terça-feira, 30 de junho de 2009

CONFLITO E MUDANÇA SOCIAL ÍNDICE INTRODUÇÃO I – MUDANÇA SOCIAL: A DIFERENCIAÇÃO A) Teoria funcional da mudança social B) Fontes endógenas e exógenas da mudança social C) A diferenciação D) A mudança resulta da diferenciação II – TEORIA DO CONFLITO SOCIAL A) A título de preâmbulo B) Tipos de conflito C) Enfrentando o conflito III – ALGUMAS CONCLUSÕES PROVISÓRIAS ** ** ** ** ** ** ** ** ** ** ** INTRODUÇÃO Na interpretação do funcionalismo mais ingênuo – de S. Maine e de E. Durckeim, por exemplo – o espectro da análise histórica revela duas fases claras da estrutura social dos grupos humanos: 1) as sociedades primitivas, pequenas, intensamente coletivas; 2) as modernas, expansivas e contratuais. A coesão do grupo é, naquelas, caracterizada pela posição de sangue, coincidente com a do prestígio. O laço moral repressivo é forte. A subjetividade é pré-convencional, resultando numa solidariedade mecânica em que é mínimo o risco de desagregação, anomia e desestruturação. O sistema assim vigente estpa muito distante de ameaça de implosões. A análise de M. Weber em “Economia e Sociedade” é mais rica. Trabalha ele com os seus “tipos ideais”, mas de tal modo trançando-os e entremeando-os que a visão histórica é mais densamente descritiva e realista. A civilização primitiva apresenta uma ordem social basilar de natureza tradicional patriarcal: direção da gerontocracia. Do ponto de vista cultural prevalece o monismo sociocêntrico, com pensamento mitológico e comunicação altamente simbólica. A economia é quase exclusivamente familiar, em estado de comunismo caseiro; as trocas, quando as há. são em espécie. A consciência autônoma, na ordem do aprendizado (educação), é praticamente nenhuma. São fortes as relações concretas de dependência e lealdade incondicional (“bom filho e bom servo”). No estágio seguinte – e passagem do arcáico para o histórico – salta-se da tradição patriarcal para a tradição patrimonial. Da visão mágico-mitológica caminha-se para uma cosmovisão metafísica religiosa. A base econômica é a do império patrimonial; temos a dominação do sultão, do senhor feudal, do régulo absolutista (príncipe, senhor da terra). Governa ele os súditos de maneira menos direta e próxima. O começo do pensamento empírico faz soltar-se mais decididamente o pensamento, que se alça aos vôos metafísicos bem como às coerências de valores indiscutíveis, cujo trançado constitui a ética de convicção. Atuam elites religiosas como sacerdotes, profetas e mesmo filósofos. Pequenas cidades têm relativa auto-suficiência econômica. Uma economia “natural”, que se abre às perspectivas do mercado econômico. Nessa fase já se esboçam os primeiros gestos do capitalismo político. No mundo educacional dá-se o surto das universidades e igrejas. As relações de lealdade pessoal ganham em abstração, inclusive com avanços de autonomia de consciência; a figura típica é a do “súdito obediente”. Firma-se mais acentuadamente a ética de responsabilidade: pensam-se os meios e a sua adequação técnica e moral em relação aos fins e às conseqüências da ação social. Medem-se forças, equacionam-se mais maduramente as circunstâncias no desempenho da eficiência. Assume-se a responsabilidade pelos resultados para além da pura paz de consciência decorrente, na ética de convicção, da coerência de princípios e de convicções, que esteiam qualquer tomada de decisão e qualquer luta. O terceiro estágio da civilização na visão weberiana é o da modernidade. Denota-se a diminuição crescente do despotismo em todos os níveis: político, cultural, econômico e educacional. Caracteriza-se a política, como relação social, pelas regras do jogo do poder na organização do grupo humano e na distribuição dos focos de dominação e de alianças. Mas a dominação adquire uma dimensão de legalidade: plebiscito, conselhos, parlamentos e burocracia. Na instância cultural assiste-se a maior aproximação do pensamento com a consulta aos fatos. É o controle do pensamento pela experiencialidade, pela empiria. Os homens são “cidadãos”, governados por políticos profissionais. Prevalece decisivamente a ética de responsabilidade deixando entrever amadurecimento ético-cultural. O conhecimento adquire maior autonomia. A secularização da análise antropológica desmitifica a história em novo passo de “iluminismo”, agora à cata de concretude e de demonstrações a respeito do destino do homem (“desencantamento do mundo”). A diferenciação semiótica conduz a maior precisão do pensamento e da comunicação; a linguagem das ciências particulares ganha especificidade e confere-lhes mais exatidão, resultando em maior desenvoltura da pesquisa, que se desprende do dogmatismo da tradição. O teocentrismo distancia-se das perspectivas humanas em termos de concepção política e idealização do mundo. É o tempo do intelectual liberto e da emancipação da inteligência, livre de imposições místicas. No plano econômico é a vez da economia de mercado, em que todos se apresentam como “cidadãos”, “seres livres”, aptos para contratar. No campo educacional pululam as escolas públicas. Delineia-se o tipo autônomo de consciência, mormente em face da autoridade religiosa e da ética tradicional. Os seres humanos recebem a cunhagem atual de “bons cidadãos”, de “cidadão do mundo”. O direito era irracional e formal na “ética mágica”, irracional e material na “ética moral”, racional e material na “de convicção”; torna-se racional e formal. É agora lógico-abstrato, dotado de principiologia jurídica específica na “ética de responsabilidade”. E também o tempo da assunção de riscos na conexão meios-fins. Aprofunda-se, ao menos da democracia liberal, a distinção entre o direito público e o direito privado. Isto depois de já ter deixado para trás, como realização das fases anteriores, o discrime entre direito civil e penal, e a distinção entre direito sagrado e direito secular. A modernidade é, portanto, de “feição contratual”, com aprofundamento da divisão do trabalho. Para a ótica funcionalista a problemática da mudança social — registrada pela História de modo desenganado — planteia-se em termos de lograr o equilíbrio entre persistência de identidade de certo sistema e a sua diferenciação no tempo e no espaço. A perda de identidade é sinônimo de crise, que há de ser superada pelo fato mesmo de ser desfiguramento da identidade sistêmica. Fica bem clara a questão de controle das mudanças e de disciplinação dos conflitos como condição indispensável para que se não esboroe o sistema. E o funcionalismo clássico invoca a regulamentação do direito como instrumento indispensável à conservação da identidade do sistema submetido a mudanças, a fim de que não seja ele destruído. O fato é, porém, que a sociedade moderna se complexifica com abundância e riqueza de diferenças funcionais. Evidenciam-se relações de maior igualdade entre ordens parciais dissimilares. Os subsistemas multiplicam-se, como que obedecendo ao princípio físico do determinismo e à lei biológica da variabilidade. É versão sociológica da lei da integração e dilatação dos círculos sociais. O conhecimento, a despeito da sua imensa relatividade, sobretudo no campo mesmo da sociologia, tem papel relevante, com reflexos da multifária aplicação no campo da tecnologia – esta por sua vez sob o impacto da ideologia. A vantagem metodológica que leva M. Weber sobre o funcionalismo está na circunstância de ele, como K. Marx, ter sido mais penetrante e crítico em relação ao problema central do conflito, dentro dos sistemas sociais da modernidade – houve-os sempre, em épocas precedentes, mas acentuaram-se sobretudo depois da primeira revolução industrial. Os anteriores funcionalistas parecem preferir ignorar o conflito. Adotam posição idealístico-voluntarista, como que para desfazer-se intelectualmente de um elemento indesejável. Relativizam-no, crendo inclusive na neutralidade do estudioso e do governante. Pensam ser questão de repressão, quando não contornável. Embora vendo com clareza várias das iterações sociais – com que se enriqueceu a sociologia —, o velho funcionalismo deixou de desvendar a fundo a grave questão da legitimidade com a qual determinado sistema tem oportunidade real de desenvolver-se de acordo com as concepções e crenças dos seus próprios elementos, em ritmo de variação dinâmica. Sua tendência conservadora vai longe demais para que possa traçar esquema teórico básico capaz de imprimir agenda de soluções para o problema da mudança. E mudança tanto mais rápida quanto impulsionada pela instabilidade das necessidades econômicas e pelo jogo violento do poder. Examina em suma as redações sociais de cima para baixo, numa perspectiva hierarquizante, em vez de compreendê-la por dentro e por fora da lógica estatal (“lógica infra-estatal”). Ora, a vantagem maior de M. Weber está justamente no fato de ter quase que se adiantado as próprias críticas de neo-marxismo atual , enfrentando o problema ético da legitimidade. Buscou encher de realismo histórico a análise da crise na sua etiologia ideológica. A tomada de consciência da crise da sociedade e da crise simultânea do Estado – como esgotamento de capacitação para dar respostas a demandas –, não chegou a conduzir M. Weber à superação do liberalismo agudo, busca desesperada de solução para o problema do dilema socialismo-capitalismo. Mas por certo que elevou a análise sistêmico-funcionalista a grau assaz profundo de compreensão dos problemas sociais, até com o fornecimento de paradigmas ainda válidos para o estudo do conflito e da crise – com que se debate o Ocidente . A visão atual dos estudos sociológicos é tecida das duas visões, ambas as críticas: o funcionalismo crítico de M. Weber e a crítica neo-marxista (esta com evidente ênfase na transformação a caminho de crescente socialização da economia e da cultura, mas já em ambiente de democracia). É por essas vertentes que perambula o pensamento ocidental, à busca de refrigério para a seca da crise, na polarização legitimidade-governabilidade. A pesquisa e a práxis política labutam por aprofundar o questionamento dos valores, para compreender os anseios e os movimentos mais profundos da sociedade complexificada dos dias de hoje. Nos países desenvolvidos, de capitalismo avançado (a sofrer alguma intervenção do Estado Social), como também nos do Terceiro Mundo, sob forte influência do capitalismo internacional, vem sendo assim nos meios acadêmicos. Tem-se hoje a convicção teórica bastante desenvolvida no sentido de a governabilidade ser possível somente com a simultânea percepção do sentido da lógica da consciência da crise. Pela constante comunicação entre pensadores, governantes e governados, e pela crescente participação setorizada de todo o corpo social, há esperança de se mudar o necessário e de se manter o indispensável. A expansão transnacional da economia, EEUU à fonte, vem causando destruições. O “Consenso de Washington” tenta manter vivos e atuantes os efeitos do neoliberalismo, que falta ocupar-se de equipar pessoas com meios de lhe serem atendidas as necessidades fundamentais da pessoa: abrigo, comida, roupa, emprego, alfabetização, treinamento profissional, médico, hospital, remédio, proventos melhores na aposentadoria, lazer estimulante! Ao crescimento econômico de países mais ricos corresponde maior penúria aos já empobrecidos; nestes, distribuição de renda perigosamente desequilibrada. O poder político mais ou menos velado das grandes empresas norte-americanas determina boa parte da orientação da mídia — eficiente formadora de opinião nos EEUU. O pensamento deste Povo é pouco solidário em matéria de estruturações sociais. Ruins as ##. O escopo deste trabalho é de trazer reflexões sobre os temas ligados ao conflito social e às mudanças reclamadas pela pulsação social de bilhões de pobres. É ingente a tarefa e urgentíssima, de se traçarem matrizes da governabilidade que a Constituição Federal tem de imprimir à forma social, guiada pelas regras jurídicas do Direito das Gentes. Cumpre lograr-se princípio organizacional básico que viabilize a continuação da vida social e lhe dê medidas de alcance prático para dar largas às mudanças. Sem estas chega-se à gravidade do impasse, do caos . [90% de aprovação a Bush contra Afeganistão — Prepotência de Bush sobre a ONU para mover guerra ao Iraque c/ prevalente interesse pelo petróleo do Mar Cáspio — Prepotência de Israel em face da ONU para matar palestinos com o argumento de legítima defesa prévia]. I – MUDANÇA SOCIAL: A DIFERENCIAÇÃO A evolução (e o desenvolvimento) de certa estrutura social dá-se, na concepção de T. Parsons, pelo fenômeno da diferenciação. Ocorrem então distintos modelos institucionais a sucederem-se. Daí a explicação analítica para as mudanças sociais . Para se penetrar a teoria parsoniana é de mister assentar alguns dos seus conceitos fundamentais. A) Teoria funcional da mudança social. Os conceitos fundamentais na análise desse fenômeno são: estrutura, equilíbrio, processo, papel-coletividade, modelo, valor-norma e estabilidade. Estrutura. É o conjunto de elementos mais ou menos fixos e estáveis susceptível de receberem alterações em fatores que também se lhe aglutinam substancialmente. Há um fundo estático de partes essenciais, que ficam; há um complemento dinâmico, composto de elementos naturais — estes se substituem e se sucedem. Assim, o quanto se passa com um corpo vivo, na biologia, é acontecimento natural que se repete, com mais complexidade e riqueza, na família, numa pequena comunidade territorial (seita religiosa, ou associação moral — por exemplo) no Município, no Estado-membro, na União . Equilíbrio. É a situação de constância essencial de uma certa estrutura. Trata-se de um estado de permanência relativa, no seus sistema de trocas. É observável intra-sistemática e extra-sistematicamente: identidade de linhas relacionadas de energias no seu interior, embora submetido o sistema em questão a incentivos interiores e a solicitações exteriores, no sentido de disrupção, e desagregamento, e mudanças. Processo. É a dialética factual, real-empírica, consistente na dinâmica interativa entre elementos perturbadores da simetria — tendentes a alterar a estrutura — e as unidades estruturais empenhadas em manter a identidade essencial do sistema . Temos portanto dois pólos lógicos e ontológicos essenciais: a estrutura e o processo. A estrutura mantém a idéia (e realidade empírica) de equilíbrio, estabilidade, simetria interior, conservantismo. Já o processo conduz ruptura, desestabilização, diferenciação intrínseca, evolução. Papel-coletividade. Nos sistemas e subsistemas sociais, a menor unidade é o sistema. Corresponde biologica e aritmeticamente ao indivíduo. “Papel” tem porém um sentido dinâmico. Duplo, aliás: (a) é a orientação que o ator ou participante imprime à via social e (b) é a modalidade de reação que ele é capaz de apresentar à ação de outro papel ou outros papéis. Papel é portanto ao mesmo tempo a orientação ativa do ator e a modalidade passiva dele. Ora, em nível superior de complexidade, ou seja, acima dos papéis, estão as coletividades. Elas são portanto unidades sociais mais complexas na interação social, na ação social. Note-se a importância teórica da distinção entre papel e coletividades inclusive para se discutir, mesmo em termos de uma visão neo-marxista — de Klaus Offe, por exemplo — as tentativas de superação das crises democráticas de governabilidade. Os papéis, se isolados, pouco têm a fazer no sentido de conseguir valor de pressão social. Podem muito mais as coletividades (partidos, associações, parlamentos . Estabilidade é estado de equilíbrio. Tem pressupostos essenciais, que são: 1) para ser estável, determinado modelo normativo (uma Constituição Federal, por exemplo) tem de ser constante no fluxo do tempo: mudar pouco, ser durável; 2) para tanto é indispensável a adequação desse modelo, no qual ser e dever-ser não se distanciem sensivelmente, de tal modo que a atuação dos papéis e das coletividades tenham ações previsíveis e esperáveis, dada a sua propensão intrínseca; 3) é mister que o modelo seja institucionalizado pela via de consenso (compreensão e aceitação), de tal sorte que o ator se veja no modelo como sujeito dotado de pautas racionais de comportamento; 4) precisa o modelo normativo de ser capaz de integrar os papéis e as coletividades interiores, harmonizando complexidades, coordenando diversidades, integrando a co-existência de diferenças, assimilando o pluralismo. Modelo é a figura resultante da descrição das interações e das expectativas de interações no relacionamento ativo-passivo dos papéis, entre si e com as coletividades. Como uma parte dessas relações empíricas é esperada mas nem sempre realizada, segue-se que o modelo é em parte normativo (dever-ser) e em parte é puramente descritivo (ser). Ou seja, algumas interações esperam-se como adequadas ao equilíbrio dinâmico, relativo, do sistema. Como elas podem não acontecer, mas são necessários ao funcionamento do sistema, vislumbra-se então a legitimidade da sanção. Esta vem a ser portanto a correção, ou tentativa de correção de uma micro-ruptura determinada, por disfuncionalidade identificada na vida do sistema. Valor-norma é outro binômio com que se há de trabalhar na análise das estruturas e das mudanças. O valor é um padrão regulador de alcance mais geral para determinado sistema, independentemente das condições e das considerações individualizantes de cada papel. Já a norma é um padrão regulador de determinados papéis, ou grupos de papéis, ou coletividades, definindo-lhes as ações esperadas dentro do sistema. O conjunto das normas subordina-se portanto à abrangência mais ampla e mais profundas dos valores, cujo padrão normativo é mais complexo e menos analítico na sua explicitude. Sistema e subsistema: a definição de papéis de coletividades, e de sistemas, é relativa. Diz respeito ao grupo de funções sociais, que se está a analisar. Assim, mesmo um papel isoladamente considerado, se o examinarmos na sua estruturação interna, mostrará “subunidades”. E o sistema integral, mirado na sua posição relativamente ao ambiente exterior, poderá exigir que se conceba apenas como subsistema, interior a um sistema mais amplo. B) Fontes endógenas e exógenas da mudança social O equilíbrio de um sistema social obedece à lei da inércia. Ele resiste às modificações . De modo que, para bem observarmos a arrancada das mudanças, convém identificar claramente os elementos “perturbadores” do processo, que a desencadeia e a orienta. Ora, a mudança intrínseca dos papéis tem causação exógena; consubstancia-se na pressão exercida sobretudo pelas estâncias culturais de formação social. Trata-se dos processos sociais de adaptação, os de natureza mais espiritual, que alcançam níveis mais profundos de consciência (Religião, Moral, Arte), — vista a estrutura do ser humano em linha vertical. Essa causação tem pelo menos quatro significados. O primeiro: a institucionalização de valores somente consegue ser efetiva (eficaz nos resultados) quando haja a concomitante atividade de internalizá-los de assimilá-los pela conscientização. Segundo: é de importância fundamental para a organização estatal a abertura de espaço para a integração espontânea de ideais culturais, deixando-se campo livre à produção de valores religiosos, morais, estéticos e do saber. Terceiro: as personalidades individuais mudam algo na sua estrutura em função das instituições normativas, sejam elas as mais formais (como o Direito, a política oficial, o plano econômico do governo) sejam as mais espontâneas — com as vivências religiosas, as experiências éticas e as concepções estéticas e científicas. Em quarto lugar, convém pensar em que a estabilidade, conjugada com a adequação social (acerto, verdade intrínseca, justiça material) das instituições, contribui muito para a estabilidade psicoemocional dos papéis, tornando mais calculável a sua conduta em face dos valores e das normas que traçam a fisionomia do sistema. Mas temos de contar igualmente com variáveis independentes. São capazes de brotar mais ou menos isoladas dentro do sistema social, e vêm dotadas de potencial de mudancista. É o caso, por exemplo, do surgimento de lideranças carismáticas. Podem impulsionar mudanças “por saltos”, de modo menos previsível. T. Parsons ocupa-se mais da ordinariedade das mudanças, numa explicação analítica que lhe parece suficiente. Para ele as instituições sociais, reduzidas à sua lógica formal, têm uma outra variável independente, que é a diferenciação. É variável independente, típica, importante para a compreensão do fenômeno da mudança social. C) A diferenciação Determinado papel percebe em dado momento que o sistema lhe é parco em capacidade de atendimento às suas necessidades. Emancipado, desprende-se então do sistema. Busca outro mais vasto, em que se integrar. Este é o esquematicamente o fenômeno da diferenciação, encontrável em qualquer sistema. Explica a mudança social, ao menos como um dos seus fatores, importante e até corriqueiro. De modo que, a insuficiência de recursos (motivacionais, ou materiais) para a consecução de metas pessoais dos papéis constitutivos de certo sistema, excita a experiência pessoal da frustração específica. Amostra: dentro de certa família, ou de pequena comunidade interiorana, ou de pequena empresa, o ator social sente-se adulto, independente, desadaptado, tocantemente às suas esperanças e planos. Desprende-se então e parte ao encalço de mais ampla oportunidade, em organização social dotada de maior complexidade, e riqueza de recursos. Tem-se aí uma micro-ruptura do anterior sistema. Desprende-se um dos seus papéis, ao encalço de integração diferente: outra estrutura, novas instituições, outros valores e normas, processos culturais diversificados. Dilata-se o círculo social. Por isso que o papel divergente se muda, mas leva consigo resquícios inapagáveis da linhagem de origem. Quando esse processo de diferenciação se acentua, o sistema perde os talentos emancipados. O aguçamento do fenômeno tende a fazer obsoleto o sistema anterior. Esmaece ele nas suas potencialidades. Caminha para o esgotamento. Mas a causação exógena — da opinião pública, por exemplo — pode determinar a sua re-organização intrínseca. Dá-se então um esforço, por vezes bem sucedido, de mudança do sistema. Se o conseguir, sobreviverá modificado, alterado, com algo de novo na sua estrutura. As formas de sua participação social alteram-se. É o caso, por exemplo, do novo papel da mulher, da modernização dos meios de produção, de alteração dos hábitos de consumo, de alteração de mentalidades (“Weltanschaungen”) e de interesses, dos tipos de jogo nas bolsas etc.. A integração dessas novas formas, nos papéis remanescentes, é possível mediante imposição de novas instituições formais, adequadas à nova instituição, que se esboça. D) A mudança resulta da diferenciação A governabilidade ou controle do fenômeno de diferenciação intensamente produzida depende da criação de oportunidades, de mecanismos de produção social: multiplicação de recursos, de padrões axiológicos e normativos adequados, de benefícios motivacionais e materiais, que satisfaçam aos papéis e às coletividades interiores. Para tanto é indispensável o talento criador de novas modalidades de integração social. Recursos diferenciados, outras formas de integração social. Recursos diferenciados, outras formas de produção (econômica, política e cultural), instituições modernizadas há de acolher os subsistemas dentro do sistema, que se expande. Isto implica desconcentração de poderes e de recursos para se alimentarem as novas demandas. Como se vê, a integração crescente dos círculos sociais acarreta esforço fecundo e não dispensável de “democratização” de recursos naturais. Cumpre, ao mesmo tempo em forcejar acertadamente a participação do Povo na produção e na usufruição dos benefícios do trabalho social . Essa perspectiva de expansão do sistema social, em ritmo de diferenciação, aponta para a necessidade de se diminuírem os desníveis de fortuna, de sorte, de destino — traçados pela história do individualismo possessivo, desde as sociedades primitivas marcadas pelo patriarcalismo até os nossos dias, carregados pela heranças desigualizantes dos mais fortes (mais fortes inclusive no egocentrismo possessivo). Não se pense aqui em tiradas moralizantes. A análise da ambigüidade encontradiça na dinâmica entre estrutura e processo, levada a cabo nos resultados e exigências da diferenciação sistêmica, indica a necessidade (entre outras medidas necessárias), da diminuição gradativa (e enérgica) das desigualdades sociais que atentam contra o mínimo de expectativas humanas em termos materiais e culturais. Impõe-se algum sacrifício de vantagens excessivas do ponto de vista das necessidades de papéis e de coletividades; não para extingui-las, mas para deslocá-las — alocação de recursos sociais, em benefício do sistema, para que possa ele subsistir, no tempo e no espaço. Nova ordem, superior em mais complexa, pede esse tipo de reabsorção de energias sociais, dos mais variados níveis ou instâncias de formação social, dos mais variados níveis ou instâncias de formação social. Resulta essa nova articulação do fenômeno mesmo da mudança social, normal, regular, determinado pelo fenômeno inevitável do alargamento do espaço social. A intervenção da inteligência, a tomada de consciência da crise formada, a abertura política disposta à crítica de novas formas e de novos valores, em diálogo rítmico com as diferenciações e conseqüentes alterações das redes estruturais — são posturas responsáveis de maturidade exigidas pela história contemporânea. Serve a intervenção consciente ao menos para diminuir em grau ótimo as conseqüências do conflito, realidade social que a leitura funcionalista não enxerga com a mesma clareza que a colaboração neo-marxista a viu. É certo portanto que o cálculo do dissenso tolerável é cálculo da capacidade de resistência do tecido social — papéis-coletividades, estrutura-processo, valores-normas, sistemas e sub-sistemas, ação intrínseca e ação extrínseca. Montada a equação (ou inequação) sistêmica de oportunidades funcionais da sociedade, as soluções haverão de dar-se em três variáveis, simultâneas e relevantes: segurança para as liberdades fundamentais, expansão democrática e progresso social com metas nítidas e métodos explícitos (ética de responsabilidade). São pressupostos e, ao mesmo tempo, programa de atividade incessante — porque contínua é a diferenciação social — de re-estruturação social (organizada e consciente). Mudança e recuperação de energias, rupturas constantes e remodelação de formas integrativas — novas, diferenciadas e não necessariamente cercadas pela histeria destrutiva e medrosa do conservantismo . Novos modelos não significam iludivelmente, sempre, rupturas totais e início “ab ovo”, mas em re-adaptações profundas: crise de identidade mas capacitação para conservar o mínimo preservável exigido pelo não-mutilamento da feição histórica de um Povo. Modelo normativo novo é renovação de modelo, com a adoção de novas formas integrativas justamente em função das aquisições históricas. Vamos a um exemplo: crescimento em igualdades não destrói a conquista das liberdades fundamentais (entre as quais a liberdade omnímoda de iniciativa privada e de ganhos individuais praticamente ilimitados não são elementos imprescindíveis). Se não forem encontradas formas intermediárias, energicamente eficazes, (eficientes e capazes), a subida de temperatura dos conflitos e a generalização da crise poderão determinar um “salto” (“natura facit saltus”) para uma estrutura social quase que inteiramente diferente — justamente aquela que mais dói aos reacionários e aos arraigados espíritos conservadores. Lembrança histórica é o das explosões populares. Levaram a dolorosos fechamentos sociais de esquerda, à ablação de conquistas democráticas e de muitas liberdades fundamentais. Ora, em todo o mundo assistimos a cenas desse tipo, mesmo em povos dos mais tradicionais e dominados por autocratismo conservador (China antes de 1.949, Cuba, alguns países árabes). A nova Constituição do Brasil de 1988, após a diferenciação eleitoral de 1.985 (inclusive com algo da variável independente do carisma Tancredo Neves), tinha de conter valores globais diferenciados dos anteriores, mormente no que diz respeito à participação popular na vivência democrática e, sobretudo em normas decisivas em direção ao crescimento social. Havia de ser assim em termos de direito ao emprego produtivo, à subsistência real, à assistência médico-odontológica-hospitalar de carentes, ao acesso efetivo à educação para todos os economicamente incapazes, ao acesso à criatividade pessoal. Essa guinada importaria em nova direção da economia, que não podia deixar de ser planificada a curto, médio e longo prazo com estratégias assumidas de realizabilidade efetiva, O planejamento havia de ser claramente exposto e discutido Os mais privilegiados tinham, já então, de ser persuadidos a fazerem concessões generosas. Cumpre sobrevirem as técnicas de execução eficiente. Numa palavra, há que submeter-se a revisão profunda o atual capitalismo brasileiro. A não ser assim, o sistema perde capacidade de resposta ao estímulo da diferenciação — endógenas e exógenas. É inevitável a sobrecarga na interioridade do sistema. Eclode na certa o conflito, ao menos na forma de ressentimento. Pode ocorrer o pior, que é o esgarçamento continuado do sistema por perda do ensejo de adaptação eficaz. Daí a importância da noção de conflito. II – TEORIA DO CONFLITO SOCIAL A) Preâmbulo Aos poucos vai diminuindo o abismo, ao menos aparente, que separava funcionalistas e marxistas. Parece que hoje assistimos a um certo idílio entre as duas interpretações da realidade sociológica: aos marxistas de hoje no Ocidente os mais conservadores adoçam o termo com um “neo”; os neo-marxistas correspondem: já não é tão crua a acusação de conservador a muitos sociólogos funcionalistas: são apenas “neo-funcionalistas”. A observação mostra uma pequena diminuição do grau de relatividade do conhecimento sociológico: são dados passos eficazes de aproximação em direção a realidade ontológica, ao material complexo do trançado da vida em comum, filtrada pelas seletividade do imaginário móvel, no qual todavia o conhecimento mais objetivo não se resigna ao afogamento, ao desespero, ao ceticismo . A sociologia do direito continua a trabalhar entrementes com a cesta de lixo da dogmática jurídica. Pesquisa os elementos disfuncionais do direito, como fato social altamente sujeito às influências subtis da política: as distorções da força, por trás da aparência do justo. Um dos compartimentos dessa investigação é a crítica à teoria do direito. No que esta minimiza importante componente da realidade (a complexidade do conflito), há que lhe ressaltar a omissão, a indiferença ao social. O resultado jurídico-sistemático advém do esforço vencedor bem sucedido, que geralmente ignora o conflito de classes (dentro delas e entre elas). Isto ocorre mormente quando, hierarquizadas durante o perpassar da História, num e noutro agrupamento humano, no tempo e no espaço; porque é dessa inequação ou injustiça material que as sistemáticas brotaram, de modo especial no Ocidente, depois das revoluções industriais. A vivência estatal, como também a experiência social incessante, não se esgotam no conteúdo extraível do sistema jurídico. A maioria mesma dos indivíduos ignora a produção oficial de normas de convivência. É obscura a legitimidade de muita lei. Cabe também à sociologia do direito efetuar constatações de ausência de correspondência entre incidência e aplicação das normas jurídicas – entre “vigência” e “eficácia”, como soem expressar-se sociólogos e filósofos do direito. Com maioria de razão toca-lhe examinar a legitimidade da regra jurídica: se a expressão dela, no seu conteúdo, atende à necessidade do equilíbrio do corpo social. Este é campo próprio da política científica, uma especialização da sociologia. Fundada nesse conhecimento, a ação política erra menos. Cumpre testar os confrontos valorativos e os procedimentos postos a serviço da sociologia jurídica. Muitos deles são energicamente efetivos, mas não se formalizaram na dogmática jurídica. Constituem uma espécie de “lógica infra-estatal do direito” . Os “direitos humanos” são quase sempre direitos a se exercitarem em face do Estado. Ora, o próprio Estado produz as normas oficiais do direito. O Estado mesmo aplica o direito por ele objetivado, para realizá-lo empiricamente — procedimento oficial de alcançar a “eficácia” da ordem jurídica. Indispensável logo, e ao mesmo tempo fecunda, é a crítica para que não se perca a consciência de crises. Estas se preparam no interior dos sistemas sociais (subsistemas) e ameaçam a própria estrutura do sistema global. Não é a crítica um empreendimento iconoclasta. Não visa à demolição do direito como fato. Sua função há de ser a renovada tomada de consciência de disfunções, de abertura de alternativas. Há de apontar soluções para as crises que venham abater-se sobre o direito vigente em decorrência da irracionalidade dos padrões de dominação. Esta é de institucionalização que se impôs. E resiste a diferenciações, a mudanças, ao reequilíbrio das relações políticas e econômicas. Acentua R. Dahrendorff — um não neo-marxista — este fenômeno destrutivo: tentar ignoraram-se os conflitos. Corresponde, em nível sociológico, ao fato psicológico de se reprimirem os conflitos emocionais individuais. Geram neuroses e explosões nos papéis e nas coletividades. Um dos germes da relatividade do conhecimento sociológico consiste precisamente em a força das determinantes exógenas canalizarem parte da própria seletividade dos temas que se levam à tona da consciência. Mais árduo então o evitamento dos conflitos e mais lento o progresso simplesmente “funcional” dos sistemas sociais. Esperável pois, claro está, a permanência conservantista de métodos, paradigmas, classificações e “tipos-ideais”. # perigo é a angústia de um “eterno retorno”: refugar as idéias e “soluções” encontradas para as diferenciações, sufocar os ímpetos de mudanças sociais. Nos centros de estudo, dos países avançados industrialmente (em que indivíduos e grupos alcançaram grau elevado de bem-estar), a preferência é pela ótica funcionalista. Acentua-se o elemento consensual, com perda efetiva de visão de outro elemento não menos relevante e poderoso da realidade: a dinâmica do conflito. Não se conhece na História, círculo social isento de conflito, de tal jeito que este não se pode interpretar como uma anomalia da vida. É, antes, como um fato natural, propulsor intrínseco, dimensão co-natural da vida em comum, qualquer que seja o grupo humano de que se trate. B) Tipos de Conflito Cumpre destacar os determinantes estruturais do conflito. Vem a propósito salientar como é gerado no íntimo da sociedade. Quadra analisar as suas dimensões, as suas espécies e a sua forma de canalização (com solução ou com pseudo-solução). Conflito, em sentido amplo, é toda oposição entre os elementos de um grupo sob a forma de luta, ainda que mais ou menos inconsciente. Ele é social quando os elementos em luta são grupos da sociedade (“coletividades”, na linguagem de T. Parsons). Agora, conflito social em sentido estrito é aquele gerado dentro de uma sociedade juridicamente organizada, em cujos pólos estão categorias sociais verticalmente hierarquizadas, em luta. Conflito em sentido estrito há também entre sociedades internacionais. No conflito propriamente dito a luta não ocorre entre iguais postos em linha horizontal. Tampouco quando os grupos contendores são entre si relacionados por continência (digamos, por exemplo, o Brasil com o FMI). O problema do conflito social em sentido estrito surge quando entre os grupos se configura a dominação hierárquica, numa relação fática de subordinação. Exemplos: pais – filhos, empregados – patrões, governo – oposição (nos governos autoritários). Nos anos 80 temos EUA – Nicarágua, URSS – Afeganistão. No novo milênio temos EUA- Alqaeda, EUA-Iraque. É difícil o conceito analítico, descritivo, crítico, objetivo — de “classe”. É fundamental, para a análise e classificação dos conflitos, evitarem-se as tiradas ideologizantes, as generalizações estéreis, os unilateralismos simplistas de divisão de classes. Tal é o caso, por exemplo, de chavões acríticos do tipo “o motor da história é a luta de classes”. Nos conflitos sociais em sentido estrito o próprio conceito de classe é relativo. Há que se trabalhar com ele em tomada de consciência de se estar lidando com um “tipo ideal”. Isto, posto seja mais ou menos denso de alguns elementos característicos, não esgota todo o potencial dos conflitos historicamente importantes e decisivos. É que empiricamente nem todas as sociedades apresentam os mesmos tipos de conflito. Nem pesa em todas elas, para a dinâmica das mudanças sociais, conflitos de mesma natureza. Estruturas diferentes podem dar surgimento a conflitos diversamente importantes. Todavia, os conflitos mais “gerais”, mais encontradiços, estatisticamente mais determinantes, soem ter o conteúdo de relações de poder e relações de produção. Ou seja, os conflitos mais comuns são os do sub-sistema político e os do sub-sistema econômico. Na Política e na Economia encontramos as relações mais conflituosas . Diante do fenômeno, duas leituras do mesmo fato contrapõem-se em paradigmas de interpretação: o funcionalismo frisa o aspecto consensual, o marxismo o conteúdo da fricção social. A seletividade preferencial do elemento consensual (pacto, integração) é pelo menos tão velha quanto Rousseau. Conta mais a estabilidade, arma-se a permanência do equilíbrio do sistema. Medra melhor neste terreno a semente do conservadorismo com as salvaguardas de salvação do “status quo”. Alimenta-se também aí a concepção de esperança no funcionalismo do pacto e do consenso. De outro lado, também é mais velha que as elucubrações de K. Marx (freqüentemente acertadas, aliás) a linearidade cosmovisual da sociedade como conflito (luta, força, coerção). Basta pensar-se na coação externa de T. Hobbes, para dominar a eficácia do dissenso social: integração pela coação, pelo medo, pela força, pela violência (a física, ou a simbólica). O que é, de qualquer modo inegável, segundo R. Dahrendorff a existência (e o efetivo funcionamento) do elemento coativo sob a forma de dominação, a política ou a econômica (além de outras menos dramáticas). A própria intensidade do conflito é já argumento simbólico forte para ambos os grupos de contendores: que se limitem, quanto possível às atividades conflituosas! Dahrendorff não se permite de um lado escamotear a conflituosidade; de outro dá certa razão à interpretação funcionalista. O custo social do confronto, reconhece, atua como válvula calibradora a bem da estabilidade. Não compensa levar a fricção social a extremos devastadores para ambas as partes . A tese de Dahrendorff não é compartilhada pelo radicalismo terrorista a que assistimos no 3º milênio: ETA, Tchechênia, Alqaeda, homens=bomba, Israel. A co-naturalidade do conflito leva a pensar no seu germe propulsor, indeclinável e aproveitável pela consciência. Erige-se como fautor de mudanças, também as construtivas. Há diferenciações exigidas pela própria estrutura social, em face de impulsos endógenos e exógenos. Fazem parte da “natureza das coisas”. Aparece como utópica, no espectro desta análise, a esperança numa “sociedade sem classes”. O que provavelmente deve ocorrer é mudança de forma do conflito; não a ablação dele. Seria uma cirurgia deformante da sociedade composta por seres humanos. Simetria absoluta é, nesta vida, a morte. Vem-nos aliás da física: é a dessimetria, e só ela, que pode determinar mudanças, enriquecimentos. De modo que a busca mesma de vantagens materiais (economia) e de poder (política) é um propulsor inextraível da sociedade. Outra coisa é a sua exata dosagem, na relatividade (também inescusável) de cada estrutura. A figura de cada sociedade histórico-geográfica difere uma da outra. De qualquer modo, é importante o confronto pelo poder. Encontramo-lo nos grupos dispostos em linha vertical. Nessa dissimetria, rica em conteúdo de dominação, o fim do dominador é manter-se na situação de contar com a obediência, no exercício de certo mandato (há sempre outros por trás de quem impera). Precisa o dominador de obediência das pessoas que em princípio são capazes de receber o mesmo mandato — como o caracteriza M. Weber. Assim, o esquema de dominação está exposto continuamente ao conflito. Encontram-se nele os seguintes elementos: a) hierarquia; b) atuação de mecanismos de controle; c) institucionalização da inequação dos poderes; d) fixação de limites à intensidade da dominação e regras “procedurais” endereçadas ao exercício desse controle; e) por conseguinte, a existência de normas de mútua regulação. Como se vê, o direito exerce função integrativa e conservantista, imprescindível, no esquema de dominação, co-natural às sociedades humanas. Os esquemas de dominação traçam-se também entre associações de domínio — com prestígio e benefícios de mais renda para os mais poderosos e inferioridade para os dominados. Bem visível é a presença de elementos políticos e econômicos, portanto. De novo esses dois processos de coerção social, mais instáveis e mais irracionais no seu modo de impor posições sociais: a Política e a Economia, ambas as constituírem processos sociais de adaptação próprios da co-existência entre papéis e entre coletividades. A cristalização estabilizadora desses esquemas tem freqüentemente forma jurídica com instituições e normas. E porque se cuida precisamente de dissimetria, tende a simetrizar-se com a sucessão de novos esquemas, por vezes qualitativamente menos dissimétricos que os anteriores. Donde se vê a inafastável, natural, constante iminência de conflito; atinge a própria discussão sobre o acerto da ordem jurídica vigente. Tanto mais ameaçadora é porém a probabilidade de conflito quanto maior o desequilíbrio da inequação de domínio e, quanto mais crescente for a consciência que toma a classe oprimida sobre a sua posição de desvantagem . É próprio dos grupos de dominação formar as associações de domínio em formas de estamentos, ou de corporações. Liga-os o interesse de superioridade, a ser mantido. As alianças destinam-se ao fortalecimento desses interesses. São vantagens intrincadas, complexas, cujo denominador comum é o fortalecimento ou pelo menos a mantença das posições favoráveis — de prestígio, de renda, de poder, de usufruição. A conservação desse desequilíbrio é sentida, observada e pensada pelos oprimidos do esquema. Donde a irrupção de fatores endógenos de desadaptação intensa. Papéis e coletividades inferiorizadas, na ânsia necessitante de libertação, nutrem forte expectativa de novas integrações. Cuida-se de fenômeno amplo da diferenciação, no sentido parsoniano. Estabelece um processo de formação e preparação do antagonismo e da luta, aberta ou escamoteada. A gênese do conflito inicia-se pela identificação de interesses comuns do grupo e pela localização dos interesses contrapostos do adversário. Segue-se a organização dos dois pólos, que se vão confrontar. O terceiro momento é a tensão: confronto mais ou menos aberto, acolitado pela articulação clara dos antagonismos. Nos regimes totalitários, porém, a posição tensional da oposição apresenta-se menos visível: difusa, espalhada, perdida. Dimensão importante, na análise do fenômeno conflitual, é o quanto de violência. Entende-se por violência a profundidade e o grau das medidas da força adotada. Há a distinguir-se ainda a intensidade e a densidade. Intensidade do conflito é a abrangência dos seus resultados, o peso da eficácia final do confronto ocorrido em termos de perdas, para os derrotados e para o sistema, em que e movem os grupos conflituosos. Finalmente a densidade do conflito — o grau de irracionalidade com que se desenvolve a luta desde o simples debate, discussão acalorada, acirramento competitivo, escaramuça, batalha e finalmente a guerra. Estas três dimensões do conflito marcam-lhe o impacto, cuja diminuição pode ser conseguida, até certo ponto. O exato limite, a que pode chegar o controle, é quase impossível de ser fixado. Mas é de interesse político saber que o reconhecimento preciso dos grupos conflituosos é a primeira condição política para se lhe diminuir o impacto. A oportunidade, mobilidade na escala social, para ascensão dos indivíduos postados nos patamares inferiores, é elemento estrutural da maior importância para se prevenirem impactos conflituosos de alta temperatura. Flexibilização de movimentação horizontal dos atores sociais, eis outra linha estrutural importante para se evitar o superaquecimento. Quanto mais ligado for o ator social ao seu estamento, ou corporação (por crença, ou idade, ou sofrimentos em comum, ou interesses fortes a defender), com rigidez do quadro social, então será maior a possibilidade de fortalecimento da capacidade de confronto. O mesmo ocorre quando classes se unem em parcerias e coalizões, concentrando interesses comuns, ou estratégias de recíprocas vantagens. Pense-se na união de ideais (ou interesses) religiosos, políticos, econômicos. Exemplo: determinado movimento religioso com influência em certo partido e unido a determinada classe de trabalhadores reivindicantes. São ordens institucionais diferentes a penetrarem dentro de outras ordens institucionais, com somatória convergente de esforços. Têm elevada probabilidade de agigantar-se na capacidade de conflito, poder de pressão, resistência, de desobediência civil, de confronto, exigências negociais. C) Como se enfrenta o conflito Em referência ao marxismo ortodoxo, mormente na sua versão de práxis leninista, R. Dahrendorff sublinha mais uma vez a ilusoriedade da crença (ideologia) numa “sociedade sem classes”, de uma “comunidade do Povo”, de uma “ditadura do proletariado” — estágio futuro em que os conflitos estivessem todos extirpados. Ao contrário, as tentativas vitoriosas de consegui-lo tiveram por custo o exsurgimento de outra figura de superposição de classes, o que não significa portanto a eliminação do conflito do corpo social... No tocante a essa matéria (enfrentar a problemática do conflito em sentido estrito), há três técnicas básicas a distinguir. A primeira, técnica da repressão — uma só classe a dominar todas as demais, sufocando todo movimento de insatisfação. A segunda, técnica da “solução”: sonha com a ablação das classes e nutre-se desse sonho. Finalmente a terceira é a técnica da regulamentação das manifestações de conflito: reconhecer os grupos representativos, estabelecer procedimentos formais de entendimentos, prevenir privilégios de posições. Esta terceira atitude busca portanto a canalização institucional dos conflitos. É a atitude modernamente assumida por vários Estados. Em tal caso assiste-se a uma intensa implicação, recíproca, entre Estado e sociedade. O aparelho governamental, para manter a governabilidade da sociedade em meio aos conflitos (mais: em porfia com a própria crise), compromete-se mais com os vários grupos . Aqui — dizemos nós — o Estado aparece como intenso feixe de relações sociais, condensador de articulações sociais conflituosas, segundo um padrão dominante. Este padrão vem em grande parte exteriorizado pelo direito vigente, com freqüência o mais favorável às classes dominantes. Ora, no seio profundo dessa práxis jurídica aplicada à institucionalização dos conflitos, ergue-se surto poderoso de indagações de legitimidade. Temos aí fonte perene de novos antagonismos, uma espécie de sistêmico-funcionalidade, de “eterno retorno”... do conflito. Tão irônica réplica “funcionalista” ao conflito em sentido estrito, nasce como resposta ao funcionalismo sistêmico da mantença do equilíbrio. As classes burguesas procuram valer-se dessa terceira técnica — a regulatória — em prol da domesticação interesseira do conflito. Busca “especializá-lo”, como aconselha N. Luhmann . Voltemos porém ao pensamento desenvolvido por R. Dahrendorff. Segundo ele a atitude técnica de regulamentação dos conflitos tem de achar a sua procedimentalização em três níveis principais: a) localização social do foro de discussões; b) identificação de mediadores competentes; c) quando necessário, socorro a árbitro estatal. Com essa canalização pode esperar-se, não a eliminação (impossível) dos conflitos, mas uma canalização racional deles, com obtenção do grau ótimo da diminuição do seu impacto. Cumpre acentuar o aspecto relativista da perspectiva aberta para o problema do conflito em sentido estrito. Só se pode autorizadamente pensar em diminuição do impacto dos conflitos, não na erradicação deles. Por quê? Porque eles se constituem em elemento natural da estrutura social. Onde houver sociedade, aí há conflito — como em toda sociedade, há o direito. Ele é, segundo R. Dahrendorff, o ponto incandescente da estrutura social. Reconhecível, calculável, abrandável no seu impacto, sim; mas também ineliminável. Reprimi-lo é a tentativa dos regimes autoritários. O regime democrático consciente e realista não se abalança mais do que a aspirar à regulamentação do conflito, canalizando-o, controlando-lhe os impactos (violência, intensidade e densidade) por meio de princípios organizacionais básicos ou matrizes de governabilidade, oriundos tanto quanto possível da participação jurisferante igualitária de todas as classes . De modo que o conflito faz parte das relações sociais, sempre. Suas mais poderosas propulsoras são a Política e a Economia: onde há associação de domínio, surge conflito político; tais associações aparecem a cada passo da estrutura social. Acresce a energia potencial conflitiva da instância econômica de formação social: sempre que tivermos empresa econômica, vai surgir antagonismo econômico — não importa o regime social do Povo . III – ALGUMAS CONCLUSÕES 1) A interpretação sistêmico-funcionalista da sociedade sublinha exageradamente o elemento consensual das ações sociais. Essa preocupação é só pretensamente pacifista. Escamoteia, no fundo, a dura realidade: o conflito é elemento verdadeiramente ínsito à sociedade. Outro erro é o de arriscar-se a ver o conflito como patologia social. Razoável porém é ter como patológicos apenas os altos graus de febre do conflito, graus que são eminentemente relativos a cada círculo social considerado. A força do impacto conflitual há de ser examinada sob aquelas três dimensões: violência, intensidade e densidade. 2) Grandes desigualdades sociais são dessimetria perturbadoras. São nós da rede social; transformam-se em conflito quando não sejam conscientemente desatados. Desatar esses nós é intervir consciente na sociedade. Pode isto, e deve, ser também função do Estado; cabe-lhe adotar medidas institucionalizadoras, propulsoras de novos mecanismos de produção político-jurídica, de recursos materiais e de abertura de oportunidades difusas de produção no seio das instâncias culturais de formação social. Esse esforço do Estado concretiza-se numa tentativa constante de dotar o sistema social de matrizes institucionais democratizantes: no plano de mais igualdades. Terá de ser assim na produção e distribuição de bens econômicos, na distribuição e devolução de centros decisórios e de participação cultural. Temos portanto necessidade de aumento de oportunidades econômicas efetivas para as classes desfavorecidas (exemplo: emprego assegurado e garantia dos meios bio-psicologicamente mínimos de subsistência). Ainda: promover a participação das massas na escolha dos dirigentes, e no seu controle; bem assim, em certo grau de participação da condução e gestão da coisa pública (exemplo: aprimoramento efetivo da práxis política da “democracia participativa”, no sentido de C. B. Mac-Pherson) . Mais: falta maior integração efetiva dos atores sociais na produção e distribuição cultural. Exemplo: direito à educação gratuita em todos os níveis por parte dos educandos carentes e capazes; oportunidade efetiva e juridicamente garantida de acesso aos produtos da arte, da moral, da religião e de expansão da consciência subjetiva — o indivíduo não apenas como “papel”, mas como consciência livre, irredutível a simples molécula da massa. 3) Fracassa na pacificação da massa e de calibração social, na integração Estado-Sociedade, a Constituição que não traçar regras claras e enérgicas (= dotadas de potencial de eficácia) sobre a crescente diminuição das desigualdades sociais, em programa juridicamente obrigatório para todos os governos, com planejamento econômico a girar em função da distribuição social (em curto prazo, a prazo médio e em longo prazo). De modo que, com as liberdades fundamentais (físicas e psíquicas) e os procedimentos democráticos de voto para eleição dos governantes e de controle popular da atuação deles (democracia clássica mais “democracia participativa”), os tempos atuais do capitalismo avançado e da revolução industrial moderna pedem uma nova ordem “revolucionária”. Dolorosa de começo, essa matanóia prática é indispensável ao mínimo de conservação das tradições liberais e democráticas. Urge desbastar as desigualdades sociais, com ação político-administrativa na qual estejam jurídico-constitucionalmente fixados os fins precisos do Estado moderno: a realização, em ritmo gradual mas inequivocamente crescente, de cinco novos direitos do indivíduo (dotados de ação contra o Estado, para obter-lhes a satisfação): 1) direito ao emprego produtivo; 2) direito à complementação do mínimo bio-psicológico para a sobrevivência; 3) direito à assistência (médico, remédio, dentista, hospital); 4) direito à educação gratuita (em proporção com os recursos e com a capacidade intelectual do educando); 5) direito ao “ideal” — acesso aos meios sociais de expansão da consciência individual, do “eu” profundo — lazer, realização artística, criatividade ético-religiosa, descargas emocionais e imaginárias —, para diminuição das tensões intra e interindividuais e inter-grupais . 4) A passagem da teoria sociológica à prática político-jurídica é tanto mais fecunda quando mais se puder afastar a influência das ideologias. Estas são tão inerradicáveis como os conflitos. Porém, assim como é físico-socialmente possível diminuir o impacto dos conflitos (e portanto das crises) , e manter-se o mínimo de identidade histórica dos sistemas, é igualmente possível — e imperativo — aparar as arestas frustrantes da relatividade do conhecimento sociológico . A via adequada são os métodos científicos aplicados à análise das relações sociais. Uma postura teórica mais objetiva será mais opulenta em indicativos de soluções menos dúbias e obscuras. Dubiedade e obscuridade são tanto mais fortes e menos aproveitáveis, na política jurídica, quanto mais são geradas pela subjetividade dos “papéis” e das “coletividades”. Andam ambos empenhados em luta constante por interesses contrapostos, ou aparentemente contrapostos. Ver um pouco mais claramente (“theorein” = ver) é pressuposto de agir um pouco mais acertadamente. À universidade incumbe o dever moral de aliar-se à sociedade e aos políticos, de tal modo que possa provocar conscientemente mudanças que a estrutura social está a exigir. A fenomenologia das diferenciações do sistema e da explosão do conflito , pode alcançar nível mais alto de racionalidade, errando menos contra a “natura rerum”. 5) Neo-funcionalismo e neo-maxista não são propriamente interpretações opostas mas sim leituras complementares do mesmo ser — a realidade social. Sua polaridade e implicação, com afirmação e retificação: este pensar e repensar — constitui dialética natural. O feixe relacional, lá de fora, atinge assim a consciência, cá dentro. É um “fora” em que se move o “dentro”, este empenhado em adaptar-se àquele no drama perpétuo do conhecimento e do interesse, da razão e da paixão — obras da Natureza. Cfr. SCHLUCHTER, W. The rise os western rationalism. Berkeley: Univ. of Calif. Press., 1981, p. 136, esquema XX. J.E.C. de O. Faria, notas em aula no curso “Direito e mudança social”. São Paulo: USP, 2º semestre/85, doutorado. PONTES DE MIRANDA. Introdução à sociologia geral. 2ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 103-108 e 126-128; PONTES DE MIRANDA. Introdução à política científica. Rio de Janeiro: Garnier, 1924, p. 75-107. Cfr. GOULDNER, Alvin. El anti-minotauro: el mito de uns sociologia no-valorativa. Madrid: Alianza, 1979; BENDIX, R. Social science and the image of man. New York: Oxford Univ. Press, 1970. Cfr. KNELLER, G.G. A ciência como atividade humana. Rio de Janeiro : Zahar, 1980, p. 275-285. Cfr. KRONMAN, Anthony. Max Weber. Stanford: Stanford Univ. Press, 1983, p. 112-117. Cfr. CROZIER, M. The crisis of democracy. New York: N. Y. Univ. Press, 1973, cap. II. Cfr. JAGUARIBE, H. O pensamento nacionalista. In: Cadernos de Nosso Tempo. Brasília: S. Schwartzman, p. 131-152; BOBBIO, N. The future of democracy. In: Telos. S. Louis, nº61, 1984; HIRSCH, J. Observações teóricas sobre o estado burguês e sua crise. In: POULANTZAS, N. (org.) A crise do Estado. Lisboa: Moraes, 1978; CARDOSO, F. H. A questão do Estado no Brasil. In: Autoritarismo e democratização. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975; FARIA, José E. C. de O. Retórica política e ideologia democrática. Rio de Janeiro: Graal, 1983; FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 4ª ed. s.l.: 1984, p. 277 ss. Toda a parte I deste trabalho funda-se sobretudo em PARSONS, T. Una teoría funcional del cambio. In: Los Cambios Sociales: Fuentes, Tipos e Consecuencias. México: Fondo de Cult. Econ., 1974, p. 83-94. Parece-nos não ter Parsons aprofundado as raízes científico-positivas, isto é, buscadas às ciências particulares (física, biologia e antropologia) dessa integração e dilatação crescente dos círculos sociais. Ver pesquisa a respeito em PONTES DE MIRANDA. Introdução à política científica, nota 3, supra e Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, Tomo I, cap. IV. Sobre o princípio físico-social da simetria cfr. PONTES DE MIRANDA. Introdução à sociologia geral. nota 3, supra, p. 82 seg. Cfr. OFFE, K. A ingovernabilidade: sobre o renascimento das teorias conservadoras da crise. In: Problemas Estruturais do Estado Capitalista. Rio de Janeiro: Templo Brasileiro, 1984; idem, ibid. A democracia partidária competitiva e o Welfare State Keynesiano: fatores de estabilidade e desorganização e ainda id., ibid. Partido competitivo e identidade política. Sobre o princípio da inércia em sociologia, em pesquisa nas ciências exatas, cfr. PONTES DE MIRANDA. Introdução à sociologia geral, nº 3, supra, p. 109-112. Ver CAPRA, Fritjof. The hidden connections: integrating the biological, cognitive, and social dimensions of life into a science of sustainability. New York: Doubleday, 2002, p. 135-136. Dificuldade grande há, tanto nas teorias funcionalistas como também nas explicações científico-positivas, em se prever e controlar (será possível calculá-la?) a passagem da teoria para a prática, em matéria de mudanças, quando se trata de períodos de grande mobilidade social, nos países em desenvolvimento agitados pelas crises políticas e econômicas. Assim é: tanto a conservação como a variabilidade são leis da natureza, reveladas pelas ciências particulares. Não se pode furtar a elas a sociologia. O problema está em não se infringir nem uma nem outra, para não aumentarem disfunções e rejeições. De outro lado as paixões humanas, com ideologias inafastáveis, procuram precisamente extremar uma da outra, em movimentos políticos refertos de ações concretas e contrárias. Está aí outra versão da discussão “funcionalismo x marxismo”, passando do nível do impasse para o do conflito, do pensar para o agir. Sobre a indispensabilidade do progresso social, em termos de igualdade crescente, cfr. PONTES DE MIRANDA. Democracia, liberdade, igualdade. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 517 seg. Sobre o importante conceito de “cálculo do dissenso” (em que entram os conceitos de “taxa de acumulação” e “taxa de injustiça”), ver SANTOS, W. G. dos. A política social como cálculo do dissenso. In: Cidadania e Justiça. Rio de Janeiro: Campus, 1979, p. 125-138. Sobre “conservantismo”, cfr. FERNANDES, F. Atitudes e motivações desfavoráveis ao desenvolvimento. In: Mudanças Sociais no Brasil. São Paulo: Difel, 1960, p. 37-49. O assunto do crescimento em igualdades é vasto. Imensa a bibliografia acumulada em âmbito transnacional (... direitos econômicos e culturais); o que seja Direito das Gentes nesses “acordos internacionais” está acima da própria Constituição Brasileira — é supra-estatal. Embora de baixa efetividade, são em verdade regras jurídicas; infração delas é ato ilícito de Direito das Gentes. No Brasil temos, por acréscimo, o art. 5º §2º da Constituição Federal. O art. 6º, até com o recente direito a moradia, nem está no cerne rígido (“cláusula pétrea”) nem é munido de ação material contra o Estado, nem há econômico planejada... A respeito da capacitação do Estado como instrumento social para dar resposta às crises com processos integrativos e técnicas constitucionais, parece-nos oportuno resgatar a obra de PONTES DE MIRANDA. Os fundamentos actuaes do direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1932, especialmente p. 221 seg. No item II deste trabalho servimo-nos fundamentalmente do trabalho de DAHRENDORFF, Ralf. Elementos para una teoria del conflicto social. In: Sociedad y libertad. Madrid: Tecnos, 1971, p. 133-155. Sobre o assunto, cfr: OLIVEIRA, Mozar Costa de. A gnosiologia estudada com dados das outras ciências. Santos: Leopoldianum (Cad. posgrad), 2001. 68 p. Ver Pontes de Miranda, Introdução à política científica. Rio de Janeiro: Forense, 1983. FARIA, J. E. C. de O. Nota 2, acima. São ainda pouco divulgadas as pesquisas de Pontes de Miranda sobre o conceito de “processo social de adaptação”, fundamental em todas as suas obras — filosóficas, sociológicas e jurídicas. Por cálculo de lógica simbólica mede os quanta de estabilidade e de dominação, em cada um deles. Ora, partindo do zero em ambas as variáveis no processo científico de conhecimento (Ciência), temos: a) estabilidade (= resistência à mudança nas regras de conduta) — Religião 6, Moral 5, Artes 4, Direito 3, Política 2, Economia 1; b) potencial de dominação (= grau de violência ao se impor socialmente): Política 6, Economia 5, Religião 4, Direito 3, Moral 2, Artes 1. Interessante observar como as instâncias de formação social (“processo social de adaptação”) mais instáveis e mais dominadores são precisamente aquelas cujo critério de troca social são as ações sociais de poder (Política) e as de utilidades materiais (Economia). No outro extremo, as mais duradouras espécies de valor social são os processos mais intensamente penetrantes na escala de interioridade da consciência: o critério transcendental (Religião — com a metafísica) e o de dignidade-bondade (Moral). Posição intermediária, em ambas as dimensões, ocupa-a o Direito. Talvez por isso paixões e ideologias se sirvem instrumentalmente do Direito para se equilibrarem, e para se imporem socialmente. Muitas outras conclusões daí se podem tirar, que os fatos confirmam, de interesse para as ciências sociais, inclusive para a teoria geral do direito e para a política científica. R. Dahrendorff chega ao ápice da generalização ideológica ao dizer que “Toda a vida social é conflito, porque é mudança. Não há na sociedade humana algo estável porque nada há certo. No conflito, portanto, acham-se o núcleo criador de toda a sociedade e a oportunidade da liberdade, mas, ao mesmo tempo, o desafio para resolver racionalmente e controlar os problemas sociais” (op. cit., p. 154). Lembra o velho Heráclito: o princípio originário do ser é o fogo (mola propulsora da mudança). Concórdia e paz conduzem à incandescência e esta à luta e à guerra, que determina toda mudança, física e social. Nada é fixo, tudo flui (“panta rêi”); o esforço de Homero para desarraigar o conflito é vão porque a guerra (supremo conflito) é o pai e o rei de todas as coisas. Tudo porém se processa segundo uma medida racional — de extinção e de re-aparição (Cfr. ÜBERWEG, F. Grundriss der Geschichte der Philosophie. Tomo I Basel: B. Schwabe, 1953, p. 53-60). Sobre isso cumpre recordar a idéia gramsciana de “conscientização”. Em crítica a Weber, ver MARCUSE, Herbert . Industrialization and Capitalism. In: Max Weber and Sociology Today. New York: Harper and Row, 1971, p. 133-151. Sobre conflito sindicato-empresas metalúrgicas na década de 80, no Brasil, com perda econômica mas ganho em cidadania, ver Renner, C. O., p. 45-47, sobre as conquistas da combatividade quanto ao desemprego, id, ibidem, p. 66-75. Sobre o comprometimento do Estado com a Sociedade, ao enfrentar os conflitos, ver CROZIER, M. The crisis of democracy. (n. 7, acima); OFFE, Klaus (n. 12, acima). Sobre os desencantos da técnica regulatória na perspectiva da independência sindical, ver Renner, C. O., p. 251-256. Cfr. LUHMANN, N. Legitimação pelo procedimento. Brasília: Universidade Brasília, 1980, p. 85-89. Sobre a trilogia indispensável de liberdades fundamentais e crescimento em igualdades (fundo), com procedimentos democráticos específicos (forma), que precisam formar a vivência Sociedade-Estado no mundo contemporâneo, ver PONTES DE MIRANDA, Democracia, liberdade, igualdade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1979. Há relatórios que dão conta do clima de espionagem reinante em empresas econômicas da antiga URSS; a falta de amizade e o fingimento faziam a sua parte na criação de tensão social conflituosa, “resolvida”. Cfr. MACPHERSON, C. B. A democracia liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 1978, passim; FARIA, J. E. C. de O. Retórica política e ideologia democrática. Rio de Janeiro: Graal, 1983, p. 84-122. Para uma análise minuciosa e conexão entre teoria e práxis político-jurídica, cfr. PONTES DE MIRANDA. Democracia, liberdade, igualdade, acima, p. 409 seg.; PONTES DE MIRANDA. Os novos direitos do homem. Rio de Janeiro: Alba, 1933; PONTES DE MIRANDA. Anarquismo, comunismo, socialismo. Rio de Janeiro: Adersen, 1933. É vasta a literatura sobre crise; cfr., por exemplo, de vários autores, POULANTZAS, N. (org.) A crise do Estado. Lisboa: Moraes, 1978. Cfr. SANTOS, Boaventura dos. Da sociologia da ciência à política científica. In: Biblos. Coimbra: 1977; SCHWARTZMAN, Simon. Os mitos da ciência. In: Ciência, Universidade e ideologia: a Política do Conhecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1981; WARAT, L. A.; CUNHA, Rosa M. Cardoso da. Ensino e saber jurídico. Rio de Janeiro: Eldorado, 1977, p. 21-41. Cfr. FARIA, J. E. C. de O. Eficácia jurídica e violência simbólica, tese de titularidade, mimeogr., São Paulo: USP, 1984, 345 seg. Sobre esse dualismo essencial do animal-homem-na-natureza, em cunhagem poética, sem refugir aos dados límpidos da positividade, cfr. PONTES DE MIRANDA. Epiküre der Weisheit. 2ª ed. München: Griff, 1973, p. 169-200. Ver também nosso Paixão, Razão e Natureza (investigação sobre o discurso normativo). Tese de doutorado. São Paulo: Universidade Católica de Santos, 1994, 239 p.

Nenhum comentário: