terça-feira, 6 de outubro de 2009

Algumas discordâncias sobre “Honduras 2009

Algumas discordâncias sobre “Honduras 2009”

Esta rápida apresentação resultou de discussão com um amigo de cultura elevada. Por isto está em forma de diálogo. As indagações do interlocutor geralmente vêm em orações interrogativas. Pusemo-las em letra itálica. Quem responde é o autor deste trabalho.

1) No dia 23/06/2009 o Congresso Nacional Hondurenho aprovou lei proibindo quaisquer plebiscitos ou referendos até 180 dias antes ou depois das eleições. Pergunta-se: a lei lá é promulgada pelo próprio Congresso, ou passa pela chancela do Presidente, e este pode vetá-la?

A íntegra da Constituição de Honduras no link inserido a seguir:

http://pdba.georgetown.edu/Constitutions/Honduras/hond82.html

A lei é votada pelo congresso e pode haver veto presidencial. Neste assunto vigem as seguintes regras jurídicas constitucionais, de que se assinala algo mais diretamente ligado ao tema:

ARTICULO 205.- Corresponden al Congreso Nacional las atribuciones siguientes:

1. Crear, decretar, interpretar, reformar y derogar las leyes; [...]

ARTICULO 213.- Tienen exclusivamente la iniciativa de ley los diputados al Congreso Nacional, el Presidente de la República, por medio de los Secretarios de Estado así como la Corte Suprema de Justicia y el Tribunal Nacional de Elecciones, en asuntos de su competencia.

ARTICULO 215.- Todo proyecto de ley, al aprobarse por el Congreso Nacional, se pasará al Poder Ejecutivo, a más tardar dentro de tres días de haber sido votado, a fin de que éste le de su sanción en su caso y lo haga promulgar como ley. La sanción de ley se hará con esta fórmula; "Por tanto Ejecútese".

ARTICULO 216.- Si el Poder Ejecutivo encontrare inconvenientes para sancionar el Proyecto de Ley, lo devolverá al Congreso Nacional, dentro de diez días, con esta fórmula: "Vuelva al Congreso", exponiendo las razones en que funda su desacuerdo. Si en le término expresado no lo objetare, se tendrá como sancionado y lo promulgará como ley. Cuando el Ejecutivo devolviere el Proyecto, el Congreso Nacional lo someterá a nueva deliberación y si fuere ratificado por dos tercios de votos, lo pasará de nuevo al Poder Ejecutivo, con esta fórmula: "Ratificado Constitucionalmente" y éste lo publicará sin tardanza. Si el veto se fundara en que el proyecto de ley es inconstitucional, no podrá someterse a una nueva deliberación sin oir previamente a la Corte Suprema de Justicia, ésta emitirá su dictamen en el término que el Congreso Nacional le señale.

* 2) Independentemente dessa resposta, ainda pergunto: a consulta popular proposta pelo presidente então é classificada pela Constituição Hondurenha como referendo ou plebiscito, ou o assunto é discutível?

Nenhum destes três conceitos aparece na Constituição. Mas, sobre a reforma dela vige esta norma:

ARTICULO 373.- La reforma de esta Constitución podrá decretarse por el Congreso Nacional, en sesiones ordinarias, con dos tercios de votos de la totalidad de sus miembros. El decreto señalará al efecto el artículo o artículos que hayan de reformarse, debiendo ratificarse por la subsiguiente legislatura ordinaria, por igual número de votos, para que entre en vigencia.

ARTICULO 374.- No podrán reformarse, en ningún caso, el artículo anterior, el presente artículo, los artículos constitucionales que se refieren a la forma de gobierno, al territorio nacional, al período presidencial, a la prohibición para ser nuevamente Presidente de la República, el ciudadano que lo haya desempeñado bajo cualquier título y el referente a quienes no pueden ser Presidentes de la República por el período subsiguiente.

A respeito da não-reelegibilidade do presidente está assim:

ARTICULO 237.- El período presidencial será de cuatro años y empezará el veintisiete de enero siguiente a la fecha en que se realizó la elección.

Acrescem mais estas:

ARTICULO 4.- La forma de gobierno es republicana, democrática y representativa. Se ejerce por tres poderes: Legislativo, Ejecutivo y Judicial, complementarios e independientes y sin relaciones de subordinación. La alternabilidad en el ejercicio de la Presidencia de la República es obligatoria. La infracción de esta norma constituye delito de traición a la Patria.

ARTICULO 239.- El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.

* 3) No dia 28/06/2009, por solicitação do Ministério Público, a Corte Suprema de Justiça de Honduras decide e decreta a deposição do Presidente, julgando que o ato do presidente, de querer consultar o povo, era ilícito e pois ilegal. Pergunto: nesse curto tempo de 5 (cinco) dias foi dado Direito de Defesa ao presidente?

Ele tem sim o direito de defesa:

ARTICULO 82.- El derecho de defensa es inviolable. Los habitantes de la República tienen libre acceso a los tribunales para ejercitar sus acciones en la forma que señalan las leyes.

M. Zelaya até agora não alegou ter-lhe faltado direito de defesa nem entrou com ação para ser decretada a nulidade do ato da sua deposição.

De todo modo, a defesa dele era conhecida a priori e continua sendo conhecida: quis alterar a Constituição para se permitirem reeleições. Não era de mister o formalismo de ser citado para a ação proposta pelo Ministério Público. Era e é patente a sua “defesa” — pensa não ter cometido erro de direito tocantemente à Constituição do seu país, nem quis continuar no poder com alteração da Constituição. Seja como for, a só tentativa já é crime de lesa-pátria segundo a dita Constituição.

Transcrevo ao leitor parte de outro escrito, dirigido a um amigo juiz de Santos:

Ele foi preso em flagrante por não cumprir ordem judicial — a relativa ao recolhimento das urnas. Ele, ao revés, destituiu o chefe do exército (encarregado pelo Poder Judiciário para cumprimento o mandado de recolher as tais urnas). Os outros dois chefes das duas armas restantes, enxergando a contrariedade à sua “lei maior”, puseram os cargos à disposição. Ele insistiu e mandou botar na prisão o dito general. Adveio a ação proposta pelo Ministério Público com adiantamento initio litis. Ele recusou-lhe cumprimento.

A regra jurídica da Constituição hondurenha sobre tentativa de alterar a Constituição, no concernente à não-reelegibilidade de quem termina o quadriênio, é de eficácia imediata. O julgamento tinha que ser, e foi, rápido. Ele próprio nunca reclamou o que lhe parecesse um due process of law. Cuida-se de norma constitucional intocável — “cláusula pétrea”é termo errado. (Também o são as normas do nosso artigo 5º).

Quer isto dizer que Zelaya queria, isto sim, é lograr o direito de reeleição, alterando o sistema jurídico do seu povo. Persiste ainda nisto. Está clara, pois, a sua defesa: dizer que podia conclamar o povo para uma consulta a esse respeito (coisa que a Constituição de modo algum permite). Tanto é esta a sua conhecida defesa que pretende continuar na presidência por entender que não contrariou a Constituição do seu país.

A mera tentativa desse mal desejado feito é, ali, crime de “lesa-pátria”. Umas das eficácias de tal ato ilícito é a própria perda da cidadania, coisa que lá ainda não foi objeto de ação declaratória. Divergimos nós dois em um ponto nuclear: estou convencido, por muitos estudos realizados anos a fio, que os sistemas jurídicos podem (e devem) ser estudados com os métodos da ciência positiva, ou seja, com o método indutivo-experimental. Fora daí estuam as paixões, como as da ideologia só rudemente criticada em nós próprios. Fervem as irracionalidades ainda com mais violência e levam-nos a erros sem conta. Da minha parte este medo em nutro: o de errar, prejudicando. (É um modo de eu tentar cultivar um pouco de humildade, sem bobagemzinhas piedosas).

*4) Seu ato de querer consultar o povo, pode ser classificado, com base em que artigo da Constituição Hondurenha, como "atentado" contra a Constituição?

Sim, por incidência das seguintes regras jurídicas constitucionais:

ARTICULO 4.- La forma de gobierno es republicana, democrática y representativa. Se ejerce por tres poderes: Legislativo, Ejecutivo y Judicial, complementarios e independientes y sin relaciones de subordinación. La alternabilidad en el ejercicio de la Presidencia de la República es obligatoria. La infracción de esta norma constituye delito de traición a la Patria.

ARTICULO 239.- El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.

*5) Teve o então presidente condições e tempo para se defender e argumentar junto à Suprema Corte?

O argumento dele, dissemos, já era conhecido. E foi implícita mas claramente rejeitado pelo tribunal constitucional do país: Zelaya quis alterar a Constituição em ponto vedado a todos os hondurenhos.

Por incidência imediata da norma constitucional de cerne rígido (“cláusula pétrea” é nome equivocado), tinha que ser logo afastado do cargo. Note-se bem de novo: ele não entrou com ação alguma até o momento. Pode fazê-lo e o Poder Judiciário de lá tem o dever jurídico de julgar as ações dele, que propuser.

* 6) Querer consultar o povo, incluindo nas eleições próximas (de novembro), uma urna para que o povo opinasse, sem explicitar desejo algum de continuar no poder, pode ser considerado ato ilícito e ilegal?

Sim, como assentado acima. A própria tentativa é tratada como crime consumado, isto é, o só ato de propor a reforma já se configura como ato ilícito. Na nossa Constituição Federal de 1988 é um crime de responsabilidade. No mesmo ato ilícito incidiu quem o apoiou mesmo indiretamente.

Leiam-se mais estas regras jurídicas do artigo 239:

ARTICULO 239.- El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.

*7) Não se trataria de referendo nem de plebiscito, pois as eleições estariam sendo realizadas, mas sim de simples consulta ao povo, por ocasião das eleições, para aproveitar a evento e saber sua opinião, é isso atentado contra a Constituição? Em que artigo está isto escrito? Ou foi essa a interpretação do Ministério Público?

Sim, já é mesmo um atentado pela Constituição do país. Eis a norma:

ARTICULO 239.- El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.

Deve-se admitir que sim, que foi esta a interpretação do Ministério Público, embora não se conheça ainda a petição inicial. Trata-se de cerne rígido da “Lei Maior”. Esta parte é imodificável por Emenda ou por qualquer tipo formal de alteração. Quer isto dizer que só uma nova Constituição hondurenha elaborada por assembléia nacional constituinte pode mudar esta estado de coisa.

*8) Teve o presidente possibilidade e condições de se defender da solicitação do Ministério Público?

Ponto nevrálgico é este. Formalmente não o teve. Mas este passo procedimental seria substancialmente um formalismo sem qualquer sentido. M. Zelaya mantém-se firme na convicção de ter o direito de alterar a Constituição ao modo como tentou. Ora bem, ele tentou, não o nega. Insiste no intento, havido pela norma Constituição como um ato ilícito tão grave que se classifica de delito de traição à pátria. O autor dele incorre em eficácias jurídicas graves, como: (a) as de nulidade do ato; (b) contra esse ilícito pode haver insurreição popular; (c) pode dar-se até a perda da cidadania, mediante provisão jurisdicional prévia.

Vejam-se os três artigos seguintes, que abaixo vão.

ARTICULO 3.- Nadie debe obediencia a un gobierno usurpador ni a quienes asuman funciones o empleos públicos por la fuerza de las armas o usando medios o procedimientos que quebranten o desconozcan lo que esta Constitución y las leyes establecen. Los actos verificados por tales autoridades son nulos. El pueblo tiene derecho a recurrir a la insurrección en defensa del orden constitucional.

ARTICULO 4.- La forma de gobierno es republicana, democrática y representativa. Se ejerce por tres poderes: Legislativo, Ejecutivo y Judicial, complementarios e independientes y sin relaciones de subordinación. La alternabilidad en el ejercicio de la Presidencia de la República es obligatoria. La infracción de esta norma constituye delito de traición a la Patria.

ARTICULO 42.- La calidad de ciudadano se pierde:

[...] 5. Por incitar, promover o apoyar el continuismo o la reelección del Presidente de la República; [...] Para los casos de los numerales [...] dicha declaración la hará [...] 5) [...] previa sentencia condenatoria dictada por los tribunales competentes.

Calha pois o refrão “de minimis non curat praetor”, ou “de minimis non curat lex em matéria de se dar ainda ao presidente deposto o formalismo, aqui desnecessário de todo em todo, de ser citado para defender-se...

*9) Não prevê a Corte Suprema de Justiça na Constituição Hondurenha, Direito algum de Defesa a quem é acusado?

Sim, como mais acima deixamos escrito.

* 10) Então, toda acusação feita pelo Ministério Público equivaleria a acusação aceita, e pronto? Assim tão fácil?

Houve julgamento. Entendeu-se que a ação proposta era fundada na Constituição hondurenha e, diante dos fatos ocorridos (ato ilícito com prisão em flagrante delito), tinha de ser julgada procedente Tampouco veio ainda a público o acórdão da “Corte Suprema de Justicia”. Ignora-se se houve requerimento e deferimento de medida liminar.

(Aliás, este termo Corte é horrível, mais um ato imitativo lingüístico, tirado dos USA...).

Cumpre clarear também não se levar em conta, neste breve trabalho, a lei processual do país — nem a processual civil, ou penal, nem a referente aos crimes de responsabilidade.

Fácil foi, sim, o julgamento do Poder Judiciário hondurenho porque Manuel Zelaya quis levar de roldão o sistema jurídico ali vigente. Deu-se mal ele, coisa que no Brasil nem sempre sói ocorrer... Sabia-o bem Getúlio com o dito “a lei, ora a lei...” Aqui entre nós a coisa vai como trator arranca-toco. Se o direito atrapalha planos políticos, empece posições de prestígio, então que se deixe de lado.

*11) Ele foi acusado de “incitar, promover o apoyar el continuismo o la reelección del Presidente” (art.42, item 5)" , quando "o dever de número um do presidente é cumprir a Constituição (artigo 241, 1)". Pergunto se agindo daquela maneira e sem poder se defender, o Decreto da Suprema Corte não seria abusivo? Onde o Direito de Defesa?

A primeira norma constitucional ora invocada diz respeito à perda da cidadania. Esta perda não foi, ou ainda não foi, objeto de ação declaratória. Ele, Zelaya, continua sendo cidadão hondurenho. A norma do artigo 241 diz:

ARTICULO 241.- El Presidente de la República, o quien ejerza sus funciones, no podrá ausentarse del territorio nacional por más de quince días sin permiso del Congreso Nacional o de su Comisión Permanente.”

E, sobre o cumprimento da Constituição, há 45 deveres jurídicos principais do presidente. O primeiro deles é mesmo o de cumprir e fazer cumprir os sistemas jurídicos, estatais e supra-estatais ou das Gentes. Tem-seno artigo 245:

ARTICULO 245.- El Presidente de la República tiene la administración general del Estado: son sus atribuciones: 1. Cumplir y hacer cumplir la Constitución, los tratados y convenciones, leyes y demás disposiciones legales; 2. Dirigir [...] 45. Las demás que le confiere la Constitución y las leyes; [...]

* 13) Uma simples consulta ao povo, não se referindo a continuísmo ou reeleição alguma, pode ser considerado como descumprimento do dever número um do presidente que é de cumprir a Constitução?

A Constituição de Honduras é de janeiro de 1982. Já têm, pois, quase 25 anos essas normas de que vimos falando. Não se vê escrito de que tema constaria a consulta (ou coisa que o valha) proposta por Zelaya. Mas, ele próprio não nega, em suas manifestações recentes, qual seria o conteúdo desse plebiscito ou consulta. Seria para mudar a norma de não-reelegibilidade. Essa tentativa, vimos, é em si já um atentado contra a Constituição. Também no Brasil é crime de responsabilidade o atentado. Eis:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I - a existência da União; II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV - a segurança interna do País; V - a probidade na administração; VI - a lei orçamentária; VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Há uma diferença importante em relação à de Honduras no nosso § único e no artigo seguinte, assim:

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

Na Constituição de Honduras nada consta sobre as normas de processo. Mais: a competência é sempre do Poder Judiciário.

Temos no Brasil lei ordinária a regrar a matéria: a velha lei 1.079 de 10 de abril de 1950, do tempo do presidente Dutra. Diz parte do artigo 2º:

Art. 2º Os crimes definidos nesta lei, ainda quando simplesmente tentados, são passíveis da pena de perda do cargo, com inabilitação, até cinco anos, para o exercício de qualquer função pública, imposta pelo [...]

Calha lembrar: Zelaya não se insurge contra a forma processual nem discute a matéria da competência. Insiste simplesmente no seu intento e se considera o legítimo presidente da república. (O presidente Lula concorda com ele em tudo isto).

* 13) Por acaso, estava claro que o presidente iria se candidatar à reeleição?

Não. Mas essa circunstância é sem relevância jurídica porque o atentado contra a Constituição é crime “de mera conduta”, independe de resultado posterior. Um exemplo tirado do direito comum é a prática do ato obsceno. E, no caso, já a própria tentativa é tratada juridicamente como crime consumado, como vimos.

* 14) Onde e quando ele disse isso?

Não consta que o haja dito.

* 15) Ou só queria ele consultar o povo sobre o possível futuro após as eleições? Pode ser, sim, que fosse só um como que levantamento público de opinião, juridicamente praticado. Mas a própria consulta, ou plebiscito etc. (atos de assuntos jurídicos) é coisa proibida, em si e por si, desde 1982. É por ser uma forma de proposta de mudança em área vedada no cerne rígido (“cláusula pétrea”, arre!...).

A regra constitucional ali vigente, a respeito desses atos jurídicos, trata-os ela como crime de traição. Assim é mesmo quando se busque tão-somente o mero apoio à iniciativa posta em prática.

Temos de concordar que essa Constituição é muito rigorosa:

ARTICULO 239.- El ciudadano que haya desempeñado la titularidad del Poder Ejecutivo no podrá ser Presidente o Designado. El que quebrante esta disposición o proponga su reforma, así como aquellos que lo apoyen directa o indirectamente, cesarán de inmediato en el desempeño de sus respectivos cargos, y quedarán inhabilitados por diez años para el ejercicio de toda función pública.

Bom seria investigar a causa histórica desse rigor, nesta matéria, da Constituição hondurenha de 1982. Consta ser de 1939 a 1ª Constituição deles, e que o país foi dirigido por “caudillos” até ao fim do século XIX, embora o 1º presidente eleito seja de 1841 (?). No século XX houve vários presidentes militares. Mais que os civis. Tiburcio Carías foi ditador até 1949; saiu por causa de uma “revolta política”. Houve mais ditadura entre 1954 e 56, terminada por causa de uma “Junta”. Em 1963 mais um golpe, desta vez também militar. E outro, também militar, em 1971. Outro: 1975. O regime militar durou até 1981.

A atual Constituição teve o apoio dos EUA por ser “mais democrática”. Tiveram problemas políticos com guerra com vizinhos, e com guerrilheiros, e com graves violações dos "direitos humanos" (mais de 4.000) etc. Até a “Guerra do Futebol” foi lá que ocorreu (1969); Honduras ganhou de El Salvador, que não se deu por vencido. Foi necessária a intervenção da OEA; com isso os militares ficaram ainda mais fortalecidos.

Se todos estes dados são exatos, entende-se um pouco que essa gente tenha querido uma Constituição rigorosa em matéria política. E que seja aplicada, sem “ficar só no papel”, como se diz vulgarmente. Mas, interpretar fatos históricos sem algum ressaibo de ideologia é difícil. Para quem quer ver “o que a coisa é” (questão de gnosiologia científica), é de mister se guarde a mantença do comando interior do espírito em fortalecimento ético constante.

Mas tornando mais diretamente ao seu assunto, advirta-se que não se pode dizer ter sido conforme ao direito local a forma como se procedeu à expulsão de Zelaya do seu país. Há unanimidade a respeito. Verdade seja, sim. Todavia com atenção à substancial diferença existente entre (1) o ato de depor e (2) os atos de executar a deposição. Houve erro jurídico na expulsão. Mas foi expulso quem já estava deposto de modo correto segundo o direito constitucional hondurenho.

Discordo, [...] quando [...] dá a entender que só o Lula viu aí um golpe. Isso dá azo a que se pense que todos os outros países americanos e do resto do mundo, com exceção do Brasil, aceitam como constitucional a deposição do presidente, e vêem na forma como se procedeu à expulsão, e só nela, um ato de exceção e de arbitrariedade.

Não foi só o Lula, mas sim quase todos os países, afora os EUA; não sei se há mais alguma outra exceção neste ponto. Disse alguém do governo norte-americano que golpe não houve, mas também que não foi correta a expulsão.

Por outro lado, contudo, não se vêem presidentes nem primeiros ministros desses países a discutirem o que mais falta: a questão jurídico-constitucional de Honduras. Não apresentam argumentos. Seguem o Lula porque ele é hoje um notável expoente de carisma no concerto das nações. Sem dúvida Lula é caso único na história do Brasil e talvez do mundo todo: popularidade de 80%. Acresce ainda — o Brasil é um dos BRIC. Não é só por ser Lula um considerável líder entre os povos (this is the guy”) como também porque não convém desagradar ao Brasil em termos de bons negócios. Em política e em economia a ética cede passos de monta ao interesse, ou de todo some. Altruísmo nenhum, egoísmo intenso.

Caindo um pouco na vulgaridade poderíamos quiçá afirmar não ser “politicamente correto” discordar do presidente Lula, e que atualmente o chique é “meter o pau” em quem não for de esquerda. (O que é ser de esquerda, porém, é conceito que não definem). Política, ideologia — são matérias complexas até ao imo mais fundo dos instintos animais (o poder exercido dentro do grupo animal). De modo que nesta questão vige o popularesco: “ninguém convence ninguém”.

* 14) Nesse caso, só o Brasil (visto que dirigido por Lula e sob orientação do Itamarati de hoje), é bobo e se tornou o bobo da corte. Será isso verdade?

Sim e não. Não por não estar o Brasil isolado. Sim porque ou (1) agem dolosamente ou (2) estão bancando os idiotas — o presidente Lula e o seu ministro das relações exteriores. Convém ao presidente Lula unir-se a Chávez, Ivo Morales e outros para formarem um bloco latino de peso. Os EUA terão mais o que temer e, novamente caricaturando, (aí está!) o prestígio do Lula (e do seu cordão) “cada vez aumenta mais”...

Nada de individualismo egoísta em política, claro está, mas essa trama do presidente Lula cheira mal, cheira mal com velho e indesejável populismo.

Talvez cumpre pensarmos outra vez com a sabedoria do povão: “caldo de canjica e humildade não fazem mal a ninguém”. É saudável a pessoa que consegue rir de si próprio. Quem não é ridículo?

Sobre populismo, aproveito o recebido de um amigo, juiz brasileiro, extraído da internet (http://pt.wikipedia.org/wiki/Populismo):

“A política populista caracteriza-se menos por um conteúdo determinado do que por um "modo" de exercício do poder, através de uma combinação de plebeísmo, autoritarismo e dominação carismática. Sua característica básica é o contato direto entre as massas urbanas e o líder carismático (caudilho), supostamente sem a intermediação de partidos ou corporações. Para ser eleito e governar, o líder populista procura estabelecer um vínculo emocional (e não racional) com o "povo". Isso implica num sistema de políticas ou métodos para o aliciamento das classes sociais de menor poder aquisitivo, além da classe média urbana, como forma de angariar votos e prestígio (legitimidade para si) através da simpatia daquelas. Esse pode ser considerado o mecanismo mais representativo desse modo de governar”.

A paixão tem vencido a razão, a paixão ideológica em matéria política.

* 15) Será que nossos vizinhos da América são também dirigidos por bobos e assessorados por incompetentes?

Permita-se-nos repisar: 1) ou andam repletos de interesse doloso, 2) ou então são idiotas e bobos em questões jurídicas. A questão jurídica, posta em termos de ciência positiva (análise transubjetiva), é bastante simples. Não é dificultoso entender a Constituição de Honduras nas regras jurídicas acima citadas. De outro lado, porém, as relações políticas e as econômicas são as mais devastadoras nas interações sociais e no interior de todos nós, indivíduos desse meio, desse “todo”. Devastadoras porque alijam do sujeito o seu equilíbrio, afastam dele a neutralidade das análises, introjetam o mandonismo no cérebro dos companheiros de vida humana. Subjugam, dominam, amassam, destroem. Deste modo o pensar não consegue ser mais neutro, menos subjetivo, chegado ao método científico-positivo. Todos nós precisamos de continuada educação religiosa, moral e estética. São os caminhos que interiorizam mais harmonia nas mentes. E as pessoas de caráter necessitam igualmente de respeito ao Direito, tão indispensável ao bom viver quanto o são os outros principais seis processos sociais de adaptação (Religião, Moral, Artes, Política, Economia e Ciência).

* 16) Nem se apele à ambiguidade dos USA, pois ela é típica e usual daquele país. Em um fôro dizem uma coisa, em outro falam o contrário.

Neste ponto hemos de assentir: não precisamos do exemplo norte-americano para estas discussões e vivências.

E, voltando à matéria da irracionalidade das ideologias na política e na economia, é ilustrativo comparar a leitura de duas revistas brasileiras. A “VEJA” é mais conservadora que a “CartaCapital”, amiga de posições progressistas. Na VEJA de 03.10.09 escreveu-se que ali tudo foi feita dentro da lei. Está sob o título “Honduras Enviada de VEJA mostra a situação na capital. (Conservo o hyperlink para o leitor, querendo, consultar). Já a CartaCapital, no número de 07.10, estampa na capa: “Os golpistas de Honduras recuam a até cogitam reempossar Zelaya. Para o constrangimento dos defensores brasileiros do golpe”. Depois, à página 26 está o título “O golpe golpeado”. Na de número 30: “O Brasil está no jogo”. Na página 34 Luiz Gonzaga Belluzzo encima o seu trabalho com: “Saudades das quarteladas”. Ignoro qual das revistas se valeu de alguém letrado em ciência jurídica.

O homem interessado em proceder à exegese das normas de direito com o método indutivo-experimental, e em interpretar os fatos jurídicos com menos paixão (sob os auspícios sadios da ciência jurídica), resta-lhe o alívio, isolado mas alegremente libertador e mais neutro, de conseguir ver acontecimentos do mundo sem tantos ardores no Ego.

Um tanto mais do alto, medita sobre eles e julga-os — com frialdade crescente, sem tomar partido tão aprisionador.

Nenhum comentário: