quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

ALGUNS PONTOS DA FILOSOFIA CIENTÍFICA DE PONTES DE MIRANDA

Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).
Palavras introdutórias.
O presente escrito é parte de livro ainda sobre preparo cujo título será Comunismo, Capitalismo e Solidarismo técnico. O tema central do trabalho é a suma importância de se acertar com teoria do conhecimento de bases e desenvolvimento precisos, exatos e seguros. A vantagem de tal teoria é chegarmos com ela a nível menos deletério de erronias em determinar "aquilo que a coisa é", em formar conceitos acertados, em diminuir a vaidade intelectual e em obtermos proposições menos refertas de desvios intelectuais.
Capítulo 1) As mentalidades cíclicas.
Com análise dos movimentos do espírito humano na História despontam três momentos cíclicos de tendência intelectual no esforço de conhecer. São as “três mentalidades”, que se externam como diferentes modos de pensar a realidade. “Cíclicas” porquanto são fases que não desaparecem; nem o vigorar de uma, causa o desaparecimento das outras duas. Coexistem. Mas em certas épocas pode ocorrer a preponderância de alguma delas.
A primeira é o empirismo, a segunda o racionalismo e a terceira é a ciência ou positividade (não se confunda com positivismo). Não se queira ver aí eventual réplica ou imitação aproximativa das três fases comteanas. No empirismo o espírito prende-se ao particular, ao singular, ao individual. Não se alça a generalizar a fórmula ou lei dos fenômenos por faltar-lhe confiança no que não seja imediatamente experiencial. Já se vê ser mentalidade proveitosa por sua segurança, objetividade, facticidade. Denota-se-lhe contudo desde logo a insuficiência para conhecer a complexidade do mundo, entrelaçado de meandros minuciosos, densos, complexos, difíceis, por modo tal que se possa apanhar algo de geral. E, sendo geral, dedutível, torna-se instrumento de previsibilidade dos fenômenos. Sem se preverem fatos, não se pode intervir inteligentemente na matéria social. Ter-se-á sociologia de mero deleite intelectual. Curiosidade vã, se não for proveitosa como indicativa de melhores caminhos para a vida.
Já no racionalismo (segunda mentalidade cíclica), a característica maior é o salto não autorizado para as generalidades. Patina facilmente por essências subtis, atraentes pela sua clareza formal. Inebria o espírito com o aceno da sua firmeza “científica”, sob a espécie (aliás envaidecedora) de profundidade e de lógica. Ama as abstrações. E termina por perder-se no emaranhado delas. Percebe-se quão perigoso instrumento é — apesar de inútil no tocante ao valor efetivo das suas construções cognitivas, feitas de especulação (espelho) e de elucubração lógico-formal. Perigoso porque põe como verdade o que não é, rigorosamente, conhecimento. Apresenta por proposição confiável (exata, precisa, segura) o resultante metafísico de “opinião”. Aparentemente, axioma indiscutível derivado de raciocínio apodítico. No fundo, porém, hipótese sobre hipótese, sem verificabilidade: fé e estética, a substituir conhecimento.
Não é difícil prever como resvala facilmente para a retórica, ou para a ideologia (síntese, generalizações, cosmovisão), para o despotismo com a impositividade dos seus axiomas.
A terceira mentalidade é a de indução-experimentação, a mentalidade científica. Agarra-se aos fatos tão fortemente quanto possível — conhecimento físico-matemático. Mas, longe do positivismo, é fato tudo quanto é cognoscível — qualquer relação, por mais subtil, “adelgaçada”, espiritual e “mística” que ser possa. Sem apriorismo (racionalismo) e sem sensismo (empirismo). Trabalha com os fatos, extrai “essência” (jeto), constrói com as essências, ainda as mais “finas”, que correspondam ao mundo (objetos e jetos). Alcança o geral, a “lei”, mas, com a cautela de submeter-se ao “dado” real, a cada passo. Sobe devagar, mas sobe. Sem o patinar enganoso da recreação racionalista. Atende cuidadosamente à descritividade. Não atropela o fato, não o rodeia. Aproxima-se dele, debulha-o minuciosamente. Não perde de vista os conjuntos, os “bolsões”, os círculos de preponderâncias reais. Enxerga o máximo... possível. Refuga a afirmação hipostasiante. Resigna-se a afirmar o conhecido. Enquanto for hipótese, trabalha com ela, sem contudo substantivá-la).
E não é só. O respeito da mentalidade científica para com as realidades é tal que cada generalização (lei) é constantemente conferida com os fatos novos, e retificada quando for de mister. Ou interpretada segundo o novo conteúdo, colocando os jetos (“essências”, “espécies” "aquilo que a coisa é") no real com nitidez e precisão máximas, com a descritividade) quantitativa, sempre que possível. Não se pense, apressadamente, tratar-se de nominalismo. Não — o jeto é, e existe. A essência é real: "aquilo que a coisa é".
Em resumo: a mentalidade científica começa com dados e volta-se frequentemente a eles para progredir com segurança. Isto é conhecer. Provém da mentalidade mais vizinha ao método indutivo experimental, o caminho, a via, o método consciente de colher as finuras e as expansões do real da Natureza.
Capítulo 2) Método indutivo experimental (ciência)
Depara-se-nos em PONTES DE MIRANDA, no conjunto assoberbante da sua obra, assim quantitativa como qualitativamente, um gênio da 3ª mentalidade — o apreço ao real, ao fato, ao conhecimento progressivo e seguro à cata de jetos precisos, reconstruindo com precisão o real, com quase incrível imparcialidade, subtileza, lógica, nitidez, profundidade e completude.
Não podemos deixar de assinalar essas características — sem qualquer intuito laudatório, de enorme desvalor —, para chamarmos a atenção do leitor sobre a natureza não ideológica deste nosso trabalho, em que se procurará, em ligeiro resumo, expor o pensamento ponteano sobre o tema capitalismo-comunismo, cuja importância ninguém pode negar.
Prescindindo da estupefação causada pelo estudo metódico da obra ponteana, de que a jurídica é apenas parte (difícil de destacar-se como a mais importante, ou a mais profunda), resta assinalar que PONTES DE MIRANDA foi um dos “fundadores” do método científico, isto é, do método indutivo-experimental. Já aqui há um refinamento consciente, crítico e reflexivo, da 3ª mentalidade cíclica (científica), assentando “a pari passu” os marcos e as pedras do seu caminho, maduramente pensado, com a ajuda de todas as ciências particulares. É conquista da filosofia científica, com retoque derradeiro de toda aquisição segura e precisa de cada uma das ciências particulares[1].
Note-se, como característica geral, que a observação, indução e experimentação (método indutivo-experimental, método científico) é o método da sociologia ponteana. É o mesmo caminho lógico com que ele percorre qualquer temática social. Não se poderia — é claro — excluir o tema que brevemente ora nos ocupa: uns poucos dados de análise do capitalismo e do comunismo.
A observação mais enriquecida da experiência dos saberes acumulados serve-se de todo meio válido. Sem unilateralidade, interessa no seu tanto a análise matemática (a estatística, a lógica simbólica). A física, a biologia (nesta a psicologia, com a psicanálise), a História. Não se afasta a parapsicologia, desde que conferíveis os seus resultados. Positividade não é sinônimo de sensismo e está muitos anos à frente do positivismo à la Comte. A indução é a laboriosa (dolorosa mesmo) extração de jetos e a construção jetiva, que se apresenta, por fim, sob a forma de proposições (qualquer que seja a linguagem — a caminho aliás de uma pasigrafia, ainda que assintoticamente). E a experimentação é o contínuo voltar-se do espírito aos fatos, às relações sociais, ricamente munido de universais (jetos) mas sem lhes emprestar formalismo absoluto, de liberdade omnímoda em relação aos fatos (relações, real cognoscível). Porque a proveitosidade vital do conceito está no seu concerto interior (exaustão acertada das “essências”) e na sua correspondência com o exterior, com o não subjetivo (“colocação” acertada dos jetos ou "essências"). A descrição aperfeiçoada do jeto (= “essência”) exige exame detido de cada novo objeto (ou mesmo jeto) a fim de se verificar a sua consentaneidade recíproca. Isto é experimentação, com que se retificou, sem descontinuidade, a captação exata, precisa e nítida (acertada enfim) da realidade.
Ora, tudo isso é como trabalhou o espírito de PONTES DE MIRANDA na cata de dados e na explicitação de conclusões da sua obra toda. Inclui-se aí a sociologia e, partícula dela, o tema capitalismo-comunismo.
Capítulo 3) (su)jeito. (ob)jeto e jeto.
Nós aspiramos à verdade. É próprio da vida. Mas pela instrumentalidade da Ciência (digamos assim) só pudemos, ao menos por ora, chegar a “verdades”, proposições verdadeiras. E mesmo assim enriquecíveis, retificáveis, melhoráveis na sua adequação com o real. O método ponteano é, na análise do processo de conhecimento, o rigorosamente descritivo. Entrou em regiões novas do real, da relação cognoscitiva. Daí a palavra nova — jeto —, com que retificou a noção de “ essentia”, de “universale” com que Tomás de Aquino já retificara a Aristóteles [2].
O jeto é a "quididade" que se extrai do objeto ao prescindirmos mentalmente da individualidade concreta (ob), e da particularidade do ser cognoscente (sub) e da própria consciência da relação entre a quididade e o objeto, ou entre ela e o sujeito (a relação é o hífen de –ob e de sub–). O mais imediatamente prático — se assim se pode dizer —, no interesse do nosso assunto é o seguinte. Temos de poder ver mais do que só cada caso (empirismo). Nem nos são proveitosas para a vida as construções quase-ocas com que erigimos, jogando livremente com os conceitos (abstrações mal localizadas, deslocadas no sujeito e nos objetos) — racionalismo —, catedrais sociológico-metafísicas.
Note-se que a discursividade com conceitos universais é, exteriorizada, a própria retórica que quadra bem à estética e à filosofia clássica. Mas é inverificável; e, pois, um nada ou quase nada para a ciência. Não é conhecimento seguro, exato, preciso, nítido. Poderá ter — e geralmente tem — poderosa força motriz. É ideologia, cujo conteúdo pode ser religioso, moral, estético, político, jurídico e econômico. Às vezes converte-se em moda. Ora, todos esses processos culturais são processos sociais de adaptação. Sem dúvida. Mas são força, e não “luz” pura, indicatividade, objetividade imparcial, conhecimento confiável; numa palavra — Ciência.
É enorme a congérie bibliográfica em filosofia e sociologia. Quem pode, hoje, acompanhar facilmente tão variada produção? Mas, não é tão amplo o arco das obras filosóficas e sociológicas de genuíno conteúdo científico. Aí elas rareiam, desertas por vezes certas livrarias, refertas de tratados, teses e de monografias discursivas.
Pois é justamente no requinte agudo, minucioso e amplo do método indutivo experimental que se notabilizou a obra ponteana. O seu proveito é enorme, para se enxergarem com clareza os problemas e se apontarem soluções. Cuida-se, digamos em síntese, de se eliminar até ao ponto ótimo a série dos espelhos pessoais. Cumpre aos estudiosos responsáveis arrancar a escória das franjas subjetivas. Por outro lado, atingir o máximo das similitudes entre os seres. Tudo para se colher e calcular, onde ela estiver, a lei “das coisas” e obter "aquilo que a coisa é". Para tanto é necessário o método rigoroso, aplicado com exatidão ao conhecimento aprofundado do estado atual de todas as ciências. Requer-se estudo pormenorizado da natureza, desde a microfísica à astronomia (teoria da relatividade) [3]. A pesquisa no processo de sensação, de conhecimento, das adaptações sociais revela as mais profundas necessidades dos seres humanos: a produção social do critério ultrassensível de cosmovisão e convivência (Religião), a produção social do critério refinado de dignidade da espécie humana (Moral), a produção da experiência de harmonia e equilíbrio energético do “universo” (Estética), a produção do direito no equacionamento dos problemas e no traçado da mais curta solução deles (Direito), a produção social dos critérios de distribuição e deslocamento evolutivo dos centros irradiadores de poder dentro do sistema social (Política), a produção social dos critérios organizatórios mediante a apropriação de utilidade material (Economia).
A ciência sociológica é o mais vasto dos conhecimentos. Ao menos até agora. Quem diz ciência sociológica diz pesquisa incessante sobre as leis lógicas, matemáticas, físicas e biológicas, mas, indutivo experimentalmente descobertas (não “inventadas”). Estão elas à base do fenômeno social. É como se pode conhecer, efetivamente conhecer, o homem, ou seja, com o mínimo de hipóstase e de afirmações hipotéticas, ou meramente opinativas, casuais, lotéricas.
Somente o vigoroso e nítido conhecimento, com mais o fecundo (mas preciso) enriquecimento jetivo, *propiciará solidamente o caminhar imparcial e firme pelos meandros complexos da sociologia. O cálculo matemático estará à base do pesquisador, se aberto a todo o real, Sem ser com os olhos fitos nessa base, base indispensável à Ciência, não se pode ter ideia, ainda que apenas aproximativa, da suscitação ponteana dos problemas, e da indicação das suas soluções.
Capítulo 4) Os níveis de ser e de abstração.
Eis aí mais um traço da obra ponteana que temos de frisar para erguermos-lhe a armação, definindo campos. É natural que a exposição haverá de ser a voo de pássaro, como dizem.
Em rápidas linhas, percebe-se que do mais simples ao mais complexo de realidade, do mais vazio ao mais cheio, do finíssimo ao espesso, do jeto “mais geral” ao jeto “mais particularizado” (digamos), há a ascensão em conteúdo do ser e, inversamente, a decida em abstração: 1) relações ser-ser (epistemologia); 2) relações de quididade (lógica), relações de número (aritmética), relações de espaço (geometria), relações de tempo (cinemática), relações de matéria-espaço-energia (física e cosmologia), relações gerais de vida (biologia), relações de pensamento (psicologia), relações de grupos (sociologia). Aproveitando-se as descobertas de Mach, de Einstein e outros, temos de afirmar: o real é o espaço-tempo-energia [4]. Mas a energia não é só a energia física. Não se entende a realidade sem ser a realidade conhecida pelos seres humanos. Fora da realidade conhecida só existiria uma realidade[5] sem qualquer sentido. Por impessoal que o conhecimento seja (a esse conhecimento impessoal tendemos, sim, mas assintoticamente), ele será sempre o nosso conhecimento. O conhecimento de que dispomos e disporemos é produzido em nosso espírito. O jeto nosso é o jeto vindo de fora, é certo; mas passa a ser penetrado em nós. Assim é em relação às ideias de “matéria” (em sentido amplíssimo), de ser, de real.
O real tem pois — sempre — as dimensões reais que lhe tome a tessitura do nosso ser. A concepção de espaço e de tempo é impregnada indubitavelmente pela relatividade geral de Einstein. Há mais, porém: essa relatividade é ainda mais geral do que pensou Einstein[6], porque por nosso sistema nervoso central passam as nossas concepções todas, sendo que ele recebe as influências não apenas da energia material (em sentido estrito) mas das energias oriundas das relações sociais. A contactuação do tipo religioso produz nos seres humanos uma classe de energia diversificada daqueloutra que se produz no processo moral de adaptação social. Ocorre o mesmo, e reciprocamente, no que tange às energias estéticas, científicas, jurídicas, políticas e econômicas. Têm-se aí as sete energias sociológicas mais importantes na conformação ou plasmação dos seres humanos; outras energias humanas há, importantes, mas menos importantes como fatores de mudança social. Nossos conhecimentos físico-matemáticos relativizam-se em função dessas n dimensões, no seu movimento combinatório geral [7].
A sociologia apresenta as relações mais densas, complexas, ricas em conteúdo. São as “mais completamente reais” neste momentum do Espaço-Tempo-Energia. Isto não significa serem irreais as relações mais abstratas: as da física, da cinemática, da geometria, da aritmética, da lógica, da epistemologia. Nestas há um adelgaçamento da natureza correspondente. Os jetos são nelas progressivamente mais finos, mais abstratos, mais gerais. Contudo, quando corretamente colhidos pelo espírito, reais são. Não há lugar para o realismo ingênuo, nem para o nominalismo, nem para o idealismo [8].
Cumpre entretanto frisar serem mais dedutíveis as ciências dotadas de maior abstração porque elas estão simplificadas. Embora seja mais perigosa esta classe de conhecimento, de todo modo quanto mais abstrato for, mais exata será a colocação dos jetos — são realidade também por guardarem nesgas da natureza, de foram extraídos. É comum uma geometria estabelecida “a priori”, sem o correspondente físico. É o caso típico justamente da geometria euclidiana. Não pode haver escolha livre de geometria. Tem-se, em verdade, a geometria aceitável, ,isto é, que as energias reais, extramentais, permitirem. O real é que determina as formas, e é com tal cautela que há de trabalhar o espírito para não cair no racionalismo estéril — vazio e oco de realidades. Em sociologia ter-se-ão as soluções que a matéria social permitir. Terá de seguir este método o conhecimento científico da vivência religiosa, o conhecimento científico da moral, o conhecimento científico do direito, a ciência sobre a beleza (Estética, Artes), e a respeito da política e da economia. Assim será para qualquer ciência social.
É o campo energético de cada sistema social que determina no espaço-tempo a solução de cada momento. Estas proposições verdadeiras não elidem outro fato: que podemos influir na Natureza com a inteligência.
Advirta-se também. Não se pode dizer ser tudo “absolutamente relativo”. De modo algum a Ciência autoriza o ceticismo. É justamente a “natureza das coisas” que cria a confiança em soluções acertadas e no progresso na ciência. De mister atendemos a que os diferentes "níveis de ser" — do mais abstrato (lógica) ao mais concreto (sociologia) revelam a possibilidade cautelosa de conhecimento seguro também das relações sociais; por exemplo, na descoberta de soluções jurídicas precisas, de sugestões morais seguras para algum círculo social (pequena comunidade a ser educada, ou grande como o Estado mesmo). Donde a expectativa de medidas políticas exatas, como na feitura de leis ou na correção das regras jurídicas vigorantes.
Há, pois, segundo o método indutivo experimental bem desenvolvido por Pontes de Miranda, a efetiva possibilidade de política científica e de direito científico, ambos de muita eficácia social tão esperada pelo Povo. E de grande alcance para o estudo dos regimes políticos e econômicos, como os defeitos do capitalismo e os do comunismo[9].
Quanto mais conseguirmos ver as relações sociológicas "fisicalizadas", "matematizadas" e "logicizadas", mais precisão e nitidez obteremos sobre as relações sociais do ser humano. Assim vai ser, pois, com os ramos de conhecimento geral e minucioso das principais ciências sociais — Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e da própria Ciência ao se criticar.
É de suma relevância o cálculo das energias sociológicas. E o trato das questões sociais mediante a lógica material é de molde a afastar ilusões, especulações, escórias pessoais, subjetividade. Mais à frente veremos como o princípio da determinação única possibilita a ciência, sem embargo da relatividade geral de Einstein e da relatividade mais geral ainda — que é a de PONTES DE MIRANDA (as energias sociológicas, de n dimensões).
Capítulo 5) O indivíduo é “instinto-e-inteligência”.
Este é mais um ponto da filosofia ponteana a exigir algum lembrete nesta exposição perfunctória da ciência sociológica, em que se entrosa o tema desde ensaio breve ensaio. É interessante observar que essa “dualidade unitária” de instinto-e-inteligência é ideia que Pontes de Miranda desenvolve em obras que ele próprio classificou como de literatura [10]. Não deixam porém de ser de conteúdo filosófico, mais a gosto aliás dos que amam o discorrer “filosófico”, de preferência à aridez do pensamento científico, mesmo em capítulo tão fundamental à filosofia como é a gnosiologia. Esta é fundamental, aliás, a toda obra científica. Para livrar-nos de enganos, tanto quanto é possível fazê-lo, é rigoroso sabermos exatamente como é que pensamos, e como é possível e necessário pensar. Esse pensar é um pôr-se em relação (su)jeito-(ob)jeto, para havermos a reconstituição da relação original jeto-jeto, ser-ser — a amplitude máxima desta relação original é que constitui a realidade espaço-tempo-energia. Original ela é porque preexiste aos atos humanos de sentir-pensar.
Estes atos humanos vão a pouco e pouco descobrindo, revelando (não constituindo, criando) o conjunto imenso dessas relações originais. Desde quando os atos humanos de conhecer começaram a aplicar-se o método indutivo experimental, teve início a caminhada pelas vias da ciência positiva (conhecimento do que já está posto, antes de ser pensado).
Já no instinto o que há é um saber automático, reflexo. Responde a perguntas feitas outrora, na história da vida, que talvez tenha começado na dimensão mecânica do animal homem[11]. É a energia na forma de impulsos, de força, inconsciente no seu iniciar-se. Constitui parte grande do ser humano. É o homem, embora o ser humano não seja só instinto. Por ser "força" (energia), não poderia a sociologia desconhecer o instituição ou minimizar-lhe a importância. Correria o grave risco cognitivo de armar equações sociais talvez explosivas, sem poder enxergar saídas para o saber (inteligência, "razão").
A sabedoria da inteligência é a habilidade em das respostas a problemas atuais. Caracteriza o ser humano, enriquecido (a mais que o bruto) com a capacidade de indicar. O “index” (o dedo indicador) foi o primeiro sinal de o Homem ser, ser o que hoje é. É a tipicidade histórica do ser humano. O “index” foi determinado, na sua aparição, pela assembleia ou agrupamento de seres humanos. Foi o grupo — em outras palavras — que fez o homem, e não “e converso”. O homem é deformação, informação e conformação da convivência. Tal convivência é a grossa compactude de energias várias, em incessante interação. A convivência nem foi isótopa nem foi homogênea no espaço-tempo-energia. É como no mundo exterior a nós (no qual somos): há os bolsões de energia. Desiguais. Atente-se aqui para as maiores unidades até hoje conhecidas: os conglomerados de galáxias. Parece não haver sistemas mais vastos, no universo, curvo [12]. Os sistemas menores, mínimos (que pareciam ser os do átomo), ainda não sabemos ao certo quais sejam. Os “quarks” são os menores, hoje conhecidos. Seja como for, o fato é que os sistemas de agrupamentos humanos seguem as mesmas regras fundamentais, isto é, de círculos estatísticos de energia. Círculos mais ou menos insulados, a sua contextura energética vai variar de um para outro. Não é outra a causa de haver diferentes tempos sociais: é porque ele varia segundo a função da matéria social. Neste mais pesada, naquele mais inerte; naquele mais rápida e naqueloutro — pensemos no preponderantemente econômico —, será vertiginoso mesmo o dito tempo social.
A sabedoria da inteligência realiza obra admirável: a da mentalidade mais alta, ou seja, a da Ciência. A ciência tem quase zero de despotismo e de inércia, com a grande vantagem de iluminar a visão do interior e do exterior. É instrumento de progresso dos seres humanos, no conhecerem-se e no explorarem o universo em suas multíplices virtualidades. É dimensão de todos homens. Todos conhecemos. Todos precisamos saber mais. As energias sociais são permutadas pelos círculos sociais entre si. A ciência tende a crescer. Essa energia necessita de espaço para localizar-se. Quando não se atende a isso em sociologia, comete-se repressão. Comprime-se energia. O resultado é perigoso porque toda a repressão de energia força algo, é violência contra algo. A Física mostra que a determinada ação corresponde reação em sentido contrário de igual valia. Podemos ver isto com os olhos da inteligência, e influir conscientemente no concerto das energias sociológicas. A temática capitalismo-comunismo pode e deve ser iluminada com estes aspectos e com estes inspectos (dimensões) do real: espaço-tempo-energia de n dimensões. As dificuldades encontradas por ambos estes regimes, vemo-lo hoje mais claramente, não podiam deixar de exsurgir. No capitalismo o indivíduo é havido como intocável pela assembleia, ocupando esta, como que por tolerância e mera suportabilidade, uma função secundária. Logo, o pensamento de crescimento em menos desigualdade social é recebido como um anátema. De outro lado, no socialismo (o marcado pelo marxismo tradicional), exacerba-se o papel social do grupo ou assembleia por temor dos males do individualismo capitalista. Daí o conflito capital x trabalho[13].
Voltando ao campo da teoria científica conhecimento, temos de dizer que a própria filosofia que se apartasse do contexto sociológico, correria o risco de isolar-se artificialmente. “Libertar-se-ia” erroneamente do real efetivo, fugindo da realidade extramental, perdendo-se. Seria exercício lógico de abstrações ocas, fugidias, inadaptáveis ao real- físico. Tais abstrações são irreais e, pois, falsas.
Síntese e conclusões
Desde que se levem em conta as pesquisas do gênio brasileiro, F. C. Pontes de Miranda, parece certo faltar sobretudo aos estudiosos do século XXI o empenho em aprender e aplicar o método indutivo experimental aos seus misteres intelectuais. Os livros e artigos estão prenhes de "filosofia" no sentido clássico e estéreis em conhecimento preciso, seguro e exato — da ciência positiva, do exame dos fatos, fatos com que se confiram as teorias nas quais se põe .
Isto é muito perceptível nos estudos da sociologia, seja a geral seja a das ciências particulares, como é o conjunto dos estudos jurídicos, tanto em "doutrina" como também na jurisprudência de todos os nossos juízos e tribunais.
Bibliografia e referências
(1) De Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda
A sabedoria da inteligência. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio.1960.
A sabedoria dos instintos. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960.
Anarchismo, communismo, socialismo. Rio de Janeiro: Editores Adersen, s.d.
Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.
Direito á educação. Rio de Janeiro: Alba, 1933.
Epiküre der Weisheit, München, 2ª ed., 1973, .
Introdução à sociologia geral,: Rio, 2ª edição, Forense, 1980.
Meditações anticartesianas in R.B.F., vol. XXXI, fasc. 121, 1981.
O Problema Fundamental do Conhecimento, 1972, 2ª ed., Borsói.
O sábio e o artista. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960.
Princípio da relatividade gnosiológica e objectiva in Revista do Brasil, vol. XVII, abr./ago. de 1921, págs. 387-394 e
Raum-Zeit-Materie [atente-se para Introdução à Sociologia Geral, 2ª ed., 1980, p. 71, nota 3]. Sistema de ciência positiva do direito, 2ª ed., 1972, Borsói.
Vorstellung vom Raume. Atti del V Congresso Internazionale di filosofia. Napoli, 1925.
2) De outros autores
AMOROSO COSTA, Manuel. Introdução à teoria da relatividade, Rio, Sussekind de Mendonça, Rio de Janeiro, 1922; segunda edição: Editora da UFRJ, 1995.
GLEISER, Marcelo: O cérebro determina o que é real? — In Folha de São Paulo, 13.11.2011, Caderno "Ciência".
RUSSEL Bertrand: “ABC da relatividade, Z. Editores, 2ª ed., R. J., 1963.
[1] Cumpre lembrar que o método indutivo experimental desenvolvido no campo sociológico e especificamente no jurídico — que tanta estupefação causou a europeus e americanos — foi tema de obra de 1922: “Sistema de Ciência Positiva do Direito”, Borsói; em 2 tomos (ver páginas XI do tomo I da 2ª edição, de 1972, que é de 4 tomos).
[2]O Problema Fundamental do Conhecimento”, 1972, 2ª ed., Borsói, págs. 130-140.
[3] Sobre a importância da teoria da relatividade na epistemologia ver a nota 1, acima. Também PONTES DE MIRANDA, “Princípio da relatividade gnosiológica e objectiva” in “ Revista do Brasil”, vol. XVII, abr./ago. de 1921, págs. 387-394 e “Meditações anticartesianas” in R.B.F., vol. XXXI, fasc. 121, 1981, págs. 3-13.
[4] Veja-se do mesmo Pontes de Miranda, “Introdução à sociologia geral”, 1979, 2ª edição, Forense, págs. 60-70. Aí está, pelo menos parte, da “Vorstellung vom Raume” — ver nota 1, acima.
[5]Raum-Zeit-Materie” é trabalho de Pontes de Miranda, de publicação restrita, que temos em vernáculo. Atente-se para “Introdução à Sociologia Geral”, 2ª ed., 1980, p. 71, nota 3.
[6] Este é o tema de “Vorstellung vom Raume” — nota 1, acima —, correção, ou complementação feita a A. Einstein, que a aceitou expressamente. Note-se que Pontes de Miranda e Einstein foram amigos chegados, desde a passagem do grande físico pelo Rio de Janeiro por volta de 1920.
[7] O nosso próprio organismo, de que dependem nos seres humanos o pensar e o sentir, altera-se continuamente porque "Trilhões de neutrinos vindos do coração do Sol atravessam nossos corpos a cada segundo", como afirma o físico brasileiro, professor nos EUA, Marcelo Gleiser: O cérebro determina o que é real? — In Folha de São Paulo, 13.11.2011, Caderno "Ciência".
[8] Na demonstração de Pontes de Miranda, E. Husserl não conseguiu, ele próprio, livrar-se de idealismo persistente — “O problema fundamental do conhecimento”, 1972, 2ª ed., Borsói, p. 111-117.
[9] Sobre este assunto. de Pontes de Miranda vejam-se Anarchismo, communismo, socialismo. Rio de Janeiro: Editores Adersen, s.d.; Direito à subsistência e direito ao trabalho. Rio de Janeiro: Alba, s.d.; Direito á educação. Rio de Janeiro: Alba, 1933; Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979..
[10] Vejam-se “Sabedoria dos Instintos” e “Sabedoria da Inteligência”, em “Obras Literárias”, edição de luxo, ambas vertidas por PONTES DE MIRANDA ao alemão em “Epiküre der Weisheit”, München, 2ª ed., 1973, págs. 7-168.
[11] O aspecto mecânico da adaptação jurídica é — parece-nos — a dimensão mais profunda do exercitar-se do espírito no processo incessante da série adaptativa geral. Veja-se “Sistema de ciência positiva do direito”, 2ª ed., 1972, Borsói, tomo III, págs. 63-104.
[12] Veja-se B. Russel, “ABC da relatividade, Z. Editores, 2ª ed., R.J., 1963, págs. 159 seg. e Amoroso Costa, “Introdução à teoria da relatividade”, Rio, 1922, págs. 69 seg.
[13] Notável trabalho de Pontes de Miranda sobre esta matéria está na obra Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.

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