sexta-feira, 30 de outubro de 2009

NECESSIDADE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DO ORÇAMENTO RELATIVO AO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL

NECESSIDADE DE CORREÇÃO MONETÁRIA ANUAL DO ORÇAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO DE SEGUNDA INSTÂNCIA

Mozar Costa de Oliveira: bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor de direito aposentado (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

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Introdução — o teorema e os corolários sobre a matéria. Cuidamos aqui de um assunto específico, a saber, dos orçamentos mediante os quais são passados ao Tribunal de Justiça de São Paulo (ou a qualquer Tribunal de Justiça) as verbas correspondentes aos seus gastos ordinários, normais, vegetativos. Não tangemos, pois, aqui senão muito de leve, a questão concernente às omissões dos outros dois poderes da república, quando deixam de aprovar lei proposta pelo Poder Judiciário, quando este visa ao gasto de mais dinheiro, destinado a ampliação dos seus serviços e bens. Isto bem pode ocorrer com prejuízo do serviço público (= serviço ao Povo), quando este serviço é examinado e percebido na integralidade complexa das circunstâncias no interior do Espaço-Tempo.

O conceito de Estado: instrumento e não poder autocrático. “Estado” é um conjunto de relações jurídicas e sociais criadas por certo Povo, relações estas estabelecidas entre este ente criado pelo Povo (e personificado pelo reconhecimento do direito supra-estatal ou Das Gentes) e outras pessoas internas, públicas e privadas, servindo de instrumento para o ser humano alcançar mais facilmente os seus interesses (bem-estar, honra, independência, prosperidade), ou seja, é um instrumento do Povo para este obter o que importa aos seus fins específicos, isto é, à sua felicidade.[1]

O Estado brasileiro é estado federado. As unidades internas estão personificadas: União, Estado-membro, Distrito Federal e Municípios. Todos eles são instrumentos e não uma “cracia” ou autoridade livre e arbitrária, com poder impositor de domínio, de mando. O que a ciência e a técnica apontarem como necessidade da coletividade interna (sociedade, Povo), precisa de atendimento. Quando o Poder Judiciário precisa de mais pessoal (cargos e provimento deles), ou mais material para o trabalho, e a simples correção monetária não é bastante para isso, então os dois Poderes têm dever jurídico de atender: trata-se de direito público subjetivo do Estado-membro. Em surgindo obstáculo, irradia-se-lhe ação de direito material para compelir os criadores desse obstáculo a cumprirem o devido. [2]

O propósito deste estudo. Afirmamos e queremos demonstrar apenas que de um para outro exercício, como de 2009 para 2010, é preciso, do ponto de vista jurídico, que a previsão para 2010 tem de ser pelo menos a mesma de 2009 com correção monetária. Esta a tese deste estudo com as correspondentes conclusões, ou o teorema de que tiraremos corolários. [3]

A função aritmética da correção monetária. A correção monetária não aumenta qualquer importe financeiro, acaso pesando sobre ele com algum acréscimo real de mais dinheiro. Não passa de atualização aritmética (abstração) de valores ou conteúdos econômicos (conteúdos de realidade extramental). Não pesa mais em desfavor das fontes responsáveis por pagamentos, ou contra as fontes responsáveis por tomada de medidas administrativas ou financeiras — desde que, claro está, tomem as medidas convinháveis e necessárias para enfrentá-la de um para outro exercício.

1º corolário. É contrário a direito, ato ilícito, qualquer repasse anual de verba para 2010, que for inferior ao do exercício de 2009, isto é, a nominal do passado, com aplicação de correção monetária sobre ela.

2º corolário. Esse ato ilícito (comissivo ou omissivo) pode ser corrigido jurisdicionalmente. Conta-se para tanto com remédios jurídicos processuais diversos; se todos os fatos discutidos estiverem provados com a petição inicial, cabe o mandado de segurança. Tem interesse de agir o Presidente, cujas obrigações legais a cumprir têm contra si o empecilho criado pelo Governador.

3º corolário. Poderá ser invocado o conjunto de normas constitucionais discutidas acima, com mais a do artigo 37 caput, no tocante à falta de legalidade e de obstáculo indevido à produtividade no trabalho ou eficiência:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

O Estado e o seu dever jurídicos sobre o equilíbrio fiscal. Quando o sujeito da vida econômica é o Estado na função de Poder Executivo, o equilíbrio fiscal é um dever jurídico dele; está fora da matéria política em si mesma. A omissão no cumprimento deste dever é para ele um fato jurídico ilícito. Mais precisamente: pode até ser uma responsabilidade transubjetiva — aquela em que se atua sem culpa, sim, mas a ação ou a omissão é do agente que causa dano. Se for a transubjetiva, responde o Estado por ter havido atuação ou omissão do sujeito, causadora de dano. Exemplo: o governador exerce regularmente as suas atividades, mas, mesmo com todos os cuidados recomendados pela técnica, causa inflação, ou não a consegue debelar. Se ele causa com isso prejuízo ao funcionamento do Poder Judiciário, responde o Estado-membro porque este atua mediante a pessoa do governador. A presença ou ausência de culpa transcende a pessoa do sujeito ela é indiferente para que se configure a ilicitude da ação e da omissão. [4]

(Nem é este o lugar para discussão sobre a responsabilidade pessoal do Governador, pessoa física).

Ainda sobre a inflação. O Poder Executivo conta com a arrecadação tributária de cada ano. Também é dever jurídico dele arrecadar. De um para outro exercício os preços sobem aritmeticamente seguindo as exigências “naturais” da inflação. A elevação dos preços é artificial porque, sem haver antes o aumento de bens materiais, as pessoas, produtoras ou comerciantes, elevam os algarismos de um mesmo bem, mesmo que para ele não tenham aumentado os custos. Mas, a inflação tem mais de um componente ou causa. Vários desses componentes são ressaltados pelos especialistas como o resultado da luta dos agentes econômicos para manterem a sua participação na renda na inflação inercial, autônoma ou estável, como diz o economista, ex-ministro da Fazenda, professor Luiz Carlos Bresser Gonçalves Pereira.[5]

Esta elevação é real, efetiva. O contrapeso real e efetivo — dizemos nós — tem que ser o equilíbrio emocional das pessoas. Poucos o têm... E surge a correria econômica, a inflar os preços com o sopro dos algarismos.

Diz o mesmo Bresser Pereira que são vários os autores a estudarem o assunto, com diferença de teorias e, curioso, todos com razão a seu tempo certo. Depende das circunstâncias de momentos diversos: ora o que desequilibra mais é o excesso de demanda dos mesmos bens, ora prepondera a diminuição da oferta destes bens, ou, em outra parte ainda do espaço-tempo o que mais conta é o poder de empresas juntamente com sindicatos. Etc. etc.

Inflação e Governo. Também em boa parte a causa dos desequilíbrios emocionais do Povo provém do próprio governo, seja com a alta dos juros seja com a emissão de moeda sem lastro na produção de bens. Quanto ao governo, a sua falta de habilidade gestora pode levar ao déficit público: terá sido ou porque gasta demais ou porque se descuida de manter o nível de arrecadação; de todo modo, é, neste caso, causação por culpa. Essa sua culpa, porém, não pode atingir licitamente outro poder, como o Poder Judiciário. Tem-se aí uma ilicitude cometida contra o Poder Judiciário porque lhe retira a independência e a autonomia, contrariando gravemente a Constituição Federal de 1988, artigos 2º e 18 caput. Essas qualidades, que são de cada um dos três Poderes, têm de ser acolhidas e respeitadas na prática segundo direito vigente; não se trata de enfeite literário ou de tirada retórica. Fora daí pode ser enorme o prejuízo para as pessoas do Povo — de que emanam todos esses três Poderes.

Os prejuízos causados ao Poder Judiciário. Quer isto dizer, no caso particular do Estado de São Paulo, que se o Tribunal de Justiça sofre prejuízo se em tempo de alguma inflação, o orçamento dele não for retificado ano a ano pela correção monetária: não poderá arcar com as suas despesas comuns. [6]

Vamos a um caso típico: digamos que o exercício de 2010 ficará destituído de força econômica para fazer os mesmos gastos de 2009, se a verba para 2010 não receber a correção monetária das verbas de 2009. Repisemos. Esta é uma situação de embaraço do funcionamento que o Executivo estará criando ao Poder Judiciário. Nem importa se a superveniência desse embaraço foi por culpa do Poder Executivo, ou se não houve culpa dele — a responsabilidade é transubjetiva. O dano foi causado por tem o dever jurídico de preveni-lo. Nestes casos órgão estadual de classe tem também legitimação para agir em mandado de segurança porque todos os magistrados sofrem prejuízo no exercício das suas funções específicas.

“Quid juris” se, por força maior, a arrecadação não foi suficiente para atender ao requisito jurídico da correção monetária? Digamos que no exercício seguinte, para o qual se exige a correção monetária, veio a ser de parca arrecadação causada por crise econômica, nacional ou mundial. Qualquer que seja o esforço do Executivo, os resultados ficariam abaixo da inflação intercorrente de um para outro ano seguinte. É esta uma hipótese possível. O Poder Executivo estaria, então, diante de impossibilidade inafastável de adimplir o seu dever jurídico de arrecadar bastantemente. Terá ocorrido a pré-excludente da vis major. Ora bem, a força maior tanto pode ser determinada pela natureza bruta como por fatos do homem (como o comportamento da Economia geral descontrolada). Segue-se, pois, não se configurar a responsabilidade do Executivo. Terão também os outros dois Poderes de arcar com o alcance deletério desse azar social. O prejuízo do Poder Judiciário ficará, nesse exercício, sem possibilidade de ressarcimento porque ad impossibilia nemo tenetur. Carecerá da própria correção monetária do orçamento do ano anterior.

Quando não foi a inflação a causa de mais gastos. Outra coisa, diversa, é o aumento real de despesas que o Poder Judiciário queira fundamentadamente ter porque o interesse público precisa de mais gasto agora que no ano anterior. Se novos itens forem então acrescidos às contas do ano anterior, aí, sim, é de mister que constem da lei orçamentária anual. Alguns exemplos:

(a) uma nova fixação de subsídios, ou a sua alteração mediante aumento (real!) dos vencimentos dos magistrados, ou dos funcionários. Sobre este suporte fático incide a 1ª parte da norma constitucional do artigo 37, inciso X, de modo que é indispensável a edicção de lei:

A remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada a revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

(b) Também depende de lei específica a criação de novos cartórios, ou de novos cargos nos cartórios já existentes, ou a compra de veículos novos com aumento da frota; passa-se o mesmo com a aquisição de outros imóveis, ou móveis — afora os de mera reposição.

A razão jurídica é a mesma ora apontada: não se cuida de mera correção monetária; os gastos aumentam no seu conteúdo. Sobre eles são muitas as regras jurídicas constitucionais a vigorar.

Neste caso a matéria destes novos gastos, diversos do exercício anterior, atrai conseqüências jurídicas diferentes da simples ausência de correção monetária. Precisa esse aumento real de gasto público de ser discutida e aprovada pelo Poder Legislativo, e cumpre sobrevenha lei nova. De todo modo, também hão de ser observadas as leis orçamentárias (LOA) e a Lei Complementar 101/2000 (responsabilidade fiscal). É que a falta de dinheiro (“recursos financeiros”) ter-se-á originado no aumento dos gastos novos, que não na falta de correção monetária do orçamento do exercício passado, assunto que tocamos em nota de roda-pé acima.

A lei orçamentária anual (LOA) e a lei de diretrizes orçamentárias (LDO). E notemos: para a validade da lei orçamentária anual (LOA) é indispensável a observância da lei de diretrizes orçamentárias (LDO). A LDO tem como finalidade principal orientar a elaboração dos orçamentos, ou seja, apresenta o plano financeiro estratégico da administração pública para certo exercício, dando expressão numérica às receitas e às despesas dos órgãos públicos dentro de cada período ou exercício de execução. Contém valores em moeda, para o cumprimento, o acompanhamento e o controle da gestão.

Matéria constitucional. Consubstancia-se aqui uma matéria constitucional. Veja-se a Constituição Federal de 1988 ao cuidar do orçamento:[7]

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. [...]

E sobre a LDO consta no § 2º:

A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

A Lei Orçamentária Anual (LOA) é uma lei de proposta do Poder Executivo; ela estabelece as despesas e as receitas que serão realizadas no ano seguinte à aprovação dela. O orçamento deve ser votado e aprovado até o final de cada sessão legislativa. A respeito dela vige na Constituição Federal de 1988 a norma do artigo 165, com os seguintes §§:

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; [...]

§ 6º - O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. [...]

§ 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. [8]

Porque o Estado tem que prestar serviços continuados, quase tudo é urgente. Donde o estabelecimento de prazos nesta matéria fundamental:

Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.

4º corolário. Vigem os limites fixados pela Constituição mesma e pelas leis referidas, dentro dos quais não se configura invasão alguma, arbitrária, na autonomia e independência de um poder no outro — nem do Executivo nem do Legislativo.

Agora, de outro lado, a não-observância da aplicação de correção monetária sobre verbas, de um exercício para o seguinte, é contrariedade a direito causadora de dano, portanto um fato jurídico ilícito. Se se descumpre a lei (= o direito objetivo válido vigente), cabe ao lesado ajuizar alguma medida judicial: deve o Tribunal de Justiça, por seu presidente, entrar na Justiça para exigir o valor que lhe cabe por lei. Quando presentes os pressupostos próprios do mandado de segurança, cabe esta ação mandamental para se coibirem os abusos de quem quer que seja — mandado para que o Governador cumpra o estabelecido no sistema jurídico, ou para que cessem as omissões correspondentes ao mesmo. [9]

A lei de responsabilidade fiscal (LRF). É a lei complementar de número 101, de 4 de maio de 2000. Preparada por dois economistas, ela traça várias normas jurídicas de relevância sobre os pontos discutidos. Vamos a alguns deles, pormenorizados, com destaques nossos.

Art. 2o Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:

I - ente da Federação: a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município; [...] IV - receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos: [...]

Art. 4o A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2o do art. 165 da Constituição e:

I - disporá também sobre:

a) equilíbrio entre receitas e despesas; [...]

§ 1o Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.

§ 2o O Anexo conterá, ainda: [...] V - demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.

§ 3o A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem.

O artigo 19 dela estabelece limites de gastos tocantemente à receita corrente líqüida de cada qual, para cada uma das unidades federativas, de modo que o Estado-membro está incluído aí. Esta questão é sem maiores dificuldades.

Regras jurídicas de interesse especial para o Poder Judiciário estadual. E outras normas jurídicas minuciosas há, e de relevo, como as seguintes de que sublinhamos passagens. São diretamente ligadas ao Judiciário estadual:

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: [...] II - na esfera estadual: [...] b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; [...]

§ 1o Nos Poderes Legislativo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar. [...] III - no Poder Judiciário: [...] b) Estadual, o Tribunal de Justiça e outros, quando houver. [...]

§ 5o Para os fins previstos no art. 168 da Constituição, a entrega dos recursos financeiros correspondentes à despesa total com pessoal por Poder e órgão será a resultante da aplicação dos percentuais definidos neste artigo, ou aqueles fixados na lei de diretrizes orçamentárias.

Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda: I – [...]

Observa-se que o art. 99 e § 1º asseguram dois diferentes direitos constitucionais ao Poder Judiciário:

Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.

§ 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

Em face do duplamente assim regrado, percebe-se ter razão o professor Ives Gandra da Silva Martins ao dissertar sobre estes pontos, mostrando que os três poderes estaduais podem celebrar acordo informal, um deles passando ao outro alguma parte do seu percentual, porque terá menos despesas que o outro, com pessoal, por exemplo. Com isso o Judiciário poderá ultrapassar os ditos 6% e estabelecidos no artigo 20-II, b) da lei de responsabilidade fiscal.[10] Cumpre se ponha atenção, entretanto, a dois pontos — (1) que esse aumento só será direito subjetivo público como eficácia jurídica desse negócio jurídico perfeito, de que o autor fala. Não decorre este direito pura e simplesmente ex vi legis. — (2) Essa consecução de mais verba para novos gastos nada tem a ver com o assunto principal nosso: o direito público subjetivo dos tribunais de 2ª instância à correção monetária anual do orçamento, agora sim, ipso jure.

5º corolário. São normas sobre a legalidade de gastos (Constituição Federal de 1988, artigo 37, caput). A não-observância destas regras jurídicas, de parte de qualquer dos poderes, sujeita o responsável a penalidades e a conseqüências de nulidade dos atos praticados. Nada têm a ver, todavia, com a mera correção monetária do orçamento anterior, tocantemente ao exercício seguinte: a só correção monetária, insista-se, não revela aumento porque não é acréscimo de valores reais.

6º corolário. Se os mesmos 6% previstos no artigo 20-II, alínea b) da lei de responsabilidade fiscal (até susceptíveis de ampliação mediante eventual negócio jurídico com outro Poder), resultarem em quantia inferior ao do exercício anterior sem correção monetária, tem o Poder Judiciário direito subjetivo público a que aquele resultado final seja corrigido pelos índices habituais de correção. Só não exsurgirá a responsabilidade do Poder Executivo, e o Poder Judiciário quedará sem a correção monetária, se tiver ocorrido a força maior na arrecadação do período inflacionado, de que se trate.

O Poder Judiciário e o princípio constitucional da transparência. Vigem, e incidem também sobre o Poder Judiciário, as regras jurídicas de responsabilidade fiscal relativas ao relatório resumido da execução orçamentária, tal como está no artigo 52 e § 2º da lei de responsabilidade fiscal. Determina-o também o art. 56 da mesma lei.[11]

Eis aí um ato legalmente obrigatório, explícito, de transparência ou prestação de contas ao público, ao Povo, de que se origina todo o poder, e de quem o Estado é instrumento de vida. Sabe-se viger uma regra jurídica não escrita que se escrevera em constituições brasileiras de outrora: “e em seu nome é exercido”. A origem do poder é o Povo, e o Povo é o destinatário da prestação estatal dos três poderes.[12]

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ALGUMAS CONCLUSÕES

1) Correção monetária de valores não é aumento de importes financeiros. — 2) De um exercício para outro o presidente do Tribunal de Justiça não precisa solicitar ao Governador do Estado o valor do orçamento anterior, devidamente corrigido pelos índices usuais de correção monetária; apenas lhe basta requisitá-lo (ressalvada a hipótese, rara mas possível, de baixa arrecadação decorrente de força maior no exercício seguinte). — 3) Cumpre examinar se o índice de atualização foi corretamente aplicado; a quantia posta no orçamento serve tão-somente para verificar se o índice da correção monetária foi legalmente posto em prática sobre o resultado final relativo ao orçamento do exercício pretérito. — 4) Se não foi atendido, o órgão estadual de classe e o próprio Presidente podem impetrar mandado de segurança contra a omissão do Governador.[13]


[1] Ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição Brasileira de 1967, com a Emenda 1/69. 6 v. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, tomo I, páginas 44-81 e 478-481.

[2] O mandado de segurança dificilmente poderia ser impetrado, dadas as dificuldades de se ter prova antecipada dos fatos afirmados na petição inicial. Pode eventualmente ser uma ação de inconstitucionalidade por omissão (ADO) se essas despesas necessárias ao Poder Judiciário não tiverem constado nem da lei orçamentária anual (LOA) nem da lei de diretrizes orçamentárias (LDO).

Pois, para esta ADO se pode pensar nos seguintes autores com legitimação para agir: artigo 2º [...] IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou [...] VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; [...] IX – [...] entidade de classe de âmbito nacional [ANAMAGES, AMB]. É o constante na lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999, artigo 2º (ADIN), segundo a remissão feita no artigo 2º da lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999 (ADO).

[3] Para efeitos didáticos estaremos a falar de corolários durante a exposição mesma, passo a passo, quando couberem. Chamaremos de conclusões os resultados finais do estudo.

[4] Sobre o fato jurídico ilícito, em todas as suas modalidades, no direito privado e no direito público, sempre com precisão de conceitos, verem PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 60 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, t. I, § 32, página 95 e seguintes; t. I, § 63, página 212 e seguintes; t. I, § 99; página 424 e seguintes; t. II, § 163, página 193 e seguintes; t. II, § 166, página 213 e seguintes; t. V, § 621, página 464 e seguintes; t. XXVI, § 3.104, página 19 e seguintes; t. XXVIII, § 3.347, página 279 e seguintes; t. XLVIII, § 5.147, página 236 e seguintes; t. XLIX § 5.208, página 253 e seguintes; t. LII, § 5.242, página 395 e seguintes e, finalmente o tomo LIII em diversas passagens, notadamente quando trata dos Fatos ilícitos absolutos, Fatos ilícitos absolutos e do Estado e servidores.

[6] O mesmo temos de dizer, claro está, do Distrito Federal e dos outros Estados-membros quando postos nas mesmas circunstâncias.

[7] Na Constituição do Estado de São Paulo figura regra jurídica assemelhada no artigo 19 da Constituição Federal de 1988.

[8] Vigem também regras jurídicas cogentes proibitivas de desorganização da economia e, nela, das finanças, como as do art. 167: “São vedados: I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta; [...] V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes; VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa; § 1º - Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.

[9] Não haverá aí mesmo de persistir qualquer "temor reverencial ao Executivo", de todo em todo inconcebível.

[11] § 1o As contas do Poder Judiciário serão apresentadas no âmbito: [...] II - dos Estados, pelos Presidentes dos Tribunais de Justiça, consolidando as dos demais tribunais.

[12] A rigor, e sem menosprezo (antes, ao contrário), todo ocupante de cargo público é um ministro (minister = o que serve) do seu Povo, um servidor da sua gente.

[13] Quando o Tribunal de Justiça precisa de aumento efetivo de valores para o serviço próprio das suas incumbências, a que a mera correção monetária não é suficiente para atender e os outros dois Poderes não incluem tais importes na LDO e na LOA, terá que conseguir, de quem de direito, a proposição de ADO.

2 comentários:

Cláudia Reina disse...

Mozar,

Você é músico do Direito. Quantos artigos excelentes! Parabéns. Voltarei muitas outras vezes para consultas jurídicas. Proteja o Blog em relação aos direitos autorais. Agora, aguardo seu comentário no Blog de minha filha.
Deixo o meu sorriso "austero" e "maroto" para você rs
Cláudia Reina

Unknown disse...

Dr Mozar!!!!

Mais uma vez obrigada!!!
Estou desenvolvendo um artido para enviar ' a universidade de Oosgoode com o título " Beyond the law" onde eles pedem uma relação com a sociologia , historia, biologia...e o direito!!!
lembrei de nossas aulas e de Pontes!!!! antes de lhe pedir uma ajuda, resolvi olhar o seu blog!!! aqui está!!!!
Espero desenvolver uma artigo a altura de poder citã-los!!!
um forte abraço
beijos Glaucia