breve histórico. No refinanciamento o banco-mutuante computou juros compostos (juros sobre juros ou anatocismo) porque transformou a dívida anterior num principal dentro do qual ficaram embutidos os juros anteriores. Ou seja, o principal passou a ser A (principal simples) + x (juros anteriores, embutidos em A). Resultado: no atual débito “principal” já figuram também juros (anatocismo) — juros cobrados sobre juros anteriores, sendo o mutuário um microempresário.

O mutuário, autor da ação. O mutuário é professor de educação física. Seus gastos mensais necessários são os seguintes: [...] sem contar a mensalidade cobrada pelo mutuante no elevado valor de R$443,93 — a despeito de tudo quanto já pagou. A sua hipossuficiência perante a parte adversa foi a ponto de estar ele sob os auspícios da gratuidade da justiça. Quer isto dizer que todo o modesto ganho do mutuário se consome com as despesas. É um ganho apertado que o rico banco ainda garroteia sem consideração de ordem econômica ou moral.

O mutuante. A instituição bancária, por outro lado, é parte de um poderoso holding, a “Itaú Holding Financeira”,

[...] que controla, entre outros, o Banco Itaú S.A.; [...] foi este até faz pouco, o segundo maior banco privado do Brasil, [...] Atualmente, com a compra do Unibanco, superou o próprio Banco do Brasil. [...] O Banco Itaú Holding Financeira S.A. propriamente dito surgiu em 24 de março de 2003, como resultado de uma reorganização societária do Banco Itaú, este surgido em 1945.

Além do Banco Itaú (Itaú Agências, para pessoas físicas), controla também o Itaú Personnalité (pessoas físicas de alta renda), Itaú Private Bank (pessoas físicas de alto patrimônio), Itaú BBA (empresas de grande porte) e a financeira Taií. O Banco Itaú Holding Financeira S.A., por sua vez, é controlado por um holding maior, a Itaúsa - Investimentos Itaú. Os seus ativos totais somaram 209,69 bilhões em 2006 (itálicos nossos). [1]

É notório que se trata do maior banco de todo o Brasil. Constava já, mesmo antes da última aquisição, o seguinte:

O Banco Itaú S.A., sediado em São Paulo, é o braço do Itaú Holding voltado ao setor de varejo, oferecendo serviços de finanças e seguros a mais de 12,4 milhões de pessoas físicas e pequenas empresas. O conjunto de empresas do conglomerado é denominado Grupo Itausa, que é o nome de uma holding que tem o controle acionário de parte das empresas. Fundado em 1945, o Itaú é o segundo maior banco privado do Brasil em ativos totais que em 2006 somaram 209,69 bilhões. É o 4° colocado na classificação geral em 2006, sendo ultrapassado pelo Banco do Brasil (1°), Caixa Econômica Federal (2°) e Bradesco (3°).[2]

Por causa da exuberância dos resultados, as principais instituições do País puderam aumentar ou fazer amortizações integrais de compras feitas no passado. O Itaú [já antes de comprar o Unibanco] amortizou o ágio total da aquisição do BankBoston. O mesmo ocorreu no Bradesco, que amortizou aquisições, como a da American Express (Amex) e do Banco do Estado do Ceará (BEC).

[...] [3]

*

Segundo levantamento da entidade, as provisões do Bradesco subiram 76%; do Itaú, 73%; do Unibanco, 31%; do Banco do Brasil, 32%; e do Banco Real, 66,1%. Na média, a provisão ficou em 53%. "Os bancos exageraram nas provisões acima dos valores exigidos pelo Banco Central", afirma Rodrigues. [grifo nosso].

Segundo ele, outro fator que demonstra a exuberância dos bancos é a conta de prestação de serviço, que saltou de R$ 38,90 bilhões para R$ 45,50 bilhões - avanço de 17%. Ele lembra que em 1994, na estréia do real, as receitas de serviços representavam apenas 3,5% do faturamento total. Hoje essa participação já atinge 21%. [...]

*

Além disso, esses ganhos eram responsáveis por 40% da folha de pagamento e hoje significam 115%. "No caso do Itaú e do Unibanco as receitas são duas vezes a folha de pagamento", afirma Rodrigues.

Para este ano, a expectativa é que o crédito e os altos spreads (diferença entre o custo de captação e o que é emprestado para o consumidor) continuem melhorando os lucros.

Em 2005 o rendimento líquido do mutuante revel foi de R$11.156.714, ou seja, mais de onze bilhões de reais. O lucro foi em si mesmo de 5.251.334. Acresceram, porém, mais 8.182.604 (mais de oito bilhões de reais); são ganhos auferidos pelo mutuante a título de EBIT. Os “EBIT” são “Earnings Before Interest & Tax”, a saber, ganhos operacionais ("operating earnings", "operating profit" and "operating income"). Por outra: lucros operacionais, vantagens, ganhos bancários, enriquecimentos, que assim se explicam: consiste na opulência de proveitos financeiros já obtidos mesmo antes de serem levados em conta os pagamento dos juros aos clientes e o imposto de renda a ser recolhido ao Estado (“before taking into account interest payments and income taxes”).[4]

O ano de 2007, quando as partes celebraram o negócio jurídico de empréstimo. Só sobre o exercício de 2007 o próprio mutuante revel já pudera anunciar-se, e ao público, as melhores alvíssaras, assim:

O lucro líquido consolidado do Itaú bateu recorde no ano passado[5] e somou R$ 8,474 bilhões, informou a instituição nesta terça-feira [6]. O resultado é quase o dobro (alta de 96%) do obtido em 2006 (R$ 4,309 bilhões).

O Itaú é o segundo maior banco privado do país, atrás apenas do Bradesco, que acabou lucrando um pouco menos que o rival em 2007 (R$ 8,01 bilhões). O ganho do Itaú no ano passado foi o maior já registrado por um banco brasileiro de capital aberto nos últimos 20 anos, segundo dados da consultoria Economática.

No último trimestre de 2007, o lucro foi de R$ 2,029 bilhões, alta de 58,5% sobre o mesmo período de 2006. Já em comparação com o terceiro trimestre o ganho nos três últimos meses do ano passado teve queda de 16%.

O banco fechou o ano com um patrimônio líquido consolidado de R$ 28,969 bilhões, um avanço de 22,9% em relação a dezembro de 2006.

[...]

Dos R$ 8,5 bilhões ganhos no ano passado, R$ 1,295 bilhão provém de operações excepcionais. Descontadas as atividades não recorrentes, o Itaú lucrou R$ 7,179 bilhões em 2007, o que representa uma alta de 15,9% sobre o resultado recorrente do ano anterior, que foi de R$ 6,195 bilhões.

Os efeitos extraordinários geraram ganho adicional de R$ 241 milhões no quarto trimestre. Se eles forem descontados, o lucro líquido do banco no período foi de R$ 1,79 bilhão; na mesma comparação, o ganho foi de R$ 1,63 bilhão um ano antes.

Crédito avança. Ainda antes da aquisição do Unibanco já era notável a expansão do banco, mutuante revel. Veja-se.

A carteira de crédito do banco cresceu 36,2%, atingindo R$ 127,6 bilhões. O destaque ficou com os financiamentos a pessoa física, que avançaram 35%, para R$ 54,42 bilhões. Nesse segmento, o crédito para compra de veículos disparou 64,4%. Enquanto isso, empréstimos a empresas subiram 23,6%, para R$ 57,52 bilhões.

"O Itaú tem espaço para prosseguir com a expansão do crédito. Mesmo em ambiente de maior volatilidade, seus modelos asseguram consistência e qualidade nesse crescimento. Sua estrutura de capital tem permitido crescimento sem necessidade de aporte", afirmou o banco em nota.

Os ativos consolidados do Itaú totalizaram R$ 294,876 bilhões, com elevação de 40,6% na comparação com dezembro de 2006. A carteira de crédito, incluindo avais e fianças, ampliou-se 36,2%, alcançando R$ 127,589 bilhões. (Com informações de Reuters e Valor Online).

As tarifas em si e por si. Só com tarifas os bancos faturaram R$ 40,8 bi no final de 2007. Isso supera gastos com folha de pagamento em 30%. Segundo as instituições financeiras um salto assim tão grande decorre da ampliação dos serviços e do aumento do número de clientes. Decorreu tudo da cobrança de tarifas entre janeiro e setembro de 2007. Esta receita cresceu com a prestação de serviços (17,2% a mais em relação aos primeiros nove meses de 2006). Os valores incluem apenas as taxas cobradas em serviços bancários propriamente ditos. Não se contam nesses lucros as tarifas adotadas por subsidiárias como: seguros, planos de previdência, cartões de crédito.

A cobrança de tarifas impulsionou o lucro do sistema financeiro para 33% a mais do que 2006. Muito de notar-se o noticiado por um repórter: “a prestação de serviços responde por fatia cada vez maior do faturamento das instituições financeiras”. Entre janeiro e setembro de 2006 os ganhos com tarifas superavam o valor da folha de pagamento dos bancos em 21,4%. Pois: em 2007 aumentou para 29,8%.

Reclamações. Não por acaso cresceram as reclamações contra os serviços bancários em mais que o dobro das 2.277 de outubro de 2006. A propósito, disse o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), Nicola Tingas: "Todos os setores da economia estão tendo lucros recordes, inclusive os bancos". Agora o ministro da Fazenda: [...] "o ideal seria que todo o sistema financeiro brasileiro tivesse lucros um pouco menores".

II — A QUESTÃO DO PERCENTUAL DOS JUROS BANCÁRIOS E OUTRAS VANTAGENS DO MUTUANTE

Traços históricos. Têm os juros sido a causa de muitos desastres financeiros, mormente para o pequeno empresário, como o mutuário, que vem se tornando cada vez mais pobre, com mulher a trabalhar arduamente e as duas filhas solteiras, ambas estudantes. É velha a mesma história, a atual e a de séculos passados.

A prática da usura é condenada desde os primórdios do Direito, no Código de Hamurábi, do Pentateuco, de A Política de Aristóteles, e, posteriormente, dos discursos do profundo S. Basílio Magno (um dos mais respeitados Doutores da Igreja), do Corão, das obras de Santo Tomás de Aquino. Entre nós, já as Ordenações Filipinas consignavam a condenação à usura. No século XVIII, 1745, a Igreja Católica, por boca do Papa Benedito XIV, promulgou a encíclica Vix Pervenit condenando a usura. Faz pouco mais de dez anos, em 1997, o Bispo Tarcisio Bertone, Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, revelou a preparação uma nova encíclica papal condenando essa prática usura.[7]

Estes traços históricos apontam de algum modo para a injustiça ínsita à usura, contra a qual os estudiosos do direito hão de tomar todo o cuidado para afastar e prevenir outros erros jurídicos prejudiciais aos tomadores de empréstimo bancário.

