quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

A CONSTRUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL

A CONSTRUÇÃO DO DIREITO AMBIENTAL
INTERNACIONAL [1]
Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor de direito aposentado (Universidade Católica de Santos, São Paulo).
I. Introdução
O assunto aqui tratado são aspectos relativos ao Direito das Gentes em matéria ambiental, trazidos a lume em forma escrita, ou pelo costume, entre os anos de 1972 e 1992. Como descobrir se são regras jurídicas de Direito das Gentes, ou se são apenas negócios jurídicos desse mesmo âmbito? Sendo amplo o campo de investigação, mesmo se lhe deitarmos a rasoura para o deixarmos estreitamente restringi­do, serão aqui como que apenas suscitados aspectos que, ao parecer, são significativos nos dias que correm.
E porque as implicações do contexto gnosiológico do Direito das Gentes sejam de importância notável no âmbito exegético de declarações, tratados e recomendações de alcance para a maioria dos Países, voltaremos a trazer a flux alguns pontos de reflexão sobre conceitos básicos daquele. Eis, pois, estas linhas introdutórias.
II. Facticidade histórica: principais negócios jurídicos de direito das gentes (rol cronológico)
Enfileiramos, a seguir, os principais "atos internacionais", além de outros acontecimentos, situados no limite temporal de 1972 a I992[2]. Anotação de cunho teórico, só quando indis­pensável ao escopo deste trabalho. E, pois.
1) Estocolmo. De 5 a 16 de junho de 1972, é cediço, na Suécia, representantes de 113 países participam da Conferência de Estocolmo. Em verdade, conferência da ONU sobre o meio ambiente Humano. Atendia-se à necessidade de estabelecer uma visão global e princípios comuns que servissem de inspiração e orientação à Humanidade, para a preservação e melhoria do ambiente humano. Da dita Conferência, emergiu a Declaração sobre o Ambiente Humano, dando orientação aos governos. Estabeleceu-se o plano de Ação Mundial e, em particular, recomendou-se que deveria ser estabelecido um programa internacio­nal de educação ambiental: educar o cidadão comum seria o primeiro passo para manejar e controlar o próprio meio ambiente. A recomendação n.° 96 da Conferência reconhece o desenvol­vimento da educação ambiental como elemento crítico para se fazer frente ao magno problema das afrontas à Natureza.
Primeira avaliação de impacto ambiental no Brasil (para grandes empreendimentos) foi a construção da Usina Hidrelétrica de Sobradinho, Bahia. Os estudos dos impactos ambientais, sob a orientação de prof. Vasconcelos Sobrinho, foram inicia­dos na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Levanta-se a campanha nacional para reincorporação do pau-brasil ao nosso patrimônio ambiental. Considerado extinto em 1920, graças a essa iniciativa, a espécie histórica foi largamente reintroduzida. Sobreveio farta distribuição de mudas em todo o País[3].
2) Em 1974, Haia, Holanda. É o primeiro Congresso Internacional de Ecologia, com o primeiro alerta dos organismos internacionais sobre a possibilidade da redução da camada de ozônio pelo uso dos CFC.
3) 1975. É criado pela UNESCO o Programa Interna­cional de Educação Ambiental — PIEA.
4) Chosica, Peru, 1976. Realiza-se de I° a 9 de março a reunião sub-regional para o ensino secundário. Fica estabeleci­do expressamente: a questão ambiental na América Latina subordina-se às necessidades elementares de sobrevivência do
homem, e aos direitos humanos[4].
5) 1977, Tbilisi — Geórgia (ex-URSS). De 14 a 26 de outubro, primeira conferência intergovernamental sobre educação ambiental. Organizada pela UNESCO, em colaboração com o programa das Nações Unidas para o meio ambiente (PNUMA), tornou-se um prolongamento da Conferência de Estocolmo (1972). A Conferência de Tbilisi firma-se como ponto culminante da primeira fase do programa Internacional de Educação Ambiental, iniciando em 1975 pela UNESCO/PNUMA. Atividades são fomentadas e realizadas na África, Ásia (entra aí todo o mundo árabe), Europa e América Latina. Marca ela o ponto de partida de um programa internacional de educação ambiental. Merece ser considerada, em nossos dias, como o evento mais decisivo para os rumos da educação ambiental, digamos, globalizante, ou seja, em todos os Estados da Terra.
6) 1980, um santo para a ecologia. Foi então que o historiador americano Lynn White Jr. propõe ao papa que São Francisco de Assis fosse como que instituído o santo padroeiro da Ecologia. A sugestão teve acolhida[5].
7)1981, Monte Carlo, Mônaco. De 25 a 31 de março, seminário sobre energia e educação ambiental na Europa. Promovido pelo Conselho Internacional de Associações de Ensino de Ciências — ICASE, teve a participação de 17 países[6].
8)1984, Versalhes. Realiza-se a Primeira Conferência sobre o meio ambiente, da Câmara do Comércio internacional. Teve por objetivo estabelecer formas de converter em dados da práxis o conceito de "desenvolvimento sustentado." Mas, em seqüência, a 3 de dezembro, em Bhopal, Índia, ocorre o mais grave acidente industrial do mundo: o gás menthyl isocyanate vaza da fábrica da Union Carbide, matando mais de 2 mil pessoas e ferindo outras 200 mil. Tal acidente, segundo cientista de renome, deu início ao período moderno da política ambiental.
9) 1986, 26 de abril, Chernobyl. Manobra deficiente, aliada a falhas de projeto, provoca a explosão do reator n.° 4 da usina de Chernobyl, localizada perto de Kiev, Ucrânia. Escapam da fábrica entre 60% a 80% do combustível atômico, com a morte de 7 a 10 mil pessoas. Efeitos danosos em mais de 4 milhões de pessoas. Nuvem radioativa propagou-se pelas repúblicas soviéticas e atingiu cinco países europeus. Ripyat, cidade localizada a 8 km da usina, com 38 mil moradores, é hoje cidade deserta. Foi o maior acidente da história da energia nuclear. Cinco anos depois, Mihail Gorbachev solicitou ajuda internacional, acentuando que a Humanidade estava apenas começando a compreender plenamente a natureza global dos problemas sociais, médicos e psicólogos criados pela catástrofe.
10) São Paulo, 1986. Realiza-se o Seminário Internacio­nal de Desenvolvimento Sustentado e Conservação. Cuida das regiões estuarino-lagunares. Foi lançado um como que brado de alerta sobre a necessidade urgente de proteção dos mangues. Esses ecossistemas (tidos como os mais produtivos da Terra — algo assim como o «berçário» de peixes, moluscos, crustáceos), em rotina corriqueira, vinham sendo destruídos na costa brasileira, notadamente por aterros — para fins imobiliários ou como lixões.
11) Abril de 1987. Our Common Future. E o relatório da Comissão Mundial ("Comissão Brundland") sobre meio am­biente e desenvolvimento (outubro de 1984 a abril de I987) [7].
12) 1987. Protocolo de Montreal. Os diversos Estados devem tomar várias providências para evitar a destruição da camada de ozônio. Dentre esses deveres insere-se o da progressiva supressão da fabricação e uso dos CFC (com termo final chantado no ano 2000).
13) 1988. Itália. Documento contra pagamento de dívida externa. A Itália é escolhida por associações ambientalistas internacionais como locus para divulgação de pressões contra o pagamento da dívida externa, se contraída pelos países do Terceiro Mundo, nas suas relações com Estados sobre os quais recaia a responsabilidade por transformações drásticas assim na economia, como na sociedade e ainda no meio ambiente.
14) Ainda em 1988: a IUCN torna público catálogo de 4.500 espécies em extinção (plantas e animais). Tem-se aqui não um negócio jurídico (vinculação básica). É apenas ato jurídico stricto sensu, a saber, concretamente, uma comunicação
de conhecimento. Tal, longe de significar algo de borroso no mundo jurídico, é, antes, fato jurídico com eficácia jurídica como qualquer outro. Agora, como seja de Direito das Gentes, essa eficácia jurídica é erga omnes, a irradiar-se sobre todos os
Estados da Terra.
15) Também em 1988, Venezuela. De 25 a 28 de abril especialistas da América Latina, com o apoio do ORPAL/PNUMA, reúnem-se em Caracas para discutir a gestão am­biental na América Latina. Nasce a denúncia da necessidade de mudança do modelo de desenvolvimento adotado internacionalmente (=mun­dialmente). Vitupera-se a debilitação de alguns Estados, causada pela dívida externa. Condenam-se mais uma vez as degradações ambiental e social.
16) Brasil: nova Constituição Federal. Em 5 de outubro é promulgada atual "Constituição da República Federativa do Brasil", com todo um capítulo sobre o meio ambiente e várias outras regras jurídicas sobre a matéria.
17) 1989, Brasil. A 14 de junho, realiza-se em Campo Grande (MS), o I Congresso Internacional Sobre a Conserva­ção do Pantanal. Objetivo: estabelecer propostas para a compatibilização entre desenvolvimento e preservação do Pantanal.
Participaram 800 ambientalistas de vários países, representantes do Fundo Mundial para Vida Silvestre) e o Instituto "Max Planck" (Alemanha) [8].
Representantes de 24 países formularam a Declaração de Haia onde se acentua que a cooperação internacional era indispensável para proteger o meio ambiente mundial.
18) 1990. (a) Canadá. Em março, promovido pelo governo canadense, representantes de cinqüenta países se reuniram em Vancouver para o "Globe 90", quando discutem a política de preservação ambiental, (b) Em junho, Brasil. Durante a
reunião anual da SBPC em Porto Alegre, é divulgado que a área destruída da Amazônia já atingia 404.000 km até 1989, segundo imagens de Landast 8. (c) Em novembro, Limoges, França: a I Conferência Internacional de Direito Ambiental, com a participação de juristas de 43 países, (d) Em outubro, Genebra: Conferência Mundial sobre o Clima (discutiu a questão das alterações climáticas no mundo). Promoção da Organização Mundial de Meteorologia.
19) 1991. Guerra do Golfo Pérsico. Sete milhões de barris de petróleo são jogados ao mar, produzindo prejuízos e impactos ambientais incalculáveis à vida aquática, às aves e às comunidades do litoral atingido. Incendiados 590 poços de
petróleo do Kwait, nuvens de fumaça alastraram-se por vários países da região.
20) 1992, Brasil. Rio de janeiro a "Rio-92" (Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento — UNCED). Participação de 170 países. Objetivos centrais: a) examinar a situação ambiental do mundo e as mudanças ocorridas depois da Conferência de Estocolmo; b) identificar estraté­gias regionais e globais para ações apropriadas à solução princi­pais questões ambientais; c) recomendar medidas a serem toma­das em todos os Estados da Terra necessárias à proteção ambiental (política de desenvolvimento sustentado; d) promover o aperfei­çoamento da legislação ambiental internacional (=supra-estatal); e) estudar estratégias de consecução do desenvolvimento susten­tado para eliminação da pobreza nos países em desenvolvimento[9].
III. Ligeiro exame da conceituação teórica e terminologia correntias, em benefício da exegese
A razão deste Item é rever elementos cognitivos básicos. Do acerto ou erro com eles, pensamos, dependerá a serventia ou não do esforço exegético do longo rol de "atos internacio­nais" que acabamos de arrolar.
1. Estado e Estados
O fenômeno jurídico ocorre atualmente na Terra, sem sabermos se o há fora dela. Esta é parte do cosmos, do conjunto das coisas todas que precederam o aparecimento da vida e das que persistem com ela. Antes da ação antrópica, também depois dela. Neste preciso sentido, o direito é um fenômeno da natureza. Não há desligá-lo do mundo, das realidades de que temos algumas idéias, umas mais aproximadas e outras menos — isto é, dos informes das ciências particulares, da Ciência. O direito é processo social de adaptação — um dos modos como os homens (ao menos estes) buscam a remover obstáculos, em favor da vida[10].
Peru, Uruguai e Venezuela (1990); 13) Acordo entre a República Federa­tiva do Brasil e a República Oriental do Uruguai em Matéria Ambiental (1992); 14) Convenção sobre Assistência no Caso de Acidente Nuclear ou Emergência Radiológica (1986); 15) Convenção da Basiléia sobre Movi­mentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito (1989); 16) Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção — CITES (1973); 17) Convenção sobre a Conservação das Focas Antárticas (1972); 18) Convenção sobre a Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos (1980); 19) Con­venção sobre Diversidade Biológica (1992); 20) Convenção Internacional para Prevenção da Poluição por Navios — MARPOL (1973); 21) Con­venção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (1982); 22) Convenção sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e Outras Matérias (1972); 23) Convenção sobre a Proibição de Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacteriológicas (Biológicas) e à Base de Toxinas e sua Destruição (1972); 24) Convenção sobre a Proibição do Uso Militar ou Hostil de Técnicas de Modificação Ambiental (1977); 25) Convenção sobre Pronta Notificação de Acidente Nuclear (1986); 26) Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992); 27) Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio (1985); 28) Convênio Zoosanitário entre o Governo do Brasil e o Governo do Uruguai para o Intercâmbio de Animais e Produtos de Origem Animal (1985); 29) Protocolo de Montreal (1987); 30) Protocolo ao Tratado da Antártida sobre Proteção do Meio Ambiente (1991); 31) Tratado para o Aproveitamento dos Recursos Hídricos Compartilhados dos Trechos Limítrofes do Rio Uruguai e de seu Afluente o Rio Pepiri-Guaçu (1980); 32) Tratado de Cooperação Amazônica (1978).
Os homens vivem ordinariamente em grupos. Estendem-se estes, e dilatam-se. Cumprem a lei sociológica da dilação crescente dos círculos sociais. Vai esta regra, do par andrógino até a Humanidade. E se o examinamos no processo social de adaptação típico — na vivência jurídica —, vai ela do núcleo familiar mínimo até a comunidade de todos os Estados. Estado é complexo de relações em que os pólos são ór­gãos públicos, a dialetizarem-se entre si e com indivíduos (ou grupos). Este complexo é criado pelos homens como instru­mento para lhe servir à satisfação de necessidades grupais. Pelo costume — logo, por um processo social de adaptação, vital e regido pelas leis lógicas, matemáticas, físicas e biológicas —, veio a se relacionar com outros complexos mais ou menos iguais. A medida que a adaptação se realiza, vão eles se reco­nhecendo como "colegas", isto é, como unidades de mesmo nível de diálogo, e formando um conjunto relativamente homogêneo, a espraiar-se pela face da Terra, sujeitos a algumas normas de convivência que nos acomuna todos, em alguns pontos funda­mentais para a vida.

Forma-se assim, e renova-se no correr dos anos, a comunidade dos Estados. Esta, por vezes exclui algumas das suas unidades, e por outras admitem novas. É o fenômeno da extinção e do surgimento de Estados. De modo que o fundamento do Estado é a Natureza mesma, com as suas leis lógicas, matemáticas, físicas, biológicas e sociológicas. Indagar pelo fundamento do Estado é o mesmo que fazê-lo relativamente ao do aparecimento das aves, dos cardumes, das alcatéias, dos rebanhos. Há sim a grande dife­rença: dos seres vivos conhecidos, os homens são os únicos dotados da capacidade de representar. Por isso, capazes de refletir, de coordenar idéias, de planejar, de influir mais rápida e eficazmente sobre as próprias leis que o regem, e ao mundo circundante. Esse "happening" induz-nos à controvertida con­cepção de estar o homem fora da Natureza, de nas realidades haver dois mundos entre si separados — o da Natureza e o da cultura, como se o direito pudesse ser um fenômeno desta e não igualmente daquela.
2. Direito interestatal ou internacional
Assim ocorre com os círculos religiosos, morais, estéticos, jurídicos, políticos, econômicos, científicos, de moda, de linguagem. O processo social de adaptação jurídico (= direito como fato do mundo, como fenômeno, como "happening") apanha "porções" dos outros processos sociais de adaptação. E os mete dentro de si, dando-lhes o seu sentido próprio; man­tendo a estrutura típica do "valor" engastado, sem desfazê-la, acresce-lhe orientação nova no espaço físico e social — o do Direito. O novo suporte fático até então sem regra jurídica, agora fica sob a sua incidência. E o mesmo Direito, dada a natureza do homem, organiza-se funcionalmente em grupos de experiência (=vivência). De modo que os fatos jurídicos, pelo sabido até hoje, alojam-se em cinco classes. Uma delas é o negócio jurídico, cuja característica maior é a vinculação básica
da pessoa[11]. Bem, essa vinculação tanto pode dar-se entre dois indivíduos, como entre muitos, como entre dois ou mais gru­pos. O Estado é um desses grupos possíveis. Assim, dá-se, ocorre, existe no mundo real, o negócio jurídico entre Estados, dois ou mais.
Quando dois ou mais Estados firmam tratado, vinculam-se entre si. Exemplo, se um reconhece a filhos, ou a netos do outro, a mesma cidadania dos seus nacionais, o segundo aceita, ou se vincula em cláusula idêntica, ou em outra de interesse de parceiro. Tem-se aí um negócio jurídico entre dois Estados (com palavras sociológicas não jurídicas), entre duas Nações. Esse "ato" (em verdade um negócio jurídico) é de eficácia jurídica entre os pólos figurantes na relação básica, de que se irradiam direitos-deveres, talvez também pretensões-obrigações, ações e exceções. Certo, com o suporte fático de os dois Es­tados se vincularem, incidiu uma regra jurídica superior a ambos. Esta regra jurídica é, agora sim, de Direito das Gentes — a regra jurídica costumeira do pacta sunt servanda. O dito negócio jurídico (tratado) é negócio jurídico de Direito das Gentes. Mas a sua eficácia (a eficácia do próprio tratado trazido como amostra) não é norma de Direito das Gentes. Não se estende a sua eficácia sobre outros Estados, só aos figurantes. Só se irradiam direitos-deveres, talvez também pretensões-obrigações, ações e exceções para os figurantes, para aqueles dois Estados, não sobre os outros Estados da Terra.
De modo que se dissermos estar aí, atuante, o "direito internacional", o nosso conceito é dúbio. E, vejamos.
(I) O fato jurídico é internacional (rectius interestatal, entre Estados, nele figuram dois Estados). Mas (2) a sua efi­cácia não é "internacional", no sentido de ser uma norma (proposição normativa ou regra jurídica) a colher todos os Estados. (3) Nem é norma, ou seja, proposição normativa com eficácia de incidir sobre algum suporte fático, regrando-o. (4) Nem é "internacional", no sentido de colher qualquer outro Estado, afora os figurantes.
Bem por isso, a palavra "internacional", aí, nem pode significar fato jurídico do Direito das Gentes (a que se sujei­tem os demais Estados), nem pode significar uma fonte do direito objetivo superior aos próprios Estados signatários. Só é "internacional" (=supra-estatal) neste sentido: a formação daquele fato, como negócio jurídico, resultou da incidência de uma regra jurídica costumeira superior à vontade de todos os Estados. Ora, se temos de conceber essa regra jurídica como algo que está acima da vontade de todos os Estados, ela não é classificável como "internacional", mas sim como supra-estatal.
Logo, o tratado trazido como exemplo é internacional, interestatal. Mas, ele não é fonte de direito para todos Estados, não é norma de direito objetivo algum. Não está acima da vontade de todos os Estados, não é supra-estatal, não é fonte de Direito das Gentes. Nem todo fenômeno "internacional" é supra-estatal. Um tratado que alguns Estados celebrem é interestatal, mas pode não ser de eficácia supra-estatal: estará sob a incidência do direito objetivo supra-estatal. Regra jurí­dica do direito supra-estatal pode ser a do costume inveterado já absorvido como comportamento indispensável à comunida­de dos Estados, a do pacta sunt servanda, a da boa-fé, a relativa a outras necessidades imprescindíveis à vida-em-comum da maioria dos Estados.[12]
Aí reside a dificuldade e situa-se aí o maior desafio do intérprete dos "atos", ou "convenções", ou "tratados", ou "conferências" etc. que deixamos catalogados acima (item II deste trabalho): nesses "documentos" revelar o que é convencional (interestatal) e o que seja de Direito das Gentes (supra-estatal). Escusado encarecer a importância das conclusões certas e das erradas nessa matéria. Começa aqui a aplicação do sistema de Direito das Gentes para que seja melhor, ou não, a vida na Terra em termos jurídicos, acima da vontade de um Povo mais poderoso, ou de vários deles, com prejuízo para os direitos fun­damentais de mole imensa de seres humanos espalhados pelo Orbe.
3. Sociedade supra-estatal e Direito das Gentes ("direito internacional público")
Assim, parece ser aconselhável na terminologia jurídica falar-se em direito supra-estatal no lugar de "direito internacional público". E a velha terminologia "Direito das Gentes" (jus gentium) volta com van­tagem, em conceito mais claro, para indicar a supra-estatalidade. Ora, essas regras jurídicas são formadas pela experiência jurídica de todos ou pelo menos da maioria dos Povos. Isso de tal jeito que o resultado repetido e constante do comporta­mento venha, ainda que subconscientemente, a ser havido — ao menos pela maioria — como solução para a mesma situa­ção concreta ou suporte fático. Em outras palavras, o modo-de-ser repetido converte-se em modo-de-ser cuja prática é havida como necessária para todos. Generaliza-se, faz-se geral, como modelo a ser seguido, transforma-se em proposição normativa, conseguida esta indutivo-experimentalmente com o auxílio das ciências particulares.
E à velha indagação sobre o "fundamento" do direito supra-estatal (Direito das Gentes, "direito internacional públi­co") tem-se de responder que é a mesma de todo o processo social de adaptação a que chamamos Direito. O fundamento, a origem, o determinante do seu surgimento, é a necessidade de segurança extrínseca para alguns relacionamentos humanos, numerosos. Ora, essa necessidade é ditada pelas leis mais gerais da Natureza, anteriores à vivência do direito, anteriores ao aparecimento do próprio ser vivo. Abreviando: são as determinantes que os seres inteligentes conseguimos traduzir e formular pela Ciência, em leis físicas, biológicas e sociológicas, superando-se a concepção metafísica do "direito natural".[13]
4. A regra jurídica costumeira de Direito das Gentes e a sua revelação
O fato de se descobrir a regra jurídica costumeira é um fato da ciência, aqui, especificamente, da ciência do direito. Logo, tratados há de interesse bilateral ou plurilateral sem, contudo, ser de interesse geral dos Estados. Logo, cumpre ver em cada qual (1) quando surge só o conteúdo supra-estatal (regra jurídica de Direito das Gentes, ainda sem o suporte fático) e (2) quando já há o conteúdo convencional (fato jurídico negocial — o suporte fático mais regra jurídica).
Quando a regra jurídica incide, ela dá àqueles "atos internacionais" o sen­tido típico do direito, a saber, o sentido de ser o que é independentemente da vontade de quem entrou no suporte fático, ou de quem tenha edictado a regra jurídica correspondente. Mais: incide sobre todos os Povos (=Estados) independentemente de não terem sido signatários desses documentos. Aí está a segurança extrínseca, que define com precisão o direito, diferençando-o dos demais processos sociais de adaptação: religião, moral, artes, política, economia, ciência.
Uma vez localizada, isolada, examinada com segurança indutivo-experimental uma recomendação, por exemplo, de interesse geral dos Estados no campo da ecologia, na preservação do meio-ambiente, teremos de ter com ela toda a cautela. Verificado que seja um modo de ser indispensável à vida dos Estados, estaremos diante de uma possível regra jurídica de Direito das Gentes existente e vigente. Tal a hipótese de já estar men­talmente gerada pela maioria dos Estados como comportamen­to necessário à sobrevivência de todos, ou da maioria deles.[14] Outra coisa é quando, em algumas consciências, a ciência aponta certo comportamento como medida necessária para a vida geral, mas ainda não se deu a sua percepção (nem sequer por adaptação inconsciente nem por aceitação passiva) pela maioria dos Estados. Neste caso, ainda não se converteu em regra jurídica costumeira, ainda não passou do processo cien­tífico de adaptação social para o processo jurídico adaptação social ("direito"). É regra de jure condendo — convém a sua edicção para passar a integrar-se no sistema jurídico geral, de todos, para ser uma regra jurídica de Direito das Gentes.
IV Traços exegéticos da "Charter of the United Nations" como adminículo para a inteligência dos vários tratados celebrados entre 1972 e 1992
Não é tratado a Carta das Nações, e sim edicção de normas de direito "universal", "direito mundial", "direito ter­ráqueo", Direito das Gentes, direito supra-estatal. Complexo de regras jurídicas que incidem sobre qualquer suporte fático, a que elas aludem. Todo o seu núcleo é de necessidades vitais para o conjunto dos Estados da Terra.
Estas proposições, sabe-se, são de cunho controvertido. Ao estudioso cumpre expor a solução que o convença, e criticá-la incessantemente pelos métodos amadurecidos da ciência (indução-experimentação). E mostrar por quê. Aos argumentos vamos, pois, inda que brevemente.
O que for convencional nos "atos" celebrados entre 1972 e 1992, mas que contrariar a Carta, é cláusula negocial inválida perante o Direito das Gentes.[15] A Carta é espécie estranha a negócio jurídico plurilateral. As pessoas jurídicas de direito supra-estatal reúnem-se para deliberar sobre estabelecimento de regras jurídicas de convivên­cia. A matéria vai a essa assembléia dos Estados, presente a maioria deles, como vão projetos de lei a um congresso intra-estatal: com o fito de se votarem regras de convivência. O resultado é, logo, a ediçcão de normas. Outra vinculação inexiste de caráter negocial, com cláusulas a atarem pontos entre os figurantes, com algo de toma-lá-dá-cá. Acha-se ausente qual­quer vestígio de sinalagmaticidade. Faltam, de todo em todo, as determinações inexas (conteúdo de termos, de cláusulas negociais, de condições em sentido estrito).[16]
Votou a maioria das pessoas jurídicas de Direito das Gentes, presentes quase todos os Estados da Terra. Nada foi introduzido contra a regra jurídica costumeira pacta sunt servanda, ou a da boa-fé, ou contra necessidades básicas exigidas pela Vida (bem ao contrário foi o que se passou). Note-se a circunstância fundamental de a palavra pacta ter de ser interpretada em sentido amplo. Aproxi­madamente no imperfeito de J. J. Rousseau, "contrato social". Pactum é aí, repetimos, a aceitação obrigatória de normas inci­dentes sobre todas as situações em que figure algum Estado, qualquer deles. Como seja um conjunto de regras jurídicas esta­belecidas por todos, ou pela maioria, indispensável é que se entenda ser para todos a aplicação dela. Os instintos-inteligências de todos ou da maioria conceberam-nas como técnica de convivência social necessária em função da vida melhor de todos. Essa necessidade imposta pela "natureza das coisas", pelas relações sociais entre os Povos, é a geratriz dessas normas universais, rectius, supra-estatais. Dita-as a Natureza (natura rerum), determina-as a estrutura biossociológica dos seres humanos na convivên­cia sobre a amplitude do orbe.
Assim está no art. 4° ("obrigações contidas na presente Carta e que, a juízo da Organização, estiverem aptos e dispos­tos a cumprir tais obrigações"). A despeito desse "aptos e dispostos a cumprir", verdade é — mostram os fatos e as necessidades sociais — que não há Estado escapo à sua inci­dência absoluta. E o Preâmbulo mesmo traz explicitude bas­tante nas suas proposições. Quem atender aos trechos que vamos sublinhar, logo haverá de convencer-se de estar a imensa maio­ria dos Estados da Terra a tutelar a satisfação de necessidades biossociologicamente indispensáveis para a vida prosseguir. Benefício de todos, necessidade insopitável de todos, bem necessário à vida de todos e de cada qual.[17] Resolveram, deliberaram todos esses Estados, em votação, traçar normas sobre elementos essenciais à vida em comum na Terra. Assim, as proposições "reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser huma­no", e mais "estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fon­tes do direito internacional possam ser mantidos," ou ainda "nossos respectivos Governos, por intermédio de representan­tes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida for­ma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas", são proposições claras, repetimos, sobre o conteúdo da Carta — é uma edicção de regras jurídicas.
Nesse Preâmbulo, o que só é interpretável como negocial é a instituição mesma da "organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas" que, esta sim, passa a ser constituída mediante elementos negociais com relação à sua estruturação interna. Esses elementos constitutivos são regras de organização. Mas, por estabelecerem situações fáticas de vinculação básica, de que se irradiam as quatro eficácias de direitos-deveres, pretensões-obrigações, ações-(sujeições) e exceções-(abstenções), nesses numerosos pontos sim, repetimos, a Carta é negócio jurídico de Direito das Gentes. Estão esses elementos negociais, e só eles, sob a incidência da velha regra costumeira pacta sunt servanda. Também esta é de Direito das Gentes. Explicitou-se em forma de proposição racional. Mas nasceu da convivência dos Povos, da natura rerum.[18] É indiferente a ausência de um que outro Estado ou daquele que, embora presente, porventura não tenha querido aderir. Não é próprio do fenômeno jurídico a unanimidade. Ele é fato social com grau três de dominação. Maior, portanto, que a dominação imposta pela moral (2), pela estética (1) e evidentemente pela convicção da Ciência (próxima de zero). As regras jurídicas então traçadas, aos Estados do mundo todo passou a obrigar neste exato sentido: onde figurem em algum suporte fático sobre que elas incidam, estarão colhidos por essas regras. São elas as que vão dar sentido jurídico aos fatos sociais, aos quais elas fazem alusão. É irrelevante eventual relutância do Estado colhido no dito suporte fático. Dentro da nova sistemática, a luta contra a incidência é à toa, inane. Fica inelutavelmente definido o fato jurídico, mesmo contra a vontade dos mais fortes dentre todas essas pessoas jurídicas de Direito das Gentes.
Outra coisa será a frouxa aplicação ou a alta intensidade de infringência. Esta questão não é de existência da regra, nem da sua validade. Diz respeito à sua efetividade, ao seu baixo grau de observância.
A baixa efetividade pode, verdade seja, acarretar a revoga­ção pelo costume.[19] Ao intérprete incumbe revelar se certa regra jurídica de Direito das Gentes, que incida sobre os "atos internacionais" (como os surgidos no período 1972-1992), é apenas de baixa efetividade, ou se já chegou ao ponto de estar revogada pelo costume do mesmo Direito das Gentes.
V Palavras finais
Importa sobretudo saber, assim no campo teórico como na atividade prática, se tudo quanto ocorreu entre Estados de 1972 a 1992, em matéria de ecologia (ou em qualquer outro campo da experiência jurídica), terá sido edicção de regras jurídicas que se inseriram no sistema do Direito das Gentes (=direito supra-estatal), ou se apenas os Estados se vincularam entre si ("internacionalmente") com elementos negociais ou convencio­nais. Ou: quais os pontos onde se identifica uma regra, ou um negócio jurídico?
No primeiro caso, quais são as novas regras jurídicas, se elas estão em vigor, qual é o seu alcance? Na segunda hipótese, como se têm se interpretar as cláusulas desses negócios jurídicos plurilaterais.
Eis a depuração tipificadora da função do exegeta e do intérprete (do jurista).
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Referências bibliográficas
ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de direito internacional público. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991, 430 p.
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO — UNIVERSIDADE FEDE­RAL DE MATO GROSSO. http: //www.projekte.org/ meioambiente99 /tema02/melo/text
MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional pú­blico. 12 ed. rev. aum. 2 v. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Os novos direitos do homem. Rio de Janeiro: Alba, 1933.
—. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1979.
—. Os fundamentos actuaes do direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1932.
—. Comentários à Constituição Brasileira de 1967, com a Emenda 1/69. 6 tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo I, 1970.
—. Sistema de ciência positiva do direito. 2 ed. 4 v. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.
—. Introdução à sociologia geral. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980.
—. Subjektivismus und Voluntarismus im Recht. Sonderdruck aus Archiv für Rechts — und Wirtschaftsphilosophie, Band XVI, Heft 4, Berlin-Grunewald, 1921.
—. Tratado de direito privado. 60 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, tomo I — 1954; tomo III — 1970.


[1] Trata-se de capítulo inserto no livro DERANI, Cristiane, COSTA, José Augusto Fontoura (org). Direito ambiental internacional. Santos: Leopoldianum, 2001.
[2] Ver INSTITUTO DE EDUCAÇÃO – UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO. http://www.projekte.org/meioambiente99/tema02/melo/txt.html
[3] Foi rápida a resposta do Brasil. Em 30 de outubro de 1973, o decreto 73.030 da Presidência da República instituiu a Secretaria Especial do Meio Ambiente — SEMA, primeiro organismo brasileiro, de ação nacional para a gestão integrada do meio ambiente. Exsurgiram dela estruturas que continuam, muitas delas, até hoje. Estabeleceu-se o programa das estações ecológicas (pesquisa e preservação), embora a SEMA tivesse sido originariamente concebida como agência de controle de poluição. O professor Nogueira-Neto à frente da SEMA, legou-nos, segundo eminentes especia­listas, a maior parte do que temos atualmente na área ambiental. A sua atuação leva-o a dirigir muitas delegações oficiais brasileiras em encontros internacionais. Outorgou-se-lhe prêmio Paul Getty, a mais alta honra mun­dial no campo da conservação da natureza. Integrou a comissão Brundtland ("Our common future", de que mais abaixo damos notícia — nota de n. 6).
[4] Pensamos ser proveitosa a distinção entre "direitos humanos" na sua concepção correntia e "direitos do homem" em percepção sociológica mais precisa. Nesta incrustam os cinco direitos do homem, na notável explicitação de Pontes de Miranda — à subsistência, ao trabalho, à educa­ção, à assistência e ao "ideal". Leia-se-lhe por exemplo: Os novos direitos do homem. Rio de Janeiro: Alba, 1933 (todo) e Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 485-515.
[5] Segundo especialistas, houvera o proponente White Jr. Concebido o cristianismo, num dos seus livros, como a mais antropocêntrica das reli­giões da história.
[6] Em 31 de agosto, é sancionada no Brasil a lei n.º 6.938 (política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação). Consubstancializa importante instrumento de consolidação da po­lítica ambiental no País. Por outro lado, organiza o governo federal o Programa Polonoroeste, a abranger Rondônia e áreas de Mato Grosso. Em apenas dois anos foram destruídos aqui dois milhões de hectares de florestas nativas. Produziu-se, como é notório, um dos mais graves conflitos fundiários (e sociais) do País. Aliás, o Banco Mundial, quadra reter, foi acusado internacionalmente de ter financiado a maior catástrofe ambiental dos nossos tempos.
[7] Foi presidida por Gro Harlem Brundtland, primeira ministra da Noruega. A obra respectiva, Our common future, Oxford/N. York: OUP, 1987, foi traduzida e publicada pela Editora da Fundação Getúlio Vargas, com a 1ª edição em 1988. Ver COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum, 2ª ed. RJ: Ed. da FGV, 1991, 430 p.
[8] Em 22 de fevereiro, edita-se no Brasil a lei 7.735, publicada no DOU de 23 de fevereiro. Cria o IBAMA, com a finalidade de formular, coordenar e executar a política nacional do meio ambiente. Compete-lhe a preservação, conservação, fomento e controle dos recursos naturais renováveis em todo o território nacional, além de proteger bancos genéticos da flora e da fauna brasileira, e estimular a educação ambiental nas suas diferentes formas. O IBAMA fundiu em si os antigos SEMA, SUDEPE, SUDHEVEA e IBDF.
Em junho, a Sociedade Brasileira de Zoologia relaciona as 250 espé­cies animais em extinção no Brasil (eram sessenta espécies até 1973).
[9] Estamos a listar neste pé de página uma série, em ordem alfabética, de "Atos Internacionais" que são, quase todos eles, negócios jurídicos. Ora o são só internacionais — entre dois ou mais Estados —, ora propriamente de Direito das Gentes, logo, com eficácia jurídica sobre todos os Estados da Terra. São, claro está, os de conteúdo de direito ambiental localizados historicamente entre 1972 e 1992. O Brasil, logo se vê, é figurante em muitos desses negócios jurídicos apenas internacionais. Tem-se então o con­junto seguinte, que é também de portais ("sites") da Internet: I) Acordo de Alcance Parcial de Cooperação e Intercâmbio de Bens Utilizados na Defesa e Proteção do Meio Ambiente — Brasil/Argentina (1992); 2) Acordo para a Conservação da Flora e da Fauna dos Territórios Amazônicos — Brasil/Peru (1975); 3) Acordo para a Conservação da Flora e da Fauna dos Territórios Amazônicos da República Federativa do Brasil e da República da Colômbia (1973); 4) Acordo Constitutivo do Instituto Interamericano para Pesquisa em Mudanças Globais (1992); 5) Acordo de Cooperação Amazônica entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República da Colômbia (1981); 6) Acordo de Coopera­ção Amazônica entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República Cooperativista da Guiana (1982); 7) Acordo de Cooperação da Área de Meio Ambiente entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos Mexicanos (1990); 8) Acordo de Cooperação entre o Governo do Brasil e o Governo do Uruguai para o Aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimen­to da Bacia do Rio Quaraí (1991); 9) Acordo Internacional de Madeiras Tropicais (1994); 10) Acordo de Pesca entre Brasil e Argentina (1967); 11) Acordo de Pesca e Preservação de Recursos Vivos entre o Brasil e o Uruguai (1968); 12) Acordo para a Promoção Turística da América do Sul Subscrito entre Brasil, Argentina, Bolívia, Colômbia, Chile, Equador, Paraguai,
[10] Ver dos longos estudos de Pontes de Miranda, entre outros, Os fundamentos actuaes do direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1932, p. 259 ss; Comentários à Constituição Brasileira de 1967, com a Em. 1/69. 6 tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo I, 1970, p. 29 ss.; Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed. 4 v. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, v. II, p. 246ss., v. IV, p. 296 ss e Introdução à sociologia geral. Rio de Janeiro: 2ª. ed., Forense, 1980, p. 238 ss.
[11] Ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 60 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, tomo I, 1954. p. 3-36, 74-116; tomo III, 1970, p. 3-318.
[12] No mesmo sentido, aproximadamente, ver ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de direito internacional público. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 25-31. Note-se, contudo, pensamos, que (a) a dificuldade de se aplicar a regra jurídica de Direito das Gentes (mormente na execução de julgados) apenas mostra a baixa efetividade dessa regra, não a sua não-existência ou não-incidência (contra, mesmo autor, ibidem, p. 27; (b) é perturbadora a invocação do clássico "direito natural" (metafísico), conceito a ser vantajo­samente substituído pelo científico de "exigência da Natureza", revelada indutivo-experimentalmente pelas ciências particulares todas, incluída a so­ciologia, e não a priori pela razão (contra, mesmo autor, ibidem, p. 23/24). É jusnaturalista também a posição de MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12ª ed. rev. aum. 2 v. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 144/146.
[13] Ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição Brasileira de 1967, com a Em. l/69. 6 tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo I, 1970, p. 83, 89 e 91; Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed. 4 v. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, v. I, p. 75-99 (a naturalidade de todo fenômeno jurídico), p. 187-228 (sobre o cunho sobremaneira bioló­gico da adaptação social de toda espécie); v. III, p. 37-317 (sobre o fenômeno jurídico, do inorgânico ao técnico); v. tomo V, p. 207-234 (sobre a escala das fontes do direito e da exegese); ainda: Subjektivismus und Voluntarismus im Recht. Sonderdruck aus Archiv für Rechts- und Wirtschaftsphilosophie, Band XVI, Heft 4, Berlin-Grunewald, 1921, p. 522-543 (sobre qualquer processo exegético supra-subjetivo).
[14] Caso recente é o de os EUA se recusarem a assinar a Conferência de Kyoto. Qualquer conteúdo dele que for necessário, segundo a ciência, à preservação da biota (aí incluído em sentido amplo o Homem), inclui o direito à vida, tutelada pelo Direito das Gentes (como na Carta das Nações Unidas — Preâmbulo, segundo parágrafo; art.I°, 3 —, na Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. III). Esse Povo está a infringir o Direito das Gentes, a cujas sanções se expõe na exata medida (de difícil mas não de impossível revelação) em que as "cláusulas" do dito Tratado incluir situações (valores) indispensáveis à boa qualidade de vida atualmente na Terra. Tal o caso do art. 3, inc. I: "As Partes incluídas no Anexo I (1023 bytes) devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no "Anexo A" Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no "Anexo B" e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012."
Assim, se a Ciência aplicada demonstrar que os EUA, nas suas atividades econômicas, estiverem a pôr em risco a vida dos demais Povos, é sem qualquer efeito jurídico a sua recusa em não diminuir o CO2 para níveis sofríveis. Cuida-se de uma exigência da Natureza na linguagem da física, da química, da biologia, da sociologia. Está sob a incidência do Direito das Gentes a despeito de não ter assinado a Conferência de Kyoto.
[15] Estudo de grande interesse, pensamos, é sobre o caráter de "Cons­tituição Mundial" (=de Direito das Gentes) que possa ter a Carta das Nações, com mais a Declaração dos Direitos Universais do Homem, além de outras regras jurídicas fundamentais. Pode eventualmente encontrarem-se regras jurídicas de tal modo indispensáveis à convivência dos Estados na Terra que se tenham de ter por "constitucionais". A conseqüência é notável — teríamos padrão normativo perante o qual se torna possível precisar se é valida alguma outra regra jurídica superveniente (também ela de Direito das Gentes), ou se valem cláusulas negociais de negócios jurídicos de Di­reito das Gentes (convenções internacionais em sentido estrito).
[16] A palavra "condições" é lida cerca de vinte vezes. Porém em sentido atécnico, no vulgar: meios, recursos, situações favoráveis. Idem quan­to à Declaração Universal de Direitos do Homem, de 1948 ("condições de vida", "condições de trabalho").
[17] Eis o texto: "NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS, a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.
E PARA TAIS FINS, praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.
RESOLVEMOS CONJUGAR NOSSOS ESFORÇOS PARA A CONSECUÇÃO DESSES OBJETIVOS. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização inter­nacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas."
[18] Temos de acautelar-nos, quadra insistir, contra a confusão entre "direito natural" (o da filosofia clássica, mormente escolástica) com a "na­tureza das coisas". Nesta (natura rerum) não surte efeito o apriorismo da razão, que, expressão da vontade de Deus, serve de guia seguro para as condutas (= “direito natural”). Da estrutura das coisas, por lógica material, se extrai proposição indicativa da relação "necessidade humana X meios de satisfação". A extração é proposição indicativa que se pode converte em proposição normativa. Será regra jurídica acertada por atender à estrutura das situações (natura rerum).
[19] Parece claro — acreditar que "lex a moribus non revogatur" é fé contrária aos fenômenos do Direito.

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