segunda-feira, 9 de abril de 2012

SESQUICENTENÁRIO DA CRIAÇÃO DOS CURSOS JURÍDICOS NO BRASIL

SESQUICENTENÁRIO DA CRIAÇÃO DOS CURSOS JURÍDICOS NO BRASIL
Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo)



I — No Brasil todo.
ORIGENS
A independência do Brasil surtiu notável sentimento de amor aos valores culturais do novo Estado e da nova comunidade, liberta. Du­rante a primeira Constituinte, exatamente no dia 14 de junho de 1823, ergueu-se a voz do paulista Jose Feliciano Fernandes Pinheiro, que depois seria o Visconde de São Leopoldo. Preconizava ele, mediante projeto de lei, a criação de uma universidade na província de São Paulo.
Era o lançamento da primeira ideia, primeira fecunda semente. Martim Francisco de Andrada introduziu modificações no projeto do Visconde de São Leopoldo. Esse projeto, já melhorado, recebeu novas modificações até que o deputado paulista Francisco de Paula Souza Melo o apresentou na Câmara em 08.08.1826. Propunha-se a criação de dois cursos jurídicos — um em São Paulo e um em Olinda.
Com mais algumas emendas, surgiu a lei de criação do primeiro curso jurídico nas terras do Brasil. Foi a lei do dia 11 de agosto de 1827.
Antes de nomeados diretor e professores, na Academia de São Paulo foi preenchido o cargo de porteiro e sineiro por Luis Carlos Godinho. O sineiro Godinho anunciou a abertura dos cursos, tangendo alegremente o sino da igreja de São Francisco, no dia 1º de março de 1828.
COMEÇOS
No dia lº de março de 1828 às 4 horas da tarde abriu-se a sessão inaugural: na Sala Numero 2, presidia aos trabalhos de início do ano letivo o primeiro diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o Tenente-General José Arouche de Toledo Rendon. Seguiu-se imediatamente a aula do primeiro professor nomeado, José Maria de Avelar Brotero, doutor em direito pela Universidade de Coimbra, regente da cadeira de "Direito Natural".
Durante 40 anos Avelar Brotero foi o catedrático daquela maté­ria, girando seus ensinamentos sobre a tese da existência de juridicidade onde houvesse comunidade humana. A ciência de então não havia chegado, evidentemente, a perfeição com que hoje se pode vê-la, com base na matemática e na filosofia científica, nas páginas profundíssimas de um F. C. Pontes de Miranda [1]. A ciência ponteana, ainda pouco entendida, revela-se a cada dia o ponto culminante da ciência mundial. Uma das grandes descobertas do enorme jurista brasileiro é a de ser o direito uma parte especializada da sociologia e de, no direito, se realizarem os mesmos encontros de linhas e os mesmos movimentos energéticos daquilo que se descreve na Física. Dai chamar-lhe ao Direito de Física Social.
O começo da ciência jurídica brasileira não chegara ainda tão alto, como tampouco em nenhuma parte do mundo. O estudo do di­reito era então, e haveria de ser por muitos anos — como ainda é hoje na Universidade de São Paulo — inçado de racionalismo, do que se chama na Alemanha de "Jurisprudência de conceitos", misturado às influências escolásticas e retóricas.
Não será desacertado afirmar que nesse ponto, os estudos jurídicos do Brasil ainda não progrediram muito nas universidades, apesar da extensíssima e profundíssima produção científica do ex-estudante da Faculdade de Direito do Recife, que grande número de mestres põe de lado, como autor difícil, complicado, inacessível e...  inútil!
Em verdade é mais fácil e mais aparentemente brilhante manejarem-se com virtuosidade e elegância os conceitos abstratos, caleidoscopicamente burilados pela lógica formal aristotélico-tomística, do que empenhar-se o observador na extração indutiva, precisa, humilde, rigorosa, de enunciados verdadeiros segundo a lógica material, obediente por inteiro a sugestão segura dos fatos, atendo-se somente a ela para com ingente esforço de penetração e de análise das relações sociais e com bons conhecimentos da natureza, descobrir os poucos princípios científicos do direito. Depois, revelar pacientemente, sem pressa de generalizações, a construção da única ciência do direito — que possa verdadeiramente chamar-se Ciência.
GRANDES VULTOS
Se, por um lado, a verdadeira ciência do direito ainda não recebeu nos cursos jurídicos do Brasil — como em poucos cursos jurídicos do mundo todo — incremento digno de nota, o entusiasmo de alunos e professores, a influência da literatura e da política, fez despontar entre nós valores paralelos. Para circunscrevermo-nos à Facul­dade de Direito do Largo de São Francisco, basta recordar o movimento liberal carregado de civismo, em que sobressaem as personalidades de Castro Alves, Rio Branco, Joaquim Nabuco, Ruy Barbosa, Afonso Penna, Rodrigues Alves, Olavo Bilac, Pedro Lessa, Reynaldo Porchat, Frederico Steidel e outros muitos.
Nesse aspecto é de justiça reconhecer o grande valor que a Faculdade de Direito de São Paulo representa no interesse pela dimensão jurídica da realidade social, na literatura e na política brasileiras, ainda nos dias de hoje. Também em momentos difíceis de grandes mutações sociais desde o movimento abolicionista até os dias que passam.
DISSEMINAÇÃO
Os cursos jurídicos no Brasil forjaram personalidades notáveis na nossa história política. Formaram mentalidade de apego à liberdade, à democracia e à própria justiça social, três dimensões essenciais ao crescimento de um povo [2].
O ser vivo apresenta unidade. A vida social do ente humano tem os mesmos traços característicos da biologia geral e da própria física. É de ver-se que a integração dos sete processos principais de adaptação, mediante influências recíprocas, haveria necessariamente de dar-se conforme a natureza mesma das coisas. A vivência jurídi­ca intensificada em todo o Brasil pela criação dos cursos específicos, pelo prestígio das universidades, pelo aumento de escolas, pelo aprofundamento variado dos estudos, influiu — como se vê da nossa his­tória — na política, na arte, na economia, na moral pública, na religião e na própria ciência. Foi evidentemente benéfico o incremento dado aos cursos jurídicos com que se aumentou a saúde social da comunidade.
A Constituição Brasileira de 1891 resultou em parte das ideias políticas e econômicas trazidas pela abolição da escravatura, pela proclamação da República e pelo impulso interior de liberdade, que a independência selara e a formação jurídica inflamou, dando-lhe mesmo contornos mais precisos. Tudo isso a despeito de — como já se frisou — ainda faltar muito de preciso, rigoroso, exato, seguro, científico enfim, no ensino e correspondente aprendizado do direito. Ao método racionalista preponderante nas nossas universidades coloca-se em antítese a mentalidade empirista, tão encontradiça nos processos (razões, contra-razões, pareceres, sentenças, acórdãos).
O método empírico é mais seguro porque se agarra ao fato sin­gular. Mas, por ficar demasiadamente preso ao caso concreto, não permite facilmente o despegar-se da ciência, a generalização das linhas e dos pontos efetivamente semelhantes que se podem gnosiologicamente expressar em enunciados gerais [3].
O método racionalista, dedutivo vai ao oposto do empirismo. Lança-se ao ímpeto das generalizações, apressadamente. Supre aparentemente a necessidade de segurança do ser vivo na adaptação social e individual, mediante o rigor da lógica. O defeito inerente ao racionalismo está em não ir, humilde, paciente e vigorosamente à realidade concreta, em todos os seus ângulos, e anfracturas, em todas as suas dimensões, internas e externas — no exame detido, minucioso, exato, das relações sociais, dos pesos matematicamente encontrados, das energias em interação incessantemente relativizadas, apreendidas com precisão laboratorial; são estes os métodos e instrumentos do pesquisador da natureza (Naturforscher) [4].
Dai o brilho fácil do conceitualismo, do abstracionismo, do dedutivismo, do escolasticismo, do racionalismo. Esse método clássico é perigoso, pela aparência de segurança que a lógica dos conceitos apresenta, apartada da obediência rigorosa a realidade das relações sociais. Desse método pseudocientífico a retórica é um passo só, a que se assiste diariamente em aulas, artigos e peças processuais.
O que se deve esperar, no aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e não somente no Brasil, é a superação da posição empirista e da mais perigosa posição racionalista, por meio do método da ciência positiva (= conhecimento daquilo que está posto mais fora da mente).
Se não sobejam os que se dediquem ao método científico nas universidades, em contraposição temos no Brasil, aventuradamente, obra de cientista pátrio em que não atinamos se espanta mais a extensão, ou admira antes a incrível erudição, ou ainda se se impõe sobretudo a notabilíssima profundidade e precisão.
De qualquer modo, temos entre nós, aqui desenvolvida, e com jubilosas repercussões no Exterior, a estupenda maravilha que a verdadeira Ciência desvenda.
A expectativa é de que nossos cursos jurídicos sejam cada vez mais sadios, enchendo-se de Ciência.

II - Em Santos — OS VINTE E CINCO ANOS DA FACULDADE CATÓLICA DE DIREITO
Quando o País comemora, como um primeiro esboço de universidade, a criação do seu primeiro Curso Jurídico na cidade de São Paulo, há um século e meio, a Cidade de Santos festeja um quarto de século de sua primeira Escola Superior, também um Curso Ju­rídico, a Faculdade Católica de Direito, arauto também de uma universidade, hoje em processo de reconhecimento [5].
Das origens dessa insigne Escola de Direito são os dados abaixo transcritos.
1.    Autorização e reconhecimento
O decreto federal de autorização nº 31.134 e de 15 de julho de 1952, há exatamente 25 anos. Teve origem no Proc. nº 85.698/51, do Conselho Nacional de Educação, e nos Pareceres nº 163 da Comissão de Ensino Superior, e nº 164, da Comissão de Estatutos, Regulamentos e Regimentos, ambos de 20/06/52. O decreto federal de reconhecimento nº 38.107 data de 20/10/55.
           2.         Instalação
A sessão solene de instalação realizou-se no Salão Nobre da Faculdade, a 23 de novembro de 1952, presidida pelo governador do Estado de São Paulo, prof. Lucas Nogueira Garcez, com a presença do cardeal arcebispo de São Paulo, dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, e de dom Idílio José Soares, bispo diocesano de Santos, fundador da Escola e presidente da Sociedade Visconde de São Leopoldo, que declarou instalada a Faculdade.
3.        Primeiro Corpo Docente
Os primeiros professores foram aprovados pelo Parecer nº 163/52, do Conselho Nacional de Educação, homologado pelo Ministro Cândido Motta Filho; tomaram posse de suas cadeiras na mesma sessão de instalação. Foram os seguintes, todos já falecidos:
 Archimedes José Bava — Introdução à Ciência do Direito
 Nicanor Ortiz — Teoria Geral do Estado
  João de Freitas Guimarães — Direito Romano
 Olavo de Paula Borges — Economia Política,
 José da Costa e Silva Sobrinho — Direito Civil
  Antônio Ezequiel Feliciano — Direito Penal
 Adhemar Figueiredo Lyra — Direito Constitucional
  Flávio Barbosa Amaral — Ciência das Finanças
 Cyro de Athayde Carneiro — Direito Civil
 Flor Horácio Cyrillo — Direito Comercial
 Derosse José Oliveira — Direito Penal
 Mário Faria — Direito Internacional Público
 Carlos Pacheco Cyrillo — Direito Administrativo
 Paulo de Tarso Rodrigues — Direito Civil
 Paulo Junqueira — Direito Comercial
 Ruy Azevedo Sodré — Direito Social
 Antônio Ablas Filho — Medicina Legal
 José Antônio A. Amazonas — Direito Judiciário Civil
 Antônio Cezarino Júnior — Direito Civil
 Lincoln Feliciano da Silva — Direito Judiciário Civil
 Benedito Noronha — Direito Judiciário Penal
 Luiz Antônio Gama e Silva — Direito Internacional Privado
4.        Primeira Diretoria
Na mesma data da Sessão de Instalação realizou-se a primeira reunião da Congregação dos professores para eleição dos cargos administrativos, que ficaram assim providos:
Diretor: José da Costa e Silva Sobrinho;
Vice-Diretor: Flor Horácio Cyrillo.
Conselho Técnico e Administrativo:
Cyro de Athayde Carneiro
Adhemar Figueiredo Lira
João de Freitas Guimarães
Nicanor Ortiz
Archimedes José Bava
Carlos Pacheco Cyrillo.
 * * * * * * * * *


[1] Veja-se  Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, por toda a  obra.
[2] Sobre esta tríade fundamental leia-se de Pontes de Miranda Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.
[3] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. O problema fundamental do conhecimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, também passim.

[5] Redundou na atual "Universidade Católica de Santos" (UNISANTOS).

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