A orientação adotada pelos tribunais superiores. A despeito de fazer já muito tempo que se não aceita o anatocismo, houve julgados contraditórios no passado, no tocante ao percentual dos juros simples. A tendência dos tribunais estaduais (por estarem mais próximos à vida do homem comum, do tomador de empréstimo), quase sempre foi pela diminuição das taxas estipuladas ou permitidas pelo BACEN em favor dos bancos e demais instituições financeiras. [8]

No Superior Tribunal de Justiça. No Superior Tribunal de Justiça lêem-se algumas tergiversações iniciais. Ao depois, nesse mesmo tribunal descobriu-se que todos os juros, ainda mesmo os “remuneratórios”, estão sob a incidência do Código de Defesa do Consumidor. A seguir a ementa de alguns julgamentos.

(1) RELAÇÃO DE CONSUMO. CARTÃO DE CRÉDITO. JUROS REMUNERATÓRIOS. A legislação não limita os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras, que, todavia, estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor (STJ - Súmula nº 297). [9]

*

(2) [...] Na hipótese de o contrato prever a incidência de juros remuneratórios, porém sem lhe precisar o montante, está correta a decisão que considera nula tal cláusula porque fica ao exclusivo arbítrio da instituição financeira o preenchimento de seu conteúdo. A fixação dos juros, porém, não deve ficar adstrita ao limite de 12% ao ano, mas deve ser feita segundo a média de mercado nas operações da espécie. Preenchimento do conteúdo da cláusula de acordo com os usos e costumes, e com o princípio da boa fé (arts. 112 e 133 do CC/02).

*

(3) [...] DIREITO COMERCIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. Os negócios bancários estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto aos juros remuneratórios; a abusividade destes, todavia, só pode ser declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação. Recurso especial conhecido e provido.

*

Esse entendimento foi consolidado pela sua Súmula 297, que enuncia:

O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições Financeiras.

No Supremo Tribunal Federal. Do Supremo Tribunal Federal, ainda mais claramente: ao tempo do julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro – CONSIF, veio a prevalecer o entendimento de que também os mais poderosos bancos estão sujeitos aos limites traçados pelo Código de Defesa do Consumidor.

Esta ADIN foi declarada totalmente improcedente por alta maioria (os votos vencidos foram no sentido de a declararem só procedente em parte): as instituições financeiras estão também regidas pelo CDC. Eis o julgado, resumido e com destaques nossos:

EMENTA: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC]. MOEDA E TAXA DE JUROS. DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL. SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL.

1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito.

3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência.

4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro.

5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia.

6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei n. 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88. NORMA-OBJETIVO. EXIGÊNCIA DE LEICOMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO.

7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo sistema financeiro nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade.

8. A exigência de lei complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. ART. 4º, VIII, DA LEI N. 4.595/64. CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA.

9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro.

10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional.

11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade.

[...]

Decisão: [...] pediu vista dos autos o Senhor Ministro Cezar Peluso. [...]

DECISÃO: Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta, vencido parcialmente [...] Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Eros Grau. [...] Plenário, 07.06.2006.[10]

Faz muitos anos o Supremo Tribunal Federal, por isso mesmo, já edictara a súmula número 121, em que se lê:

“É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”. [11]

Uma primeira conclusão. É no sentido de que os juros bancários, independentemente dos poderes fiscalizadores do BACEN, podem e devem ser reduzidos pelo Poder Judiciário; incidem e têm de ser aplicadas algumas regras jurídicas infraconstitucionais, como as do Código de Defesa do Consumidor, artigo 3º § 2º:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[...]

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Alguma flexibilidade também em tempos passados. Ainda mesmo a jurisprudência mais antiga (já superada, aliás) reconhecia, posto o fizesse como que a temer — em “casos especiais” de gritante injustiça —, que a “taxa de juros” pode passar pelo controle do Poder Judiciário. Nem podia ser diferente. Ato ilícito é todo o fato jurídico contrário a direito. Não é, pois, só o contrário à lei em sentido estrito e sim o que está em desacordo com o sistema jurídico vigente, escrito ou não escrito.

Portanto também a infração de regra jurídica não escrita. Tal é o caso da norma de direito extraída por lógica material, da Constituição Federal de 1988. Uma delas é a oriunda na interpretação científica (precisa, rigorosa, exata — sem rodeios e sem artifícios literários) das normas do Prólogo: “[...] a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna [...]”; e do art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; [...] e do artigo 5º, § 2º (“Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”).

Pois bem, a imensa distância econômico-financeira entre mutuante e mutuário cria entre eles um pélago sem fundo de injustiça. Bastam ligeiros traços comparativos, já consignados linhas atrás.

Outras regras jurídicas infraconstitucionais. Quadra lembrar, a respeito da contratação de empréstimos bancários, que está configurada a cobrança de juros compostos, o mesmo que “anatocismo”, em que anatokismós é o empréstimo de dinheiro (tokiêin = emprestar; 1ª pessoa singular do indicativo, tokizo), segundo o qual os juros serão duplicados, uns sobre os outros (aná=em cima). A vedação deles, todavia, consta de regras jurídicas já vetustas do direito brasileiro. Vem-nos desde a “lei de usura”.

A “lei de usura”. Ela é o conteúdo do Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933 (“Dispõe sobre os juros nos contratos e da outras providencias”). Ora, reza esse Decreto (com força de lei àquela época), no artigo art. 4º:

É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.

A “lei de desapropriações”. Também nas normas jurídicas sobre as desapropriações figura a nulidade de cláusula contratual com juros compostos. É o conjunto de normas inseridas no decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941. Pois esta vedação está no artigo 15-A, caput:

No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos.

De modo que os débitos somente podem conter, secundum jus, os juros admitidos pelo mercado (estranho aos banqueiros) e a correção monetária exata. Nada mais.[12]

O código civil atual. E se não fosse o caso de nulidade, seria de anulabilidade; incidiria na espécie, de todo modo, a regra inserta no art. 157 do Código Civil:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.

§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”

O uso premente do cheque especial. Logo, surge ao menos a anulabilidade no caso tomado aqui como exemplo, porquanto a utilização do “cheque especial” se deu em situação de premente necessidade, como sói acontecer a microempresários. É quanto basta em si e por si para se reconhecer a procedência da ação do magro mutuário contra o gigantesco mutuante — reconhece-se esta classe de invalidade de negócio jurídico e decreta-se-lhe a invalidade, ou seja, parte do negócio jurídico, ou mesmo todo ele, é retirado sentencialmente para fora do mundo jurídico; é a ação constitutiva negativa (= desconstitutiva). No caso ora estudado houve petitum expresso a esse respeito. [13]

Percentuais, cumulação; correção monetária com mais a comissão de permanência. Hoje é, pois, quase unânime a exegese nas normas e a interpretação do fato jurídico (ilícito em parte): há verdadeiramente percentuais de juros bancários que vão contra a lei brasileira porque, combinadas entre si para efeito de interpretação do sistema jurídico brasileiro sobre esta matéria, assim as normas incidentes da Constituição Federal de 1988 como as regras jurídicas do CDC, e as do atual código civil, e as da lei 9.250/1995 (artigo 14), e mais as outras acima indicadas, posto tudo isto — repete-se — torna-se límpido o modo correto de se calcular o acréscimo (de juros e de uma só correção monetária) a somar-se ao capital, e assim encontrar-se o débito do mutuário com o mutuante (legalmente expurgados os “juros compostos”).

Mostrou-se na espécie ser este o caso da relação jurídico-econômica estabelecida entre o mutuário e o mutuante, partes desta ação. Foi assim, tanto no percentual dos juros simples como na acumulação deles (juros compostos). Deu-se o mesmo com a famigerada “comissão de permanência”, um bis in idem da correção monetária.

O Código de Defesa do Consumidor e a invalidade do contrato de mútuo por defeito da sua forma. O instrumento foi juntado por decisão do próprio Juízo, mas a r. sentença não disse palavra sobre ele a despeito da insistência do autor mutuário. Acha-se a fls. 72/73; embora não estivesse em vigor a norma sobre o tamanho da fonte, as letras são mesmo minúsculas; a redação é por vezes ambígua ou incompleta. Aí nada se estabeleceu quanto aos juros... Esta sua apresentação gráfica contraria o Código de Defesa do Consumidor, cujo artigo 54 tutela o mutuário (ele é um consumidor dos serviços bancários), por ser um contrato de adesão, como deixamos grifado. Ei-lo:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§ 1° A inserção de cláusula no formulário não desfigura a natureza de adesão do contrato.

§ 2° Nos contratos de adesão admite-se cláusula resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no § 2° do artigo anterior.

§ 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.[redação da lei 11.785, de 22 de setembro de 2008]

§ 4° As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

§ 5° (Vetado).

Há de reformar-se a sentença por não haver julgado esta matéria, melhor, por implicitamente haver dito estar a razão com o réu mutuante revel, independentemente do fato de o próprio juiz ter determinado a juntada do instrumento e, posto fosse revel o banco, lhe haver determinado abertura de vista para falar sobre esse instrumento de negócio jurídico (Código de Processo Civil, artigo 322: “Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório”). Segue-se, pois, que tem de ser decretada a invalidade do contrato celebrado.

Mesmo se fosse formalmente válido o dito negócio jurídico, ele seria ineficaz no tocante aos juros compostos. Nele não se autoriza ao banco a cobrança de juros sobre juros. Isto foi dito repetidas vezes na petição inicial. Copiou-se nela a ementa de julgados nos quais se diz que o percentual deles tem de constar do instrumento; e com razão: ficaria ao líbito do credor fixá-lo, a seu bel-prazer. [14] Há mais: o anatocismo traz perigo à economia. Foi por isso recomendada a sua rejeição desde a antigüidade clássica. Havia portanto razão para a súmula do Supremo de que a sentença não fez conta. Faz já muito tempo o Supremo Tribunal Federal acertadamente fixou na súmula 121 que o anatocismo (=juros sobre juros) é vedado pelo direito brasileiro até mesmo quando se convencione a capitalização deles. Reza ela o seguinte:

"É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada".

III — FUNDAMENTOS DA PROCEDÊNCIA DA AÇÃO EXERCIDA PELO MUTUÁRIO CONTRA O BANCO MUTUANTE.

1Não se levou em conta a eficácia jurídica da revelia. Negligenciou a r. sentença o fato de o mutuante revel ser confesso em toda a matéria de fato. Um destes fatos (entre outros) diz respeito justamente a abusividade do contrato no tocante aos acúmulos ilegais de verbas. Do mesmo modo a respeito da imensa distância econômico-financeira entre apelante e apelado, explicada na petição inicial com muitos pormenores, sem que o multibilionário mutuante apelado revel sequer se desse ao trabalho de contestar a ação, admitindo o dito e tudo desdenhando.

2 — Uma ADIN foi desconsiderada. A sentença declarou a improcedência da ação. Uma das razões de não poder prevalecer é que contrariou uma ação direta de constitucionalidade, cuja eficácia é a mesma de uma regra jurídica constitucional inserida fora do artigo 5º. Referimo-nos à ADIN de número 2591, julgada em 2006 e publicada no DJ no dia 13.04.2007, pp-00083 (Ement vol-02271-01, pp-00055). Nela se estabeleceu, com eficácia para todo o País, que também os empréstimos bancários se sujeitam ao Código de Defesa do Consumidor; a onerosidade excessiva pode e deve ser coibida pelo Poder Judiciário. Incide, pois, a regra jurídica constitucional do artigo 102. § 2º da Constituição Federal de 1988:

As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Este julgamento tem efeito vinculante também para o 1º grau de jurisdição; o MM. Juiz não atendeu ao seu efeito vinculante, embora seja livre para lhe tecer considerações críticas.

3 — A nulidade do negócio jurídico celebrado segundo o Código de Defesa do Consumidor. Está errada a r. sentença recorrida por não ter levado em conta que nulidade do empréstimo bancário celebrado entre mutuário e mutuante também se configurou pela imprestabilidade material dele, com letras miúdas e com redação obscura etc. como expusemos. Acresce ainda a nora do artigo 6º, em vários incisos — que não foram observados pelo banco revel recorrido:

[...] III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Está ausente do instrumento contratual qualquer símbolo lingüístico a respeito de juros sobre juros, e de correção monetária acrescida da comissão de permanência. Logo, são exorbitâncias. Não podem ser aceitas e a r. sentença não se sustenta.

5 — Grave equívoco da sentença sobre uma súmula do Supremo. Escreveu-se na página 77, parte superior, que [...] “não há espaço para alterar a taxa de juros acordadas em contratos bancários.” Isto, porque, diz, foi editada a súmula n.° 648 com mesma redação da atual súmula vinculante n.° 7. Mas, o erro é verdadeiramente palmar. A impossibilidade jurídica de os juros serem reduzidos a só 12% ao ano, sem lei complementar, nada tem a ver, com dois outros assuntos discutidos pelo mutuário, a saber:

(a)necessidade jurídica de eles serem rebaixados ao percentual praticado no mercado e

(b) estão proibidos o anatocismo (juros sobre juros) e a dupla correção monetária (=índice de inflação+ “comissão de permanência”). Eis aqui a súmula, sem menção alguma a estes dois elementos acabados de indicar — (a) e (b):

A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar.

6 — Grave erro da sentença a respeito da correta posição do Superior Tribunal de Justiça sobre estes pontos. Vê-se nas duas fontes seguintes o louvável acerto sobre o abuso de direito (“abusividade”), embora em outros aspectos possa ter havido algum equivoco. Foi quando o Superior Tribunal de Justiça concluiu julgamento de recurso repetitivo sobre a revisão de contrato bancário, a saber,

http://www.tj.se.gov.br/vicepresidencia/index.php?option=com_content&task=view&id=33&Itemid=1

e

www.stj.jus.br, vê-se — quadra reiterar — que o Poder Judiciário deve examinar cada caso concreto de abusividade dos contratos para decidir se as taxas devem ou não devem ser reduzidas. Ficou dito expressamente, relata o comentarista, sobre os juros (na sua “abusividade”, taxa média de mercado e o requisito de inserção no contrato):

Juros remuneratórios - ficou mantida a jurisprudência atual do STJ, no sentido da não limitação dos juros remuneratórios, a não ser em casos específicos, em que comprovada a abusividade, o que deve ficar a juízo das instâncias ordinárias, que avaliam caso a caso. No caso concreto, a Seção deu provimento ao recurso especial do banco, uma vez que os juros cobrados estavam abaixo da taxa média de mercado. [...]

Capitalização de juros (juros sobre juros) - a Seção acompanhou o entendimento da relatora neste ponto e não conheceu do recurso, uma vez que a capitalização dos juros não estava pactuada no contrato.

7 — Grave desacerto da sentença em duas súmulas do mesmo Egrégio Tribunal Superior. (1) A sentença admitiu a cumulação de comissão de permanência e correção monetária. Mas, não o permite a SÚMULA 30:

A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis.

E com razão porque desse modo o débito aumenta no conteúdo, em vez de receber apenas a atualização da moeda corroída pela inflação.

(2) Pensou-se na r. sentença que se podem acumular juros remuneratórios mesmo acima do costumeiramente aceitos pelos valores “naturais” do mercado financeiro entre particulares. Nem os afastou, estando eles misturados com a comissão de permanência. Entretanto, errou; houve abuso de direito do mutuante bilionário. Donde o acerto da SÚMULA 296:

Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. [15]

(3) Ainda mais, temos que o Superior Tribunal de Justiça acertou em parte quando firmou a impossibilidade da capitalização de juros se não está “[...] pactuado no contrato firmado entre as partes”. A r. sentença, ao inverso, não examinou o instrumento contratual de fls. 72/73, cuja juntada determinou. Recordemos: nele nenhuma cláusula existe nesse sentido (=juros sobre juros).

Vem a propósito insistir: mesmo quando se pactua o percentual dos juros, a sua validade pode ser arruinada pelo abuso de direito. Pode este ocorrer quando o outro contratante é levado a cometer erro substancial na leitura rápida do instrumento lavrado em contrariedade ao Código de Defesa do Consumidor. Ora, erro substancial importante para o tomador é o desconhecimento do anatocismo e da duplicidade da correção monetária. Temos norma expressa a respeito deste assunto do código civil, artigos 138 e 139-I.

8. Equívoco da sentença em matéria constitucional. A Constituição Federal de 1988 contém regras jurídicas de alcance alargado, os “princípios” (prius+caput, “o que está na cabeça”). Assim se denominam porque o seu conjunto forma um contexto de símbolos lingüísticos reveladores das idéias e dos sentimentos que inspiram a elaboração dos restantes. Por isso mesmo, são uma fonte exegética fundamental para a compreensão das demais normas do sistema jurídico nacional. Cumpre lembrar, pois, o escrito no Preâmbulo (com os conceitos de desenvolvimento, harmonia social, igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, bem-estar), no art. 1º (cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho), artigo (construir uma sociedade livre, justa e solidária, desenvolvimento nacional, reduzir as desigualdades sociais, promover o bem de todos), artigo 5º caput (com o termo segurança, o que inclui a segurança jurídica), artigo 5º § 2º - “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Entretanto, essa carência exegética deixa como que infantilizada a co-relação entre os princípios constitucionais e a realidade, entre regra jurídica e suporte fático. Assim como está a situação jurídica atual, ficaria o mutuário, autor desta ação, sem justiça, sem a solidariedade do capital na realização do seu trabalho no prol do desenvolvimento, alijado da harmonia social, proscrito dos esforços por mais igualdade e o bem de todos os brasileiros, sem segurança jurídica, sem a correta aplicação do direito vigente. Tudo seria como se os Princípios aludidos fossem palavras de cunho literário, termos e conceitos de enfeite, retórica para entusiasmar em sala de aula os jovens acadêmicos...

9 — A sentença, ainda que não tivesse intenção o prolator dela, mortifica o mutuário ironizando-lhe a inferioridade financeira perante o bilionário mutuante revel. Escreveu-se nela (fls.78) textualmente o seguinte: (a) [...] “a capitalização dos juros que sempre foi vista como meio de exploração do poder econômico não poderia ter esta pecha.”

Ora, este é mesmo um típico horribile dictum. Está o juiz a dizer que nada disso é coibido pela Constituição e pelas leis brasileiras — tudo é natural assim e assim é que precisa ser mantido... Errou, pois, a r. sentença.

(b) [...] “as instituições financeiras também pagam juros capitalizados aos aplicadores em caderneta de poupança e ninguém em são consciência sustenta que tal capitalização proporciona um forte aumento de capital ao poupador. Isto porque a taxa de juros remuneratórios das cadernetas de poupança é baixa (0,5% ao mês).”

O digno prolator foi aprovado em concurso público ainda jovem. Pouco ou nada sabe sobre os fatos da vida real, dos quais, porém, é que cuida o direito... Parece-lhe justo que o banco ultra-milionário pague 0,5% ao mês ao microempresário, e embolse dele cerca de 9% ao mês... Isto pouco importa — pensa ou ao menos sente subjetivamente o magistrado de 1º grau —, a diferença afinal é de apenas 8,5% em favor do banco biliardário... O direito constitucional não no permite, entretanto, nem as normas infraconstitucionais deixam tamanha brecha de iniqüidade. Errou, pois, a r. sentença novamente.

Continuando, escreveu-se mais na r. sentença ora criticada mais o seguinte:

c) [...] “na verdade o problema ou a onerosidade, como se queira tratar, está na elevada taxa de juros que se pratica [...], e não propriamente na capitalização.”

Ora bem, conclui o juiz, a taxa elevada taxa de juros, a onerosidade não são realidades importantes... Erro; não se aplica corretamente o direito sem bons conhecimentos de sociologia! [16]

Tão apoucada percepção de fatos jurídicos desemboca em mais erros de direito, e na desproporção e na injustiça, vedadas estas na Constituição Federal de 1988 e nas leis. Quadra perguntar se nenhuma injustiça haveria com a imensa capitalização do apelado bilionário (hoje o mais poderoso banco brasileiro) e com o conseqüente óbice por ele criado à atividade um microempresário. Ele, revel, não negou estes fatos, aliás, claramente provados (e objurgados desde a petição inicial)!

10 — A questão da vigência da Medida Provisória número 1963-17/2000.

Eis agora uma matéria ainda pouco estudada. Tem-se aqui de examinar com extremo cuidado o que se passou com essa Medida Provisória de número 1.963-17/2000. É matéria típica de direito em tese. Parece-nos que anda despercebida da atenção dos estudiosos. Ora bem, pois a Medida Provisória número 1963-17/2000 já não vigora e não vigorava quando foi celebrado entre as partes deste processo o negócio jurídico de mútuo. Vamos-lhe às causas.

Ela nem foi convertida em lei, nem foi expressamente rejeitada. Tampouco veio a ser objeto de decreto legislativo no prazo previsto na Constituição Federal de 1988. Ora bem, assim tendo ocorrido, ela perdeu a sua eficácia própria. Por via de conseqüência só surtiram efeito jurídico os contratos celebrados durante o breve tempo da sua vigência.

Por quê?

1- Leia-se na Constituição atual a norma do artigo 62 § 3º:

As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

2- Volte-se o olhar agora para o estabelecido no art. 62 § 12:

Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

3- De imediato, porém, o mesmo artigo no § 11:

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

O que se extrai dessas três redações é que

(a)prazo para a Medida Provisória — ou se transformar em lei, ou ao menos surgir projeto de lei (para ser edictada a lei), ou se converter em decreto legislativo;

(b) uma vez aprovado o mero projeto de lei (o projeto de conversão dela em lei), a Medida Provisória já vigorará, regendo os fatos até o momento em ele venha a ser ou sancionado ou vetado;

( c) não havendo nem uma coisa nem outra — nem aprovação nem rejeição —, somente se regerão pela Medida Provisória aquelas relações jurídicas oriundas dos atos praticados no período de tempo em que ela vigorou, isto é, durante o tempo passado entre a edição dela e o momento em que havia de ser aprovada, ou rejeitada, ou em que fosse aprovado (ou rejeitado) o projeto da sua aprovação. [17]

Por outras palavras, aquele “conservar-se-ão por ela regidas” (parte final do § 11) só pode ser entendido como mantença da eficácia jurídica da Medida Provisória apenas durante esse tempo da vigência dela, e não pelo tempo posterior, indefinidamente — sem lei, sem decreto legislativo, sem projeto de sua aprovação. Mas, a vigência desta Medida Provisória terminou com o passar do tempo sem providência alguma do Poder Legislativo: lei não, decreto legislativo não, projeto de sua aprovação, tampouco!

Pode mesmo ser que esta matéria não haja ainda sido convertida nem em lei, nem em decreto legislativo, nem em projeto de sua aprovação, simplesmente por não ter havido consenso até ao presente momento entre os membros do Poder Legislativo. Ou então eles se esqueceram do assunto... Essa falha legislativa, todavia, não faz irradiar-se o efeito de a Medida Provisória de número 1.963-17/2000 viger atualmente. Ao contrário, a negligência encurtou-lhe o tempo de poder estar em vigor.

10-AConseqüência prática relevante. Ora bem, dado que nenhuma dessas omissões dos membros do Poder Legislativo modifica a Constituição, a Medida Provisória 1963-17/2000 já não estava em vigor quando foi celebrado pelas partes deste processo o negócio jurídico instrumentado nas fls. 72/73.

Note-se: mesmo que a Medida Provisória 1963-17/2000 fosse válida, não estaria alterada a situação jurídica das partes: ela não incide sobre a matéria aqui discutida, ela não rege os fatos da matéria estudada. A conclusão correta só pode ser esta: ação discutida procede.

Conclusão final. Está errada a sentença, o autor tem razão de direito, a apelação merece provimento integral, a ação procede in totum.

IV — O PRÉ-QUESTIONAMENTO

Declarada a improcedência da ação, foi interposta apelação. Em 1ª Instância já se omitiu a discussão das regras jurídicas invocadas pelo autor mutuário. O Tribunal de Justiça de São Paulo, pela turma julgadora de uma das câmaras cíveis haverá de se manifestar a esse respeito (“pré-questionamento”).

Ainda não está claro por que o pré-questionamento é pressuposto para o conhecimento de recurso especial e de recurso extraordinário. Mas, é assim que se tem julgado. O profissional pode discordar, mas não pode prejudicar direitos com a sua discordância. Pois, se porventura houvesse recusa da Turma em proceder assim no prol da correta aplicação do direito, teria ocorrido uma falta de prestação jurisdicional. Haveria uma denegação inconstitucional de justiça (Constituição Federal de 1988, Preâmbulo

Tornando, pois, ao tema: desde a inicial, como na apelação, invocaram-se normas dos nossos dois níveis usuais, como a seguir se mostra.

A) — Regras jurídicas constitucionais — do Prólogo (com os conceitos de desenvolvimento, harmonia social, igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, bem-estar), no art. 1º (cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho), artigo (construir uma sociedade livre, justa e solidária, desenvolvimento nacional, reduzir as desigualdades sociais, promover o bem de todos), artigo 5º caput (com o termo segurança, o que inclui a segurança jurídica), artigo 5º § 2º - “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Mencionou-se ainda o art. 170, V.

Mas, por que assim? Porque a aplicação delas mostra que mesmo as regras jurídicas ordinárias válidas só podem ser interpretadas com base nessas normas constitucionais — um dos casos é a eqüidade em favor do microempresário (casado com duas filhas em formação) e não no proveito do maior banco brasileiro atual, do mutuário-apelante trabalhador e não do giga-banco mutuante-apelado, revel.

B) — Regras jurídicas infraconstitucionais: Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, artigo 4º; decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, 15-A caput; Código de Defesa do Consumidor, artigos 3º e o seu § 2º; a lei 9.250 de 26 de dezembro de 1995, art. 14; Medida Provisória número 1963-17/2000; Código Civil, artigo 406.

Mas, por que assim? Porque (1) a questão dos juros e da comissão de permanência está definitivamente limitada por essas normas (juros de mercado), e (2) porque o contrato celebrado não está sob a regência de Medida Provisória 1963-2000 — ela já havida perdido a vigência e contrato é de maio de 2007.

De modo que é indispensável o esforço do redator do acórdão em escrever as reflexões feitas no estudo das mencionadas normas de direito, a menos que se dê provimento ao recurso e se julgue procedente a ação. O provimento integral, como ficou exposto na inicial, inclui: a) anulação das cláusulas abusivas, com exclusão dos juros compostos, e da ilegal junção de correção monetária com “taxa de permanência”; b) refazimento pelo réu dos cálculos de juros reais e de correção monetária, ou seja, refazer os cálculos de juros reais (apenas os de mercado, de 1,33% ao mês) e de correção monetária (a taxa Selic de 0,937 % ao mês), somando-se estes últimos dois percentuais (1,33+0,93=2,26 por cento ao mês) — tudo no prazo de dez dias sob pena de multa diária de quinhentos reais; além de disto, e por fim, c) devolver ao mutuário tudo quanto, no ínterim, pagou a mais que 2,26 por cento ao mês — com juros e correção monetária —, como em liquidação se apurar por aplicação da Tabela do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. [18]

* * * * * * * * * * * *

Santos, abril de 2009.

Mozar Costa de Oliveira


[3] Lucro dos bancos em 2006 atingiu R$ 27,5 bilhões; Agência Estado.

>http://diariodonordeste.globo.com/noticia.asp?codigo=171614&modulo=968;

[acesso em 01/12/2007]. Note-se que as nossas citações seguintes são da mesma fonte.

[5] Ano de 2007.

[6] Dia 12/02/2008.

[7] Ver a esse respeito Luiz Cláudio Silveira Duarte, Usura (I. Histórico do conceito), in http://64.233.169.104/search?q=cache: zdaAmN6EjoJ:www.senado.gov.br/conleg/artigos/direito/Usura.pdf+%27A+usura%22&hl=en&ct=clnk&cd=7< [acesso em 30/11/2007]

[8] Resumo de toda esta matéria está no estudo encontrável em http://127.0.0.1:4664/cache?event_id=47691&schema_id=6&q=%22juros+extorsivos%22+%22juizados+especiais%22&s=xMTPfgRFkSXY1B98AR7uXn9MiCg<, a que demos o título de “Código de Defesa do Consumidor para limitar a taxa de juros extorsivos” [01/12/2007].

[10] Referimo-nos à ADIN de número 2591, julgada em 2006 e publicada no DJ no dia 13.04.2007, pp-00083 (Ement vol-02271-01, pp-00055).

[12] Já há muito tempo foi julgada ilegal a velha “taxa de permanência” ou “comissão de permanência”, quando já incide a correção monetária no mesmo cálculo. É precisamente o ocorrido no presente caso. Ver, a esse respeito:

http://64.233.169.104/search?q=cache:mkF27Z5G63UJ:www.consumidorbrasil.com.br/consumidorbrasil/textos/ebomsaber/bancos/juros.htm+%E2%80%9Ctaxa+de+perman%C3%AAncia%E2%80%9D&hl=en&ct=clnk&cd=1< [acesso em 04/12/2007]

e https://secure.jurid.com.br/new/jengine.exe/cpag?p=jornaldetalhejornal&ID=30615< [acesso em 30/11/2007], neste com o voto da Ministra NANCY ANDRIGHI, invocando duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça.

[13] Eis os petita formulados na petição inicial: “Em face do exposto, sempre com o devido acatamento e respeito, faz o autor o seu petitum — incluída nele a sucessividade permitida pelo art. 289 do CPC: para:

a) anulação das cláusulas abusivas, com exclusão dos juros compostos, e da ilegal junção de correção monetária com “taxa de permanência”;

b) refazimento dos cálculos de juros reais e de correção monetária, tudo no prazo de dez dias sob pena de multa diária de quinhentos reais; além de disto,

c) devolução de tudo quanto, no ínterim, pagou a mais — com juros e correção monetária —, como em liquidação se apurar”.

[14] Nem já se discute a questão ultrapassada de não poderem ultrapassar 12% ao ano. O ponto nevrálgico é saber até que percentual podem os juros chegar.

[15] Note-se que o mesmo Superior Tribunal de Justiça já decidira ainda mais o seguinte: “É admitida a cobrança da comissão de permanência durante o período de inadimplemento contratual, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo BACEN, limitada à taxa do contrato, não podendo ser cumulada com a correção monetária, com os juros remuneratórios e moratórios, nem com a multa contratual”. (AgRg no Ag 877081 / RS).

[16] Na sociologia se incluem noções seguras de psicologia, física e matemática. Direito é processo social de adaptação (interações sociais reais à busca de algum equilíbrio real mediante a incidência transubjetiva das suas normas), na psicologia se analisam também as dores do ser humano real, na física se pensa na tolerabilidade real das forças sobre qualquer matéria ou energia, na matemática se adquire noção real sobre limites. Ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição Brasileira de 1967, com a Emenda 1/69. 6 v. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, tomo I; Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, tomo I; Introdução à sociologia geral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, passim; Dez anos de pareceres. 10 v. Rio de Janeiro: Francisco Alves; volume 9, ano 1976, parecer nº 237.

[17] O contrato, entretanto, é de 2007 (fls. 73).

[18] Houve in casu pedido alternativo: ao menos que o banco mutuante revel somente cobre ao mutuário o que, no entender do Poder Judiciário, lhe permite o sistema jurídico vigente, devolvendo todos os excessos até agora cometidos (com mais a verba honorária segundo o critério eqüitativo próprio de lei — o mutuante é o hoje o maior banco do país).

Nenhum comentário: