quarta-feira, 13 de abril de 2011

FOZ DO IGUAÇU, LABORATÓRIO DO MUNDO e TRÍPLICE FRONTEIRA..

(1) FOZ DO IGUAÇU, LABORATÓRIO DO MUNDO

Prof. José Afonso de Oliveira.
professor de sociologia da UNIOESTE, com especialização em sociologia, educação ambiental e história. Professor de sociologia na União Dinâmica de Faculdades Cataratas - UDC; professor de História da Secretaria Estadual de Educação do Paraná, mestrado  na mesma Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE - campus de Foz do Iguaçu.


Resumo

Com o atual processo de globalização em andamento, a cidade de Foz do Iguaçu apresenta-se com toda uma série de inovações que sinalizam os novos dias que estamos vivendo, apontando para as novas realidades sociais que estão surgindo. Ao passarmos de uma sociedade industrial para uma do conhecimento, onde o processo de acumulação de capitais transita da produção de bens para a criatividade e inovação de produtos no mercado, novas relações sociais são estabelecidas, originando novas vivências sociais. Tudo isso é, além de muito recente, difícil de se analisado, dado o pouco ou quase nenhum conhecimento que se detém sobre o assunto. A ideia do presente artigo é justamente abrir portas para discussões/reflexões mais aprofundadas sobre essas novas questões que estão sendo colocadas através das vivências na cidade de Foz do Iguaçu.

Palavras chave: globalização – identidade – sociedade

PRIMÓRDIOS DE FOZ DO IGUAÇU

Desde o final da Guerra do Paraguai, em 1870 até o final do Império Brasileiro em 1889 houve intensa discussão sobre a questão da fronteira do Brasil com o Paraguai. A decisão final foi pelo povoamento e assim, parte do Rio de Janeiro para Guarapuava tendo como destino final a Foz do rio Iguaçu um destacamento militar para a instalação de uma Colônia Militar nessa região, limítrofe com o Paraguai.
Nela estará presente o militar piauiense, José Maria de Brito que tendo chegado à região nela vai permanecer até o final de sua vida. Participando da expedição militar de instalação da mencionada Colônia Militar, José Maria de Brito narra com detalhes o que foi essa verdadeira epopeia em região de pleno sertão, com animais ferozes, índios sem qualquer contato com os civilizados. (Brito, 2005).
Vamos encontrar narrativa semelhante quando o historiador paranaense Rocha Pombo escreve também dissertando sobre o que ele denomina como sendo os sertões paranaenses. Afirma que neles está o futuro do Paraná, mas até então escassamente povoado  (Pombo, 1980).
Esse pequeno núcleo de povoamento, vivendo em função da Colônia Militar do Iguassu e também de um pequeno comércio com o Paraguai e a Argentina que dará inicio à atual cidade de Foz do Iguaçu. Esta vai surgir, oficialmente, através de sua criação por decreto estadual de 10 de junho de 1914, quando da extinção da Colônia Militar.
Isolada no interior, terá contatos muito mais fáceis com a Argentina e o Paraguai do que com o restante do Brasil. Prova disso é que a moeda de circulação, em Foz do Iguaçu, provinha dos países vizinhos o que demonstra claramente a influência e ligação deles com os primeiros moradores da cidade (Warchowicz, 1987)
Esse isolamento e princípio do crescimento de Foz do Iguaçu só será quebrado com a construção da Ponte da Amizade, ligação entre a atual Ciudad del Este, no Paraguai e Foz do Iguaçu, no Brasil. Decorrente desse fato o asfaltamento de uma rodovia ligando Assunção ao porto de Paranaguá.
Mas é com a construção da hidrelétrica de Itaipu nas décadas de 70 e 80, do século passado que a cidade vai começar a ter o seu atual perfil, decorrente também de seu adensamento populacional.
Podemos então perceber que a população de Foz do Iguaçu cresce lentamente nesses seus primeiros momentos que, vão dos finais do século XIX até mais ou menos a segunda metade do século XX.
O isolamento é fator decisivo para esses fatos, bastando perceber que em 1973 a cidade já tinha 34.000 habitantes mas, no ano seguinte, com a instalação da Itaipu Binacional e o inicio das obras de construção civil da hidrelétrica, a população dá um salto para 134.000 habitantes. Há evidente, um inchamento da cidade, não havendo como acomodar toda essa população que repentinamente chega à cidade. Resolver essas carências será um dos problemas enfrentados pela Itaipu no inicio dos seus trabalhos.
Podemos dizer que após essa obra, de alguma forma, a cidade é inserida na modernidade brasileira, não parou mais de crescer, dada uma série de fatores propiciadores para essa realidade que vai sendo construída.

REGIÃO ESTRATÉGICA

Em 1954, na Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, o coronel do Exército, Golberi do Couto e Silva realiza uma série de conferências que, posteriormente serão publicadas em um livro com título sugestivo “Geopolítica do Brasil” que só teve uma edição. Nele, referido militar aborda as questões referentes à região de fronteiras do Brasil, mais especificamente no Cone Sul, dimensionando a sua importância para o futuro do Brasil.
Mas Golberi é adepto das teorias geopolíticas da escola alemã que procedem do determinismos geográfico de Ratzel passando pela Teoria do Espaço Vital que embasava todo o plano estratégico alemão na época do nazismo. O denominado III Reich estava assentado, na sua política de expansão de fronteiras, exatamente nessa teoria geopolítica que tantos danos vai causar, incluindo a Segunda Guerra Mundial.
Mas Golberi tem a ideia de que era preciso reforçar a política brasileira, contrapondo-se á sua rival argentina, no sentido de dominar toda a região do Cone Sul. Para isso era mesmo fundamental ter o Paraguai, como sendo aliado brasileiro, de sorte a neutralizar a posição da Argentina e, posteriormente, dominar toda a região para a politica brasileira.
Quando na década de 70 tanto o Brasil, quanto a Argentina são governados por ditaduras militares, os ânimos serão mais acirrados no momento em que, a partir de 1974 com a assinatura do Tratado de Itaipu, Brasil e Paraguai se aliam para a construção da maior hidrelétrica do mundo, nas fronteiras firmadas pelo Tratado da Amizade de 1970.
Isso será realizado em função da crise internacional do petróleo, em pleno governo Geisel que tem como chefe do Gabinete Civil o general Golberi do Couto e Silva. Portanto, sem a menor sombra de dúvida, era esse o momento ideal para colocar em prática a estratégia brasileira no Cone Sul, de sorte a ter aí uma presença muito bem fundada.
Evidente que a construção de Itaipu vai gerar uma verdadeira guerra, ao menos de palavras, com a Argentina. Nesse sentido, importante personagem da época, Oscar Camilion assim se pronunciava em artigo no jornal Clarin, transcrito pelo O Globo de 25/03/1973:

