terça-feira, 30 de junho de 2009

“Soberania” — à busca de um conceito jurídico

“Soberania” — à busca de um conceito jurídico

(Prof. Dr. Mozar Costa de Oliveira)

[Publicado in DERANI, Cristiane, COSTA, José Augusto Fontoura (coord.). Globalização & soberania. Curitiba: Juruá, 2004, p. 75-102.]

I — Introdução (pressupostos gnosiológicos e de método)

Partimos do princípio de que o mais seguro modo de conhecer as realidades é obterem-se conceitos a partir dos resultados das ciências particulares. Neste trabalho será dada atenção especial à biologia e à sociologia. É o que se verá quando se expuserem sobretudo as questões relativas à incidência da regra jurídica, à formação da vida individual (com o direito de liberdade) e à formação da vida social (com o direito de soberania).

Pensamos que o método mais confiável para a pesquisa é, ao menos atualmente, o método indutivo-experimental. Inicia-se por exame de dados fornecidos pelas realidades, formam-se daí conceitos e proposições. Tomam-se os devidos cuidados com a terminologia: a mais precisa e fielmente descritiva possível. Tudo conferir, continuadamente, com as realidades. É o processo da ciência. Como processo, que ela é, será um andar para frente, aliando-se cautela e confiança.

II — Conceitos diversos de soberania

Veremos aqui os conceitos mais usuais de soberania, em autores variados, de tendências por vezes opostas entre si. Poucas serão as críticas. Divergências, quando as haja, ver-se-ão no decorrer da nossa exposição e na definição mesma do nosso conceito, a final.

1. Como conteúdo político, ligado aos serviços públicos[1]

É a concepção de L. Duguit. Realça antes os conceitos que entende equivocados. E, vejamos. A) O que não é. Não se explica pela solução metafísica de se manejarem os conceitos de direito subjetivo onde estão os poderes da vontade, com as características de ser: a) poder de mando (“pouvoir de volonté commandante”), que se imponha ad intra sobre todos — circunstância que dificulta a racionalidade de deveres do Estado com os seus cidadãos; b) poder de vontade independente, de autodeterminação., sem outro poder superior a ela; c) seria uma e indivisível mas, como há os Estados federados, já se vê: soberania “est un pur concept de l’esprit” ; d) seria inalienável e inextinguível (= “imprescriptible”) coisa a encontrar, contra si, os fatos. B) O que é — o mesmo que serviço público. Eis o que se acha nos fatos, na experiência (=“solution réaliste”). Logo, é o poder mantido pelo governante sobre a nação, resultante de “différenciation politique”, historicamente explicável pela necessidades humanas múltiplas. Ora, o poder do governante não surge senão apoiado em movimento político de conseqüência majoritária, e não se mantém quando deixe de atender às necessidades sociais para prestação dos “serviços públicos”, trabalhando para “la réalisation de la solidarité sociale”.

Os serviços públicos fundamentais para a mantença do poder (= soberania) são os de defesa externa, de segurança interna e de justiça (“services de guerre, de police et de justice”. Mas, prossegue, eles “deviennent de plus en plus nombreux”. De modo que soberania é conceito que se tornou substituível pelo de serviço público, já que este pressupõe o exercício do poder, ao qual dá legitimidade e confirmação prática.[2]

2. Como independência em relação a outros Estados.[3]

Soberania é “existência livre e independente do Estado”. É uma autoridade ou poder. Daí que a intervenção de um Estado em outro constitui ilícito praticado contra a soberania de outro, salvo o caso de ilícito deste contra os “direitos humanos” dos cidadãos. Corresponde ao direito à liberdade. É contudo imprescindível à definição de Estado, de que se apresenta como elemento essencial. De início a concepção é de soberania absoluta ou ilimitada (Bodin, Hobber, Spinoza, Hegel). Tal conceito contudo negaria a vigência do direito internacional público (Maritain, Korovicz). Há quem prefira o conceito de independência (Rousseau, Kelsen), outros o de autonomia (J. Maritain). Mas todos esses termos têm as suas limitações lingüísticas. Mais acertado será pois conservar-se o termo “soberania”. Leva em seu bojo a conceito de poder supremo quando se trata das relações internas, como sustenta Delos. Tem-se aí a soberania como autonomia: os três poderes atuantes no interior do seu território. Soberania externa é a independência. Mas, limitada pelo “direito internacional público” e se ramifica em direito à igualdade, e ao respeito.

3. Como realização dos direitos humanos [4]

Os direitos humanos são, no ver de Trindade, tão antigos como a história da civilização. Assim é com os valores de dignidade, não-exclusão, anti-despotismo, participação comunitária, legitimidade. Antecedem os dias dos Estados. É o novo ethos do nosso tempo. Necessitamos de da sua garantia e salvaguarda. Eles são um surto inalienável exigido pela justiça. Somente com essa segurança é que se pode manter o conceito soberania, realizando-se a “justiciabilidade”. São indissociáveis as realidades da democracia e de direitos humanos. Inafastável a imperatividade de regras jurídicas sobre direitos humanos. Exigem-nas o sofrimento, a consciência de necessidade de defesa dos direitos humanos. Realizá-los nos dias atuais é passo definitivo de progresso. Essa consciência leva à verificação de que os direitos humanos têm que ser resguardados por regras jurídicas inderrogáveis, eficazes erga omnes, ou seja, regras jurídicas pertencentes ao domínio do “jus cogens”, e com o conceito de “ordem pública” a se inserir no Direito das Gentes.

4. Como resultado de conquista prática.[5]

O único método válido para se obter o conceito de soberania tem de consistir não apenas em dedução (teórico) e de indução (prático), senão que há de passar por uma terceira via, que o autor chama mista ou eclética. Dá o exemplo da vontade política para um Povo de território pequeno tentar entrar na ONU. Haverá de argumentar com os seus potenciais efetivos atuais.

5. Como poder sobre recursos naturais e de autodeterminação.[6]

Há que se levar em conta o conceito de forças transnacionais). São elas as seguintes: a) política internacional, b) as centrais sindicais internacionais, c) as religiosas e d) as internacionais privadas. Exsurge o perito da globalização econômica. Soberania é o “direito” de ter poder exclusivo sobre recursos naturais. Este poder, com mais a não-intervenção, mais o poder de “dispor de si próprio” (autodeterminação) são elementos do “princípio da independência” A soberania é atingida nas integrações. Tal o caso do MCE, da CE, com fins de fortalecimento das relações econômicas e políticas, passando-se essas a lhe sejam comuns. Em verdade exige-se para tanto a unificação de regras jurídicas, antes plurais (exemplo: moeda, única, trabalho livre, unificação de alfândega). Assiste também às expressões do Estado-espetáculo. Tal o papel da entidade internacional que se exibe para obter a adesão da opinião pública e abalar a confiança ainda depositada nos adversários. Mediante o adestramento do “discurso eficaz” (= “palavra eficaz”): porque as massas têm hoje força política. Portanto o desenvolvimento da retórica como eficácia de persuasão é de aperfeiçoar-se. Bem assim as técnicas de comunicação, e de linguagem, e de lógica, e de hermenêutica e de antropologia. Constituem-se em instrumentos científicos e psicológicos importantes na criação de expectativas. Estimula-se a expectativa de lealdade e, do lado contrário, o temor de agressividade. Tal se dá hoje também nas relações internacionais.

6. Como grau de independência[7]

Soberania é a própria independência. Ambos os termos usados têm carga emotiva. No fundo é o poder de determinar-se internamente e de relacionar-se com outros Estados, embora limitado tanto ad intra quanto ad extra. Não se lhe colhe a definição sem exame de graus. Vão se diluindo os seus velhos ares, próprios do totalitarismo antigo. Governo efetivo e soberania são realidades interdependentes. O grau dessa depende daquela. Quando haja revolução, o reconhecimento espera pela vitória cabal de um dos lados, em geral: e não importa a sua tendência ideológica, se vitorioso certo grupo. Reconhecimento de Estado é ato de força declarativa e não constitutiva. O Estado já é estado, quando outro ou todos lhe conferem o reconhecimento. Aliás, mesmo no direito escrito o reconhecimento aparece tribunal como ato constitutivo. É o caso da Alemanha Oriental em 1973. O Tratado de Montevidéu, de 1933, foi expresso no artigo 12 quando disse que a “existência política” de um Estado independe de reconhecimento; pode ele defender a sua soberania. Há nele forte núcleo político de parte do Executivo do Estado reconhecente, que o Poder Judiciário sói acompanhar. Nem sempre, contudo, como ocorre majoritariamente na Alemanha e Suíça. Também constitutivo foi o caso de Biafra (1967-70), estando a Nigéria a manter ainda o poder sobre ela. Autodeterminação é poder de escolha de status e de tipo de desenvolvimento econômico, social, cultural. Exemplo: uma ex-colônia vincula-se ao Estado A, ou B, ou a nenhum. O autor cita o artigo 1º das duas Convenções – de direitos civis e de direitos sociais, ambas em vigor desde 1976. Há aí alusão a “right” de autodeterminação (By virtue of that right “... e... “realization of the right of – self-determination”).

7. Como qualidade do Estado, se há território, comunidade humana e governo próprio.[8]

Estado há quando, além de território e comunidade humana nele estabelecida, o aparece também um terceiro elemento: a “forma de governo não subordinado a qualquer autoridade exterior”, ou seja, competência interna (legislativo, executivo e judiciário), sem intervenção. A diminuição dessa competência corrói a soberania. Soberania é conceito jurídico a figurar na Carta da ONU, artigo 2o §1º, e na OEA 3 f. e 12. É a competência interna, limitada pelo Direito das Gentes, mas sem outra ordem de competência superior a respeito de matéria delimitada. É atributo do governo. Força declarativa e não constitutiva, tem-se no reconhecimento — que não faz o Estado ser (OEA, 12). O reconhecimento de Estado não implica a do seu governo, e pode havê-lo só tácito (exemplo: negociar com ele sem haver representação diplomática). Dadas essas limitações, vêem-se Estados hipossuficientes: os micro-estados (como Andorra e Nauru) têm soberania tão restrita que são sujeitos de Direito das Gentes sob proteção de uma espécie de curador. São por isso hipossuficientes.

8. Como poder limitado pelo Direito das Gentes.[9]

O autor define soberania como poder, não como um direito (?). E sustenta que esse poder é limitável pelo Direito das Gentes.

9. Como independência nacional[10]

Soberania é uma qualidade do Estado e o seu conteúdo é fixado pelo direito internacional público. Tal o estabelecido na Carta da ONU, 7, OEA, 3º, b); Helsinki, I. Demais, a assim chamada cooperação internacional prejudica a soberania e diminuem-na a internacionalização econômica, a social e a cultural. Soberania é sinônimo de “independência nacional”. A “ingerência humanitária”, em prol dos “direitos humanos” (negativos) ou de vítimas de catástrofes, é prática que até pode acarretar limitação da soberania — em verdade um ato ilícito. No tocante à autodeterminação, esta diz respeito ao Povo, com a comunidade, mesmo a não personalizada e reconhecida (artigo 1º nº 1 e 2 do Pacto de Direitos Econômicos e Sociais). É regra jurídica de Direito das Gentes, que tutela agrupamento humano, não personificado nem reconhecido como Estado. A não-intervenção é dever jurídico em relação à soberania (Estado) e à autodeterminação (de Povos ainda não reconhecidos como Estado — Carta da ONU, 2º, 7).

10. Soberania, conceito relativo[11]

A globalização desequilibra os Povos.[12] Estado sem soberania pode haver, se ele tem outros três elementos. Já a soberano é pleno.[13] Só há soberania plena quando surgem os três dados: população, território, e governo com mínimo de eficácia. Mas pode bem dar-se o aniquilamento da soberania. Uma das formas desse processo de aniquilamento é a “ajuda externa”, que aumenta a dependência econômica. Tal ajuda é para manter cliente, comprador de mercadoria (sobretudo dos EUA), ganhando com isso as multinacionais. Em verdade, na experiência econômica, a figura efetiva é aí a de um autêntico financiamento, e não assistência. Politicamente, com o apoio a Governos militares pro - EUA, torna-se um instrumento pelo qual baixa em muito a efetividade da independência externa. Quadra, todavia frisar: independência completa, mesmo os ricos não a têm. De notar-se ainda, já que é pelo reconhecimento que os Estados se tornam mais visíveis, reinar nessa matéria bastante confusão, verdadeira balbúrdia. Em 1995 havia 191 Estados. Mas povos soberanos existem que não podem ainda ser Estados. E há também Estado agonizante. A efetividade da soberania tem aí papel relevante, definitivo. Sobretudo por isso que “independência” é algo de larga relatividade conceitual. Há Estados “vassalos”, semi-soberano, que são os protetorados. Há Estados exíguos (caso de Mônaco). Há Estados “clientes”, “associados”. Há ainda Estado de soberania especial, reduzida no seu conteúdo; tal o caso da Alemanha depois do Tratado de Moscou (12.09.90). De outro lado Povos há, com aceitação na ONU, que não são Estados.

11. Como competência de poderes, recebida do Direito das Gentes.[14]

Soberania é a independência ou a liberdade externa: em relação aos demais Estados. Seu conteúdo é o do exercício interior dos poderes que entender, mais o domínio eminente do território e o poder exterior de ser tratado como sujeito de direito na comunidade dos Estados. Recebe competência do Direito das Gentes; competência de poderes, que ele internamente pode devolver (repassar) a órgãos internos, ou a pessoa de direito público interno. Recebe depois do reconhecimento. Portanto o reconhecimento declara-o como sujeito de direito, e constitui-lhe, dá-lhe, atribui-lhe, competência. Uma delas é a soberania. Enquanto tem personalidade, ou seja, aptidão de ser pessoa (= sujeito de direito), é proto-estado. Como tal assiste-lhe já um direito por regra jurídica de Direito das Gentes: o direito formativo gerador de ser sujeito de Direito das Gentes com reconhecimento e, com ele, a soberania. De modo que soberania é direito subjetivo de atuar independente, livre, internamente, e o direito de entrar em relação jurídica com os demais Estados e ser tratado como tal: igualdade, respeito, defesa, conservação, desenvolvimento. Também essa liberdade interna é limitada pelo Direito das Gentes. Pode sofrer restrições no excesso, mediante intervenção nos casos graves (defesa, proteção dos direitos humanos, interesses dos nacionais fora do seu território). Há algumas limitações de competência, como por exemplo, servidões (guarnição militar, porto, ilha, passagem para rio ou canal, interdição de edificar fortificação em certa zona de passagem), aproveitamento de águas, mar territorial, plataforma continental, passagem aérea inocente.

13. Como notável poder de controle interior[15]

A soberania desponta por dilatação do Direito das Gentes – há vários fatores (físicos e sociológicos) que exigem essa expansão do Direito das Gentes. Aliás, o autor faz alusão a ius cogens (pág. 96-98 e 665), mas não define o conceito, apesar de ser interior à teoria geral do direito. Acentua a existência de entidades territoriais especiais.[16] Quanto ao reconhecimento: quanto mais Estados reconhecem um novo Estado, menos técnica (segundo o direito) é a aceitação do reconhecido. Nesses casos leva-se muito em conta a força política que o apóia, e menos o valor interno dos pressupostos ordinariamente examinados. Entre tais pressupostos, figuram notadamente os seguintes pontos: (1) consistência de unidade política interior e (2) grande autodeterminação (= soberania) em relação a outros Estados. Exemplo típico é o da Lituânia em 1990. De qualquer maneira, a independência: é um direito fundamental dos Estados. Soberania só ocorre, porém quando a coletividade mantém controle continuado e pacífico sobre as ocorrências do seu território. Esse controle é relativizado pelas condições físicas e locais, e por forças políticas mundiais, e pelo próprio Direito das Gentes. Tem-se no reconhecimento um ato declaratório de situação fática. O reconhecente percebe que o Povo A, do território x, mantém grau y de independência (=soberania) e está com os pressupostos preenchidos para manter relações jurídicas com outrem. Ocorrem também efeitos constitutivos em quem reconhece: por exemplo, de regra, a coletividade reconhecida pode figurar em pólo de relação jurídica processual perante o reconhecente. Isso tanto internamente como nas cortes internacionais. Portanto a força do ato de reconhecimento é declaratória, mas há efeito constitutivo. Também se vê mais claramente a eficácia constitutiva do reconhecimento, quando se examina a retroeficácia jurídica interna de um reconhecimento de Governo.[17]

14. Concepção marxista-lenista: a função primordial do partido único.[18]

A soberania é uma propriedade do Estado como sujeito do Direito das Gentes. Conta com poder soberano exclusivo sobre o seu território e seu sistema jurídico, de modo que é uma coletividade independente para a formação da sua sociedade, do aparelho estatal, do seu poder constituinte e do conjunto da sua política interna e externa. Essa independência abrange não só a matéria econômica como também social e cultural. Subordina-se ao Direito das Gentes. A soberania contém sempre a estrutura de classe, determinada pelas relações internas de poder: burguesia ou trabalhadores (com seus aliados de classe e de extratos sociais). Pela Carta da ONU (art. 2º, 1) e pela 25º Assembléia Geral, de 24-10-70, os Estados são iguais, todos membros da comunidade internacional (“Der internationalen Gemeinschaft”). Sendo assim, tem de haver entre os Estados: a) igualdade jurídica; b) poder exclusivo sobre o direito interno; c) dever de tratar os outros Estados como sujeito de Direito das Gentes; d) integridade territorial e independência política; e) liberdade de escolher e desenvolver os seus sistemas político, social, econômico e cultural; f) cumprir com boa-fé (“Treu und Glaube”) os seus deveres com os demais Estados e viver em paz com todos eles. No mesmo sentido manifestaram-se os Povos na Conferência sobre segurança e trabalho-em-comum na Europa: Helsinki, 1975. Para a paz mundial é indispensável que todos respeitem o direito de autodeterminação de cada Povo. Aliás, toda concepção de soberania, para os Estados socialistas, leva o selo internacionalista da ditadura do proletariado. A autodeterminação dos povos (“Sebstbstimmungsrecht der Völker”) consiste, em síntese, nos seguintes pontos: a) cada qual define a sua ordem interna; b) exige-se a extinção das colônias, que se têm de converter em novos Estados; c) é indispensável o fim das intervenções de um Estado no poder do outro; d) garantia de tutela desse direito supra-estatal. Mas há ainda a própria soberania da população (“Volkssouverenität”). A soberania popular só se realiza com a tomada do poder pelos trabalhadores e por outras classes antiimperialistas, de tal jeito que a classe trabalhadora governe, liderada pelo partido marxista-leninista. A classe trabalhadora (“Arbeiterklasse”) é a mais revolucionária das classes em toda a história da humanidade. Constitui a principal força da época atual, quando se está fazendo a transição do capitalismo para o socialismo, e deste para o comunismo, mediante a extinção pura e simples do Estado de classes. Vale-se a classe trabalhadora da política de aliança (“Bündnispolitik”). Com essa aliança surgem outros tipos de atividade econômica não-produtiva, diversa do modo de produção capitalista. Tende-se ao surgimento de associações de trabalho produtivo (“Produktionsgenossenschaften”), em vez do trabalho espoliado. Institui-se destarte, e desenvolve-se, o sistema de relações próprias do socialismo de produção. Em resumo: não há possibilidade de se manter a independência dos Povos, a autodeterminação, a soberania, sem o desenvolvimento socialista e sem o partido único. O partido marxista-leninista é a forma elevada de organização da classe trabalhadora de cunho internacional, sendo parte integrante do movimento comunista internacional. É linha de frente consciente e organizada, na luta pela internacionalização do proletariado. O partido é definido, pois, como indispensável instrumento de independência. Para tal fim é de mister a técnica do “centralismo democrático”: hierarquia interna rígida, firme unidade de direção, bem como de planejamento e de ativa colaboração com todos os membros.[19]

III — A soberania no interior da teoria geral do direito

A finalidade deste item é definir “soberania” levando em conta a teoria geral do direito. Parte-se portanto da análise do direito como fato social, como um dos processos sociais de adaptação, uma das classes de energia, no sentido radical: capacidade de produzir trabalho ou alteração no mundo. Todas as noções serão expostas de maneira sintética e simplificada, para que se adaptem à própria brevidade deste trabalho.

1) Direito

As relações sociais, com as suas especificidades, são processos. Ocorre em cada um deles uma série de acontecimentos, com sentido certo, com critério diverso, uns dos outros. Donde termos os sete principais: Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência. Estão aqui em ordem de estabilidade, afora a Ciência, a mais neutra. Política e Economia são os menos estáveis, os mais desestabilizadores. O Direito ocupa posição intermediária. Todos eles se influenciam mutuamente. Política e Economia levam turbulências às ordens jurídicas estabelecidas. O poder econômico tem força para influir na política e no estabelecimento e na prática do direito em certo círculo social, ou em muitos deles.[20]

Há autores que chamam “instâncias de formação social” aos processos sociais de adaptação. Correspondem ao mundo dos “valores”, como se expressaria o pensador culturalista. Em leitura adequada da ciência moderna temos aí relações sociais ou interações grupais, de que as sete ditas são as principais. Estão aí os suportes fáticos que ultrapassam em conteúdo os espaços reais da lógica, da matemática, da física e da biologia. Aqueles têm todos estes na sua estrutura. Por natureza — por sua própria estrutura — o Direito contém todos esses elementos relacionais feitos de jetos mais finos, de essências menos densas. Neste exato sentido temos de dizer que o direito é natural: um fato da Natureza (sem confusão com a doutrina de direito natural de origem metafísica), susceptível de ser experienciado e confirmado o seu conhecimento pela experimentação. $

a) Suporte fático

Os suportes fáticos são os acontecimentos da Natureza, aos quais as regras jurídicas podem aludir. São geralmente as qüididades (essências,) mais ricas de conteúdo relacional, as realidades de jetos mais espessos: mundo físico, mundo biológico, e sobretudo, o mundo social, vale dizer, as relações dos processos sociais de adaptação. Há suportes fáticos em si muito simples e também os há muito complexos. “Homem” é fato jurídico que tem suporte fático simples. Estado já o tem muito complexo, mais rico de elementos.

b) Regra jurídica — fases da sua vida; função; classificação

A regra jurídica surge, pelo costume (regra jurídica implícita ou não-escrita), ou pela legislação grafada (expressa). Ambas são feitas pelo Homem, na Natureza. O Homem não se desfaz dos seus componentes físicos, biológicos etc., quando gera a regra jurídica costumeira ou quando elabora e grava a escrita. Tudo é natural. Sem tomada de consciência pode existir a regra jurídica, por força do instinto. Mas não ocorre a sua incidência se ausente a tomada de consciência: não haveria quem, suficientemente, lhe percebesse nem sequer a mera correspondência lógica com os fatos das relações humanas. Incidência é a eficácia própria da regra: dar ao fato direção nova, que ainda não tivera, antes de a regra ser jurídica. Sem grau alto de consciência (=tomada) não haveria sujeito capaz de causar a incidência, consciência apta a fazer a regra pousar e “bater as asas” sobre o suporte fático. Ainda que esse bater de asas, ou colorir o suporte fático, seja apenas um perceber (na percepção há a tomada de consciência). Antes da percepção há a consciência a atuar, mas sem a si mesma se “ver”. De outro lado, aplicação é a atividade pela qual se põe a regra jurídica sobre o suporte fático, fazendo com que ele siga a direção indicada por ela. Pode haver aplicação instintiva, sem tomada de consciência. Existe a aplicação do querer mecânico, automático, instintivo. Tal ocorre quando é perfeita (=mais perfeita) a adaptação jurídica em certo tempo e lugar da História: o direito realiza-se sem esforço. Órgão judicante seria supérfluo para tais casos. A aplicação por órgão judicante será de mister se sobrevier uma de duas: a) inobservância, ou b) surgimento de obstáculo que os interessados não podem afastar por si próprios, ainda que quisessem fazê-lo. Na regra jurídica mesma não há “vontade”, mas na aplicação dela sim.

As regras jurídicas têm funções eficaciais diversas entre si. Conhecemo-las de modo mais preciso se lhes definimos as funções naturais lógicas — de sobredireiro versus direito substancial, de direito material versus direito processual, de direito público versus direito privado, de Direito das Gentes versus direito interno etc.

b1) Irrelevância exegética do precedente político da regra jurídica (elaboração).

O processo social de adaptação política tem por jeto (=definição “essencial”) o poder: este é da sua “qüididade”. Fazer uma regra jurídica é exercício de poder, de impor um modo de ser no tocante a ação ou ações exteriores. Exerce-o a coletividade quando a edicta pelo costume, ou por suas assembléias, postas com a incumbência específica de assim procederem. Posta, qualquer que seja a sua fonte, a regra jurídica tem função própria. Já não é a de exercer poder. É outro o seu papel social — dar orientação aos suportes fáticos por ela colhidos, de jeito que se caracterizem, por o seu conteúdo (significado prático), ser o que indicam as proposições e os fatos correspondentes a elas. Isso, ainda que discordem os membros da coletividade, incluídos os mesmos que porventura a tenham feito, ou colaboraram para sua edicção. Quer isso dizer que a regra jurídica, uma vez posta no mundo, se desliga do processo social (o político), que a gerou. Algo assim como a nuvem que se formou a partir do mar, e depois cai sobre o mar ou sobre a terra. A origem foi o mar, a chuva não é mar. A origem do direito é a política, mas direito não é política. O direito há de ser analisado por seu conteúdo, que não por sua origem na política: aqui, nessa origem política, o interesse é histórico. Será pesquisa de cunho psico-social: os jogos de força, a conveniência ou não da regra jurídica naquele momento, e depois, para o grupo nos seus demais valores de vida. Todavia o valor exegético dessa pesquisa é nenhum, e pode ser muito prejudicial para se ler o conteúdo da regra, tal como ela vige ou vigeu, e como tem de ser aplicada — vista em si e no conjunto amplo do sistema jurídico. Daí por que, para o jurista, é de afastar-se o voluntarismo (“vontade do legislador”) e o animismo (“espírito da lei” – não se confunda com finis legis).[21] Nem lhe é dado, sem a sanção do erro, buscar sentido à regra com a volta à sua origem naturalmente despótica, de imposição, de mando, de intuito, de vontade de seres sobre seres. Não. Ela entra na cultura com a sua função própria, e é nessa cultura que se lhe tem de ver o sentido e orientação de regra: indica comportamentos e a conseqüência de desvio deles.[22]

b2) A vida própria da regra jurídica: existência, vigência, validade, eficácia (incidência), aplicação, efetividade.

Na vida da regra jurídica temos de atender ao seguinte: a) existência, b) vigência, c) validade, d) eficácia (ou incidência), e) aplicação e f) efetividade.

Existência: a regra jurídica escrita é, existe, desde que publicada. Antes é preparação, a passar ela por estágios de gestação. Lei não publicada não é ainda lei. A não-escrita desde que, gestada, entra a ser percebida na sua existência. Acontecendo o suporte fático, a percepção dela, na correspondência com ele (tomada de consciência), gera a incidência.

Vigência (vis, vigor, energia) ocorre quando, por causa de outra regra (de sobredireito=regra sobre regra), que lhe estabelece tempos e lugares como requisitos para dar significado aos fatos, esses requisitos fáticos se apresentam. Aí então, ela, com a energia própria de mostrar a direção a ser seguida pelos comportamentos (sentido), está in potentia para incidir. Nem sempre a regra jurídica indica a sanção correspondente à não-observância. Temos o exemplo das remissivas.

Validade diz respeito ao fato de ela ter ou não defeito. As causas de invalidade podem ser múltiplas. Uma delas: ser contrária a outra de grau (taxionomia) superior. Regra jurídica de lei contrária à Constituição é, mas não vale. Incide com defeito e, se aplicada, será aplicação que causa lesão ao sistema jurídico embora possa não causá-la a outro, ou outros processos sociais de adaptação. Os critérios com que estes dirigem os fatos pela Vida são marcadamente diferentes.

Regra jurídica de Direito das Gentes é superior à do direito interno de cada Povo, por ser supra-estatal. Incide sobre os Povos — mesmo que essa supra-estatalidade seja por aceitação apenas da maioria, que não de todos. Raras, se existirem, são as regras jurídicas de aceitação geral (também no direito interno). Também estará a incidir, provavelmente, sobre coletividades não-estatais. Aliás, a expressão clássica “Direito das Gentes” diz mais que direito supra-estatal. E, claro, é mais exata que “direito internacional público”; pode haver sistema jurídico entre dois ou mais Povos, que não tenha incidência sobre todos os Povos. E Povos há que ainda não são Estados. Cláusulas de tratados evidentemente não são regras jurídicas, e sim determinações inexas de negócio jurídico interestatal. Têm de ser cumpridas, isto sim, mas por incidência de regra jurídica não-escrita de Direito das Gentes (pacta sunt servanda).

Incidência, dissemos, é a correspondência lógica da regra jurídica com o suporte fático, a partir do momento em que ocorre a tomada de consciência desse componente lógico. De modo que o incidir da regra jurídica é a sua eficácia típica. É o que ela faz. Lei que não incide em “caso concreto” (suporte fático) é sem eficácia nesse “caso concreto” (suporte fático). Quando uma norma cai pelo desuso, perdeu a sua eficácia, já não incide no suporte fático, que lhe correspondia. Está na mesma situação prática da lei revogada (retirada do mundo jurídico). Não perdeu a existência, nem a validade (se foi edictada sem defeito). Mas perdeu a eficácia. Por já não incidir, não pode, sem erro, ser aplicada aos suportes fáticos a que logicamente corresponde. Existe, vige, vale, mas não incide. Falta-lhe efeito de norma de direito.

Aplicação é realidade a que já fizemos referência linhas acima. Consiste na atividade pela qual alguém dobra (plica, ad+plica) a regra jurídica sobre o suporte fático, fazendo com que ele siga a direção indicada por ela. Mais que um sentir ou um entender ou um ato mirar, é, antes, um ato de realizar, uma entrada no mundo pela práxis.

Pode haver aplicação instintiva, dizíamos, sem tomada de consciência, porque existe a aplicação mecânica, automática. O mais comum na vida jurídica é a aplicação espontânea. Mais observância há, no mundo, que ilicitude. Assim é tanto por ato contrário a direito, praticado pelo figurante de relação jurídica, quanto por erro, involuntário ou não, cometido pelo aplicador “oficial”.

Efetividade é a freqüência de aplicação da regra, indicadora do grau da sua aceitação. Trata-se portanto do grau de observância da regra jurídica. Será ela de alta ou baixa efetividade, conforme seja ela muito ou pouco observada. De modo que efetividade é observância, cumprimento, aplicação. Efetividade zero, quando ocorra, acarreta a não-incidência. De tal modo a regra deixa de ser observada que já não se leva em consideração. Ainda que seja pouco a pouco, vai ela em verdade (=efetivamente) apagando-se das memórias. Instaura-se o processo de cessação da tomada de consciência da sua correspondência com o suporte fático. Existe, vige, vale, incidiu por certo tempo, a taxa de efetividade baixou a zero, já não tem aplicação, perdeu a incidência.[23]

2) Os fatos jurídicos: classificação; planos em que têm de ser estudados

Em esquema simplificado pode dizer-se que se o suporte fático acontece, e a regra jurídica incide, o fato passa a ser jurídico. Bem, seria bem pouco dizer-se que surgiu no mundo um “fenômeno jurídico”. Porque os há de estruturas muito diversas entre si, circunstância da maior importância assim teórica como prática. Toda confusão aí, como em tudo nas ciências, levará a erros. Pesquisadores levaram anos de incansável trabalho para lograrem traçar sua classificação: não se encontrou ainda fato jurídico que fugisse a alguma dessas cinco classes: negócio jurídico, ato jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico, fato jurídico em sentido estrito e ato ilícito. Resumidamente, tem-se essa nota característica em cada um deles: 1) se há vinculação básica entre os figurantes, negócio jurídico (exemplo: o protocolo, o tratado etc.); 2) se há apenas manifestação de ato psíquico, ato jurídico stricto sensu (exemplo: reconhecimento de uma coletividade como Estado); 3) se ato é praticado, mas tal que a natureza humana é levada a tratá-lo como simples fato, eis então o ato-fato jurídico, como se dá por exemplo quando uma coletividade se apossa de uma terra, de que antes não tinha posse; 4) um simples acontecimento da Natureza, sob a incidência de regra jurídica, traça o fato jurídico em sentido estrito (exemplo: o nascimento ou o desaparecimento de um Estado); 5) por fim, se alguém atua contra o conteúdo de regra jurídica, pratica o ato ilícito (exemplo: um Estado pratica em outro intervenção não permitida pelo Direito das Gentes etc).

Um estudo exaustivo (em quanto ser possa!) dos fatos jurídicos, para se poder entendê-los e para se trabalhar adequadamente com eles – com rigor, precisão e exatidão –, leva-nos necessariamente a vê-los em três diferentes planos: (a) indagar se verdadeiramente existe ou é apenas aparência, e qual é, dentre os cinco, o que se tem em mãos; (b) em participando do suporte fático deles o psiquismo humano de modo relevante — caso só do negócio jurídico e do ato jurídico stricto sensu — examinar se entrou no mundo com defeito ou sem ele; (c) pesquisar quê efeitos terá produzido no mundo jurídico. Logo, temos: (a) plano da existência-inexistência, (b) plano da validade-invalidade, (c) plano da eficácia-ineficácia.

3) Direito das Gentes, Estado, direito interno.

Vamos pois às realidades de Direito das Gentes e de direito interno e Estado.[24] Desde cedo o Homem fez uniões acima do par andrógino (família, clã, tribo etc.), e reuniões ou assembléias. Estas o moldaram para chegar à reflexão. Dividiu-se também em grupos, em coletividades várias (clãs, tribos etc.). Estas são a semente do Estado. Se vizinhas, tinham de conviver dividindo espaço para conviverem os seus membros, e se multiplicarem, e caçarem e colherem etc. Algo as acomunava. Tinham semelhanças fundamentais, digamos.[25] Necessitavam do mesmo, ou quase do mesmo, de que modernamente precisamos, com variações de intensidade no espaço e no tempo. Aproximadamente o que está no artigo 1 da Carta de ONU.[26]

Onde houvesse dois Homens, já lá estava o processo social de adaptação jurídica a funcionar: posto que de modo confuso, incidiam as suas regras — independentemente da vontade daquele ao qual dita regra (a jurídica) se dirigia. A confusão estava na proximidade, maior que hoje, entre elas (as jurídicas) e as regras de religião e de moral.[27]

Havia as internas das coletividades (por exemplo, as de família), e também as que se formaram para “valerem” (=incidirem!) sobre essas coletividades (como de não-agressão, de cooperação etc.). Havia ainda as que eram comuns no interior e no exterior das coletividades. Temos por exemplo as de certo grau de opção individual: a de caçar o javali ou colher mel, a de comer agora ou depois, comer mais agora e pouco mais tarde ou vice-versa, a de copular ou não, de deambular por aqui ou por ali. Regras jurídicas específicas incidiam sobre essas coletividades. Eram supra-coletivas: para serem observadas pelas unidades coletivas, digamos, de território próximo. Necessitava-se de alguma segurança extrínseca — para as ações exteriores e independentes das vontades dos grupos mesmos, como tais.

Ora bem, essas regras são em verdade regras jurídicas supra-grupais. Incidem sobre ações dos grupos, não apenas sobre indivíduos desses grupos isoladamente tomados. Postas em proposições, teremos nelas precisamente proposições jurídicas acima das coletividades. Ainda que lhes desconheçamos por ora o tempo aproximado em que surgiram, é inegável terem surgido na história. Deram início ao atual Direito das Gentes — ainda tiradas as diferenças culturais, o fato ou fenômeno é essencialmente o mesmo.

4) Coletividades supra-estatais e Estado segundo o Direito

O conceito de Estado é dado pela ciência do direito. Pode haver pessoa de Direito das Gentes que não seja Estado. Mas, desde que reunidos determinados elementos, que só aos poucos se formam, surge perante outros Povos (Estados ou não), uma circunscrição, determinada espacialmente, certa e definida. Nela há gente que escolhe seu sistema jurídico, ou o recolhe de outro grupo. É juridicamente “autônomo” (), tem o seu direito. E reúne poder de, a si próprio, se gerir, movendo internamente (e em parte também ad extra) recursos materiais e humanos para satisfazer as necessidades básicas dos seus membros. Estes, quando encontram obstáculos jurídicos contam com membros do próprio grupo para dizer o direito. Governa-se essa gente, em território físico dela. Não se subordina a outra “Potência”. Fez-se Estado.

Outra “Potência”, ou mais de uma, passa a contá-la como capaz dos direitos próprios das demais. Registra-lhe a presença, outra a mais, no conjunto dos Estados. Fica reconhecida como titular de direitos estatais, ou seja, direitos específicos de mais uma unidade circunscricional, com poderes e faculdades abertos à participação das competências que, expressa ou implicitamente, são distribuídas por outras unidades assemelhadas pelo mundo afora.[28]

Uma coletividade compõe-se de entes, dos quais a grande maioria são pessoas. Pode organizar as suas relações internas (estrutura), e evoluir internamente de tal maneira que adquira, por conquista da sua evolução, os requisitos havidos numa certa época da história como necessários e suficientes para ser tratada pelas outras, ela própria como sujeito de direito. Eis como adquire a autoridade própria — o poder ser aceita como pólo de regra jurídica, pelo menos com um direito. Nem importa a implicitude, e sim a configuração nova: a ex-sistência, o ex-surgir, o novo estar-no-mundo social. Deste jeito é que se lhe vê a situação fática de ter “valor” — para ser titular de ao menos um direito perante os demais. Chegando a isso, não tem apenas possibilidade de ser sujeito de direito. A só possibilidade corresponde a uma fase da evolução para ser pessoa. Sua conversão final em realidade traz a flux posição de ser titular de direito (=pessoa). Quem era personalizável transforma-se em personalidade, pessoa (=é titular de direito).[29]

De modo que o caminho para se chegar ao conceito de Estado é o da ciência do direito, especificamente do Direito das Gentes. São as gentes, as pessoas de certa coletividade, que formam unidades de estrutura tal, que outras, por incidência de regras jurídicas superiores a todas, se vêem na necessidade de tratá-las como sujeito de direito. E dizemos verem-se elas nessa necessidade porque o exercício exterior de poderes ou faculdades, postas em atividade, é havido, é recebido, de um sistema de normas que a todos se impõe. Todos precisam de segurança extrínseca, de serem independentes de vontades dos alii para que a regra incida. Ora bem, o suporte fático sobre que cai a regra jurídica (incidência) continua de ser o que sociologicamente já é, mas com acréscimo sociológico novo. É o elemento sociológico, ainda não jurídico, que agora também se faz jurídico.

A coletividade B trata com a coletividade C de providências para se entenderem em matéria de caça em certos limites. Não incide regra jurídica. No momento porém em que os estudos preparatórios se convertem em vontade de se vincularem a esse respeito, já não depende das vontades a incidência da norma. O negócio é negócio jurídico: ocorreu a vinculação básica de vontades, que um não pode desfazer isolado. E só é assim porque a regra jurídica de direito (norma) incidiu. Se uma coletividade reconhece em outra a situação jurídica de ser sujeito de direito (=pessoa), pratica um ato jurídico stricto sensu de força declarativa. Há outros quatro efeitos, mas são de carga menor. Se o reconhecimento é por vê-la como Estado, a declaração é mais complexa que a anterior, por ser mais complexo o objeto do reconhecimento. Nem por isso foi alterada a estrutura do fato jurídico, que persistiu de ser ato jurídico stricto sensu. Não houvesse regra jurídica de Direito das Gentes e o reconhecimento não existiria. Não teria existência no processo social de adaptação jurídica. Mas a regra existe. Não podem as coletividades prescindir dela, em matéria de comportamento exterior. Seria por demais dificultoso o convívio dessas coletividades se não houvesse efeitos de persistência, que outrem não pode extinguir a seu alvedrio, ou seja, efeitos que surtem, queira ou não o alter. Se há essa dependência de parte de todos os alteri, a adaptação ocorrida terá sido somente a do processo religioso, ou moral.

Voltando ao caso do reconhecimento, ou do pacta sunt servanda: é impossível admitir existência de reconhecimento seguro sem norma superior ao reconhecente e ao reconhecido, que entra no mundo com independência do alter. Como em verdade ocorre essa subsistência, independente de vontade do alter, não há senão admitir: aí incidiu regra jurídica e não veleidade moral. Esta não dá sentido a ações exteriores com a eficácia de segurança contra as vontades dos alteri. Falta às demais normas (de religião, de moral, de estética) a energia de imprimir ao fato, sobre que incidiu, independência ou autoridade própria: introduzir no mundo comportamental algo de segurança extrínseca. Eis aí a maior característica do processo jurídico de adaptação social.

De modo semelhante incide a regra jurídica em Direito das Gentes. Um tratado há que ser cumprido como é o conteúdo das suas cláusulas, termos etc. Não fora assim, falharia a necessária segurança das relações internacionais, ou interestatais, ou inter-coletivos. Donde a produção altamente generalizada, mais ou menos consciente, dessa norma. Não depende dos figurantes a observância ou não-observância. Essa norma está acima deles. Se infringirem, poderão sobrevir conseqüências, também independentemente das suas vontades.

É por isso supra-coletiva. Se entre Estados o negócio jurídico é digamos, um tratado, a regra que indica a necessidade de cumpri-lo é supra-estatal. Não só inter-estatal ou internacional: existe ela, e vale, e vige, e incide, acima da vontade de todos. É supra neste sentido: provém de todos, ou da maioria, e sobre todos incide, queira qualquer deles ou não. No reconhecimento (ato jurídico stricto sensu), antes de a regra jurídica supra-estatal incidir, há reunião de elementos de ciência, talvez de moral, quiçá de cunho econômico, ou político. Não há presença contudo, ainda, de elemento jurídico. Diversamente acontece após a incidência. Assim com o negócio jurídico de tratado. Até ao seu encerramento, atos físicos, atos biológicos (psicológicos), intuito econômico etc. Agora, postos todos os elementos do suporte fático, incide a norma supra-estatal do pacta sunt servanda.[30]

Assim, antes da incidência o reconhecimento, e o tratado, eram fatos do mundo, com os conteúdos correspondentes à sua estrutura. Depois, acrescentou-se-lhe o elemento novo — o jurídico.

5) Formação biológico-social da liberdade e da soberania

O direito distingue-se dos demais processos sociais de adaptação a) porque as suas regras (ou normas) incidem para regular comportamento exterior, b) elas incidem independentemente da vontade daqueles aos quais elas se dirigem. Coincide com os demais (Religião, Moral, Artes, Política, Economia e Ciência), entre outros pontos, no ponto central de serem postos na Natureza (no mundo, nas realidades) por força de uma necessidade do ser vivo quando está com o alter. No direito é pela necessidade de segurança extrínseca. Quer isso dizer que esta não é mantida apenas pelas normas de religião e de moral, que estabilizam as relações humanas por controlarem sentimentos, pensamentos, vontade e alguns instintos — tudo no interior dos indivíduos e coletividades. O direito surge quando se tem consciência de o comportamento exterior ter de ser assegurado por algo mais: pelas regras com as características de a) e de b).

Incidência, dissemos, não se dá sem tomada de consciência da correspondência lógica entre os termos da regra jurídica e os elementos do suporte fático. Há nela pois algo de mais denso que a só lógica. O jeto é dos mais denso – psicossociológico. O fato jurídico de que se irradia direito à liberdade é fato jurídico em sentido estrito. E, como o nascimento da pessoa física faz irradiar-se-lhe o direito à liberdade, assim é com o nascimento de uma coletividade apta a entrar como pessoa (titular de ao menos um direito) perante as outras, estatais ou não-estatais. Há analogia muito aperfeiçoada entre a formação da coletividade e a da pessoa humana. Em ambas, um longo processo. Na segunda mais biológica (mas também sociológica), na primeira mais sociológica (mas também, é claro, biológica). Ou seja, em ambas presente está o elemento biológico, e neste o físico, e o matemático, e o lógico. É ponto importante. Nota-se grande proximidade entre a formação biológica da liberdade no indivíduo, e a da soberania numa coletividade.

a) Direito de liberdade e exercício do direito de liberdade

O direito é eficácia de fato jurídico pela qual há alguém é atribuído um bem de vida (material ou psíquico ou misto). Esse bem de vida é o objeto da dita atribuição. Exerce-se um direito quando se realiza (quando se põe em prática) um dos poderes do seu conteúdo. Esse poder é a “faculdade”.[31] É possível alguém ter certo direito e não exercê-lo, ou exercê-lo em pouca intensidade ou exercê-lo raramente. Quando surgem óbices poderosos contra o exercício, restringe-se o conteúdo. Quando o conteúdo chega perto de zero, o direito é apenas formal (película, fio). Se de todo se aniquila a faculdade, então a relação eficacial “direito-dever” desaparece. Dá-se o mesmo com as outras três relações eficaciais: pretensão-obrigação (exigibilidade), ação-sujeição (sujeitabilidade) e exceção-abstenção (paralisação da exigibilidade, ou da sujeitabilidade, ou de ambas). Voltando ao aniquilamento do direito, não importa se é direito subjetivo ou não-subjetivo (= subjetivado em alguém ou num grupo, ou difuso). É só com o surgimento do dado que se dá o surgimento da incidência sobre os fatos (fato jurídico). Com este, uma eficácia jurídica, ou até todas as quatro. Não há resposta a priori. A pesquisa do espectro eficacial (perfeitamente possível) é que dará a resposta precisa.

b) Liberdade, mais igualdade e democracia

Liberdade e igualdade (esta é a abertura de possibilidades efetivas aos bens econômicos e sociais) são valores de fundo, em qualquer dos processos sociais de adaptação. Quer isso dizer que são caminhos em termos de fruição de bens da vida. Já democracia é forma, é instrumento: método de co-decisão. Liberdade é poder fazer o que é para o Homem necessário que se faça, segundo as exigências da natureza. Estas exigências são reveladas pelas pesquisas de dados das várias ciências particulares.[32] Portanto três são os caminhos para a vida do Homem em sociedade. Esses três caminhos implicam-se uns nos outros. Só há liberdade mais plena com a concomitante plenitude maior em igualdade. Ambas porém sofrem detrimento se o sistema de governo não tem raízes no Povo.[33]

Quanto às liberdades absolutas, temo-las as referentes ao exercício do pensamento, e as correspondentes à liberdade física.[34] Todo tipo de liberdade é limitada pela própria natureza. A liberdade de um ou alguns nasce limitada pela dos outros. Importante acentuar como de qualquer maneira a liberdade está sempre se fazendo. Ocorre ela no interior de todos os processos sociais de adaptação (Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência).

Essa liberdade começa com o começo da pessoa. Daí dizer-se inata. E assim é por haver consciência suficientemente forte de a liberdade ser uma necessidade fundamental do Homem. Essa tomada de consciência, da maioria numérica, ou da maioria qualitativa dos Povos, a respeito da necessidade de se conceder liberdade à pessoa, constitui a existência e a incidência de regra jurídica de Direito das Gentes. O conceito jurídico de liberdade leva em conta dois fatores: a) liberdade material — poder realizar, física e psiquicamente, com crescimento constante em acesso a bens econômicos e culturais, tudo quanto a natureza humana exige, considerada ela na maioria dos Povos mais cultos; b) liberdade formal — é a película que encobre o conteúdo da liberdade material. Faltante a liberdade material, resta apenas o direito formal: a persistência do direito à liberdade pende por um fio tênue. A conseqüência para o ser humano é gravíssima. Está exposto à perda de um complexo de faculdades (conteúdo do direito de liberdade), que são da maior importância para que subsista como tal — como ser humano.[35]

A liberdade material, como dizíamos linhas atrás, exige crescimento nos direitos fundamentais do Homem em matéria de economia e cultura. A liberdade será tanto maior quanto mais crescerem os indivíduos na segurança jurídica pela qual sejam atendidos, com pretensão e ação contra o Estado, no provimento de: subsistência, exercer trabalho produtivo, receber educação segundo os seus dotes naturais, haver assistência (médica, hospitalar, dentária, psicológica etc.), haver os meios indispensáveis à nutrição do seu imaginário normal (“sonho” —tendências artísticas etc.). Para tanto se requer economia planejada, com projetos anuais e plurianuais de atendimento a essa necessidades fundamentais. Todas elas são tecnicamente redutíveis aos cinco novos direitos do Homem.[36]

6) A soberania: a sua formação psicossocial específica

A soberania é conjunto de faculdades ou poderes relativamente a outras coletividades, assemelhado aos poderes da liberdade. Algo se realiza no Espaço-Tempo real: pessoas, em grupo, vão a pouco e pouco conseguindo forma nova de se estruturar. As suas relações tomam alinhamento e fundações de outra natureza, diversa da que vivia em tempo anterior. Tais relações tomam certa direção, provavelmente com mais adesões. Isso tanto pode ocorrer nas relações de religião, como de moral, como de estética, e de direito e política e economia. Simultaneamente ou não; com alguns processos avançando quiçá mais rapidamente que outros. Ou seja, aquele grupo de entes humanos passa a ter vida conjunta própria . Move-se por si, como conjunto, como todo. Outras coletividades percebem esse novo dado, anotam-no, afirmam o seu surgimento. Nasce nova unidade estrutural de relações, não num indivíduo, mas num grupo. Grupo numeroso, de regra. Foi, assim, nascendo, e por fim nasceu, uma coletividade capaz de afirmar-se como sujeito de direito, apta a entrar no tráfico ordinário das relações inter-coletivas (sujeitas todas a normas superiores a cada uma delas). Ora, quando esse dado novo surge, ainda mesmo antes do reconhecimento, já se iniciou a soberania. Exige a maioria dos seres humanos, por necessidade da convivência entre grupos ou coletividades (quiçá alguns deles sejam Estado), que se respeite esse grau de liberdade coletiva transindividual a que dito novo agrupamento humano, com feição própria, chegou. Reconhece-o como novo “colega”, novo sujeito (capaz de direito-deveres etc), um novo “igual” perante a ordem comum a todos eles. Respeita-o como tal para se evitarem conflitos inúteis, contrários à necessidade de se não gastarem energias em vão. Logo se vê que a liberdade ad extra do grupo (=soberania) veio com ele ao concerto dos grupos pelo fato de os demais terem tomado consciência de ser mister respeitar essa soberania. Não apenas como algo conveniente, mas sim como necessário. Em conseqüência, que sejam correspondentemente pautados os comportamentos exteriores — das outras coletividades com ele, e dele com as restantes. Essa convicção de os comportamentos terem de ser assim — queiram ou não quaisquer das coletividades —, isso é tomada de consciência: a norma, de todos existe, e ela incide (dá novo sentido ao dado). Percebe-se haver algo de normativo a pairar sobre todos. Uma indicação de comportamento, de cujo descumprimento pode advir conseqüência independente (provavelmente desconfortável). Impõe-se modo de conviver supra-subjetivo e supra-coletivo, a indicar como indispensáveis novos rumos para ações exteriores em relação ao novo membro das coletividades. É que está posta no mundo a dita norma, e há consciência de que ela rege a espécie nova, acabada de surgir. Por outra: as gentes têm formada a norma (=norma posta), e consciência de ela incidir. Uma subjetividade coletiva, ou várias delas, acaba de dar, ao dado novo, um novo rumo no Espaço-Tempo. Ou seja, a soberania nasce com a própria formação estrutural de nova pessoa. E nasce como posição jurídica pela qual a essa nova coletividade de gentes fica reconhecido que tem um ao menos um bem de vida, a ela atribuído no nascedouro — a soberania. Tal não se daria não fosse a dita regra geral, que a todos se impõe como necessidade social, como requisito para a segurança geral. Temos aí portanto a soberania como direito absoluto (=exercitável erga omnes), que lhe é inato.

As coletividades são pluralidades de seres humanos. É evidente a efetiva analogia que há na vida de um indivíduo e na vida de uma coletividade. Sem dúvida esta é mais complexa que aquela. Se no indivíduo há relações internas, provenientes da assembléia e mantidas no seu inconsciente, sub-consciente e consciente,[37] quadra notar que na coletividade há múltiplas individualidades. Mais: na coletividade surgem novas relações, mais densas e mais explícitas, oriundas dos sete principais processos sociais de adaptação: “valores” de religião, moral, artes, direito, política, economia e ciência. Temos assim de definir uma coletividade (entre elas o Estado) como complexo de relações. Escusado insistir que essas relações não são apenas as da lógica, nem da matemática, nem da física, nem da biologia. São as que, contendo tudo isso, são ainda mais densas: “valores” de concepção supra-sensível, dignidade, harmonia, segurança extrínseca, controle do poder, controle dos bens materiais e conhecimento (mais) rigoroso do mundo. Nas coletividades algo no interior de um círculo de Homens, já pessoas, já sujeitos de direito. São mutações biológicas impulsionadas por pressões sociológicas (todos os processos sociais de adaptação são energia transformadora).

De modo que a soberania é direito subjetivo público supra-estatal. Irradia-se da incidência de regra jurídica de Direito das Gentes sobre suporte fático unitário: uma coletividade com o traço sociológico de, com o seu território, ter formado em si os requisito de ser livre perante as demais[38]. A regra jurídica do Direito das Gentes é formulável assim: “havendo em certa coletividade de seres humanos os elementos território e estabilidade política, é-lhe atribuída um bem de vida — a soberania”. O suporte fático é o dado: nova coletividade com os requisitos que vimos indicando.

7) Definição jurídica de soberania: direito subjetivo irradiado de fato jurídico em sentido estrito – nascimento da pessoa de Direito das Gentes

Posto o suporte fático e incidindo a regra jurídica (uma ou várias), está posto no mundo o fato jurídico.[39] Sendo jurídico certo fato (fato jurídico), tem-se-lhe de explorar o conteúdo, pesquisando-o em três planos distintos, que são a existência-inexistência (o que efetivamente entrou no mundo jurídico), a validade-invalidade (defeitos que possam ter tido ou o ato jurídico stricto sensu ou o negócio jurídico) e por fim a eficácia-ineficácia, que é a questão da produção de efeitos e de quais são eles. Cumpre pesquisar se a relação eficacial surgida é direito-dever e quais são estes; se já se irradiou exigibilidade, ou seja, pretensão-obrigação, e de que natureza; se já surgiu no mundo outro poder a mais – ação-sujeição –, e qual a força e quais são os demais efeitos dela, e em que ordem de intensidade estão eles. Ainda: se porventura se irradiou alguma exceção – qual delas se irradiou?[40]

Ora, os poderes ou faculdades, conteúdo do direito de soberania, variando embora no Espaço-Tempo, têm jetos próprios (traços essenciais marcados e definidos). Ausente algum deles, já falha o suporte fático para que a regra jurídica supra-estatal incida, e se irradie do fato jurídico “pessoa” o direito inato de soberania. Dos tratadistas alinhados acima, tiram-se os seguintes requisitos elementares para a existência do fato jurídico (=pessoa): a) ser coletividade estruturada internamente como Estado; b) que em certo território haja população com grau de valor intrínseco tal que outros Estados o tenham como pessoa; c) pessoa há, se presente o elemento de auto-suficiência nas funções jurisferante, gestora e decisória no interior do seu território quanto a bens e pessoas; d) os membros da população, uma de duas: ou construíram para eles certa estabilidade jurídica nas suas relações, ou aceitaram-na, imposta a eles, por líder ou déspota; e) capacidade de relacionar-se com outras pessoas do Direito das Gentes em pé de igualdade formal mínima (segundo a concepção jurídica supra-estatal de cada tempo); f) essa capacidade mostra-se na consistência das relações sociais ali estabelecidas – é relativa portanto ao “valor” dos seus membros, ou à eficácia dominadora dos seus líderes, ou líder; g) tal capacidade define-se também pelo poder de influir em outras coletividades, dada a respeitabilidade da sua gente em matéria de quaisquer dos processos sociais de adaptação (Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência) — é Povo que se impõe, que se tornou respeitável pelos outros (“Potência”); h) que guarde tolerável observância das regras jurídicas supra-estatais (tolerabilidade para a maioria, histórica, dos demais Povos), segundo a cultura de cada pedaço de Espaço-Tempo. Tal o conteúdo do suporte fático (dado) sobre que incide a regra de Direito das Gentes. Essa incidência faz aparecer novo fato jurídico – “pessoa jurídica” perante outras iguais (em verdade apenas quase iguais), segundo o Direito das Gentes em vigor em certo tempo. Desse fato jurídico irradia-se a relação eficacial de direito subjetivo absoluto supra-estatal de soberania, ou direito subjetivo supra-estatal à soberania, exercitável erga omnes.

8) “Direito natural” e Direito das Gentes

É lugar comum ler-se que a liberdade é de direito natural. Alguns, coerentemente, dizem o mesmo da soberania.[41] Pensamos haver aí impropriedade de linguagem capaz por si de levar a ambigüidades. Direito natural seria, do ponto de vista do direito subjetivo, um bem de vida atribuído a alguém não por incidência de regra jurídica de direito posto por atividade humana. Seria direito por regra jurídica, oriunda da racionalidade do Homem (?). A regra jurídica mesma não criaria tal classe de direito, o direito natural. A origem dele seria a racionalidade da vida no seu evolver (?), sendo supérflua toda alusão a regra jurídica humana. Nem mesmo a criada, talvez inconscientemente, pelos outros seres humanos. Nem por eles quiçá criada de alguma outra maneira, seja pelo costume seja pela gravação (em pedra, bronze, madeira, pergaminho, papel). Aludem outros à sua origem divina. É sabido ter o jus naturale tido aí a sua origem.[42] Todo existir, verdade seja, está como que instalado na Natureza, e nela evolve (Universo curvo de Einstein). Assim o Homem, com todos os processos sociais de adaptação. Inclui-se, é claro, o direito e, nele, o Direito das Gentes. Não nos é dado dizer nada, afirmando ou negando, sobre o “dado” não-pesquisável. A proposição insusceptível de sujeitar-se a testes de verificabilidade é desprovida de sentido para o conhecimento humano. Todo direito, que não passe pelo Homem, não o podemos alcançar com os instrumentos dos saberes humanos. Se se trata de direito referente aos homens, referente a gentes ­– individual ou coletivamente ­–, só podemos ter dele algum conhecimento, estudando as sociedades humanas, colhendo aí o dado. E sem recursos “cognitivos” (em verdade passionais) de instância metafísica, ou religiosa, ou ética, ou estética, ou econômica, ou política. Sim, todo conhecer humano está inçado de irracionalidade. Mas tanto mais eficazmente lhe diminuímos a passionalidade quanto mais nos ativermos ao método das ciências, ao método indutivo-experimental. Acha-se neste o Homem com grau menor de apriorismo. Nele tem como testar mais rigorosamente as generalizações feitas, com os testes de experimentação de toda ordem.

Tal o que percebemos quando prestamos atenção à necessidade humana de segurança nas relações entre Gentes. Vemos-lhes uma tomada de consciência. É a tomada de consciência de uma proposição indicativa de certo comportamento exterior, havido por indispensável: dita proposição não pode ser deixada, sem risco, ao líbito das vontades de quem quer que seja. A não-observância dela pode acarretar conseqüências transpessoais. A necessidade é, sim, ditada pela Natureza. Mas a formulação da regra, posto venha como necessidade natural, é da Natureza-humana. Natural, sim, o direito humano, desde que tenha passado pelo Homem na radicalidade da sua própria existência. Esta só é, na Natureza. Não há falar-se todavia, sem grave equivocidade, em “direito natural”, como se a sua existência (formal, digamos) — a sua radical positividade (o ser posta no mundo) —, estivesse porventura fora da atuação dos seres humanos.[43] A soberania, pois, sem recurso à entidade metafísico-religiosa (direito natural), é direito subjetivo (supra-estatal) por incidência de norma humana. Humana: é regra jurídica posta pelo Homem, através do instinto ou da inteligência ou de um e de outra. Entrou no Direito das Gentes, evolutivamente, durante o longo curso da história da Humanidade.

9) A baixa efetividade de grande parte do sistema jurídico supra-estatal (Direito das Gentes)

Inobservância de regra jurídica conduz, se continuada e muito generalizada, à baixa efetividade dela. A despeito da existência, validade, vigência e incidência, os resultados da incidência passam a não corresponder à aplicação. Se a efetividade chega ao grau zero por muito tempo (a “quantidade” de tempo varia segundo as coletividades, e o espaço terráqueo de cada uma delas), a incidência vai a pouco e pouco se tornando inoperante. Até ao ponto de se perder a tomada de consciência dela, quando então deixa de ser. Já não estando a incidir (posto não esteja revogada), não rege os fatos, e cai-lhe a aplicação. A efetividade da regra então é nenhuma.

Tal o que ocorre na violência e nas turbulências próprias da Política e da Economia, dados os seus elevados graus de instabilidade (6 e 7) e de despotismo (7 e 6), respectivamente, em relação aos outros cinco processos sociais de adaptação. Os tempos atuais, de intensa expansão mundial da Economia (“globalização”), deixam patentes os influxos deletérios tanto da Economia como da Política de outros Povos: dos mas ricos sobre os ma débeis.[44] Com isso as regras jurídicas de Direito das Gentes, notadamente a que ora mais nos interessa, sofre detrimento. O direito de soberania diminui no seu âmago material: no exercício das faculdades ou poderes, que lhe constituem o conteúdo. Também, claro está, no direito interno, ainda mesmo o constitucional. Vai sendo corroído o sistema jurídico na observância interna, a que são impelidos os próprios nacionais por força das vantagens econômicas e políticas. Nova política leva à edicção de regras jurídicas novas, pelas quais se ressalve o interesse de empresas multinacionais, ou transnacionais, ou trans-estatais. Diminui o exercício da faculdade de realizar o sobredireito interno (=edictar regra sobre regra, ambas próprias). Passa-se quase o mesmo fenômeno no tocante à administração. Há reflexos ideológicos no seio do poder judiciário.

V – Resumo; sugestões de jure condendo

1) Conclusões

Têm ficado impunes inúmeras lesões ao direito subjetivo supra-estatal de soberania. Tal é o caso de: igualdade de tratamento nos negócio jurídico, opções de legislar segundo os seus interesses legítimos (=sem prejuízo de outrem), usar das faculdades de aplicar verbas da sua própria arrecadação para os projetos de criação de emprego (direito fundamental ao trabalho), renda mínima (direito fundamental à subsistência), maciça verba para criação de escolas, e de bolsas significativas para as pessoas de baixa renda, e de verbas para a educação de negros e índios, de pagamento condigno a professores (direito fundamental à educação), de todos haverem tanto hospitais, como médicos, e enfermeiros, e remédios, e aposentadoria de acordo com necessidades vitais etc (direito fundamental à assistência), de haver do Estado meios mínimos de atendimento ao imaginário e ao fundo psicanalítico criativo (direito fundamental ao ideal). São direitos fundamentais que não podem ficar eternamente apenas metidos em regras jurídicas programáticas.[45] Os programas hão por força de surgir, de modo que tais regras não percam por sua vez a eficácia típica, que é a de incidir. Quanto mais falhar, maior será o perigo de o Povo se enfraquecer em civilização; diminuindo o seu valor perante outros Povos, decresce o exercício do direito de soberania. Passa a correr risco, por falta de aplicação, a própria incidência da regra jurídica sobre aquela. O direito à soberania pode esvair-se de todo.

Para salvaguarda desse direito, este é um dos três caminhos: o de desbastar as desigualdades, criando mais igualdades. Para a vida de qualquer Povo todos os três caminhos hão de ser necessariamente percorridos: Democracia (eleições e controle do poder), Liberdade (direitos civis e políticos) e Igualdades (direitos econômicos e culturais). Bem, pois afora as lesões de que acabamos de falar (caminho das Igualdades), em outros casos as lesões ao direito subjetivo supra-estatal de soberania ocorrem por diminuírem os valores dos cidadãos no caminho dos próprios direitos civis e políticos: diminuição das eleições livres, ou de controle popular do poder — caminho inelidível da democracia. E ainda no estreitamento do caminho das liberdades fundamentais.[46] Outros Povos reconhecem outrem, singularizado, como titular do direito fundamental de soberania (Estado), quando essoutra coletividade, por seus membros, chega a nível mais alto valor de civilização (=avanço nos três caminhos). Se todavia as gentes passam, no seu conjunto, a valer menos, vai a respectiva Gente (coletividade) perdendo as características de Povo livre e forte. Chegara a ser pessoa, sim; mas, a partir daí a incidência das regras jurídicas de Direito das Gentes (como as respeitantes ao direito à soberania) corre risco.

2) Algo pode ser melhorado no processo social de adaptação jurídica (plano do Direito das Gentes)

Quanto aos novos direitos humanos, é preciso constituírem-se explicitamente como fins precisos do Estado. Mais — metidos no plano supra-estatal, a fim de serem obrigação jurídica de todos os Estados o ter de inseri-los como meta final e, dar-lhes contornos exatos como técnica de sua realização.[47] Regras jurídicas programáticas têm de ser mais precisas, com planos para a sua realização. Os direitos fundamentais – os novos cinco direitos do Homem – têm de ser direitos munidos da ação correspondente perante o Estado, e perante a ONU. Hoje não passam de direitos mutilados, por isso que não há ação de direito material para fazer com que as regras jurídicas programáticas tenham plano definido para se efetivarem ao menos progressivamente, à medida que a Economia avança. Tudo há de ser com os remédios jurídicos processuais correspondentes (tarefa bem mais simples que a de munirem-se de ação de direito material os direitos previstos nas regras jurídicas programáticas). Cumpre que se promova uma “ONU de fins precisos”. Resguardados os direitos fundamentais relativos à Liberdade e à Democracia, definirem-se com exatidão os conteúdos dos cinco novos direitos do Homem, com verbas proporcionais aos diversos PIB’s, para a elevação do nível de civilização de todas as gentes. Pesquisarem-se sanções, as penais e as premiais, para tornar mais efetiva eventual condenação. Podem elas ser tanto de cunho econômico como diplomático, sem se afastarem a priori as de reforço militar para cumprimento compulsório dos julgados.

Tarefa por certo gigantesca. Ao jurista disciplinadamente técnico, e armado de conhecimentos sociológicos, cabe a tarefa de sugerir a transformação dos indicativos da ciência em regras jurídicas, apuradas no conteúdo e afinadas com a teoria geral do direito. Novas funções se esperam, claro está, dos tribunais “internacionais”. E nova organização. O tempo, a energia, que se gastarem nessas tarefas ingentes, por certo trarão resultados no futuro. Se não está ele ainda à vista das atuais gerações, podemos depositar neles confiança. A mesma que merecem dos Povos a Ciência, e a Moral, e a Religião, e a Estética. Bens econômicos são para o Homem. Política é ação, porque o poder é o seu objeto. Como a liberdade individual é precária no âmbito do direito interno, se desacompanhada de democracia e de mais igualdades, assim é também a soberania no vasto plano do Direito das Gentes. De todos os Povos se requer, para uma existência digna (com soberania), andar pelos três caminhos — democracia, liberdade e igualdades crescentes.

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[1] Duguit, 1926, pp. 116 a 120, 142 e 149 a 152.

[2] Pensa que a única relação ad extra de um Estado é a de guerra. 2) Nega a soberania segundo o Direito das Gentes e a devolução de competências (= repasse), após a distribuição delas pelo Direito das Gentes. 3) Define-a apenas como oriunda da dominação política interna, mesmo que seja a dominação pelo voto. 4) Falta-lhe a noção precisa de direito subjetivo.

[3] Accioly, 1956, pp. 113, 208 a 211, 214 a 215 e 220 a 238.

[4] Trindade, 1995, pp. 17 a 30, 327, 209 a 220, 242 a 247 e 412 a 420.

[5] Mattos, 1996, pp. 13 a 15.

[6] Moreira, 1997, pp. 149 a 151, 375 a 388, 478 a 480, 496 a 498, 497 e nota 362.

[7] Malanczuk, 1997, pp. 17 a 19, 78 a 79, 83 a 86 e 326-327.

[8] Rezek, 1998, pp. 160 a 161 e 226 a 247.

[9] Arnaud, 1999, pp. 741 a 742.

[10] Mello, 2000, pp. 30, 131 e 134 a 138.

[11] Mello, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12ª ed. rev. aum. 2 v. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. Nesta obra o autor mostra a alta relatividade do direito à soberania, no seu conteúdo e no seu exercício, dentro das alterações do Espaço-Tempo. Ver pp. 56 a 57, 339, 350 a 354, 357 a 358, 364, 367 a 370 e 376 (nota 9D).

[12] São apresentados dados numéricos dos mais terríveis.

[13] Após o trecho um tanto obscuro da p. 348, o autor diz que o conceito de soberania não está ainda bem definido (p. 350).

[14] Silva, 2000, pp. 103 a 110, 116 a 118 e 254 a 291.

[15] Shaw, 2000, pp. 35 a 38, 96 a 98, 144 a 147, 149 a 152, 154 a 176, 316 a 318 e 665.

[16] “Personalidade”: dada a grande relatividade de conteúdo do conceito de personalidade perante o de Direito das Gentes, o autor deixa de conceituá-la, e trabalha mais com dados empíricos, para uma tentativa de aproximação. (pp. 137 a 139).

[17] Na página 353 o autor fala não em retroeficácia, mas sim em validade – “could validate” – terminologia “livre”, cuja ambivalência gera ambigüidade, confusão conceitual. Ver também pp. 319 a 325.

[18] Böhme, 1989, pp. 62 a 66, 154, 179 a 180, 316 a 318, 518 a 523, 605 a 607, 856 a 858 e 1053.

[19] “... bewusster und organisierter Vortrupp und höchste Form der Klassenorganisation der Arbeiterklasse. Theoretische Grundlage der m. P. ist der Marxismus-Leninismus. Ihrem Wesen nach ist sie eine Klassenpartei und internationalistisch; sie ist Teil der internationalen kommunistischen Bewegung, der weltweit wirkenden, ausserordentlich einflussreichen ideologischen und politischen Bewegung revolutionärer Parteien in unserer Epoche des Übergangs vom Kapitalismus zum Sozialismus.” .....”Zur Erfüllung seiner historischen Mission bedarf das Proletariat einer selbständigen politischen Partei, die seinem Kampf durch die Einsicht in die Entwicklungsgesetze der menschlichen Gesellschaft wissenschaftlich begründet Ziel und Richtung gibt”.

[20] Entre outras obras do autor, ver Pontes de Miranda, 1970, pp. 29 e ss.

[21] Pontes de Miranda, 1921, pp. 522 a 543.

[22] Classificação das regras jurídicas, incluídas as não-cogentes: ver Pontes de Miranda, 1954, pp. pp. 81 e ss., 153 a 156.

[23] Cumpre traçar aqui linha divisória clara, para muitos uma linha de escândalo. O que consta em Kelsen, 1974, pp. 22-31, 35, 36, 56-69, 167-170, 192-198, 243, 234-235, 236, 283, 290-292, 299 e outras, e mais em Kelsen, 1986, pp. 23, 27, 46-48, 98-105, 119, 123, 146-148, 153-155, 183, 200, 290, 297, 328 etc. é o quase todo o avesso da nossa exposição. Esta é, em boa parte, a da teoria geral do direito reinante na grande maioria dos grandes juristas da Europa a partir do meio do século XIX, retificada entre nós em muitos pontos pelo brasileiro Pontes de Miranda. As duas posições são tão inconciliáveis que a do festejado H. Kelsen soa, diante dela, como imensamente imprecisa, confusa e contraditória.

[24] Pontes de Miranda, 1970, pp. 45 e ss.

[25] Há linguagem mitológica, que dificulta a compreensão do passado. Inobstante, a algo se pode chegar, nas origens. Há mesmo fatos universais da natureza (Barthes, 1995, pp. 100 a 102). Nenhum caminho melhor que o da biologia e os poucos mas preciosos sinais das raízes da linguagem. Ver Pontes de Miranda, 1953, passim e Pinto Ferreira,1986, pp. 85 a 91.

[26] “1. Manter a paz e a segurança ....: ... evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz .....2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio ....de autodeterminação dos povos....; 3. Conseguir .... cooperação.... para resolver os problemas .... de caráter econômico, social, .... respeito aos direitos .... e às liberdades .... para todos.....”

[27] Ver Keesing, 1981, pp . 316 a 328.

[28] Pontes de Miranda, 1970, pp. 50 e ss.

[29] Pontes de Miranda, 1954, pp. 153 a 156.

[30] Sobre a necessidade, como fundamento do pacta sunt servanda, ver Mello, op. cit., p. 259 (nota 20). A “necessidade” provém de surto da Natureza. É fundamento pré-jurídico. O jurídico segue-se a ela. Não tem sentido em falar-se em direito natural, no âmbito da ciência, como brevemente se exporá abaixo.

[31] Não tem sentido falar-se em direito de exercer uma faculdade; ter-se-ia um progressus in infinitum. A faculdade é um facere, um realizar. Um sair do entendimento e da intenção. É conteúdo de direito (subjetivo ou difuso).

[32] Já se vê a importância imensa das ciências particulares, sem pré-exclusão de nenhuma, na ciência do direito. Do mesmo modo a inanidade daninha de uma ciência “pura” do direito.

[33] História da liberdade (Pontes de Miranda, 1979, pp. 259 a 284). Há as liberdades absolutas, ou seja, em relação a todos e também ante a autoridade pública. Há também as relativas, como a lei as organize; podem estas últimas ser individuais e corporativas (Pontes de Miranda, 1979, pp. 285 a 291). Ver também mesmo autor, 1932, pp. 369 a 392.

[34] Pontes de Miranda, 1979, pp. 294 a 296.

[35] Pontes de Miranda, 1979, pág. 302. Discorrendo sobre a liberdade a seu modo (semi-metafísico e semi-romântico), vê-se em Heidegger, 1997, pp. 15 a 19, a tentativa filosófica de colheita do dado da liberdade. Para o método da ciência, este é um esforço sem resultados notáveis. Sem rigor nessa colheita é difícil obter-se o dado de proveito para a melhoria da vida pessoa e social.

[36] Ver Pontes de Miranda, 1979, pp. 409 a 552.

[37] Pontes de Miranda, 1953, pp. 100 a 124.

[38] Sobre o conceito, ver Forsthoff, 1961, pp. 170 e ss. e 424 e ss., onde o direito subjetivo público é analisado como poder frente ao Estado. Inclui-se aí a própria liberdade. Cuida-se porém de uma limitação conceitual do autor. A liberdade não é somente em relação ao Estado, mas é em relação a todos: direito absoluto, exercitável erga omnes. Não se confunda com direito de exercício “ilimitado”; este não parece possa existir. Pensamos contudo estar correto o autor quando alerta para a necessária analogia entre o que se passa no direito privado e o direito público no tocante ao conceito de pessoa, a saber, sujeito de direito. Ora, dizemos nós, nenhum direito é mais público que o Direito das Gentes.

[39] O filósofo em geral prefere a expressão “fenômeno jurídico”: porventura lhe parece positivística a terminologia “fato jurídico”. Mas sem razão, por isso que é proveitosa, e por isso desejável, a unificação da terminologia, a das ciências particulares mais exatas e a das de jetos mais espessos (onde a exatidão é possível e mais difícil). Tomadas as devidas cautelas, ganham estas em precisão sem perder a sua complexidade. Antes, a complexidade torna-se mais inteligível.

[40] Sobre tudo isso, longamente (com estudo de muitas centenas de obras, mormente de autores alemães e do direito luso-brasileiro), ver Pontes de Miranda, 1954, tomo I, pp. 3 a 35, 74 a 77, e 153 e ss.; tomo V, p. 3 e ss..

[41] Recente, entre nós, Mello, op. cit., v. I, pp. 144 (que menciona vários outros autores).

[42] A posição tomista (com influência suareziana) podemos encontrá-la desenvolvida por Gemmel, “Recht”, in Brugger, pp. 282 a 283. Objeto do direito são coisa e prestações de que o composto humano precisa. Em parte esses objetos são dados pela ordem essencial dos Homem, das coisas e, em parte, originam-se da criação do direito posto pelo Homem, ao amparo da suas exigências do ordem moral. O mesmo autor escreve sobre o direito natural (“Naturrecht”), sustentando a tese clássica. É a Natureza a fonte e medida da atividade. Em conseqüência o direito natural é o direito essencial ao Homem, que lhe ilumina a consciência e que a todos é dado possuir, sem distinção. Mantém-se essencialmente o mesmo, sem perda possível (pp. 231 a 232).

[43] Não nos é dado negar que possam estar radicados em Deus assim o direito como a justiça. Tudo, para os que temos fé, provém de Deus, e Deus em tudo está. Pela ciência contudo não temos como afirmá-lo (como não pode o cientista, sem arrogância, negá-lo). Sobre a matéria, com elevada piedade mística e realismo antropológico, a que se junta estética notável, discorrendo sobre o amor como a liberdade completa, que a tudo supera, seja a lei sejam os ditames da moral —, ver GUARDINI, Romano. Der Herr (Betrachtungen über die Person und das Leben Jesu Christi. Zweite durchgesehene Auflage. Würzburg: Werkbund-Verlag, 1938 (762 págs.), pp. 100-114, 214-224 e 348-353.

[44] É muita, e competente, a literatura já reunida acerca do tema. Além dos autores já mencionados no correr desta exposição, leiam-se entre muitíssimos outros (além de artigos abundantes em numerosas revistas): Faria, 1999, pp. 59-110; Kato, In: Faria, 1989, pp. 167 a 184; Retórica política e ideologia democrática: a legitimação do discurso jurídico liberal, 1984, pp. 36 a 60; Sociologia jurídica: crise do direito e práxis política, 1984, pp. 69 a 140; Creifelds, 1996, p. 1415; Leal, 1999, pp. 79 a 246; Mitterrand, 1998, pp. 157 a 183; Kurz, 1991, pp. 77 a 257.

[45] Nesta matéria v., além da Carta da ONU, 1948, as Conferências Mundiais de Direitos Humanos, como a de Teerã, 1968, e a de Viena, 1993.

[46] As fundamentais são no campo psíquico e no campo físico: 1) de pensar, de emitir o pensamento, de ciência e pesquisa, de religião, de não emitir o pensamento, de ensino, de cultos, de arte, de ensino artístico, de ensino por atos; 2) de ir-vir-ficar, de fazer e de não-fazer, inviolabilidade da casa, de reunião, de associação, de coalizão.

[47] O “Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais” traz a previsão dos cinco novos direitos do Homem, até mesmo com a mesma terminologia usada desde 1933, no Brasil, por Pontes de Miranda (subsistência, trabalho, educação, assistência). Apenas o direito ao ideal vem com o nome de direito ao lazer (ver artigo 7o, II, “e”).

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