DIREITO SUPRA-ESTATAL OU
DIREITO DAS GENTES
Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de
Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito
(Universidade Católica de Santos, São Paulo).
Ementa.
Direito das Gentes (= “internacional
público”) é sistema das regras jurídicas supra-estatais. Suas fontes ejetoras
escritas principais (hoje, Carta da ONU, Tratados “et similia”) foram
precedidas do costume e dos princípios gerais de direito. Fundamento: necessidade
de ordem sustentável para a convivência internacional. Norma primária: “todos
se subordinam igualmente ao sistema jurídico supra-estatal”.
I
— INTRODUÇÃO
1. Método
científico no Direito. As raízes do direito estão no ser humano (Pontes de
Miranda, 1972: II, 184). O sentimento é mais profundo e singular; a
inteligência, mais exata e associativa (II, 239). O sentimento traz força
mecânica inconsciente, intensamente dirigida por funções fisiológicas. É assim
também com a razão, mas com menos intensidade. A razão pode dar continuidade a
fórmulas sentimentais, exprimindo o sentimento em proposições mais precisas e
mais nítidas (II, 239-241).
A consciência do direito consiste, pois, em sentir e pensar. O processo mais depurador da consciência jurídica é o científico, na agilidade, destreza e segurança do pensar indutivo-experimental (II, 285-288). O elemento biológico é precedido do físico, e atua sempre. Logo, também lateja na formação, na exegese e na aplicação do sistema jurídico. O sociológico continua o biológico: iluminando-o, supera-lhe limitações (III, 105-146). No método indutivo-experimental 1) começa-se pelo mundo extramental por intensa observação: com modelos matemáticos (estatística, elementos preponderantes, probabilidades, cálculo de consequências), com diagnose físico-biológica (funcionamento do mundo material e dos organismos) — e, posto esse ingente material, investigam-se as relações jurídicas, parte que são das relações sociais); 2) alça-se a proposição geral; 3) por fim o seu conteúdo geral é rigorosamente conferido em novas observações. Eis o que, em função da segurança cognitiva, também se tem de fazer na investigação do direito supra-estatal. O elemento convencional (volitivo) é precedido do necessitante (pulsões da Natureza).
2.
Necessidade X convenção
Determina o
Direito das Gentes aquilo que é sustentável físico-biologicamente ao
inter-relacionamento humano — o “ad
invicem convivere” (Santo Tomás, 95, 4, “r”). Ele é de certo modo natural
ao homem. Daí a facilidade com que os homens consentiram nele (95, 4, 1).
Assim, Santo Tomás vê o jus gentium, sobretudo, como direito
principiológico, que a toda gente acomuna. Percebe-se-lhe, na concepção, a
presença de regras jurídicas básicas — as normas “principiais” da convivência,
também dos Estados. Não exclui, pois, as pulsões inconscientes.
No sentir de
H. Grócio, de Vitória, de F. Suárez e outros, o Direito das Gentes não proveio
de decisão e sim do princípio de justiça (Malanczuk, 1999:15). Este princípio foi
uma necessidade instintiva do instinto-inteligência (Homem), dizemos nós.
Ao
voluntarismo tradicional contrapõe-se a realidade (necessitante, dizemos) dos “valores fundamentais” (Mello, 2000:74).
O voluntarismo fazia, da vontade dos Estados, o fundamento do Direito das
Gentes; para o objetivismo a norma supra-estatal sobrepõe-se aos Estados: o
Direito das Gentes tem primado sobre direitos internos (p. 109-134). É supra-estatal, portanto, e não apenas interestatal ou “internacional público” — termo que se vulgarizou por carência de
formação científica dos muitos autores que os empregam.
3. Direito
supra-estatal.
Há direito
onde há sociedade. “Estado” é meio (perfectível, não exclusivo) de revelação de
regras jurídicas (e da aplicação dela, acrescentamos) — (Pontes de Miranda,
1932: 36). No caso do Direito das Gentes, ele é para os Estados e demais
entes (p. 37). Se um Estado se impõe a outros pela força (esta é uma questão
mecânica!), temos de dizer que aí ocorre, ordinariamente, o ato ilícito, contra
norma proibitiva cogente (p. 38). O
Direito das Gentes não encontra nas estruturas internas dos Estados as suas
fontes; fosse assim e com as revoluções ele estaria alterado (p. 39-40). A
soberania é o branco que o Direito das Gentes deixa a cada Estado; ela
decresce historicamente (p. 41). O Estado organiza-se internamente, mas, para
ser completo, necessita do reconhecimento de outros Estados. Aos outros Estados
não é indiferente o que ocorre no interior do Estado reconhecido (HEGEL p.
415).
O Direito das Gentes confere
competência aos Estados porque, com a incidência, atribui-lhes poderes
de atuação no contexto da convivência interestatal. Por outra: é o direito supra-estatal
o sistema que, pela incidência, confere bens de vida aos entes que o
compõem, a saber, direitos e deveres recíprocos (ex: território e seus
limites). É realidade objetiva, cuja
existência se verifica na análise da história. (Ruzié, 2004:10). Nada tem,
pois, de elucubração filosófica.
Essa
realidade objetiva surge da
comunidade dos círculos sociais, a outorgarem-se faculdades uns aos outros; e
as restringe, limita, condiciona (Pontes de Miranda, 1932:44). Quando uma
comunidade devolve à comunidade internacional os poderes recebidos, ou seja,
lhe passa os mesmos poderes recebidos, integra-se ela em harmonia mais
completa. Aí então o direito supra-estatal funde-se na comunidade total em uma
só ordem (p. 44-45). Este lento evolver do direito supra-estatal é constante
aspiração de unidade: visa à teluricidade da ordem jurídica universal. No
estado atual da Humanidade assistimos à distributividade própria do Direito das
Gentes, ainda com muita divergência (Hegel, p. 44-45). “Direito político
externo”, continua este filósofo, surge das relações interestatais. Depende de
diferentes vontades para ser efetivo. Recebe a forma de “dever ser” por falta
de um poder central. Os Estados estipulam entre si, mas ficam acima do
estipulado (p. 414, 416). Acrescentamos: a norma incide — determina a
solução para o suporte fático; essa solução é um ser, como é
ser a indicação de uma lei física (esta também, podendo ser infringida,
para o homem é um “dever ser”!). Sem “pretor” sobre os Estados, a
paz é tocada de contingência. Eis a fragilidade desse Direito (p. 416). Isto,
dizemos, é por sua apoucada efetividade; não tem que ver com a eficácia,
sempre absoluta: dada a incidência, o suporte fático passa a ser fato
jurídico, definido, como ele é (independentemente de quaisquer
vontades). À falta de pretor universal, o espírito do mundo supre-o (Hegel,
1988:419). Certo, dizemos nós, se por “espírito do mundo” entendermos a fonte
biológica da aceitação da incidência (consciente ou não!).
O Direito
das Gentes abrange Estados, organizações internacionais e pessoas físicas e
jurídicas (Malanczuk, 1997:1) mas na só horizontalidade: nem há organização
suprema, nem centralização do uso da força, nem
poder político sobre todos. O Conselho de Segurança da ONU, por exemplo,
é legitimamente limitado (p. 3). Só tem o poder jurídico de autorizar o uso da
força, sem contudo poder controlar-lhe consequências (p. 427-428). Ainda assim é direito: temos
uma “sociedade de estados”, que faz do direito supra-estatal um instrumento de
garantia das relações internacionais (p. 7).
Cuida de deveres
não só entre Estados como também dos indivíduos. Há o natural (com justiça e equidade)
e o outro, o resultante das vontades dos Estados e “dos fatos jurídicos
consagrados por uma prática constante”, ou seja, convencional e
consuetudinário. Este último é o Direito das Gentes positivo (Accioly, 1961:1).
Discordamos em parte: justiça e equidade, entrados no mundo jurídico, passam a
ser direito posto, positivo.
Concluindo,
o “direito internacional público” paira sobre os Estados,
não entre os Estados. Supra-estatal, quando a norma posta
incide sobre o fato surgido, gera fato jurídico acima dos Estados, mesmo
se algum deles o não aceita e infringe a norma. [1] Só incide a regra jurídica existente e
vigente. Outra coisa são a sua validade, a sua legitimidade e a sua efetividade.
As deficiências quanto a estas três últimas qualidades são defeitos das coisas
do instinto-inteligência, do Homem!
II — FONTES,
FUNDAMENTO E “NORMA FUNDAMENTAL”.
4. Fontes
do direito supra-estatal ou das Gentes. As fontes do Direito das Gentes são
materiais e formais. Materiais: as que o fizeram surgir em certo tempo e lugar
— preexistem a ele; as formais já se inserem no próprio sistema jurídico das
gentes. Formais: já são normas (como a nascente da água já é água). As fontes
materiais, na mesma imagem, correspondem a tipo de solo, pluviosidade, flora
etc. relativamente à água (Mello, 2000:191). Ora, dizemos, normas sobre “método
de fontes e interpretação” já são regras de sobredireito,
isto é, são normas sobre normas, a respeito de normas. Estabelecem estas o
procedimento jurídico (método) para se localizarem outras regras jurídicas e
dizer algo sobre elas. Exemplo: a regra jurídica aplicável para se identificar
uma regra jurídica costumeira supra-estatal é esta: examinar o modo de ser
constante de entes da comunidade internacional; a regra que indicar este
procedimento constante, sobre ser científica, é regra jurídica, e é supra-estatal.
Se o caso, porém, é de interpretação de sistema jurídico supra-estatal, temos
de ver o sentido e orientação da norma pesquisada, e assim revelá-la, dizer
sobre ela "aquilo que a coisa é". Logo, fazer exegese já é aplicar
regra jurídica ínsita ao respectivo sistema.
As regras
jurídicas assim identificadas são fontes formais do sistema. Mas, como é que o
círculo social cria e explicita regras? Aqui o assunto é de fonte material,
onde brotam as fontes formais. Logo, origem de norma não é o mesmo que
fundamento de norma; a origem é o conjunto dos fatores de criação dela;
fundamento da norma é a razão de sua aceitabilidade, que lhe explica a
origem.
As
principais fontes escritas do Direito das Gentes estão no art. 38, alíneas b
e c da CIJ — Corte Internacional de Justiça:
Artigo 38. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito
internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicar:
a) as convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) o costume
internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito;
c) os
princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) as decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de
maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a determinação
das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59.
A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para
decidir um litígio ex aequo et bono,
se convier às partes.
Costume internacional é uma forma de regra jurídica não escrita; sai do modo repetido de os Povos e os seus Estados de conduzirem. Princípios são, aí, as proposições gerais reconhecidas pelas nações civilizadas (doutrina), no que mais tenham em comum entre as gentes da terra: boa-fé, ônus da prova, proporcionalidade, in dubio pro reo, audiatur et altera pars, prescrição, responsabilidade ((Malanczuk, p. 48-50), equidade (p. 55).
Os princípios são de duas naturezas: 1) os estruturais do próprio Direito das Gentes, e 2) os gerais de direito.
Os princípios estruturais do Direito das Gentes são: igualdade soberana dos Estados, boa fé, solução pacífica das controvérsias, vedação de ameaça ou uso da força, igualdade de direitos e de livre determinação, não intervenção, cooperação pacífica. Tudo isto, repisado na Res. 2625 da XXV A.G. (1970), já estava implícito no art. 1.2. da Carta da ONU (Piernas, p. 101-105). Surgem eles à medida que se arraigam, pelo costume, na prática dos povos. Todo material escrito a esse respeito, longe de ser criação nova, é só declaração do direito preexistente (p. 110).
Princípios
gerais do direito, pensamos nós, são postulados: não há raciocínio
intrassistemático necessário para explicá-los. Impõem-se com o fato da
aceitação de sua incidência pela maioria dos membros influentes da sociedade
internacional. Ela os cria em relações biológicas instintivas. Revela-os a
inteligência. Exemplo: “norma vigente é para observação de todos, se mesma a
situação fática”. O direito-fato é um processo social, natural, de adaptação
(contém elementos naturais, desde o mundo físico). A relação sociológica não o
arranca para fora da Natureza.
Indicam
necessidades instintivas de segurança e traçam a regra para se acharem soluções
de conflito. ”Natureza”, antes da norma, não é regra jurídica, mas determina o
surgimento desta, marcando limites ditados também pelo instinto. O instinto
pressiona. Risca as linhas diretas (direito) simplificadoras de solução.
O instinto-inteligência (homem) cria regras sob pressões, internas e externas.
O chamado direito “natural” (=de surgimento espontâneo!) não advém de
raciocínio formal nem de vontade expressa. Surge de “vontade” direta, no
sentido de resposta biossociológica disparada por automatismos. Pode
estar até contrariando lei física, como a de permanência (“Ständigkeit”). Não
admira, porque em si são conflituosas muitas partes da Natureza. De modo que toda
regra jurídica é “feita pelo homem”, é posta por ele, é norma positiva
(“está-aí”, existe fora das mentes).
Assim posta qualquer norma, já se desliga ela do elemento voluntarista que a
precede, situado na vontade política. Eis aí a razão fundamental por que a
exegese correta, científica, não pode levar em conta a intenção do legislador,
nem a “vontade” dele nem da lei.
Interpretação
é termo em geral aplicado para se entender todo o fato jurídico: um negócio
jurídico, um ato jurídico stricto sensu,
um ato-fato, um fato jurídico em sentido estrito, um ato ilícito. Exegese é
termo mais correntio para se aludir à regra jurídica mesma, à norma qualquer
que seja a sua classificação. Frequentemente é usada para os livros sagrados.
Chamam-na alguns de “hermenêutica”, que um autor alemão denomina Rechtsanwendung embora Anwendung seja aplicação[1].
O termo
grego indica o ato de seguir algo de perto para fazer-lhe a explicação,
exposição. Ou seja, conseguir interpretação, comentário, elucidação
pormenorizada. Cabe bem para elucidação de termos de linguagem[2].
Sobre "hermenêutica" escreveu-se que ela é o
processo de descobrir o significado de um termo, expressando-o ou traduzindo-o,
sempre para entendê-lo:
“Die Hermeneutik (von griech. ἑρμηνεύειν (hermeneuein) mit den Bedeutungen: (Gedanken) „ausdrücken“, (etwas) „interpretieren“, übersetzen“) ist die Lehre vom Verstehen, Deuten oder Auslegen.”
Nota-se no verbo grego (ἑρμηνεύειν) esta ideia de explicar o pensamento e expressá-lo em palavras, de modo tal que possa ser comunicado[3]. Logo, pela etimologia, que é a história verdadeira de algum termo (ἔτυμος = verdadeiro), a hermenêutica diz respeito à busca de sentido legítimo de palavras — tal o caso da palavra encontrada em uma norma qualquer[4].
Relevante é o método da
interpretação dos textos jurídicos, isto é, o caminho a seguir para se
descobrirem o sentido e a orientação de princípios e normas (uns e
outras são regras jurídicas). Para isto temos de descobrir o conteúdo da regra
jurídica estudada (exegese) — este é o seu sentido
—, e a que Estado, ou a qual nacional dele, se atribui o bem de vida nela
discutido — esta é a orientação daquela norma de Direito.
Quadra esclarecer:
elucubração filosófica aqui prejudica, a despeito de ela poder ser bonita,
elegante, atraente. A busca de proposições verdadeiras (“verdade”) há de ser
empreendida mediante aplicação da ciência positiva, com o método indutivo
experimental. Sem fatos a explicar, o pensamento é oco (words, words, words!...).
5.
Fundamento do direito supra-estatal ou Direito das Gentes
Surge ele
por pressão natural: na sociedade internacional o instinto-inteligência
(Homem), de dentro dos instrumentos “Estados”, precisa de segurança extrínseca:
a) fatos, cujas consequências sejam as previstas nas normas; b) sistema
de normas, que incidam sobre fato-atuações (não sobre fato-interioridades). A
formação da regra jurídica pode dar-se também no só inconsciente, e pode o foco
ejetor dela ser muito pouco visível; não deixa por isso de ser tão real quanto
as assembleias jurisferantes. Regulam, indiferentemente, as relações de Estados
entre si, ou com outras pessoas, no que interessa à segurança. As regras
jurídicas do Direito das Gentes traçam limites de competência dos Estados.
Estabelecem onde a ordem jurídica de cada qual é aceita pela comunidade das
gentes, dos Povos. Logo, traça a face convexa (continente) de cada ente e lhe
deixa algum branco — soberania: liberdade relativa para o seu
respectivo direito interno (Pontes de Miranda, 1935: 6-10).
6. A
norma fundamental ou primária (“Grundnorm”). Para Kelsen a “Grundnorm” é um
ponto de partida; temos de pressupô-la (Kelsen, 1974: 271-275). As normas
subordinadas só valem se criadas segundo ela (p. 273), instauradora do fato da
criação jurídica (p. 275-276). Não posta por autoridade, a sua aceitação
vinculante é necessária para se interpretar a validade de normas, e de atos,
que se lhe subordinam. Não querida, apenas é pensada (p. 277, 280, 284 e 297).
Nada prescreve; permanece conhecimento (p. 284). É assim formulável: “devemos
conduzir-nos [...] de harmonia com o sentido subjetivo do ato de vontade
constituinte” (p. 279). Serve de premissa maior a silogismo cuja premissa menor
seja “[...] essa pessoa ordenou que nos devemos conduzir de determinada
maneira”; donde a conclusão: “que nos devemos conduzir de determinada maneira”
(p. 279 e 298). Se a Grundnorm fosse considerada como posta, a ciência jurídica
não lhe veria o caráter lógico-jurídico (p. 282). Supõe-se válida: o autor dela
supõe-se ser a mais alta autoridade jurídica (p. 282-283, rodapé). Nada
prescreve ao direito positivo (p. 283, final do rodapé)!
Em obra mais
recente: a “Grundnorm” não é “gesetzt” (vontade posta), mas apenas “vorausgesetzt”
(pensamento pressuposto) — (Kelsen, 1969: 64) e passim. É hipotética,
no sentido etimológico: pressuposta (p. 61). E alhures: a “Grundnorm”,
“supremo fundamento de validade de uma ordem jurídica” (Kelsen, 1986:326), é
“uma norma fictícia” (!). Mero “als ob” (H. Vaihinger), não corresponde à
realidade (!) — p. 328-329...
Ora, em
termos de ciência positiva. “Grundnorm” só pode ser esta, posta (primária,
tautológica): “a todos se impõe o sistema
supra-estatal”.
Diante da
ciência positiva do direito pouco se aproveita da exposição de Kelsen. Sem
pertinência o discutirmos nós aqui a matéria, cumpre-nos lembrar ao leitor as
críticas não respondidas a contento, feitas por Julius Stone, Legal Systems and Lawyers Reasoings. Standfor: S.U.P, 1964, p. 75,
102-105, 109-115, 118-125. Também Karl
LARENZ. Methodenlehre der
Rechtswissenschaft. Berlin: Springer, 1991, dizendo que a teoria da
interpretação de H. Kelsen não satisfaz ao jurista, com a sua “teoria pura do
direito”. Seu formalismo vazio não consegue tocar a realidade, não colhe
sentidos, é incapaz de interpretar — por lhe ser alheio ao caudal de fatos imanentes
ao fundo da vida jurídica; não é “ciência” (p. 80-81).
III
— CONCLUSÕES
Teóricas.
Por o processo social de adaptação
jurídica ser um fato do mundo real, temos de aplicar no estudo dele o método
indutivo experimental, afastando-se assim os perigos do subjetivismo. Na
ciência positiva (= conhecimento das coisas postas fora da mente) há muito
menos subjetividade que nos outros processos sociais de adaptação (Religião,
Moral, Artes, Direito, Política, Economia). O pensamento filosofante reside em
todas estas vivências, de modo que a filosofia é caminho perigoso para o
conhecimento de Religião, Moral, Artes, Direito, Política e Economia. Portanto,
a garantia de transubjetividade na exegese vem da aplicação da
sociologia cientificamente estudada, com incessantes consultas aos resultados
das ciências particulares, não no pensamento vago, filosofante (Pontes de
Miranda, 1922:271).
Práticas.
Logo que incide a norma a que corresponde algum fato do mundo, surge algum fato
jurídico. Dependendo da
composição fática (“Tatbestand”, suporte fático), esse fato jurídico
estará numa destas cinco classes: negócio jurídico, ato jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico, fato
jurídico em sentido estrito e ato ilícito. Só há emissão de vontade nos dois
primeiros; por isto só nesses dois se pode cogitar de validade-invalidade (negócio jurídico e ato jurídico stricto sensu). Mas, têm-se de estudar,
em todos os cinco fatos jurídicos, os outros dois planos: o da existência e o da
eficácia. Existência — se é mesmo
algo do mundo jurídico, sem se restringir a algo só de Religião, ou de Moral,
ou de Artes, ou de Direito, ou de Política, ou de Economia, ou de Ciência —; eficácia — se houve produção de efeitos
na vida jurídica, e que efeitos foram eles (relação de direito-dever, ou de
pretensão-obrigação, ou de ação-sujeição, ou de exceção-abstenção).
O
direito supra-estatal incide sobre todo e qualquer fato jurídico em sentido
estrito, que é o “Estado”. A incidência das suas normas é automática. Outra
coisa é serem elas ou não observadas. A não observância delas é um ato ilícito;
nem importa, ao conhecimento da
realidade jurídica, que essa não observância seja um ato ilícito frequente.
Ocorre o mesmo ilícito frequente com a não observância das regras jurídicas do
direito interno de cada Estado: com o constitucional, com o administrativo, com
o penal, com o civil etc. etc.
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BIBLIOGRAFIA
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de direito internacional público. 5a. ed. São
Paulo: Saraiva, 1961.
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KELSEN, Hans. Contribuciones a la teoría pura del derecho. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1969.
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LARENZ, Karl. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. Berlin: Springer, 1991.
MALANCZUK, Peter. Akehurst’s modern introduction to international law. London: Rontledge, 7th ed., 1999.
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RUZIÉ, David. Droit international public. 17ª ed. Paris: Dalloz, 2004.
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