“Um aspecto decisivo dos problemas bilaterais enfrentados hoje por Brasil e Argentina é provocado pela maneira como nossos vizinhos impulsionam seus desenvolvimento econômico.
Esta política, na hipótese inaceitável de a Argentina permanecer estagnada, produziria um desequilíbrio fatal a longo prazo e nossa segurança estaria exposta a uma ameaça talvez incontestável. Porém, isso só aconteceria se houvesse um inconcebível fracasso da Argentina como nação. O que devemos é analisar os problemas que geram o crescimento do Brasil e a falta de uma resposta adequada da Argentina.
É certo que o problema chegou hoje a um ponto que de pouco vale lamentar a ineficiência do passado. Esse ponto é prático e, ademais, bem claro. Não há dúvida de que a Argentina de pleitear com toda energia seu direito como Estado membro da Bacia e ribeirinho do Paraná. Basta somente pensar que o projeto de Itaipu, que será o maior do mundo, se estabelecerá a menos de 20 quilômetros da fronteira argentina para que os direitos nacionais surjam com toda evidência. Esta proximidade é, desde logo, só um dado efetivo, mas que serve para dramatizar algo absolutamente claro: a Argentina não pode aceitar que uma obra construída águas acima de um rio, em parte se torne impossíveis outros aproveitamentos águas abaixo. Deve ficar fora de dúvida a compatibilidade técnica, por exemplo, dos projetos de Itaipu e Corpus, assim como nosso país tem que concretizar, se mais delongas, a realização de Apipé-Yaciretá.
Mas, este problema, que é fundamentalmente bilateral entre os dois países  e que ocorre à margem do tipo de Governo existente em cada um – se algo houve de contínuo no Brasil nos últimos 20 anos foi a política hidrelétrica -, tem que ser encarado de maneira racional, isto é, negociando e obtendo o que se deve fazer: um aproveitamento multinacional de um rio multinacional. Não se poderá conseguir nem pela via da denúncia estridente nem pela que em certa ocasião pretendeu a chancelaria argentina quando impôs o dispositivo diplomático da Bacia do Prata orientado para colocar travas aos projetos brasileiros, enquanto não adiantávamos os nossos. O tempo cumpre é enquadrar a discussão dentro dos adequados marcos técnicos. Depois, a toda marcha, negociar diplomaticamente e com todo rigor nossos direitos nacionais, que são tecnicamente incontestáveis. Simultaneamente, com efeito, decidir por em marcha os projetos argentinos.
Este é um problema diplomático sério porque envolve também a decisão em prol do desenvolvimento econômico. Uma política que vise apenas pronunciamentos efeitistas levará ao fracasso. E o fracasso consistiria num imenso projeto controlado pelo Brasil a um passo da nossa fronteira, à margem de qualquer possibilidade de aproveitamento argentino da região, e que operaria como um incontrolável polo de sucção todo o norte do nosso país. Aqui as decisões urgem e nem sequer cabe esperar que o novo governo se encarregue de sua conclusão para que as coisas fiquem claras. A Argentina deve encarar com realismo e seriedade, em todos os níveis da diplomacia regional e internacional, uma decisão tecnicamente adequada, a que o Brasil só pode opor, embora não o digam seus diplomatas, velhos esquemas geopolíticos caros a certos setores do Itamarati. Este problema só se esclarecerá na medida em que resulte claro para ambas as partes que o desenvolvimento econômico nacional de cada um não prejudica o outro nem, portanto, será obstaculizado por este”.(DUARTE Pereira, Osny pags. 126 à 128)
Evidente que os desacordos com a Argentina foram superados e a hidrelétrica de Itaipu é hoje uma realidade já com mais de 25 anos de funcionamento, não trazendo maiores problemas para a economia e sociedade do país vizinho..
Mas a construção civil da hidrelétrica e a instalação de equipamentos trouxeram dois fatos novos para a cidade: 1) Um adensamento populacional muito significativo, proveniente de todas as regiões do Brasil e 2) Um corpo técnico, altamente sofisticado, que vai exercer um grande poder na cidade, chocando-se com a estrutura tradicional da cidade, causando alguns problemas de menor gravidade.
De qualquer forma esse fato é irreversível e a cidade perde suas feições tradicionais e acanhadas para buscar outras dimensões e maior amplitude.

PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO

Entendendo que o processo de globalização nada mais é do que a afirmação do mercado agora como ente global que extrapola fronteiras nacionais, Foz do Iguaçu é exatamente colocada no centro de toda essa transformação.
Na medida em que o livre comércio no Paraguai, em Ciudad del Este é ampliado a vizinha, Foz do Iguaçu serve de porta de entrada para milhares de consumidores, provenientes de todas as regiões do Brasil.
Favorecidos pelo Plano Real que sobrevaloriza a moeda nacional, produtos não tributados no Paraguai e procedentes do mundo todo, passam a ser o alvo preferencial para o consumo dos brasileiros.
Será esse um fluxo intenso, forte, projetando a cidade de Foz do Iguaçu em todo o Brasil como um local de passagem, rumo ao Paraguai, ficando delineado um perfil de certa impunidade, contravenção, enfim de ilegalidade em todo esse comércio de fronteiras.
De outra forma empresas brasileiras tem em Foz do Iguaçu entrepostos para exportação de seus produtos, principalmente para o Paraguai. Algumas áreas da cidade são destinadas a esse comércio exportador, onde os valores dos imóveis passam a ser sobrevalorizados em moeda estrangeira, no caso o dólar norte americano.
O comércio interno da cidade se ressente, face à grande concorrência com o mercado paraguaio e, até certo ponto também com o comércio de Puerto Iguazu, na Argentina, claro que em escala bem menor e mais especializado em produtos nacionais da Argentina.
Em Foz do Iguaçu tem inicio um processo de concentração comercial com o surgimento de grandes supermercados que se instalam, desarticulando antecessores e propondo novas práticas comerciais.
Há aqui curiosidades como oscilações de políticas econômicas tanto sentidas no Brasil, quanto na Argentina e no Paraguai. Assim, conforme é mais conveniente, fazemos compras, mesmo de gêneros alimentícios e de primeira necessidade, naquele país que naquele momento possa oferecer mais vantagens. Era comum encontrarmos supermercados lotados de paraguaios ou argentinos, o mesmo ocorrendo nos países vizinhos, em determinados momentos, bastante pontuais.
Mas o que importa também é verificar que Foz do Iguaçu começa a delinear um perfil econômico fortemente baseado no turismo e no setor de hotelaria, com todos os atendimentos possíveis e necessários para essa área econômica.
Podemos dizer que a cidade vai crescendo exatamente no setor de prestação de serviços, inicialmente nas áreas de turismo, hotelaria, comércio em geral para evoluir, posteriormente para outras atividades, dentro da mesma categoria de uma cidade prestadora de serviços.
Isso é muito significativo no momento em que a economia capitalista, vivendo o processo da denominada Revolução Tecnológica, começa a ser direcionada não mais para os setores de produção industrial, muito mais agora para os setores de serviços, em função da necessidade urgente de ampliação de comércio à nível global, extrapolando fronteiras nacionais, dimensionando o mercado como sendo um ente essencial para o processo se acumulação de capitais.
Mas comércio é sempre troca entre pessoas, tanto quanto o turismo também é movimentação de pessoas. Isso quer dizer que Foz do Iguaçu passa a ser um polo receptor de pessoas, de variadas origens e culturas.
Está sendo constituída assim uma nova sociedade onde a marca acentuada será a diversidade e não a homogeneidade. Pessoas diversas, com várias procedências e com culturas distintas passam a conviver juntas, com determinada harmonia.

SOCIEDADE DO CONHECIMENTO

Ante o que estamos vivendo agora como sendo a sociedade do conhecimento, onde a inovação e a criatividade são marcas fundamentais, Foz do Iguaçu inicia todo um novo ciclo de crescimento, assentado exatamente sobre essa questão fundamental.
Prova disso é a expansão dos cursos superiores na cidade hoje contando com cerca de 85 cursos ofertados para algo em torno de 14.000 alunos universitários. Podemos dizer, sem medo de errar que o ensino superior na cidade foi a atividade que mais cresceu nos últimos dez anos.
Faz-se necessário a realização de altos investimentos nesse setor, em função de que o conhecimento transformou-se na ferramenta, por excelência para obtenção e manutenção do capital. Este só se acumula, nos dias atuais, através da intensa utilização do conhecimento.
Inovando sempre é constituído o Parque Tecnológico de Itaipu, envolvendo a Universidade Estadual do Oeste do Paraná onde são criados vários segmentos de pesquisa altamente desenvolvida, objetivando a formação de quadros de pesquisadores e a disseminação do pensamento técnico-científico Brasil afora e também disponibilizado para todo o mundo globalizado.
No PTI encontram-se pesquisadores de várias áreas do Brasil que para aqui se dirigem, motivados pela inovação que está sendo processada, neste momento e que pretende mesmo realizar grandes transformações sociais.
Mas a instalação e funcionamento da Universidade Federal da Integração Latino Americana – UNILA – representa um esforço imenso para o desenvolvimento do conhecimento científico-tecnológico em proveito dos povos latino-americanos.
A UNILA é uma universidade pública, bancada exclusivamente pelo Brasil, mas visando atender aos estudantes brasileiros e latino-americanos. Joga com cursos superiores de alta inovação, voltados para as demandas das populações latino-americanas, buscando agregar conhecimento especializado e novas formas de convivência entre as pessoas.
Em futuro próximo a UNILA terá toda a sua capacidade instalada funcionando atendendo 10.000 alunos, 50% deles procedentes de todos os países latino-americanos. Estrategicamente tanto o setor público, quanto privado, do Brasil e dos diversos países latino-americanos terão passado pelos bancos da UNILA promovendo assim a possibilidade de trabalhos conjuntos de alto significado e grande envergadura.
Como toda experiência inovadora sofre críticas que são, algumas procedentes e muitas completamente fora de qualquer propósito, mas, independente desses fatos, o trabalho vem sendo realizado com grande eficiência e já se começa a notar na cidade a presença de alunos e professores estrangeiros que deverá ser muito significativa nos próximos anos.
A instalação e o funcionamento do Instituto Federal do Paraná ofertando cursos técnicos de nível médio e superior, atende às demandas dos jovens em vários setores. É de alta competência, marcando a entrada de novos procedimentos de educação e formando técnicos detentores de conhecimento avançado para o estágio que o mundo agora está vivendo. É pensado que nos próximos dez anos esteja frequentando os cursos, algo em torno de 5.000 alunos o que representa um público altamente destacado no desenvolvimento da cidade.
Basicamente a cidade está trabalhando em dois polos que ela já tem constituído: alta tecnologia em eletricidade com a Usina Hidrelétrica de Itaipu, a maior e mais moderna do mundo e a biodiversidade com o Parque Nacional do Iguaçu, patrimônio natural da humanidade, tombado pela UNESCO.
No intermeio da biodiversidade e da alta tecnologia estão também sendo desenvolvidos vários setores ligados às relações humanas propondo atendimentos diferenciados para as várias realidades que aqui são encontradas.

UMA OUTRA SOCIEDADE

Andar nas ruas de Foz do Iguaçu é encontrar sempre o diferente, seja ele o árabe, o nordestino brasileiro, o gaúcho, o paraguaio, o argentino, enfim toda uma multidão que se evidencia para sua diferença.
Mas o importante mesmo é que todos conseguem conviver, relativamente bem, onde conflitos étnicos não são encontrados, ao contrário existem formas muito concretas de aproximação como seja, por exemplo, o surgimento de um “idioma”, o portunhol. Palavras dos dois idiomas, português e espanhol, são misturadas, facilitando a comunicação das pessoas, e formando quase que um novo idioma, sinal claro de uma realidade que está sendo vivenciada de uma sociedade diferente, homogênea dentro de grande heterogeneidade.
Mas o principal mesmo é entender que o avanços dos meios de comunicação social de massa constituindo o que podemos denominar, utilizando a expressão de Marshal Mcluhan como sendo a Aldeia Global.
Dado que o mundo está em nossas casas e nós estamos, simultaneamente no mundo, quais são as bases das novas relações sociais. Evidente que as diferenças sociais continuam sendo muito acentuadas, podendo mesmo ser entendidas como cada vez maiores, mas os diferentes tendem a uma aproximação.
Na medida em que está sendo realizado o processo de globalização que tende a constituir um mercado global, extrapolando fronteiras geográficas e nacionais, outras barreiras e fronteiras também são levadas aos desaparecimento.
A convivência com o diferente é, por isso mesmo, absolutamente fundamental, entendendo que em Foz do Iguaçu ela está mesmo colocada como algo no quotidiano da vida das pessoas.
Convivemos, fazemos comércio, trocamos moedas diferentes, temos ônibus urbanos internacionais que atendem diariamente Puerto Iguazu, na Argentina, Ciudad del Este, no Paraguai e Foz do Iguaçu no Brasil com vários horários transportando quer trabalhadores, turistas, pessoas que vão realizar compras etc.
Em Foz do Iguaçu não existem marcas de segregação como sejam bairros na cidade exclusivos para esta ou aquela etnia senão que as pessoas vivem nos locais que escolhem, sem dar importância ao fato de serem desta ou de outra cultura qualquer.
Mas as culturas são distintas e marcadas com mesquitas dos ramos sunita e xiita, os costumes e hábitos dos árabes são destacados, como, por exemplo, o mesmo de jejum e oração conhecido como o ramadã. A imprensa local dá cobertura a essas e outras atividades que, de alguma forma, fazem parte da vida da cidade.
Temos ainda um templo budista para os adeptos desse pensamento oriental, funcionando também como um ponto de visitação para os turistas, muitos deles vendo aqui, pela primeira vez essa nova formação arquitetônica forte no Oriente, mas aqui completamente desconhecida.
Em todas as nossas instituições quer sejam escolas, partidos, sindicatos, igrejas enfim onde existe uma determinada participação popular o comum é verificarmos a presença dos vários grupos culturais sem que isso represente qualquer tipo de problema. É entendido como sendo uma coisa normal, natural, todo esse encontro de culturas diferenciadas.
Podemos perceber também que a origem desses procedimentos centra-se na concepção do outro como sendo aquele que é diferente de mim mesmo. Essa alteridade ou heterogeneidade é essencial para a manutenção de todo esse processo de globalização, mas parece ser, cada vez mais difícil de se colocar em prática.
Cuidado pois podemos crer, equivocadamente, que a inexistência de conflitos culturais mostra ser esta uma sociedade pacífica. Ledo engano, temos, infelizmente na cidade uma alto índice de criminalidade cujas origens são diversas, muitas delas difíceis de serem detectadas.
De qualquer forma essa lateralidade produz um grande enriquecimento cultural e social para os habitantes de Foz do Iguaçu. O próprio fato de conviver com latinos de origem hispânica favorece em muito o aprendizado do espanhol que, ensinado depois nas escolas, acaba se tornando uma segunda língua nacional, ao menos para todos esses habitantes da Tríplice Fronteira.
De alguma forma os habitantes da cidade de Foz do Iguaçu dadas essas características muito próprias vão perdendo a sua identidade, não conseguindo reconstituir outra identidade a não ser pelo encontro com grupos diferentes. Mas lenta ou aceleradamente as fronteiras que existiam, marcadas pelo nacionalismo, começam a ceder em função de uma convivência diferente que só é possível nesta cidade.
De alguma forma, nem sempre muito clara, deixamos de ser brasileiros, argentinos, paraguaios, árabes etc, nos convertendo para uma nova sociedade que tem outras marcas definidoras, que caminha por outros caminhos e que tem outros objetivos.
Essas convivências com os diferentes caminham também para o encontro de novas oportunidades, inovando, por exemplo, o setor de atendimento da rede hoteleira, visando a conseguir o melhor atendimento possível.
A questão é posta no quesito da qualidade, item essencial para o bom desenvolvimento sócio-econômico no momento atual. Neste sentido inovar criando novas estruturas de atendimento como um shopping recentemente em funcionamento, mostrando alta vitalidade frequentado por paraguaios e argentinos, sinaliza esses novos caminhos que começam a ser traçados.
Enquanto tudo isso ocorre a cidade trabalha nas questões do lazer com a criação dos Centros de Convivência Escola-Bairro, grande inovação no setor da educação agregando valores, no entorno das escolas que mobilizam as comunidades para novos relacionamentos e atividades sejam elas culturais ou esportivas.
No setor de saúde também a ampliação do setor, a melhoria do atendimento e a busca da excelência são visíveis na cidade em que pesem grandes críticas também motivadas pelas transformações que estão agora ocorrendo.
Se até bem recentemente, a busca por um atendimento médico mais especializado exigia sair da cidade em direção a outros centros, estamos agora revertendo essa realidade e vendo exatamente acontecer o contrário. Isso significa um grande ganho para a cidade, especialmente pensando em termos de uma cidade que atende a um grande fluxo de turistas que necessitam de garantias de saúde para poderem passear com a devida tranquilidade e segurança
Todas essas atividades tem como eixo fundamental a prestação de serviços que vai sendo aperfeiçoada, exigindo sempre a presença de profissionais altamente qualificados, colocando a cidade dentro dessa dinâmica do conhecimento que hoje é fundamental para toda e qualquer sociedade.
O fato é que aqui as fronteiras estão sendo diluídas muito mais culturalmente falando do que geograficamente. É fato que a existência e o funcionamento do MERCOSUL permite entender que as fronteiras nacionais estão mais abertas para o livre tráfego, especialmente no que diz respeito ao comércio de mercadorias, de forma muito especial dos países membros, isentos que são de taxas de alfandega.
Mas no quotidiano estamos vivendo essa perda de identidade, em busca de uma nova forma de nos identificarmos, talvez não tanto como nação e muito mais como formas originais de sociedade, oriundas de novas relações sociais que aqui, nesse imenso laboratório a céu aberto estão sendo testadas.
Como o desaparecimento dos grupos familiares, entendidos como a base da sociedade é hoje questão muito discutível, as relações de parentesco vão sendo substituídas por outras, através, muitas vezes de novos símbolos que são propostos, também pelas redes sociais, via internet.
A ideia fundamental é mesmo o sinal dos novos tempos, no sentido de que estamos em um determinado local, essa nossa região, ao mesmo tempo que estamos no mundo. Assim temos consciência que estamos em Foz do Iguaçu mas já temos relações, convívios que extrapolando a cidade dão uma nova dimensão de regionalidade. Podemos por isso dizer que sob diversas e diferentes formas estamos numa região transfronteiriça, indicativa talvez de tudo aquilo que está ocorrendo no mundo da globalização que está em marcha.
As diferenças de hábitos e costumes vão desaparecendo na exata medida em que os personagens sejam eles paraguaios, argentinos, chineses, árabes vão se integrando nessa nova sociedade que está propondo novas relações sociais, que sejam mais harmoniosas e menos conflitivas.
Mas que também possibilitem a inovação e a criatividade de novas formas de convivência, novos relacionamentos, posicionamentos quer frente à vida, tanto quanto também respeitando as diversas individualidades.
Isso está ocorrendo, neste momento, em Foz do Iguaçu, mais do que qualquer lugar é uma vivência que tende a, rapidamente, iniciar processos novos de relacionamentos propondo alternativas em função do processo de globalização que estamos também vivendo.
É óbvio que o dia de amanhã guarda sempre o seu fator surpresa, sendo mesmo impossível de ser conhecido agora, mas as pistas e os caminhos que estamos percorrendo indicam o crescimento de uma nova sociedade, marcada fortemente pela lateralidade, multiculturalismo, calcados em avanços que ocorrem, de uma forma muito especial nas áreas de conhecimento, notadamente em ciência e tecnologia.
Nesse sentido é um caminhar sem retorno, sempre adiante, ao mesmo tempo em que novos caminhos vão sendo construídos. Falta muito para sermos mais integrados, para nos aproximarmos ainda mais, com o tempo em seu momento necessário novas atividades vão também proporcionar situações bem distintas e diferenciadas.
São essas transformações radicais que aqui foram realizadas de maneira extremamente rápidas que impulsionam novas atitudes, procedimentos, investimentos em caminhos ainda não percorridos mas que já estão sendo agora delineados.
Não podemos mais pensar em termos do passado entendendo que somos separados por fronteiras geográficas, existentes mediante linhas jurídicas propostas em tratados que nos separam. A superação dessa realidade já existe, na medida em que nos aproximamos muito mais formando uma nova convivência que caminha sempre mais para maiores e melhores formas de aproximação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar um mundo novo é algo fantástico e surpreendente. Mas poder estar vivendo essa realidade é algo só mesmo reservado para muito poucos. A cidade de Foz do Iguaçu pelo seu curto tempo histórico, pelas dificuldades que enfrentou, pela sua afirmação mais recente, acaba estando situada na ponta das formas mais avançadas de convivência social.
Impulsionando o conhecimento, como ferramenta básica, busca novos rumos para a convivência social, de sorte a projetá-la como sociedade reorganizada em base dos novos parâmetros que estão sendo agora testados.
Não basta derrubar barreiras alfandegárias, visando impulsionar trocas comerciais num mercado, cada vez mais globalizado, é preciso derrubar também outras fronteiras criadas pelo imaginário social, quer sejam culturais, étnicas, linguísticas etc.
Ao experimentar no quotidiano da cidade essas novas relações sociais que dirimem conflitos e destacam aspectos harmônicos está se testando uma nova sociedade mas não podemos pensar que isso seja motivo para servir de manipulação no encobrimento das diferenças sociais existentes ou dos graves problemas de criminalidade que estamos enfrentando. Bem ou mal, infelizmente o nosso mundo globalizado é também extremamente violento, onde a criminalidade consegue transpor fronteiras, sendo altamente organizada, advindo daí a nova nomenclatura como “crime organizado”.
Pela frente há mesmo muitos caminhos e como diz o poeta é caminhando que se faz o caminho, isto realmente traduz muito bem a experiência que é vivida em Foz do Iguaçu no momento em que o mundo discute e coloca em prática o projeto da globalização.
Essas novas formas de convivência com os diferentes que estamos vivendo no nosso quotidiano será certamente ampliada por reflexões e discussões que começam a existir o momento em que as universidades entram dentro daquilo que é o cerne dessa nossa sociedade, no sentido de entender a alteridade como expressão de uma forma muito rica de um humanismo importante para a vivência na sociedade atual.

BIBLIOGRAFIA

ALBUQUERQUE, José Londomar C. – A Dinâmica das Fronteiras – Editora Annablume, São Paulo, 2010
BRITO, José Maria de – Descoberta de Foz do Iguaçu e a Fundação da Colônia Militar – Travessa dos Editores, Curitiba, 2005
CASTELLS, Manuel – A Sociedade em Rede – Editora Paz e Terra, São Paulo, 1999
DE MASI, Domenico – Criatividade e grupos criativos – Editora Sextante, Rio de Janeiro, 2002
ROCHA Pombo José Francisco da – O Paraná no Centenário, 1500 – 1900 – Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1980
SILVA, Golbery do Couto e – Geopolítica do Brasil – Editora José Olympio, Rio de Janeiro, 1967
WARCHOWICZ, Ruy C. – Obrageros, Mensus e Colonos – Editora Gráfica Vicentina, Curitiba, 1987




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(II) TRÍPLICE FRONTEIRA: UMA NOVA NACIONALIDADE

Prof. José Afonso de Oliveira.
professor de sociologia da UNIOESTE, com especialização em sociologia, educação ambiental e história. Professor de sociologia na União Dinâmica de Faculdades Cataratas - UDC; professor de História da Secretaria Estadual de Educação do Paraná, mestrado  na mesma Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE - campus de Foz do Iguaçu.

RESUMO: No presente artigo pretende demonstrar o surgimento de uma nova realidade social na região de fronteira geográfica entre o Brasil, Paraguai e Argentina. Esta realidade tem precedente histórico nem sempre de harmonia, sociedades distintas foram sendo constituídas e, recentemente, em função das conjunturas internacionais, novas propostas estão sendo colocadas em prática, moldando novas e inusitadas situações, completamente desconhecidas, até recentemente. Como tudo isso ocorre e, principalmente quais são suas possíveis consequências é o que pretendemos abordar com este artigo. Na medida em que se vive agora o processo de globalização novas situações sociais estão sendo constituídas, visando dar sustentação à políticas de longo prazo que sejam adequadas e completamente inovadoras.

A GUERRA DO PARAGUAI

Conhecida no Paraguai como sendo a Grande Guerra, ela vai marcar o surgimento de uma nova realidade em toda a região da calha do rio Paraná. Será, na verdade, uma guerra pela manutenção da liberdade de navegação da Bacia do Prata, baseada em um tratado internacional envolvendo os países platinos, ou seja: Uruguai, Argentina, Paraguai e Brasil.
A Bacia Platina era de fundamental importância como via de navegação para o desenvolvimento das economias no interior da América do Sul, destacando-se, principalmente, o Paraguai que não tinha acesso a mar e, como país mediterrâneo, dependia dos outros para manter o seu mercado fluxo de comércio com o mercado internacional.
Será uma guerra longa, ainda bastante controversa, porém suficientemente conhecida, já que temos publicações de vários tipos, tanto a favor como contra determinadas situações que foram criadas (Doratioto, 2002: Centurión, 1987; Chiavegato      Pommer       )
As consequências serão terríveis para o Paraguai, completamente destruído e devastado, tanto fisicamente quanto também humanamente. Quase a totalidade de sua população masculina é morta na guerra, sendo este um traço muito forte e inédito em toda a história da América, até os dias presentes.
No Brasil o fim do Império e a ascensão da República, sob comando dos militares positivistas vai buscar uma nova feição para o país, visando a sua modernidade e abandono de uma imagem colonial de atraso e paralização no tempo.
O importante é entender que os tratados de paz, firmados em 1870 por ocasião do final da Guerra do Paraguai, vão propiciar situações distintas, especialmente envolvendo a Argentina e o Brasil que possuem fronteiras geográficas com o Paraguai.
Enquanto a Argentina adota a política de não exercer um povoamento nas suas fronteiras com o Paraguai, o Brasil faz exatamente o contrário inicia um povoamento, no final do século XIX com a instalação da Colônia Militar do Iguassu e sua instalação em 1889, coincidindo com a proclamação da República.
É portanto, através da presença do Exército que a área fronteiriça com o Paraguai começará a ser ocupada, favorecendo o povoamento e ocupação territorial.(Brito,     )
Adota o governo brasileiro uma política de ocupação de fronteiras, incentivando o povoamento, ao mesmo tempo que pensa também em sua defesa, daí a colocação do Exército nessa área considerada estratégica pelo Estado.
A Argentina vai também ter uma unidade do Exército instalada na fronteira, mas, diferentemente do governo brasileiro opta por uma politica de não ocupação da fronteira, por isso mesmo não incentivando o seu povoamento.
Mas povoar a fronteira do Brasil com o Paraguai transformou-se em um grande problema, de vez que a região ficará quase que completamente isolada do restante do país, pela falta de vias de comunicação.
As comunicações serão fluviais, utilizando a navegabilidade do rio Paraná até a sua desembocadura na cidade de Buenos Aires e, por navegação, chegando às cidades litorâneas do Brasil e a seu interior.
De outra forma, utilizando, em sentido contrário, o rio Paraná, poderemos acessar a região de Mato Grosso e o interior do Brasil, através da navegabilidade do rio Paraguai.
Com a criação do Município de Foz do Iguaçu em 10 de junho de 1914, é extinta a Colônia Militar do Iguassu dando origem oficialmente a um núcleo urbano que vai viver, boa parte de seu tempo histórico voltado para o Paraguai e para a Argentina, permanecendo completamente isolado do restante do Brasil (Warchowski    )
Até aqui fica muito clara a influência do Brasil, o domínio e o povoamento da região de fronteira, ao mesmo tempo em que esse fato é realizado em profundo entrosamento com os povos vizinhos, muito mais acentuadamente do que com os brasileiros. Esse isolamento terá grandes consequências na formação das populações fronteiriças que vão ter aspectos muito originais na formação de suas respectivas sociedades.
Isso também vai possibilitar o desenvolvimento de ciclos econômicos como, por exemplo, a extração da erva mate, a derrubada das matas ciliares das margens do rio Paraná, utilizando mão de obra, procedente, principalmente do Paraguai, através de empresas estrangeiras, de forma muito especial, argentinas e realizando todo o comércio através da navegabilidade do rio Paraná. O porto de Buenos Aires será o grande porto exportador dessas matérias primas, especialmente a madeira utilizada na reconstrução da Europa, ao término da Primeira Guerra Mundial. É também de Buenos Aires que chegam todas as mercadorias para o sustento das populações ribeirinhas do rio Paraná, nelas destacando-se o pequeno povoamento de Foz do Iguaçu.
O plano urbano da cidade de Foz do Iguaçu tem inicio exatamente na margem brasileira do rio Paraná, onde, instalado o porto principal, nas suas proximidades vão surgindo a prefeitura, igreja matriz, hotel enfim a cidade vai sendo construída em função desse acesso fluvial que era vital para a cidade.
Mas desde os primórdios do povoamento de Foz do Iguaçu temos uma população profundamente miscigenada, onde os brasileiros e os argentinos e paraguaios convivem de uma certa forma, com grande harmonia, sem a existência, ao menos documentada, de grandes conflitos. Essa aproximação dos povos de fronteira será muito interessante na explicação de toda a evolução das formações sociais que aqui vão sendo constituídas.

