quinta-feira, 10 de junho de 2010

Dificuldades metodológicas no estudo científico de direito e moral


Dificuldades metodológicas no estudo científico de direito e moral
Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

Advertências preliminares. (1) Esta publicação é parte do capítulo de uma parte que trazemos preparada; trata-se de um livro sobre as "raízes da corrupção". (2) Valemo-nos de fontes até ao presente momento havidas como científicas. Também das menos aceitas por ora, como trechos da internet, sempre que nos tenham parecido serem de credibilidade. Muitas serão as indicações dos sites respectivos, pois. O pensador, como o leitor, precisa estar atento à realidade — sabemos muito pouco e de quase nada sobre ela e dela. Em vez de pessimismo trata-se da prudência necessária: não pensar que tudo é fácil. De outro lado, pensa-se com alguma confiança aceitável porque a experiência mostra haver possibilidade de se refletir mais corretamente sobre o eu e sobre o mundo quando se adota método mais seguro para se errar menos. (3) O nosso trabalho irá insistir uma e outra vez nesta matéria.  (4) Surgirão casos em que o título da obra citada vai para a nota de rodapé e fica o número das páginas dentro do próprio texto.  (5) Passagens há em que são copiados, mesmo longamente, trechos de outrem; a razão disto é que o valor intrínseco deles se perderia em grande parte se apenas lhe resumíssemos as idéias. (6) Por vezes traremos trechos em idioma estrangeiro sem tradução, para o leitor culto lhe poder analisar o conteúdo com mais exatidão. (7) Haverá momentos em que traçamos as nossas considerações logo em seguida ao pensamento apresentado de algum ou de vários autores.
A questão da jurisprudência no estudo do Direito. A muitos leitores interessados em Direito parecerá ser este estudo, ou grupo de estudos, escrito sem maior apreço ou preocupação com a jurisprudência. A razão dessa desimportância é que não se cuida aqui de peça processual. A jurisprudência, quiçá mais que a doutrina, vem referta de erros; freqüentemente isto acontece. Muitos acórdãos mencionam outros que, por sua vez, acriticamente são retirados de outros e assim por diante. Por vezes a matéria não é mais que assemelhada. Não são estas as "fontes do direito” confiáveis, exceção feita às súmulas vinculantes (porque a Constituição as equiparou a regras jurídicas). Tampouco são aplicáveis muitos desses julgados como locus de estudo, como fundamento para se aprender ciência do direito.
Lógica forma e lógica material. Passamos agora a uma visão mais ampla, de todo e qualquer esforço científico para se conhecerem as realidades do mundo extrassubjtivo. Para tanto, atente-se à teoria de Gödel com a incompletude das proposições logicamente perfeitas. Segundo Gödel em trabalho de 1931 sobre a incompletude das proposições logicamente perfeitas, toda teoria de perfeição lógica formal, isto é, sem contradição alguma, coincide, em lógica e matemática, com a sua própria incompletude (“theorem of incompleteness”, Vollständigkeitssatz”). Como isto faz parte da “condição humana”, o pesquisador tem de estar sempre atento ao momento em que surgem novos dados para corrigir-se.
A organização (lógica) do pensamento (1) para as idéias ficarem clara e comodamente ordenadas para o próprio pensador e para o seu público é a lógica formal. Já a organização (lógica) (2) do pensamento adequado aos fatos de qualquer natureza, sobre os quais se está a discorrer, realiza a lógica material. Se o pensador foi feliz porque o seu pensar corresponde à realidade extramental, será verdadeira a proposição que expressar o seu pensamento. Com a lógica formal nem sempre isto ocorre porque nela não se ocupa o pensador com o mundo extramental, mas sim com o próprio ato coerente de pensar — coerência de idéias entre si e não coerência de idéias com o mundo exterior a elas.
Buscando-se a lógica material (proposições verdadeiras no seu contudo) é como se pode discutir pelo método indutivo-experimental os assuntos de direito  e moral (como a corrupção). Não se pode, sem renúncia à vida, renunciar ao pensamento cauteloso, nem à correspondente escrita, sopesando-se as realidades extramentais — os fatos. E mesmo assim o pensador verá que as proposições formadas, escritas, passadas a outrem ou não, ainda terão de corrigir-se, de completar-se, de aperfeiçoar-se. Por quanto tempo será assim, ainda não sabemos. E se a própria teoria da incompletude for, em si mesma, incompleta? Notemos este fato experienciável: também a ciência é um processus, de modo que o conhecimento pelo método indutivo-experimental pode avançar sempre, aumentando a adaptação do instinto e da inteligência ao mundo, interno e “circundante”; descobrirá mais e mais proposições verdadeiras, que pode complementar.
A teoria do conhecimento (gnosiologia). Este aspecto da estrutura da natureza humana corresponde ao axioma de Einstein para o mundo físico: “As leis da física devem ser escritas da mesma forma em qualquer sistema de coordenadas, em movimento uniforme ou não”. Como, porém, todos os homens e círculos sociais humanos se movimentam incessantemente, num e noutro campo nós temos de nos contentar com uma matematização dos eventos, de pendor apenas estatístico. Esta circunstância mostra a limitação do conhecimento e importância do cálculo de probabilidade; é básico nesse campo o conceito de freqüência dos acontecimentos.  Esta modéstia, conatural ao conhecimento científico, não elide esforços senão que lhes reforça a necessidade. Nós, seres cognitivos, estamos em relação dinâmica uns com os outros. O trato estatístico dos dados sobre corrupção, por exemplo, só poderia mesmo ser de muita dificuldade porque o corrupto busca fugir, em quase todos os países, das conseqüências penais do vício. Uns, se estão unidos, ou se não são abertamente inimigos, auxiliam o seu próximo a ocultar-se. Todo outro tipo de fato que lhes seja proveitoso para esse objetivo será coordenado para tanto. Procuram corromper autoridades e seus auxiliares.[1]
Avanço continuado dos saberes e o método indutivo-experimental. O que também por ora sabemos (saboreamos, sentimos, experimentamos) é que, sim, o saber não parece ter fim nesta existência, como dissemos (“A ciência avança sempre”, enunciou Pontes de Miranda). O animal instinto-inteligência (isto é o Homem) haverá, pois, de estar sempre aberto a novos e mais novos dados, dados estes renovados para assegurar-se um pouco mais do avanço do conhecimento. Parece não haver possibilidade de um dia final (de um dies irae) para este processo. Sim, porque também a ciência é um processo social de adaptação; anda sempre, a menos que lhe fechemos o círculo, ficando propositalmente sem ter para onde ir, sem aumentar o elemento conhecimento (γνοσκω) de geração de saberes — γνω. 
Não parece haver porém, razão suficiente para desespero e sim para modéstia e esperança. Ou caímos no niilismo; e como este chega a prejudicar a saúde, ao menos por um imediatismo “filosófico” (biológico) temos de arredá-lo como erro de pensamento e de sentimento. Este argumento está fora da lógica formal. Bom sinal (primum vivere deinde phisolofare)!
De outro lado, algo se tem conseguido, como as notáveis conquistas, úteis para a vida humana em muitos dos seus aspectos, quando não claramente necessárias. Dá-se isto, na grande maioria dos casos, pelo método indutivo-experimental. E, pois, convém mantê-lo até quando de outro modo nos convençamos de que “outro valor maior se levanta”. Esta espécie de argumento biológico limita por um lado e nos completa por outro. Tal é o caso do homem fazedor, criativo, poeta. Todos o somos um pouco, ou seja, temos algo de coragem e de alegria (vida) para dar às coisas a forma (idéia) mais exata possível. Estas qualidades foram exaltadas pelo gênio de Goethe.[2]
Confronto de experiências. Os entendidos e os estudiosos profissionais da teoria da incompletude iniciada em 1931 muito haverão de dizer sobre a matéria. Talvez seja o caso de pensar que a ciência está mesmo incompleta na sua formalização se não se entrosar com os dados dos outros processos sociais de adaptação, perante os quais o conhecimento organizado e testado confira os seus resultados. Há muitos autores que falam da “interdisciplinaridade” e de “transdiciplinaridade”.[3] Uma classe de experiência humana conjuga-se com outra de outra classe. E temos até de pensar que essa comparação de elementos é vital, amplamente existencial, sem restringir-se aos processos cognitivos. São exemplos os da paleontologia com a botânica, da medicina com a física, de pesquisa científica com lucros,[4] economia com gerenciamento industrial ou comercial, educação infantil examinada com dados antropológicos, econômicos, históricos, sociológicos e outros pontos de vista.[5]
Assiste-se hoje a encontros entre físicos e religiosos (notadamente os dotados de algum dote místico) para trocarem idéias e experiências num e noutro espaço das experiências próprias da humanidade — entrar nas estruturas do ser físico. É apenas um exemplo.
Breve conclusão. No estudo da corrupção, tema central deste estudo, é de mister muita e continuada busca. As formas sob que ela se esconde (não por vergonha mas por medo) são em grande número. E a exposição racional desse ilícito, ora penal ora só administrativa, é de difícil manejo. De todo modo a luta contra esse mal social pede crescente minudência conceitual por causa dos seus meneios e trejeitos tão variados. E temos de falar em “mal” ao menos pelos destroços políticos, econômicos, jurídicos e morais deixados em quase todas as pessoas, e mais ainda nos mais pobres e desvalidos. Esse sofrimento é nada desprezível assim no espaço dos bens materiais como no da vivência em dignidade. Essas dores são mais perceptíveis na experiência biológica que na pesquisa lógica. Merecem pensadas, é proveitoso escrever sobre elas. Este é um dos parâmetros ao escrevermos este trabalho.
A “essência” (o jeto de Pontes de Miranda). Cabe dizer algo do que possa ser “essência” e logo sobre “conceito” em filosofia científica. Adentramos com isso um pouco a um ponto nada simples da filosofia científica. Fá-lo-emos passo a passo e só resumidamente. Ao leitor interessado em aprofundamento ficam as fontes indicadas. Eia, pois.
1) Observamos o objeto. 2) Dele extraímos a “idéia”, a “essência”, a espécie geral, o universale, o jeto. 3) Depois podemos produzir para fora de nós o conteúdo dessa realidade. É mediante o conceito, o produto desse “parto”, que fazemos a expressão da idéia. Precisamos, como assinala Pontes, [...] de “ mos­trar o que se passa entre a sensação ou a percepção e o con­ceito ou o julgamento. [...]
4) Sigamos cuidadosamente a mesma linha de pensamento. Tomemos agora como amostragem a idéia direitos humanos (matéria a ser tratada em outro trabalho nosso) em conexão com os processos imorais corruptores, todos também contrários a direito. Posso ver o objeto "direitos humanos" e abstrair de tudo que não é isto ("direitos humanos"); depois, procuro o remanescente mental (o que acaba de ser inserido na minha mente — o “mentado”, diz Pontes). Aí consigo aludir sem dependência ao objeto "direitos humanos". Não preciso para isto, agora, do objeto "direitos humanos" de que extraí (indução) o resultado colocado dentro da minha mente (o "direitos humanos" da minha mente) — já não dependo, pois, daquele primitivo "direitos humanos" (objeto, anterior à coisa mentada) do qual posso agora bus­car o correspondente direitos humanos, isto é, o que está colocado fora da minha mente (por experimentação). O mesmo ocorrerá com ob-jetos como "direito", "moral", "corrupção", "bom", "azul", "vocês", "mais tarde", "antes de", "ótimo!" etc. etc.
Minúcia sobre o Ob-jeto.[6] A partir de alguma experiência de excitação (e de impressão), pode o Homem ocupar-se dela, e de cambulhada com ela, com outras inumeráveis experiências, mais sensíveis umas e outras menos. Quer isso dizer que ele, como Homem, pode "cercar" o estímulo para examiná-lo. O que faz? Emprega uma "técnica" (τεχνη, mão) para prendê-lo, apreendê-lo. É o expediente de assumir uma atitude, fazer algo assim como um trejeito mental — é a atividade de pô-lo como algo diante de si, concretamente preso, focalizado, ob-jetivado. O ex-jato puro (=antes do trejeito técnico do Homem) já agora passou pelo sub-jeito (também este sujeito é um jato).
Que coisa é este "jato" de que estamos a escrever. Este jato é um jorro de matéria-energia que assoma e se esconde na Natureza, fora do nosso pensamento. Trata-se de um jorro a mais de matéria-energia dentre os de número indefinido e ilimitado, que ocorrem enquanto o Universo prossegue na sua expansão contínua — isto é a Natureza no seu mais amplo sentido.
Bem, essa operação dá-nos o "ante-jeto" que é o ob-jeto: algo concreto posto diante-de-si pelo sub-jeto — em atitude natural. E aí fica o jato, mas não mais como um ser entre tantos outros, a estarem "co-sendo" na relação ser-ser (jato-jato) no mundo, fatos da natureza. Já agora tomou a conotação humana: em vez do jato-em-si, extra-mental, trans-subjetivo, agora é jato no Homem, uma cria humana. O jato como impresso ou focalizado pelo Homem não é o "jato em si" da natureza; este, enquanto não impresso, não é o mesmo que o impresso. "Em si", sem estar impresso, é um "não-impresso"; é a "coisa em si" ("Ding an sich" de I. Kant). Antes de ser sentido é algo ainda "não-sentido", antes de ser conhecido é algo "não-conhecido". A coisa em si é um nome para o desconhecido. O ob-jeto, enquanto continuar sendo uma "presa", é uma criação que contém o jeto, este ser colhido agora entre muitos outros jatos do mundo extramental. Este ainda está temporalizado, não é um jeto geral (dentre os muitos do mundo), mas é esse jeto diante-de-mim (=ob-jeto).
O sujeito, o sub-jeto. Digamos algo sobre o ser cognoscente, ou seja, sobre o sujeito, sobre cada um de nós no ato de conhecer. Ao mesmo tempo e em mais um trejeito (= a atitude, o ato, a atividade mental, a modalidade técnica de alguém se aproximar da coisa), ocorre o seguinte: acentua-se, frisa-se, realça-se mentalmente esse mim, esse eu — é o sub-jeto (sujeito). O Homem como tal firma-se na sua posição: a postura mental de um ser empenhado agora em suportar em si (ele é sub), defrontando-o, o jeto focalizado (=ob-jeto).[7] Sujeito aqui no nosso caso e neste momento é o leitor, e objeto pode estar sendo o direito, a moral, a corrupção (entre outros objetos também estudados).
De modo que sujeito e objeto são duas "realidades", como também o são estudioso e corrupção; são realidades formadas por atitude ou trejeito psíquico do Homem (estudioso) empenhado em apoderar-se cognitivamente "das coisas", de jatos da Natureza, de seres do Universo (como, por exemplo, os atos de corrupção). O que se passa sem essa atitude, ou com ela, é o contato de seres-com-seres; com esse trejeito ou sem ele, presente ou não o excitar-se com o estímulo, há a relação ser-ser: jato-jato na Natureza, coisa-coisa no Universo em expansão. No interior do Homem sentinte o jato estimulante, "selecionado", já tem a cunhagem humana. Algo dele se alterou — algo se perdeu com fato de ser selecionada uma parte sua (esta parte é abstraída, extraída, retirada). Perdeu-se esta parte , no sentido de não estar na sensação por inteiro. E o que ficou dele no sub é sim dele, mas mesclado com a assimilação própria da sensibilida­de. A gravação, a marca, é deixada pelo jato, é uma parte do jato: algo do jato está ali, mas com mescla do sub, do Homem. Ou seja, o Homem não pode conhecer senão cooperando criativamente, pondo algo dele próprio na relação com o jato procurado.[8] O que fica em nós do jato é o jeto. Jeto é o jato-segundo-o-Homem. Mas jeto é algo real do jato. Quando conseguirmos cercar assim a idéia de corrupção, teremos obtido material mais seguro para o conceito de corrupção. As proposições formadas sobre essa pedra segura serão mais confiáveis. (Diga-se o mesmo com "direito", "moral", "direitos humanos" etc. etc.).
Esforço pela cognição correta, uma atividade “boa”. Nem sempre é fácil a colheita do jeto, a tomada de posse de um "universal" (de uma "essência" da filosofia clássica). Essa atividade pode ter por obstáculo a preguiça mental ou o destempero (falta de temperança), dois vícios. Estes dois vícios contrapõem-se à conduta desejável pela maioria dos agrupamentos humanos. Tal omissão e tal imoderação são reprovadas por muitos círculos sociais. O fato de alguém não se moderar constitui uma derrota causada ora pela vontade de poder, ora pela atração dos prazeres (talvez até por uma e por outra fraqueza). Uma conseqüência importante é a construção dos conceitos e, com eles, a formação de proposições, afirmativas ou negativas. Estará feito, também por esta via de exagero ou de omissão, uma destruição social, ou seja, surge aí mais uma forma de corrupção. Com denodo é que se conseguem vitórias na colheita do jeto.
"Jeto" é o jato como o pode receber o Homem. Continuando, veremos a seguir outros pormenores sobre como se dá a extração do jeto (essência, universal) e como, usando-o, nós o colocamos em proposições. Ora bem, o jato humanizado é o "jeto".[9] O jeto é o "jato-como-recebido-pelo-Homem". Em outras palavras, o "universal" corretamente colhido é a coisa, quando o sub se deixa impregnar de certa e determinada "forma" dela, da coisa (um aspecto, um "inspecto" ou dimensão interna, um dado). Dá-se isto quando o sub (cognoscente) já se houver desarmado das presilhas, ou seja, quando já tiver desmontado o seu esquema preensivo — abstraindo do ob (e pois de qual­quer marcas dele afora o que fica nesta operação mental — o jeto). Então ele pára de ob-servar;  somente conserva o núcleo que reteve. E também corta (pres-cinde) as referências a si, ao sub. O que já lhe tinha ficado como sub-jeto, agora é apenas o jeto, o ser, a “essência”. Deixa assim de fora do seu ato (abs-trai do seu ato), como o ob (concretude ou concretudes), e também o sub (as alusões ao eu). Mas, há mais: a pessoa pensante ou sentinte corta fora ainda a própria relação de si com a coisa (pre-scinde). Já não se cuida de sub-jeto, nem de ob-jeto, nem sequer de -jeto (ele retira o hífen, afasta de si a própria idéia de estar em relação com a coisa). Logra-se assim o feito vitorioso: a pureza (veremos que é relativa essa pureza) — consegue a pureza do jeto ("universal", "essência"). É quando é pura a idéia de "direito", "moral", "corrupção" etc. etc.
O desafio do natural caráter social dos seres humanos. A maior dificuldade ("desafio", diz-se hoje) é que o Homem não pode conhecer senão ao modo como ele é, isto é, como Homem. Porque tudo quanto se recebe é recebido ao modo do recebedor (quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur). E — interessante —, como nem é nem existe nenhum jato humano isolado, não-social, o cognoscente é sempre um ser-entre-seres. Também na ciência se dá a socialidade porque ela é apenas mais um dos sete principais processos sociais de adaptação. Haverá em todo conheci­mento impregnações sociais. E de mister, pois, a depuração dos trejeitos, porque eles são escórias subjetivantes e objetivantes. Tais restos são naturalmente necessários porque o homem é o que é por antes dele ter existido a assembléia. Mas, urge tomar-se cuidado por isso que as ditas escórias podem de algum modo ser deturpadoras dos conceitos. No processo de co­nhecimento há a fase da tomada de consciência, que já é ciência. É um momento no qual a pessoa estudiosa, o sub, está a voltar-se de novo para as estruturas de si próprio, tomando ou retomando o contacto consigo.[10]
Os seres, os jatos, rolam pelo mundo, quer sejam preendidos como sujeito ou como objeto, ou não. O "jeto" que nunca o Homem sentiu nem conheceu será o que é, sem o Homem. Para o Homem é desconhecido, é uma coisa em si ("Ding an sich" de I. Kant). Sem o trejeito técnico do sub (atividade preensora), sem estarem a "coisa" e o "eu" confrontados um perante o outro (em tensão, em “dialética”), sem um desses termos, repito, não há a relação. O jeto será um dentre inumeráveis outros: será um jato, um ser, uma coisa, um pedacinho de mundo mas, ou não cognoscível ou ainda não conhecido. Será a coisa em si mesma, sem relação com o nosso conhecimento. Por outra: só temos o jeto de que os seres (os jatos, as coisas) permitem que se colha neles, ou seja, só temos o jeto do que se nos oferece, se nos (e que possamos colher). A humildade é uma atitude da qual precisamos para errar menos. O afastamento da corrupção como no orgulho, na vaidade, na preguiça etc. ajuda a ciência, favorece o conhecimento exato e rigoroso do Direito, da Moral etc.
A extração do jeto é lenta. Afastado todo antropocentrismo animista ínsito nesses verbos, podemos dizer que somente de dados da coisa, do jato, só de elementos revelados pelo processo natural de sentir e de conhecer, é que podemos extrair o jeto, ter o jeto — o jeto colhível e colhido pelo Homem. A idéia de corrupção será tanto mais perfeita, proveitosa ao pensamento correto, quanto mais retivermos corretamente os elementos do jato (esse dar-se dos dados das coisas); é um processo lento, um marchar. Os dados dos jatos vêm-nos aos poucos, na história da evolução. Conhecemos a realidade dos fatos só aos pedaços, por partes, por felpas deixadas captar pelo homem. Também as felpas deixadas pelo eu, quando o eu é posto como "outro", ante quem tomo posição cognitiva.
Os cuidados necessários para se estudar a corrupção e o combate a este mal social. Quando é objetivado, quando cercado o próprio sub (agora como o sub posto como ob-) aí temos o sub-jeto, agora posto pelo espírito como ob-­jeto na reflexão. Jeto (como o jeto de direito, moral, de corrupção) não é nome vazio de realidade; é a presença mesma da realidade no interior do espírito hu­mano como ao homem é possível alcançá-lo. O que o jeto é ("homem", “direito”, "corrupção"), a coisa mesma é ("homem", “direito”, "corrupção"), e não uma substituição por um símbolo, uma como que etiqueta "verbal".[11] Por outras palavras: o jeto da coisa é a coisa mesma, como o Homem é capaz de colhê-la.
Quando a coisa penetra no espírito. Ao injetar-se o jato no espírito (sub), mesmo sem ficar deformado, recebe contudo a "coloração" do sub. Sem deixar de ser jato, tomou a forma de jeto. O jeto é o jato, sim, mas como o pôde colher o Homem. A sua entrada é sempre pela porta inicial da sensação. Não é uma cópia, muito menos uma ficção biológica. E uma realidade, uma presença "ôntica". O resul­tado desta descrição gnosiológica não é, pois, "nominalista" (um jogo de palavras). Com a identidade conseguida entre o jato injetado e o jeto colhido o conhecimento humano, posto tenha de usar a sua peculiar ginástica mental, bem pode corresponder ao que se passa no mundo, fora do homem. Algo novo — o jeto — passou a ser comum ao sujeito e ao objeto. A Ciência é possível, a ciência humana, a ciência dos seres humanos. Podemos estudar com mais segurança o direito, a moral, a corrupção (com as suas dificuldades e seus estragos). Haverá de ser sem corrupção no ato mesmo de conhecer — com humildade e confiança.
O sub, verdade seja, não colhe tudo. Mas o que colhe bem colhido, acerta com uma partezinha do Universo. Colherá bem se for suficiente a ob­servação, sem afastar prematuramente as presilhas consistentes em ob’s (confu­são de objetos) e sem retirar prematuramente o aparato pessoal do sub (mistura de si com o subjeto). Ainda: ter cautela antes de soltar-se da própria relação (-jeto). Eis aí o esforço radical da indução.
Breve aplicação à questão moralidade X corrupção. Duas situações são fáceis de ser encontradas.
a) Há estudiosos como que viciados em presunção. Imaginam-se por vezes como seres capazes de terem rapidamente idéia precisa das muitas coisas que querem definidas agora, mesmo sendo muitos jetos retirados a muitos jatos e objetos. Confundem-se e mesclam as coisas sem o perceberem. Esses estudiosos estão tangidos pelo vício do orgulho. Vaidosos, prejudicam-se a si próprios e ao seu círculo social. Menosprezam com a soberba o esforço intelectual, ingente, paciente, prudente. Mas, mostra a experiência como o homem altamente vaidoso é um individualista de apoucada confiabilidade. Resvala facilmente para o egotismo, quando a personalidade se torna enrijecida e se liquefaz no círculo fechado do culto de si. Perde, por isso, o controle da obsessão por si próprio (sub). No fundo está a alimentar raízes da corrupção.[12]
b) Existem também os céticos, para os quais é tanta a complexidade do mundo em geral que toda a tentativa de conhecimento científico dele é um ideal utópico. Essa atitude afrouxa o complexo instinto-inteligência (amolece o Homem). É provável que homem deste tipo se torne cediço à preguiça (“acidia”) com certo abatimento do corpo e do espírito, num estado de frouxidão capaz de convertê-lo em intelectual ou ex-intelectual inerte, abatido, incônscio do seu estado de tristeza e pessimismo. Em meio à teoria do conhecimento pode medrar aí, pois, outra classe de raiz de corrupção. Estará a contrariar a moral e muito provavelmente também o direito.
  O uso do jeto colhido e o conceito. Poderá o Homem prudente, intelectualmente não corrompido ("liber homo scientificus") usar agora o jeto colhido e cons­truir a sua visão do mundo, formando conceitos verdadeiros (e proposições verda­deiras). Para tanto não pode, contudo, "inventar" extrapolando, saindo para fora do que recebeu em si dos jatos (do mundo, dos seres, da realidade extramental). Ao usar o jeto, novos cuidados haverá de ter o instinto-inteligência — terá de renunciar aos livres malabarismos com o dado colhido. Prudência é de mister para o controle desse manejo dos extratos ou "essências" ou "univer­sais".
O conceito. O conceito é uma entidade intelectual diferente do jeto (universale, “essência”). Não se confunda, pois, o ato de conhecer com a expressão dele. Nem o conceituado (objeto, jeto) é a mesma coisa que o conceito. Quando ponho diante de mim a realidade "direito", e a insiro no espírito, estou introduzindo algo, a consistência do outro ser. Ao conceituar "direito", aí a minha mente passa a produzir algo, de modo que o conceito é um pro­duto. O conceito não colhe como se faz com o jeto, e sim traduz o resultado empírico, ou seja, a atividade do ser cognoscente. Não é fácil conseguir esta produção correspondente aos universais (=jetos). Ciência resulta de luta árdua. O conceito não contém necessariamente um ser, porque ele é o produ­to orgânico (psíquico) que alude a algo posto lá fora do sujeito (trans-subjetivo). Ele é um ato humano mais carregado de elementos sociais que a colheita de jetos, sendo que o jeto mesmo já é o ser mesmo, como o colhemos do mundo. Num e noutro caso, note-se bem, o nosso pensamento precisa de modificar-se, isto sim, a cada aparição de novos dados experimentais. Tal aparição de dados novos nos obrigam a mudar. Quem anda corrompido pela presunção, porém, resiste às mudanças: é um "sabe-tudo" cabeçudo.
Mudança de opinião. Igualmente, cabe afastar-nos de proposições incompatíveis com as proposições verdadeiras baseadas em dados novos. As proposições são uma como colcha de jetos e de conceitos. Note-se, por isso mesmo que, no plano do conhecimento, o conceito e o julgamento andam juntos. As proposições verdadeiras, como os conceitos verdadeiros, supõem um obje­to ou um jeto; um e outro se impõem ao pensamento de quem julga ou conceitua. Decerto é com os conceitos que nós formamos proposições.[13] E logo se vê serem errôneas ou vagas (imprestáveis e danosas à cognição) as proposições compostas de conceitos produzidos antes do tempo certo, antes de nos assegurarmos de havermos colhido jetos bem extraídos — feitas todas as depurações necessárias, isto é, depois de retiradas as cargas subjetivas e as reminiscências objetivas (=confusões de coisas). É mais fácil aí a depuração, quase instintiva, em quem se der a este trabalho de prudência e humildade.
O saber e as ilusões sobre ele. O saber é uma necessidade instintiva em muitos assuntos urgentes; entretanto pesquisas modernas sobre ilusões mentais vêm mostrando que estas podem dar-se ao modo seguinte: a) quanto à atenção, b) quanto à memória, c) quanto ao conhecimento, d) quanto à confiança, e) quanto a processos míticos. Temos, pois, de estar cientes de as nossas habilidades mentais e outras capacidades poder ser menores do que pensamos. Questionar-se alguém sobre os seus próprios limites e conhecer as suas limitações são duas boas atitudes de prudência e de humildade. Passam igualmente a ser um progresso apreciável no conhecer-se melhor; também para aumentar o seu potencial cognitivo.[14]

Conceito. Já o conceito é mais complexo. Porque o conceito é produto, está ele prenhe de formas humanas das mais complexas; são “valores” de sete tipos mais prementes — os processos sociais de adaptação (Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência).
A razão e as paixões. Para Santo Tomás, na esteira de Aristóteles, abaixo da potencialidade apetitiva, constituindo movimentos no prol de alguém em direção a algo, situa-se o apetite sensitivo com as duas vertentes: a vertente concupiscível e a irascível. Na inteligência há quietude (quies).[15] Enxergando e mostrando – sem forcejar – essa quies tem possibilidade de governar a própria sensibilidade. Falta-lhe, contudo, qualquer domínio sobre o vegetativo (Summa, I, II, 17, 5-8). À míngua de tal domínio direto e perfeito, e de total ausência dele em relação à natural atividade vegetativa, temos então uma região do “compositum” em que assistimos a uma intensa movimentação irracional, com atrações e repulsas da função apetitiva da alma. De modo mais denso ainda tal ocorre no campo da sensibilidade. Situam-se aí as nossas paixões, de que se compõem os processos sociais de adaptação; entre eles a ciência é o processo mais neutro, o menos despótico e o menos desestabilizador. Logo, os conceitos são produzidos em meio a essa intensa movimentação de instinto-inteligência (Homem). Muita prudência se aconselha.
A razão e as paixões adentram aos processos sociais de adaptação. As ditas formas integram-se no conceito, vindas da vida societária para dentro dos indivíduos. É na sociedade que se faz o homem. De modo que o conceito é produzido sob influências poderosas de elementos dos diversos de processos sociais vitais. O sete processos sociais de adaptação preponderantes são os de Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência. Corremos o risco de, mescladas as irracionalidades com a racionalidade, produzir conceitos mais ou menos confusos e imprecisos, perniciosos às nossas afirmações ou negações sobre os assuntos versados, por exemplo, sobre o que é direito, moral etc.
Paixão, ética e ciência. Para definir-se eticamente uma certa paixão temos de examinar que tipo de “amor” (em sentido amplo) move o espírito: amor errado, paixão condenável; se correto o amor, louvável paixão. É lição de Santo Agostinho lembrada por Santo Tomás (Summa, I, II, 1, sed contra). Agora, o “certo” e o “errado” são vias que somente a razão (inteligência alimentada de dados científicos) define. É ela a norma mesma da moralidade e da racionalidade, de bem e de mal, de probidade e de corrupção.[16] A vontade, guiada pela norma racional da ciência, será fonte de paixões aceitáveis, condizentes com a natureza humana, cuja especificidade supera a do animal bruto porque tem dignidade — inteligência e capacidade de generosidade consciente. A dignidade é a estrela-guia da moralidade, estrutura da grandeza maior da raça humana. Na razão, no mais exato sentido de inteligência capaz de ter ciência, temos um tribunal mais seguro onde se repetem os julgamentos éticos com que nos podemos nortear. Por isso mesmo nem toda paixão é condenável, e nem toda ela há de aprovar-se (probidade).[17]
Sobre a produção de conceitos. O que convém à Natureza Humana, o que esteja a não contrariá-la, é matéria difícil de saber em pormenor e dentro de circunstâncias efetivas. A produção de conceito, pois, demanda contínua reciclagem crítica do nosso conhecimento sobre a natura rerum, a natureza-das-coisas (isto é, sobre os jatos do mundo em forma de jetos corretamente colhidos). São extensas as derivações cognitivas e ideológicas a comporem a produção do conceito. Estamos aí diante do problema gnosiológico. A incessante busca de superação de nós próprios define até certo ponto a luta pelo conhecimento transubjetivo. As escórias passionais da subjetividade são dificultações que a natureza humana lança sobre a realidade maior em que vive, se move e é: a situação de co-ser. Existimos necessariamente em sociedade, em grupos, em círculos sociais nos quais a co-relação cria outras relações, cognitivas e passionais. O conviver forma-nos, e deforma-nos, e conforma-nos. Ser ator e espectador da adaptação geral faz de nós agentes-pacientes nos movimentos do Real. Com os conceitos nós assistimos repetidamente a certa regularidade nas coisas observadas. Podemos então dizer ser viável o nosso espírito andar em harmonia com certo conjunto de elementos, com algum quadro de organização da natureza. É, logo, possível produzirem-se conceitos e proposições de certeza cognitiva (humana) e construir uma ciência positiva do direito — um quadro de conhecimentos que se nutre de dados postos (natureza extra-mental, natura rerum), e não de elucubrações racionalistas organizadas em lógica formal.
Talvez “direito”, "moral" ou "corrupção" seja um desses quadros específicos. Assim também no mais, como — bem humano, moral, probidade, confiabilidade ética, decoro[18], pudor; e, ao contrário, podemos alcançar conceitos acertados para dignidade, mal, fraqueza nos costumes, hábitos destrutivos da convivência desejada pela maioria, "direitos humanos", infiltração de vícios, decaimento social, processo de corrupção.
O método indutivo-experimental há de ser o caminho. Para se acertar mais, para se errar menos, é indispensável cautela em controlar o conteúdo do jeto extraído do jato anterior em face de novo jato igual (quase igual), reencontrado no seio das realidades extramentais. Com maioria de razão essa cautela é inafastável na produção de conceitos e na criação das proposições. Aí o campo passional do pensador é mais poderoso. Pode inçar-se de instabilidade o processo social de adaptação da ciência. Pode periclitar a segurança cognitiva. Manejando-se os expedientes eficazes de conferência entre o a priori conseguido e o a posteriori é que se reencontra, aí sim, a volta ao real extramental e se tem como aprovar as construções "livres". Essa experimentação é bem o controle (mais) seguro da jetividade do extrato. O jato novamente encontrado no mundo, de que efetivamente se obtivera antes uma parcela real — o jeto, o universal, a essência —, é a instância do erro ou do acerto no uso do jeto até à exaustão do seu conteúdo. Agora, obtida prudente confirmação de o extrato posterior ser igual ao extrato anterior, as proposições estarão em correspondência com a Natureza (serão verdadeiras). Nem nos será dado desconfiar delas — até que sobrevenha porventura o desmentido das realidades. Os pontos e as linhas, elementos da concepção e conceituação do fenômeno corruptor (por exemplo), são sempre os mesmos em qualquer lugar e ocasião. Compõem mantença ou a perda da confiabilidade tocantemente à maioria dos seres inseridos em certo círculo social, que o fenômeno atinge.
A relação social de um fato ou de um conjunto de fatos tem alto grau de complexidade. Esta relação é consciente quando nos damos conta dela. Cada “coisa” se move diante da outra, como que a dançar uma diante da outra, incessantemente. Já logo se nota a dificuldade do conhecimento transubjetivo para os seres humanos e se percebe como é fácil errar no conhecimento da corrupção e em tudo o mais.
Mostra Pontes de Miranda que
[...] a maioria — e imensa maioria — dos fatos, do que atinge os nossos sentidos e do que a inteligência aponta como existente, depende das relações. A simples distância evita relações entre dois corpos. A posição dos elementos estruturais da matéria exerce enorme influência nos fatos físicos e químicos. Nada, ou quase nada saberíamos do mun­do se o nosso conhecimento fosse um conhecimento só de termos. Também o é, e em proporção considerável, de re­lações, tidas em seu papel de relações ou como termos, elas mesmas, de outras relações. A própria consciência, o co­nhecimento mesmo, é o resultado de uma relação. Nem sa­bemos como se haveria de conceber um mundo tal como a velha Lógica pretendeu — um mundo só de substantivos e de adjetivos [...]
Como se passa do concreto ao abstrato, do chamado a posteriori ao a priori, do individual à espécie ou universal? [...]
Se partimos dos fatos, se praticarmos o método descri­tivo, o que se nos apresenta é a abstração* extratora, onde o objeto mão perde nada, nem suplanta o universal, nem é superior, nem, à platônica, inferior a ele, [...] diferente do dado ou dados individuais, como ainda quer a fenomenologia, — mas onde, precisamente, individual e universal são um só.

Em outras palavras, não se obtém conhecimento confiável (=ligados aos fatos extramentais), próximo à verdade, se não estiver ele em correlação constante com os próprios sentidos, vinculados a eventos ou fatos. Temos de começar pela observação. Confiança é, aqui, conceito das relações sociais da ciência, processo social de adaptação diverso da moral. No estudo desta é de necessária a aplicação da ciência, claro está.
No estudo da corrupção temos de levar em conta, sempre, os fatos sociais porque neles atuam as leis da lógica, da matemática, da física e da biologia. As conclusões explicativas (teoria) hão de ser confirmadas pela volta mental aos fatos: com a consistência das proposições encontradas e formuladas.
Breve resumo. O jeto não é nome. Este extrato não é uma idéia infundada do sub se tiver havido cautela metódica (indução científica). De outro lado, com a volta ao "real" (experimentação), tão rigorosa quanto a indução, estará sendo entregue ao instinto-inteligência a conquista arduamente buscada: a obtenção de "essência" que acertadamente ele obteve da Natureza e que, usada, correspondente a algo definido do Universo. Logo, a ciência é efetivamente possível, embora humilde; mais: possível porque humilde. Se temos o jeto bem colhido de um jato singular (como, por exemplo, a Lua, Rio de Janeiro, Marte, "depois", mal, agora, aprovado), algo obtivemos dos seus "traços" essenciais. Se for singular, nem por isso deixa de ser jeto (embora não seja universal). É algo in­confundível com outro jeto da mesma característica, resistente a toda igualização com outro qualquer. Entretanto, se encontro um jeto igual a outros jetos (exem­plo: verde), todo outro jeto de grandíssima semelhança com o colhido, será reco­nhecido como igual (verde). Aí o jeto é universal. Será reconhecido, no raciocí­nio, como outros iguais quando os for reencontrando na vida, na expansão do Universo, no raciocínio. Asseguradas ficam, humanamente asseguradas, sem tre­pidação sadia, mantida a saúde mental de Homens, as conquistas dos nossos atos de conhecer. O conhecimento humano pode ser "efetivo", "real", "objetivo" — podem as nossas proposições estar a corresponder a passagens não puramente imaginárias ou arbitrárias do Universo (jatos reais e não criações tolas do instinto-inteligência). Nem serão meros nomes ou convenção gra­tuita. Tal ganho biológico no campo de nossa adaptação ao mundo pela ciência (quase pura indicatividade), devemo-lo ao jeto prudentemente colhido — hou­ve estremo cuidado na retirada do ob, do sub e da própria relação (do hífen de -jeto). Dito de outro modo: a extração dos universais (essência, jetos) pode ser real. Pode corresponder a jatos "iguais" a fluírem pelo Universo. Logo, cumpridos pelo instinto-inteligência esses pressupostos, a sistemática de conheci­mento que erigir será uma construção de proposições a respeito de seres-aí, de jatos do Universo, de felpas do mundo real, de contactos reais com a Natureza — a qual está posta aí. Teremos a ciência positiva no seu primei­ro passo de alta relevância (extração do jeto) e no segundo passo de vital importância (experimentação do jeto). Pode destarte ocorrer a efetiva adaptação do Homem às realidades, de que é parte. Pode ele alcançar "a verdade" (=algumas proposições verdadeiras).
Aí está um dos mais obscuros e admiráveis eventos mundanais postos (fato da Natureza posta), que ocorre no interior do ser vivo, do humano. Surgiu, verdadei­ramente e não por ficção, a identidade entre os dois termos: o extraído vindo de fora é assimilado pelo que o sente ou que vem a entendê-lo. São iguais, de modo que a ciência é mesmo possível, sendo aliás indiferente que a sua edificação proposicional contenha uma congérie imensa de jetos singulares.
O que é direito. É sabido que há a acepção de direito objetivo (=regra jurídica) e a de direito subjetivo (=um bem de vida atribuído a alguém). Bem de vida é a realidade que satisfaz a uma necessidade humana.  As necessidades humanas alojam-se em relações sociais, que sobretudo podem ser de Religião, de Moral, de Artes, de Direito, de Política, de Economia e de Ciência. Na Religião o bem de vida é o sagrado, o supra-sensível, o supra-mundanal. Na Moral o bem de vida é a experiência consciente do valor do ser humano como tal (nem coisa nem só animal), ou seja, a dignidade. Nas Artes o bem é a experiência estética, a que tem o belo por critério ou parâmetro valorativo. No Direito é a segurança extra-subjetiva (a qualificação do fato não dependente de vontade do alter). Na Política é o poder, a participação no nascedouro dele e no exercício dele. Na Economia são os bens materiais para continuação da vida biológica (casa, comida, transporte, roupas etc.). Por fim a Ciência é o bem existencial com o qual atendemos à necessidade de acerto indicativo na colheita de jetos (universais, essências), na produção de conceitos, na formação de proposições. Aí está o saber o mais próximo possível da neutralidade (o grau alcançável, o tolerável). Estes bens de vida são, juridicamente, aquilo que se atribui a alguém, quando ele alcança para si a atribuição deles, ou seja, quando disso tem o direito subjetivo. [19]
Breves conclusões gerais. É relevante a diferença entre lógica formal e lógica material. * Para ser menos imperfeito o nosso conhecimento cumpre estar a teoria do conhecimento (gnosiologia) na perspectiva maior do comportamento dos elementos da Natureza. * O conhecimento avança sempre; a ciência cresce com menos perigo de erros quando for aplicado o método indutivo-experimental.* A teoria do jeto (descoberta por Pontes de Miranda) é relevante e parece superar todas as teorias até hoje conhecidas. * Esta teoria é até de árduo entendimento para quem está afeito aos contornos da filosofia clássica e aos autores de algum modo assemelhados a ela; exige muita atenção e paciência, melhor ainda se o leitor se assenhorear ao máximo possível método indutivo-experimental.* O estudo da corrupção (e dos meios de combatê-la) leva consigo a pesquisa na Moral e no Direito; não basta, porém: as relações sociais contêm as leis de ciências menos "espessas" — a lógica, a matemática, a física, a biologia —, de modo que se requer do estudioso diligente uma continuada atenção aos livros de cientistas que hajam feito adiantá-las ou que magistralmente as dominem. * Hoje esta cautela metodológica é chamada de "interdisciplinariedade" ou "interdisciplinaridade". * O homem é um ser composto (compositum) porque com a inteligência estão os instintos (instinto-inteligência = Homem); por ser assim, os movimentos passionais influem no funcionamento do trabalho intelectual; as raízes da corrupção estão fincadas nele com os vícios capitais, e necessita vencê-los com a prática dos hábitos bons ("virtudes"). Sem isto o orgulho (vaidade é um aspecto deste vício), a preguiça e outros hábitos destrutivos da dignidade criam ilusões, conduzem a erros no campo de conhecimento.* Ética e Moral significam a mesma coisa embora se apliquem diferentemente os dois símbolos lingüísticos na prática da expressão do pensamento. ** O cerne da moral (o "jeto moral") é a dignidade do ser humano, isto é, a sua capacidade de raciocinar e de ser conscientemente generoso (poder de amar); valores humanos são os hábitos proveitosos à dignidade. ** O direito é um modo de convivência (processo social de adaptação) cuja característica maior (o ”jeto direito") é a garantia extrínseca — assim que aparece no mundo o suporte fático, a regra jurídica incide, independentemente da vontade de quem quer que seja. * O corrupto não elide a incidência da norma, posto possa influir com ato contrário ao direito e à moral (corrupção) na sua aplicação, de tal modo que não se aplique em seu desfavor. 

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[1] No Brasil um dos casos mais rumorosos neste campo é o do banqueiro Daniel Dantas, largamente noticiado. No buscador Google aparecem sobre a  história dele mais de 30 páginas, cada qual com cerca de dez itens.

[2] GOETHE, Johann Wolfgang von. West-östlicher DIVAN. München: Wilhelm Goldmann Verlag, 1958, p. 165.

[3] Um desses campos é o da gestão ambiental entre outros muitos; mais geralmente, entre outros numerosos sites, leiam-se alguns poucos sobre esta matéria e outras, tais  como, por exemplo, como o http://www.google.com/search?q=%E2%80%9Cinterdisciplinaridade%22&hl=pt-BR&sourceid=gd&rls=GGLD,GGLD:2008-28,GGLD:pt-BR&aq=t;
              ou http://pt.wikipedia.org/wiki/Interdisciplinaridade etc. etc.

[4] A respeito desta última junção de processos sociais de adaptação, é recente o caso de Craig Venter, o cientista descobridor da célula sintética, o qual "[...] não esconde o desejo de acumular dinheiro". Ver ADAMS, Tim (tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves). Cientista e showman. CartaCapital, número 598, 02.06.2010, p. 59.

[5] [...] “unter anthropologischen, wirtschaftlichen, geschichtlichen, soziologischen und anderen Gesichtspunkten”.
Ver nesse respeito >>http://de.wikipedia.org/wiki/Interdisziplinarit%C3%A4t#Beispiele. [acesso em 13/01/2009]. No mesmo locus é indicada literalmente a seguinte bibliografia (a que não buscamos o acesso):  Christine von Blanckenburg, Birgit Böhm, Hans-Liudger Dienel, Heiner Legewie, Leitfaden für interdisziplinäre Forschergruppen: Projekte initiieren - Zusammenarbeit gestalten, Franz Steiner Verlag, 2005. Rico Defila, Antonietta Di Giulio, Michael Scheuermann: "Forschungsverbundmanagement - Handbuch für die Gestaltung inter- und transdisziplinärer Projekte", vdf Hochschulverlag an der ETH Zürich, 2006. Heinrich Parthey, Persönliche Interdisziplinarität in der Wissenschaft. – In Walther Umstätter und Karl-Friedrich Wessel: Interdisziplinarität – Herausforderung an die Wissenschaftlerinnen und Wissenschaftler. Bielefeld: Kleine Verlag 1999. S. 243 – 254. Klein, Julie Thompson (1996). Crossing Boundaries: Knowledge, Disciplinarities, and Interdisci-plinarities. Charlottesville: University Press of Virginia. Alexander Grau, Mehr Disziplin für alle Disziplinen!, Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung, 23.02.2003, S. 63. Eine Sondernummer der französischen Zeitschrift Labyrinthe. Atelier interdisciplinaire, 27 (2007) : La Fin des Disciplines ?, mit gewissen Texten online. Harald A. Mieg, 2003: Interdisziplinarität braucht Organisation!, Umweltpsychologie, 7 (2), S. 32-52. Bernhard von Mutius (Hrsg.), Die andere Intelligenz. Wie wir morgen denken werden, Klett-Cotta, Stuttgart 2004. Harald Welzer: "Nicht über Sinn Reden!", Die Zeit, 27. April 2006.


[6] Roga-se do leitor atenção paciente para a descrição que segue. É sutil mas não artificiosa. Boa parte da exposição ora iniciada está em OLIVEIRA, Mozar Costa de. A gnosiologia estudada com dados das outras ciências. Santos: Leopoldianum (Cad. posgrad), 2001. 68 p.


[7] Tudo isso é quase somente descritivo - um acompanhar, observando e registrando, esse obscuro ato do ser vivo no seu processo de conhecer. Vide Pontes de Miranda, 1972, pp. 22 a 24,54, 72, 104, 131, e 1953, pp. 5 a 17. Para uma rápida visão de conteúdo desta segunda obra, vide Pinto Ferreira, 1986, pp. 85 a 91.
[8] Nesse sentido a obra de Humberto Maturana, "Cognição, ciência e vida cotidiana" (ed. UFMG) traz no seu bojo passagens muito próximas aos trabalhos de Pontes de Miranda. Vejam-se idéias
contidas nesse trabalho em Folha de São Paulo, 14.07.2001, Jornal de Resenha, p. 3 (por Maria E.
Q. González).

[9] A escolha do novo termo não é nem arbitrá­ria nem fora de propósito, como veremos.

[10] Assim, o conhecimento científico da Natureza é social, e no ato de conhecer dá-se algo de auto-conhecer-se. Entre outras obras ver a esse respeito PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Meditações Anti-cartesianas. Revista Brasileira de Filosofia [do Instituto Brasileiro de Filosofia]. São Paulo: Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, v. XXXI, nº 121, jan./mar., 1981, p. 3-13; Por que filosofar?  (Revista Brasileira de Filosofia, v. XIII, fasc. 52, 1963 – p. 471-495. No mesmo sentido também de Pontes de Miranda, em estilo literário, A sabedoria dos instintos. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, pp. 16 a 20 e 23 a 25.
[11] O jeto em Pontes de Miranda é no sentido de ele estar no objeto, na mesma estrada percorrida por Avicenna e Santo Tomás (enquanto esteve distante de Aristóteles). Contra: VAZ, in Franca, 1969, pp. 343 a 373, para quem a obra de Pontes de Miranda representa "um esforço de eliminação do racional
que está na base da relação sujeito-objeto, e pode definir-se como um nominalismo crítico" (p. 353).

[12] Muitos são os ditos sobre este vício, registrados em livros e enciclopédias. Alguns deles: "Aquele que o amanhecer vê orgulhoso, o anoitecer vê prostrado." (Sêneca); "O orgulho é o complemento da ignorância." (Bernard le Bovier de Fontenelle); "O orgulho divide os homens e a humildade une-os." (Henri Lacordaire); "O orgulho... é filho da ignorância." (Giuseppe Baretti).

[13] Pontes de Miranda, O problema fundamental do conhecimento, páginas 229-240.

[14] A esse respeito há um trabalho científico: CHABRIS, Christopher e  SIMONS, Daniel. THE INVISIBLE GORILLA And Other Ways Our Intuitions Deceive Us.
[Pode ser adquirido por meio do
http://www.amazon.com/gp/product/0307459659/ref=s9_simv_bw_p14_t1?pf_rd_m=ATVPDKIKX0DER&pf_rd_s=center-4&pf_rd_r=0DT0VN5PQK4NJS55D2GB&pf_rd_t=101&pf_rd_p=41171042&pf_rd_i=283155]
Lê-se-lhe uma apreciação crítica de BLOOM, Paulo THE INVISIBLE GORILLA And Other Ways Our Intuitions Deceive Us, em > http://www.nytimes.com/2010/06/06/books/review/Bloom-t.html?nl=books&emc=booksupdateema5.

[15] Grande parte do escrito neste trecho é retirada da nossa tese de doutorado (USP): OLIVEIRA, Mozar Costa de. Paixão, Razão e Natureza (investigação sobre o discurso normativo). Tese de doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994, 239 p.

[16] Tiveram razão os peripatéticos no dizerem que são desejáveis as paixões moderadas, e erraram os estóicos quando afirmaram o oposto, escreve Santo Tomás (ib., 2, r).

[17] Sobre os conceitos precisos (portanto indicadores mais confiáveis de realidade ou natureza), à que aludíamos, na leitura feita ao aquinatense, ver José Eduardo de Oliveira Faria, Sociologia jurídica (crise do direito e práxis política, p. 45-140, André Découflé, La sponteneité révolutionnaire dans une révolution populaire. L’éxemple de la Commune de Paris, p. 173-207 e Sociologie des révolutions, p. 44-84 (este segundo autor com ênfase nas ações passionais da práxis revolucionária — Política).

[18] Decoro é um conceito criado, e um signo lingüístico empregado, para designar atos ilícitos praticados no âmbito federal por deputados e senadores (Constituição Federal de 1988, artigo 55-II, e § 1º — “§ 1º - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas. Coincide,  pois, ao menos em grande parte,  com o conceito geral de ato de improbidade empregado na lei federal de número  8.429, de 2 de junho de 1992, arts 9-11. Bem pode ser, contudo, que exame mais cuidadoso – sempre indispensável — resulte em se concluir que há diferenças.


* Quando falamos aí de abstração não nos referimos a ope­ração necessariamente posterior à percepção, o que excluiria a imediatidade da apreensão do universal. Não só não chegaríamos ao mundo matemático se não percebêssemos o mundo sensível, como também o mundo matemático não se construiria. Desde o primitivo que mostra três seixos para dizer que pegou três peixes até o matemático que estabelece complexo algoritmo, todos precisam de aludir ao concreto, ao dado sensível, não no todo que ele é, mas no que se pode tirar dele: o primitivo ainda não sabe manejá-lo, o matemático de hoje maneja-o com uma perícia e uma virtuosidade extremas.
O papel da abstração e dos seus graus foi profundamente explo­rado por Tomás de Aquino. Usemos a terminologia tomista: toda "potência" ativa ou passiva, salvo a "pura potência", abstrai exercendo-se; quer dizer: por sua natureza particular, segundo o seu "objeto formal", já seleciona os "seus" elementos materiais. Dá-se-nos, di­gamos; e não nos dá o todo. Por uma razão óbvia: não é, ex hypothesi, a "pura potência". A visão abstrai a cor; o olfato abstrai o cheiro. Fala-se, então, de três abstrações que são graus na ordem do conheci­mento intelectual: a abstração direta do universal, que "desmaterializa" mas deixa transparecer todos os valores qualitativos (formais) dos objetos sensíveis ("homem", que abstraio, é de carne e osso, mas não levo em conta a carne e o osso quando digo "homem") ; a abstração matemática, que o tomismo acertadamente não esvazia (quantitates, ut numeri et dimensiones, et figurae, quae sunt terminationes quantitatum, possunt considerari absque qualitatibus sensibilibus); a  abstração dos  conceitos transcendentais.
Em Tomás de Aquino, o particular precede, no conhecimento, o universal, mas porque o particular não nos dá, desde logo, todo o universal; e todo conceito direto já é universal. Não sendo intuição ontológica, nem idéia inata dos objetos a que representam, têm de ser os conceitos diretos "abstrativos" (Kant, em 1770, dirá "abstraentes") e "universalizantes". Mais: a universalidade da unidade inteli­gível é a mesma que a imaterialidade do princípio inteligente exige. Entendimento imaterial, portanto conceito universal. "Per ipsam abstractionem a materialibus conditionibus; id quod abstrahitur fit universale" (Summa theol., I, 57, 2, ad. 1).
[19] Direito subjetivo não é, pois, o mesmo que pretensão de direito material, nem ação de direito material, nem exceção de direito material.

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