A MODERNIDADE NA TRÍPLICE FRONTEIRA

O fim do isolamento de Foz do Iguaçu era uma condição fundamental para o seu crescimento e desenvolvimento. A cidade precisa ser incorporada ao Brasil, como ponta de lança sobre a região do rio Paraná.
Nos finais dos anos 50, inicio dos anos 60, do século passado, dentro do projeto do governo JK de modernização do Brasil, a construção da Ponte da Amizade ligando Foz do Iguaçu com o Paraguai e o asfaltamento de uma rodovia de interligação entre Assunção e o Porto de Paranaguá, determinava a ligação forte entre o Brasil e o Paraguai, buscando tirar o Paraguai da área de influência da Argentina.
Já nos anos de 1954 na Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, o então coronel Golbery do Couto e Silva fazia uma série de palestras afirmando a necessidade do Brasil de deter o controle da região do Cone Sul da América do Sul. Referidas palestras terão, posteriormente, o formato do livro Geopolítica do Brasil que copiava o modelo da Alemanha, no que se denominava a Conquista do Espaço Vital. Era necessário que o Brasil ocupasse não mais um espaço físico, mas tivesse um projeto de dominação sobre o Paraguai, isolando assim a Argentina.
É na década de 70, em plena Ditadura Militar, com a ascensão ao poder do general Ernesto Geisel que teremos a crise internacional do petróleo, determinado uma nova estratégia brasileira de obtenção de energia. Assim investimentos altos serão realizados na área de extração de petróleo, na política nuclear e, principalmente, na nossa matriz hidrelétrica.
É com a construção da hidrelétrica de Itaipu, na fronteira do Brasil-Paraguai, ratificada pelo Tratado de Amizade Eterna que em 1974 tem inicio a construção da hidrelétrica de Itaipu que será a maior obra do gênero em todo o mundo. O agora general Golbery do Couto e Silva, na posição de Ministro da Casa Civil, consegue realizar o que havia previsto exatos 20 anos antes, com a publicação de sua obra supra mencionada.
É criada uma entidade nova no direito internacional, ou seja, a Itaipu Binacional será uma empresa com binacionalidade, ocupando também um novo espaço fronteiriço, onde as fronteiras nacionais ficam suspensas para livre transito de pessoas e equipamentos para a construção e funcionamento da hidrelétrica. Claro que, o mundo não conhecia nada disso, naqueles momento, sendo portanto uma obra inovadora também no que tange aos aspectos do Direito Internacional.
Agora sim as mudanças são realmente profundas. Brasileiros de todas as regiões estão presentes em Foz do Iguaçu que terá a sua população aumentada de 34.000 habitantes em 1973 para 134.000 no ano seguinte.
Mas também irá ocorrer a grande aproximação entre brasileiros e paraguaios que juntos estão envolvidos na construção civil da hidrelétrica que será considerada como a maior obra de engenharia civil do século XX.
Trabalhadores nível de escolaridade na área da construção civil, passam a se comunicar entre si num novo idioma o portunhol. Essa mistura entre português e espanhol é a forma encontrada pelos trabalhadores para facilitar a sua comunicação no quotidiano de um trabalho árduo, prolongado e extremamente exaustivo.
A essa comunicação é dado o sugestivo nome de “rádio peão” que tem uma agilidade enorme de comunicação sem as tradicionais barreiras entre as partes, em que pese estarmos vivendo, naquele momento, sob o domínio de uma ditadura, tanto no Brasil quanto também no Paraguai. Isso quer dizer a existência de uma forte censura que dificultava tremendamente o conhecimento de tudo o que estivesse ocorrendo dentro do canteiro de obras.
Mas essas relações sociais eram marcadas fortemente por grandes diferenças. Tínhamos assim, por exemplo, vilas residenciais construídas exatamente para atender às necessidades das pessoas que para aqui chegaram, em função do trabalho na construção da hidrelétrica.
Só que elas continham as divisões existentes dentro da obra e assim eram as vilas dos operários, com condições mais precárias, a vila dos técnicos já em melhores condições e a vila dos engenheiros com condições de excelência. Todos os complementos sociais como sejam, igrejas, clubes, supermercados, escolas, etc respeitavam rigorosamente essas divisões mostrando que todos estavam irmanados na construção da usina mas guardavam com muito zelo as suas respectivas diferenças sociais.
O mesmo ocorria no Paraguai e também aqui em que pesem estarem paraguaios e brasileiros unidos na construção mantinham no entanto suas diferenças que são profundamente nacionalistas, especialmente em função da Guerra do Paraguai que revive no imaginário social do Paraguai de uma forma muito intensa.
Também vão aparecer grandes diferenças entre a população local das cidades, especialmente em Foz do Iguaçu, em relação aos “estrangeiros” que passam a ocupar espaços da cidade, ocasionando por vezes alguns atritos. Por estarmos numa Ditadura Militar, o prefeito da cidade será um coronel do Exército, funcionário da Itaipu Binacional, nomeado para o posto político, sob a alegação de que a cidade era uma área de segurança nacional. Fica claro que esse coronel vai tentar ser um negociador entre as partes, a população da cidade e a população da Itaipu Binacional, nem sempre conseguindo obter bons resultados.
O fato é que determinada hegemonia política da cidade será profundamente abalada com a chegada dos trabalhadores e, mais do que isso, com as mudanças que a cidade começa a viver e sentir.
De outra forma a cidade de Presidente Strossner, atual Ciudad del Este começa vai crescer rapidamente, de alguma forma como para contrabalançar o crescimento de Foz do Iguaçu.
Esse crescimento será feito em função de que a cidade será um porto livre do Paraguai, recebendo, por isso mesmo, mercadorias de todo o mundo, sem pagamento de qualquer tributo de importação no Paraguai. Esse livre comércio irá incentivar o crescimento da cidade, tanto quanto também a sua importância, especialmente em relação à população brasileira.
Necessitando de mão de obra mais especializada para o comércio e atividades semelhantes, grande parte dos brasileiros, moradores em Foz do Iguaçu, passam a cruzar diariamente a fronteira, trabalhando na cidade vizinha.
Isso acaba incentivando atividades desconhecidas até então, como, por exemplo, a criação de uma linha urbana de ônibus que interliga o Brasil, a Argentina e o Paraguai, como sendo a primeira linha de transporte urbano de perfil internacional no mundo.
No dia a dia desse comércio entre os três países, em lojas, supermercados ou outros locais de comércio a troca de moedas é praticamente automática, sendo que qualquer pessoa ou mesmo jovem e criança sabe realizar o cambio com grande facilidade. Trabalha-se com as três moedas, indistintamente, sem maiores dificuldades, de vez que isso passa a ser também uma atividade quotidiana e rotineira.
Logicamente o idioma comum também vai surgindo com o portunhol que consegue manter bons níveis de comunicação entre as populações fronteiriças. Interessante perceber que ninguém abandonou seu idioma nacional, apenas realizou uma adaptação possibilitando que haja níveis de comunicação muito bons sem a ocorrência de maiores esforços ou grande aprendizagem.

O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO

Com a Revolução Tecnológica da década de 80, do século XX, assistimos a ocorrência de profundas transformações. Logo de saída o fim do denominado socialismo real, desaparecendo a URSS, indo de roldão todo o Leste europeu. Símbolo dessas mudanças, em 1989, a queda do Muro de Berlim.
O mundo não será mais dividido entre o Leste, socialista e o Oeste, capitalista. Agora teremos uma nova divisão entre o Norte enriquecido e o Sul empobrecido. Um novo muro será construído, agora de aço, entre o norte do México e o Sul dos Estados Unidos, impedindo assim o acesso dos empobrecidos às áreas mais ricas do planeta.
Mas tudo isso acaba ocorrendo, em decorrência da utilização da informática na produção de bens, possibilitando produzirmos agora em quantidades infinitas, em qualquer parte do planeta e em tempos reduzidíssimos. Esta pois em andamento toda uma grande transformação no mundo da produção, onde a ferramenta fundamental deixou de ser a máquina, substituída pelo conhecimento.
Não são mais os membros do corpo humano que, mecanizados, proporcionam todo o processo de produção. De agora em diante é o cérebro que passa a ser utilizado, com grande intensidade, para ampliar, sempre mais os processos de produção, cada vez mais sofisticados e mais eficientes, no sentido da acumulação de capitais.(De Masi, 2000; Castells, 1999; Schaff 1993)
Claro que a produção crescerá exponencialmente exigindo novos mercados, desse fato decorrendo a que possamos aplicar a informática aos meios de comunicação social de massa, notadamente à televisão, acoplados aos satélites, originando o que os norte americanos vão denominar de globalização.
Entendida dessa forma a globalização é a constituição de um mercado global, superando as suas limitações de fronteiras quer nacionais ou mesmo regionais. Como os problemas pertinentes à produção estão resolvidos, resta, neste momento, os obstáculos ao consumo.
Portanto agora o importante não é tanto o produzir e sim consumir em escalas, cada vez maiores, e em tempos sempre mais reduzidos. Para que isso possa ser uma realidade de tal modo a favorecer o crescimento da economia mundial, o consumo terá que ser global, em que pesem inúmeras dificuldades que vão aparecer, conforme veremos.
Como pode um americano consumir, por exemplo, comida chinesa? Como um latino-americano vai consumir produtos europeus? Para que isso possa ocorrer é necessário pensar em processos de transformações culturais profundos, de maneira a criar gostos, desejos, diria necessidades também globalizadas.
Claro que isso requer um trabalho longo, profundo pois trabalhar aspectos culturais é algo bem complexo, mas de qualquer forma para as gerações mais novas é possível sim pensar de novas formas. Para isso a educação vai se mostrar como sendo necessária, no sentido de formar bons consumidores  (Gentili, Pablo 1996)
Mas pensar em um mercado global é também uma necessidade de quebra de barreiras alfandegárias, redução de aspectos burocráticos de transito, facilidades de trocas cambiais, comerciais, enfim é necessário que o mercado possa mesmo, de alguma forma, superar as nacionalidades existentes de forma tradicional.
Aqui a importância dos meios de comunicação social de massa, de uma forma muito especial da televisão é altamente significativa. Diria mesmo que essa ideia da globalização é antecedida pela concretização de um espaço de comunicação de massa que supera fronteiras culturais, de uma forma exemplar. Quando Marshall Mcluhan faz todo um trabalho teórico sobre a ideia da Aldeia Global, afirmando taxativamente que o mundo ainda iria tornar-se uma aldeia global, foi taxado de tudo, menos de uma pessoa com seriedade e conhecimento científico. Ler Marhall Mcluhan na atualidade é ficar surpreso como ele pode antever tudo o que agora é pura realidade.
Mas a globalização é bom que se diga é um processo em andamento, muito dinâmico que também vem enfrentando toda uma série enorme de obstáculos para a sua concretização. Não é nada fácil conseguir apagar o passado nacionalista dos povos construído, desde o século XVIII até os dias atuais. Há um grande embate entre a globalização e o nacionalismo e, até o presente momento não fica claro quem vai se afirmar e quem vai desaparecer, ou se um processo vai conviver bem assimilando o outro. Isso são ainda questões em aberto, de qualquer forma marcam a sua existência e persistência.

A TRÍPLICE FRONTEIRA E A GLOBALIZAÇÃO

De alguma forma já tínhamos começado a construir um entrelaçamento entre as populações das cidades de Puerto Iguazu, na Argentina, nas margens do rio Iguaçu, com Foz do Iguaçu na outra margem do Iguaçu e também nas margens do rio Paraná com Ciudad del Este, no Paraguai, nas margens do rio Paraná. Das três cidades apenas, neste local geográfico, Foz do Iguaçu é banhada pelos rios Iguaçu e Paraná, limites fronteiriços de países, tanto com a Argentina, quanto também com o Paraguai.
Dadas as suas formações histórico sociais, as cidades foram crescendo em função deste ou daquele fator, mas de forma muito lenta, quando, repentinamente acelerou-se esse crescimento até os dias atuais.
O fator impulsionador da aceleração foi sem dúvida a construção e instalação da hidrelétrica de Itaipu entre o Brasil e o Paraguai que acabou adensando as populações das cidades limites como a atual Ciudad del Este e Foz do Iguaçu, exercendo a função de atração de populações originárias de outras áreas.
Indiretamente também Puerto Iguazu, com menor nível de crescimento, também assiste a uma adensamento populacional que tende a ser fixado no seu comércio, especialmente atendendo aos turistas brasileiros, argentinos e de outras localidades em visita ao seu parque nacional com as Cataratas do Iguaçu.
Evidente que também Foz do Iguaçu, nos dias atuais cresce em função do turismo, apresentando os atrativos do Parque Nacional do Iguaçu com as monumentais e belas Cataratas do Iguaçu, tanto quanto também o alto desenvolvimento tecnológico com a usina hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo e com o comércio com Ciudad del Este no Paraguai, como sendo um comércio internacional isento de pagamentos de impostos.
Podemos então verificar que no momento em que a globalização é afirmada como sendo definitiva, com a constituição da União Europeia como sendo um mercado regional, envolvendo, inicialmente 15 países, eliminando barreiras alfandegárias e criando uma zona de livre comércio, cria-se também uma área de livre comércio com os Estados Unidos, Canadá e México.
Tendo esses exemplos as discussões que vinham sendo feitas com o governo da Argentina, no sentido de incremento comercial, tomam um novo rumo, com maior amplitude motivando a assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991, envolvendo os mesmos países que anteriormente haviam participado da Guerra do Paraguai e que agora, passados mais de cem anos, Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil criam uma área de livre comércio, tendo como modelo o que está sendo realizado na Europa, claro que com as devidas alterações que se fazem necessárias, dadas as grandes diferenças existentes com os países europeus e entre também os membros participantes do Mercosul.
Lenta e, em outros momentos, aceleradamente, o Mercosul começa a criar uma economia que não mais se rege por aspectos puramente nacionais, mas voltados para o mercado agora globalizado. Desde esse momento não se negociam mais de forma individual, mas coletivamente, através de políticas adotadas pelos países membros, estando em andamento a ampliação do Mercosul com a entrada da Venezuela como membro efetivo e do Chile, Bolívia e Peru como observadores, buscando estreitar os laços com o Pacto Andino e seus países membros. O Chile é vital como observador de vez que faz parte como membro efetivo do maior mercado global a APEC que envolve Estados Unidos e países asiáticos altamente desenvolvidos como o Japão e agora a China.
Com o Plano Real adotado em 27 de fevereiro de 1994 momento em que a nova moeda que entra em vigor no Brasil – o real – tem um valor superior ao dólar, o comércio de Ciudad del Este adquire agora um novo significado. Era muito mais barato comprar no Paraguai do que produzir ou mesmo comprar no Brasil ou em qualquer outro país, beneficiando-se de políticas tributárias que isentavam impostos e a valorização do real que trazia em seu bojo preços mais atrativos.
Isso provocou uma verdadeira avalanche de pessoas de todas as partes do Brasil buscando realizar compras, em grandes quantidades, na vizinha Ciudad del Este. Foz do Iguaçu vai funcionar como um corredor de compras, chegando mesmo a inibir o fluxo turístico da cidade e prejudicando seriamente todo o seu comércio local.
Da mesma forma que a ativação do Mercosul elimina Foz do Iguaçu como um entreposto de exportação para o Paraguai, levando à falência uma série enorme de firmas localizadas nesta fronteira. Bairros inteiros, antes muito movimentados, cujos imóveis eram altamente valorizados, viveram simplesmente o abandono e a perda completa de sua valorização anterior.
O comércio, via Mercosul incentivou as nossas exportações para a Argentina que começa a criar problemas, objetivando evitar prejuízos crescentes pois que a balança comercial era altamente favorável aos produtos brasileiros. No entanto começam a entrar no Brasil produtos argentinos que terão grande aceitação de mercado, proporcionando com o tempo um certo equilíbrio comercial entre os dois países membros.
É fato indiscutível que o comércio internacional será ampliado, a partir dessa política do Mercosul o que acaba trazendo toda uma série de benefícios conforme estamos verificando que passam pelas melhorias da qualidade de vida de seus habitantes.

A TRÍPLICE FRONTEIRA: UMA NOVA NAÇÃO?

Agora sim vem a discussão mais séria. Estamos ou não constituindo uma nova nacionalidade? Isso, a primeira vista, parece mesmo um tremendo absurdo pois que as nações tais como as conhecemos nos dias atuais remontam ao século XVIII. Não nos referimos a um novo Estado pois que este assunto é ainda mais controverso, implicando em questões de poder.
Mas, classicamente, o conceito de nação remete a aspectos culturais. Ao mesmo tempo que temos também uma nova realidade com a constituição de um mercado globalizado, extrapolando as fronteiras dos Estados Nacionais tradicionais.
Há aspectos fortes de aproximação, convivência, superação de conflitos do passado, muitos deles fruto do nacionalismo, possibilitando uma convivência, até certo ponto, bastante harmoniosa.
Esse é um fato importante pois que, mesmo com o atual processo de globalização em marcha, temos vários e terríveis conflitos, mundo afora. A Europa unificada na União Europeia vive imensos conflitos, tendo recentemente ocorrido uma guerra envolvendo áreas do leste europeu. Na medida em que a economia europeia é distinta e diferenciada internamente, surgem focos de discussões e possíveis conflitos no futuro. São níveis distintos de enriquecimento, mostrando também grandes desigualdades sociais existentes, em que pese toda a retórica de uma união.
Em nossa região de Tríplice Fronteira, extremamente visada, especialmente após o 11 de setembro de 2001, se bem que nenhum fato de terrorismo ou coisas assemelhadas tenham sido comprovadas, no entanto, algumas agências de notícias internacionais, especialmente norte-americanas esmeraram-se em divulgar fatos relativos ao envolvimento de pessoas ou grupos em movimentos terroristas internacionais. (Albuquerque, 2010)
O fato de estarmos criando um idioma próprio, o portunhol, amplamente utilizado pelas populações transfronteiriças é um sinal, bastante claro e convincente de transformações que estão sendo processadas agora. Isso, claro, vai significando novas realidades sociais que estão sendo construídas mas que não detemos nenhuma forma de controle e, ainda, muito pouco entendimento.
Gostaria de chamar a atenção para os meios de comunicação de massa, notadamente a televisão. Como as emissoras brasileiras são, do ponto de vista tecnológico, mais bem equipadas, acabam transmitindo para as áreas de fronteira, tanto do Paraguai, quanto da Argentina, em língua portuguesa, realizando uma operação de aproximação. Mesmo que isso indique, como é também comum, uma invasão cultural, é certo que os programas tem bom público, sendo as novelas da Globo verdadeiro coqueluche entre as populações.
Como sabemos que os meios de comunicação social de massa transmitem também determinadas ideologias, fica claro que isso é também repassado, inculcando novas ideias e reforçando preconceitos anteriores.
Dentro do quadro dos antagonismos latentes entre Brasil e Argentina, ampliados de forma muito especial, durante as Ditaduras Militares nos dois países perdura ainda sérias desconfianças de ambas as partes para que possam ocorrer aproximações maiores e mais significativas.
Do lado do Paraguai, na medida em que a ditadura de Strossner invocava um alto espirito nacionalista, tendo por base a Guerra do Paraguai, temos também uma desconfiança bastante acentuada.
Mas o Paraguai é sentido tanto pelos brasileiros quanto pelos argentinos como uma nação menor, derrota que foi na Guerra do Paraguai. Isso acabou construindo um imenso preconceito, ademais que a grande maioria da população do Paraguai, sendo de origem indígena, procedendo do campo, só muito recentemente começa a ser inserida no processo de modernização capitalista. Para tanto basta dizer que a maior empresa do Paraguai é a Itaipu Binacional e a segunda cidade é Ciudad del Este, na fronteira com Foz do Iguaçu, no Brasil.
Mas tudo isso não impede que possamos ter, como de fato ocorre, uma convivência próxima entre os povos que habitam esta Tríplice Fronteira. Devemos caminhar ainda para a criação de organismos, festas, perfis culturais que possam agregar os habitantes dos três países, dessa forma enriquecendo ainda muito mais os laços que nos unem nesse tempo que já tem o seu significado.
Uma outra questão muito relevante diz respeito ao tempo histórico. Essa fronteira só recentemente começou a ser povoada, por inúmeros problemas, entre os quais questões coloniais do passado. Afinal a região era toda espanhola e no decorrer dos processos de independência, os novos Estados constituídos deram origem as fronteiras atuais, significando que a colônia portuguesa e depois o Brasil independente ampliou as suas fronteiras até o ponto em que elas se encontram no presente.
Mas significa também que o povoamento de toda essa região é recente, de alguma forma feito desordenadamente, com pressa para ocupar espaços e firmar bandeiras das respectivas nacionalidades, o que explica, por exemplo, a presença do Exército tanto no Brasil, quanto também na Argentina.
Se tudo isso não configura o surgimento de uma nova nação, no entanto há um grande entrelaçamento de culturas e, mais ainda, de modos de vida. Não que estão perdidos os laços originais mas novos vem sendo constituídos, indicando o surgimento não tanto de uma nova nação mas de uma nova sociedade.
Sociedade esta que, em processo de evolução, começa a criar novos hábitos de consumo que são bem mais sofisticados. Não se tratam mais de produtos de baixo preço e qualidade duvidosa, senão que tenham destaque exatamente no quesito de uma qualidade de alto padrão.
De outra forma, por exemplo, Puerto Iguazu vai se firmando como importante polo gastronômico típico da culinária e cultura argentina. As noites na cidade são bastante animadas e não raro estão repletas de turistas brasileiros que misturados com argentinos e paraguaios também passam a formar um grupo com certa homogeneidade.
Todo o seu setor de compras, ao contrário de Ciudad del Este é caracterizado pela presença de produtos argentinos que são bastante atrativos, dada a sua qualidade, para os consumidores brasileiros e paraguaios. Esses produtos estão especialmente em artigos de vestuário, em couro e lãs variadas e produtos alimentícios típicos como vinhos, queijos e embutidos em geral.
Também em Puerto Iguazu, em menor escala, até porque a cidade tem menor população do que Ciudad del Este, temos também o surgimento de uma nova sociedade, muito próxima de tudo aquilo que assistimos no Paraguai.
É de se notar que a presença de argentinos em Foz do Iguaçu é muito pequena e mesmo residentes paraguaios são também formadores de um pequeno grupo de habitantes. Não há um movimento intenso de migração, do Paraguai ou da Argentina para Foz do Iguaçu.
De qualquer maneira há uma grande aproximação até porque os acessos são fáceis, através de pontes sobre os rios Iguaçu com a Argentina e Paraná com o Paraguai. É mesmo possível tomar o café da manhã em Foz do Iguaçu, almoçar em Ciudad del Este e jantar em Puerto Iguazu, sem maiores complicações ou dificuldades, em tempo bastante reduzido.
A tentativa de ampliar essa base territorial com o denominado Polo Internacional do Iguaçu ainda encontra sérios obstáculos junto as autoridades dos três países, mas é visão estratégica de futuro que isso será oficialmente criado e reconhecido com o passar do tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidente que não existe uma nova nação sendo constituída nesta região da Tríplice Fronteira. Evidente também que existem novas realidades que estão surgindo nessa área, fruto de novas vivências sociais, de uma nova mentalidade cultural que está sendo construída e que parece única neste mundo globalizado.
Tipicamente não estamos na Tríplice Fronteira falando do Brasil, da Argentina ou do Paraguai, ao mesmo tempo que essas nacionalidades ainda existem de forma muito acentuada. Mas será que no futuro próximo a ideia da nacionalidade persistirá frente à globalização? Esta dúvida é deixada em aberto, propositalmente para novas discussões e reflexões de futuro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CASTELLS, Manuel – A Sociedade em Rede – São Paulo, Editora Paz e Terra, 1999
CENTURIÓN, Juan Crisóstomo – Memórias  Reminiscências Históricas sobre La Guerra Del Paraguay – 3 volumes Asunción, El Lector, 1987
CHIAVENATO, Júlio José – Genocídio Americano A Guerra do Paraguay –São Paulo, Círculo do Livro, 1988
DE MASI, Domenico – A Sociedade Pós Industrial – São Paulo, Editora do SENAC, 2000
DORATIOTO, Francisco – Maldita Guerra – São Paulo, Companhia das Letras, 2002
OLIVEIRA, Flávia Arlanch Martins de – Globalização, Regionalização e Nacionalismo – São Paulo, Editora da Unespe, 1998
GENTILI, Pablo. Neoliberalismo e educação: manual do usuário. In: SILVA, Tomaz Tadeu
da, GENTILI, Pablo. Escola S.A.: quem ganha e quem perde no mercado educacional
do neoliberalismo. Brasília : CNTE, 1996. p. 9-49.
MCLUHAN, Marshall – Os Meios de Comunicação como extensões do homem – São Paulo, Editora Cultrix, 1964
MIRANDA, Anibal – Paraguay e Las Obras Hidroelectricas Binacionales – Asunción, El Lector, 1976
POMMER, León – A Guerra do Paraguay – São Paulo, Global Editora, 1981
SCHAFF, Adam – A Sociedade Informática – São Paulo, Editora Brasiliense, 1993








           

Um comentário:

Anônimo disse...

Prezado colega, gostaria de saber seu email para remeter artigo para eventual publicação. Grato, Eduardo Feld, juiz de

direito do RN, efeld@bol.com.br