*-*-Ora, o pôr entre parênteses o sub é o retirar de si, em parte, mas ao máximo possível, esses movimentos da subjetividade. É para minimizar esse lançar-se do sujeito (subjectum) para diante do quadro de visão, que ele próprio quer clarear.
O ímpeto religioso, poderoso, é um critério de adaptação, também social, pelo qual o homem é exigido no tocante a uma afirmação do que ainda não sabe (não cinde, não dissolve) e, mesmo assim, forçando, põe-na. Há lógica na operação: lógica de formas, coerência de espécies eidéticas [1]. A consciência de sistema, a visão de conjunto, poderá ser formidável, arrebatadora. Não é irracional. Ao contrário, tanto mais racional quanto mais lógica. A questão está em saber-se se é "científica" no sentido de corresponder aos fatos, ou se é "científica" no sentido de ser perfeita a travação das formas. O problema é de definição. O problema é de jeto: se ao colhido corresponde proposição verdadeira.
De modo algum está provado que geneticamente a proposição é precedida do conceito, como quereriam Aristóteles e Tomás de Aquino — a lógica hodierna desmanchou esta ilusão, entre muitas outras, da lógica e da gnosiologia clássicas. E o conceito é algo que logicamente vem depois da seqüência: excitação, irritação, sensação, apreensão ou então desta: excitação, irritação, intelecção, apreensão [2].
4. Metafísica, religião e religiosidade ou experiência de Deus. São três experiências diferentes entre si. A metafísica traduz uma mentalidade na área da gnosiologia. Nela há lógica das formas, mas as formas são resultado de metodologia racionalista. As ## é diminuta, apoucada para legitimar o raciocínio: os universais (jetos) são extraídos prematuramente — ainda estando o sub-jeto ## carregado das suas próprias vivências, e estando o ob-jeto misturado ao grande número de jatos. Da pressa inconsciente resulta a alta produção de pseudo-jetos, isto é, formas mentais que funcionam como cápsulas dentro das quais cabem inúmeras parcelas de jatos entre si diferentes.
A Religião é processo social de adaptação diferente da Ciência. O homem admite, como verdadeiras, realidades que lhe são trazidas pela necessidade existencial de crer sem ter de tudo demonstrar. Submete-se a fenômenos físicos, ou psíquicos, como a poderes do destino. O que passar do mundo sensível, já seria misterioso sinal de alguma ## poderosa, superior à humana. De modo que a admissão de objetos ultra-sensíveis não resulta de extração de jeto e da sua aplicação a ## fenômenos (= jatos na existência); provém antes de uma aceitação ## ou passional.
Terceira experiência é a experiência de Deus, que adequadamente se deve chamar religiosidade. No fundo constitui grau superior de evolução da Religião. Difere da Ciência porque forma jetos (exemplo: Deus) sem poder abarcá-lo todo na experienciação e porque a experienciação, mais que cognitiva, é de presença: afetiva, suave e totalizante — de alguém ilimitado em bondade e doação. A ambiência de experimentação e de experienciação dá-se como que em clima ditoso de eternidade e de união pessoal sem reserva. Respira-se alto grau de liberdade e de imensa felicidade interior [3], com percepção das realidades interiores e circundantes.
Verifica-se que o jeto da experiência de Deus (= religiosidade) é a essência de uma “realidade”, a que se alude sempre por metáfora e que se “sabe” ser maior que o conceito correspondente ao dito jeto: Deus, Senhor Supremo, Amor. Infinito, Pai Eterno. Esse jeto é experienciado como “presença”, “presença” de “pessoa”, “pessoa” que é “envolvimento” de Amor inexprimível”, mas que, nesse mistério suave e forte, é real.
Há aí um cum-gnoscere, aparece uma ##, configura-se um con-tato complexo de ser a Ser. A funcionalidade sub-jeto, simultânea com ob-jeto, ocorre. Mas a retirada do sub corresponde a um esvaziamento do eu, a pouco e pouco como que mergulhado atrativamente nem jeto inconceituável, realidade inefável (sem signo lingüístico direto, que a descreva). Mesmo assim a experienciação ocorre. Mas com estrutura psíquica inteiramente diversa da experimentação científica. O “jeto” é afirmado como suprema afetividade personificada, sempre indescritível na sua ilimitada ação vivificante e ## [4].
5. Os processos sociais de adaptação no próprio conhecimento. A submissão do sub perante o jetar-se (jato) do ser (ser=jeto) alimpa a estrada para a externação da "coisa", livre das escórias da sua objetivação, com a qual o espírito se firmou como observador, em face de um obstáculo. A mesma operação libertadora dá-se com o safar-se a si mesmo, das suas próprias peias, dos seus próprios movimentos.
Esses movimentos são oriundos de cargas sociais. Grande é a dificuldade do metafísico (tomista ou não) em aceitar tal enunciado. Essas cargas sociais são de sete classes (o metafísico diria qualidades) principais: religião, moral, arte, ciência, direito, política e economia. O movimento da religião caracteriza-se pelo critério de passar além do mundo sensível. É o trans-sabível, o “meta”-“físico”, o "ultra-sensível", o supra-científico. O "trejeito" do sub, chamado moral, tem por distintivo o critério de afirmar, firmando-se, o bom, o digno, o louvável, o aprovável. Esses movimentos inflamam o sub, como o faz também o critério do "belo", "harmônico", que é o guia do processo adaptativo pela estética (arte). Há ainda outros 3 (principais), afora o quase-neutro da ciência. São: o critério da solução imediata e indiscutível — direta, justa (direito); o critério do útil (economia) e o critério do poder no grupo (política).
Todos movimentam o espírito, porque são cargas sociais que o estruturam historicamente. Em todos há alteridade. Em todos ocorre troca de energias: dar-receber-passar.
No problema gnosiológico esta questão é fundamental: ter o espírito de libertar-se, ao máximo possível, dessas cargas para que elas não turvem muito o que se vai conhecer. Figurativamente é como não tremer a mão, nem a atenção, nem movimentar a água em cujo interior está o peixe, que se vai colher: é cuidado indispensável para colhê-lo como ele está, como ele é hic et nunc [5]. Se o sub é posto de lado, entre parênteses, o espírito já quase está inteiramente livre: (sub)-jeto, (ob)-jeto. Falta apenas tirar a própria idéia ou reminiscência de que o restante (-jeto) se liga a algo mais. Cumpre tirar essa "ligação", essa idéia de vínculo, que se aponta como o "hífen" de "-jeto".
6. Extração do jeto (= essência). Alimpada a idéia, mesmo de relação do jeto com "outro", fica o jeto — o ser. E já se pode, sem perigo de erro, deixar ver-se a relação original, anterior ao posicionar-se, ao artefato operacional do espírito, ele (sub), diante do outro (ob). É a relação jeto-jeto. Esse jeito é a species, é a "idéia".O seu conteúdo, mentado, é quase sempre universal [6]. Real, porque extraído mesmo da coisa. Mas sem "realismo", porque resultou, também, de operação do espírito [7]. Mas essa conquista não autoriza a repor esse jeto como se ele estivesse, como está, lá no interior da coisa. Lá, na coisa, ele está sem a inflexão de ob com que, agora, estou focalizando a coisa. Jeto não é objeto; é extrato do objeto, que entrou em mim, porque abri as comportas, desferrolhando o ob e abaixando o sub. Mas ele é real, sem necessidade nem possibilidade de eu substituir o ob pelo hypo, pelo ultra, pelo trans, pelo meta. Essa necessidade de hipostasiar, de pôr, de criar, é minha, vital. E uso dela constantemente. Preciso dela para viver, mesmo para obter muito do que não obteria só com o scire, com o saber, com o assimilari quieti. Precisamos dos impulsos "bom", "maravilhoso", "justo", "útil", "poder", etc… Não são irracionais. Estão em nós como está o scire . Não se contrapõem ao "verdadeiro". Apenas, o que construo com a inserção subtil e inconsciente desses impulsos, enquanto tais, se não é sabível, se não é verificável, então não é científico. É extra-científico. O que é supra-científico, ultra-científico, trans-científico, sub-científico é extra-científico: é parte do viver (troca de energia sociológica) que se executa num "canal" diverso do "scire". Numa outra via, numa outra dimensão, num outro espaço.
São aliás dimensões transformadoras, espaços mais, ou menos, rígidos; mais, ou menos, difíceis de se desfazerem: religião, moral, arte, direito, política e economia — que aqui figuram em ordem decrescente de estabilidade [8]. Mas todos usam de alguma lógica, porque todos convivem ao menos um pouco de scire, de ciência [9]. Acoimá-los de alógicos ou ilógicos, inteiramente, é abstrair do homem histórico. Filosofar fora do sociológico, psicológico, físico, e matemático (ficando só com o jeto lógico) é correr o risco de se construir sem o real, isto é, de se errar no erguimento de sistemas conturbados pelo empuxe multifário de energias sociais: ideologia religiosa, moral, etc…, na unilateralidade do pan-logismo matematizante, sem correspondência no físico, biológico e sociológico — que são o Real.
Esse fenômeno ocorreu em grande parte — parece-nos — com a metafísica tomista, em decorrência de não ter resolvido satisfatoriamente o problema fundamental do conhecimento. A metafísica é vizinha parede-e-meia da Religião, como processus: aquela sem a explicitude do sagrado, esta com ele — difuso e impessoal, ou presente e amoroso.
5. O tema principal deste capítulo: a metafísica não é cognitivamente segura.
Concordam todos em que o aristotelismo tomista é sistema, e que tem larga e arraigada influência no pensamento ocidental. É ponto pacífico, como se diz [10].
a) Diálogos.
Sempre houve, evidentemente, movimentos filosóficos contrários ao tomismo. Mesmo ao tempo de São Tomás: Grossetête, Bacon. Vencendo em prestígio, prosseguiu. Decaiu a Escolástica, no seu tanto. Mas sempre influiu, inclusive em seus métodos de estudo, mormente nas faculdades de filosofia, humanidades e direito, como é sabido. E o problema fundamental do conhecimento a desempenhar sempre, no fundo, o seu papel de esfinge — saberá mais e melhor quem o decifrar. Cavalo de batalha sobre o qual, porém — pensamos — o tomismo, perigosamente, a bem dizer descansou. Não o domou. Deu-o como morto. Ora, a lógica deste século retomou a batalha. E o fez vigorosamente [11]. A "possibilidade da metafísica" — como ciência em sentido estrito, entendamo-nos — é que, para a lógica do século XX, é um marco do passado. Mas o tomismo continua atuante, com quase as mesmas convicções de Aristóteles, S. Tomás, introduzidas algumas correções (por sinal, graves) por Scoto e Suárez, além de outros. Houve e há tentativas de diálogos com Kant, Fichte, Hegel, Husserl, Heidegger e outros muitos. "Diálogo entre metafísicos", sorriem os investigadores da filosofia científica.
b) Ciência positiva.
De outro lado, pensamos, não se pode ignorar a obra jurídica de um matemático, físico, biólogo, sociólogo, e filósofo científico do porte de PONTES DE MIRANDA. Sua produção, por vezes ridicularizada, até nos meios jurídicos (em que é mais conhecido), é a de pensador que parece começar no extremo oposto do aristotelismo [12]. A ciência jurídica positiva, PONTES como que a fundou [13]. Foi um sistematizador, de não menor porte que S. Tomás — entendemos nós — (para o sorriso de muitos). O problema existe, pois.
Inútil bater em retirada ou, à falta de argumentos melhores, urdir o que Djacyr Menezes chama de "boicote do silêncio". Usa-se ainda a arma da ridicularização do pensador pátrio, compreensível em quem está a dever argumentos a sábio ainda insuficientemente estudado [14].
Cumpre pois traçar aqui alguns argumentos desse sistematizador tão pouco aristotélico [15], que é PONTES DE MIRANDA. São reflexões merecedoras de toda atenção, a despeito da quase-nenhuma disposição da mentalidade metafísica para rever posições. A metafísica pertence ao processo religioso de adaptação social, fortemente frenador, com grau 6 (o máximo dos vários processos sociais de adaptação) de estabilidade, isto é, dos mais arraigados no espírito, de grande inércia, de difícil mudança.
Além disso, Religião é processo social de adaptação fortemente despótico [16]. É o terceiro em despotismo, depois da política e da economia [17]. A matéria merece algumas linhas. Pretendemos com elas insinuar, por contraste, as diferenças entre a juridicidade tomista e a da ciência positiva. É tensão entre idéias, que não desserve à filosofia do direito. As raízes estão na metafísica, entalada na estreita garganta por onde passa tudo de quanto, nos nutrimos cognoscitivamente — a gnosiologia. Esta é a tese, aliás, que está implícita neste nosso trabalho [18].
c) O conhecimento.
Porque o homem pôde conhecer o seu conhecimento, chegou a cum-gnoscere, ao passo que o animal apenas consegue gnoscere. Com a fé não estamos a conhecer. Ao crermos, pomos algo não-"conhecido" como suporte lógico-ôntico daquilo que sabemos, provamos, experienciamos. Por isso, exsurgindo aí uma complementação do experiencial, do "sapere", do verificável, mas em exigência não contestada pela lógica formal, não se pode dizer "irracional" nem o ato de religiosidade nem o de hipostasiação metafísica. Não seria acertado afirmar que na experiência religiosa não haja a empiria. Bem ao contrário — prevalece esta sobre a abstração.
Há algo de comum, na origem, entre sujeito e objeto, entre o "eu" e a "coisa", sendo que o espírito é capaz de, a si mesmo, se pôr como objeto de si próprio. Nessa articulação sub-ob está uma relação entre seres, a que chamamos conhecimento. De modo que é indispensável, para bem se ver o fenômeno, desarticular a flexão sub-ob, sem romantismos. Como trabalha o fisiólogo, assim terá de operar o gnosiólogo interessado em não comprometer desde logo o seu pensar [19]. Um dos problemas da metafísica é este: desconhecer essa técnica do espírito.
"Téchne" lembra garra, mão e dedo, que foram e parecem continuar sendo uma evolução do sub, cognoscente [20].Quando a lógica clássica, e a metafísica, põe o dualismo "sujeito-objeto" como início de pensar, já começa a pensar sem ter resolvido o problema primordial: como é que o pensamento acontece. E então é de se esperar que as idéias e correntes entrem em disputa, como em gangorra, procurando o equilíbrio entre os dois extremos da relação. Aproximam-se pouco do gonzo mesmo, sem maior interesse por descobrir como ele funciona. E quando o fazem, ainda é porque se seguraram a uma das extremidades: sub-jeto, ob-jeto [21].
Aos lógicos deste século muito se deve na investigação subtil e séria, sem açodamento sistematizante, desse notável fenômeno que é o conhecimento. O substancialismo tomista resulta de falta de resposta ao cerne de gnosiologia, a despeito do muito que nesse campo — como em muitos outros — acertou o gênio aqüinatense. As categorias de Aristóteles, acolhidas por S. Tomás, põem graus de ser no que são apenas relações entre seres [22]. E tapam as frinchas desse artificialismo com os tampões exigidos pela lógica formal, no sentido de se não deixarem brechas no sistema, que o poriam em crise.
Também o sentimento de simetria, que redunda da finura e beleza da Arte, colabora por que o sistema se construa, suprindo com "hipo", "trans", "ultra", subst, a falta de dados. É como se tivesse de existir, como tal, o que a razão raciocinante aqui encurvada pela estética, pede como existente [23]. Ora, esse pedido da “razão estética” acarreta a exigência lógico-formal do "não-dado", do "ultra-experienciado". Infiltra-se aí a hipostasiação, fenômeno idêntico na crença e na ascensão metafísica, que em ambas há esse salto chamado transcendência. Essa transcendência, se autorizada pela inteligência, é a própria "possibilidade da metafísica" postulada pelos tomistas, convictos de que, sem essa fundamentação, não haveria qualquer esperança de racionalidade da fé. Seria o dies irae do pensador cristão e, por via de conseqüência, o caos para a teologia e para o mais imediato — a pastoral, a evangelização, o apostolado amplo e abrangente, missão indiscutível da Igreja.
É bem por isto que o cientista concorda em que a revisão do problema dos universais acarretará mudanças na própria adaptação religiosa. Não por extirpação dela, e sim com a sua depuração. Vale dizer, para mais segura fundação dela — o que pensamos ser degrau a mais, desejável, na subida que a Redenção mesma representa.
Quanto ao Direito, os benefícios não são menores. Basta atentar-se na exatidão, clareza e segurança que à prática forense confere a experiência da ciência positiva do direito: fazer com que coincidam aplicação e incidência. Conseguir que o processo adaptativo jurídico funcione com ele é, independentemente das convicções do intérprete [24]. É aliás o sicut oportet, visto tão claramente por Santo Tomás.
d) Avanço no conhecimento científico.
A sociologia tem explicações para a sede sistematizadora de Aristóteles e de S. Tomás. No grego, o elemento preponderante foi a "ordem", ditada sobretudo pela moral e pela estética (Kalós kai agathós). No Santo o que mais pesou foi a profunda religiosidade, somada à necessidade de disciplinar os espíritos (“ordem”) em meio a debates em que o conteúdo da fé cristã correria risco de desvios e transtornos [25]. São atitudes. A atitude é movimento do sub, determinada em grande parte — no caso — pelo critério religioso, pela "tendência" de ir para além do conhecido, do experienciado, do apreendido nos caminhos típicos da ciência (também esta um processo social de adaptação). Conhecer é adaptar-se à coisa, ao ser. Mas a coisa, o ser, só é, no mundo. Este é um ilimitado complexo ser-ser, em expansão — não há a "coisa" solipsisticamente (digamos assim). A coisa é no social. O mundo é em alteridade, desde o físico [26]. O biológico continua a alteridade, (a socialidade!) em mais degraus.
E o sociológico é ainda mais complexo [27]. Mas a alteridade, ora mais profunda, ora mais externada, (Religião, Moral, Direito), é, sempre [28]. Assim ocorre com todo processo adaptativo do homem, único animal capaz de indicar. E indica porque assim o fez a Assembléia. O indivíduo é o que é porque o moldou a Assembléia, por dentro e por fora. Isto é dado, colhido com segurança pela Ciência. Nenhum perigo há aí para a Religião Cristã, a nosso ver. Ao contrário, são proposições que devem servir à hermenêutica das Sagradas Escrituras, cuja comunicação lingüística, a cada dia vai se debulhando, mais se depura. Este fato só colabora para a compreensão da missão de Cristo e da sua obra (=Igreja). Não é verdadeiro dizer que a Ciência é incompatível com a Religião, ou vice-versa. O pesar a fundo o mundo (pensar = pesar) vai demonstrando o contrário, e só deveria gerar confiança em qualquer pensador que se mova com livre disponibilidade de espírito.
Ao filosofar, com o intuito de acertar, não pode ninguém levar consigo algo que lhe imponha convicção. Na ciência não cabe imposição.Ela ocupa-se de indicação. A indicação (dikáia, dizer, julgar) vem de muito longe na história: foi o começo do Homem. Não começa com o homem culto, nas “alturas transcendentais do seu ápice de consciência”. O início não é na interioridade da consciência, que se traga como campo ótimo da experiência cognoscitiva. Isto é já um chegar. É um aportar. Aliás, com a embarcação um tanto desequilibrada pelo excessivo peso do sub, que quase-solipsisticamente se individualizou em excesso.
O começo está muito longe: quando a Assembléia provocou o levantar do dedo indicador (já fôra a só "garra" e a simples "não"). Para diferenciar "algo" de "algo". Aí — ao que parece — já houve a conjugação do ir-e-vir desse posicionamento sub-ob, funcionando o conhecimento — primitivo sem dúvida — do conhecimento: cum-gnoscere. Já é o Homem.
e) Discurso metafísico e ## científica.
Como se vê, a "Lógica" da Ciência surge do extremo oposto em relação àqueloutra, da filosofia clássica. E de todo discorrer metafísico. A metafísica, sistematizando maravilhosamente, "abarca o Ser". É totalizante. Ama a visão global, mundivisional, a inabluível "Weltanschaung" [29]. Há uma convicção de poder intelectual, de domínio adâmico (conceptualista) sobre o Universo. É o tempo do "Homem > Saber". O progredir da Ciência (hoje, por exemplo, com a microfísica e com a relatividade) inverteu a inequação: Homem < Saber. Hipostasiar, para abranger um sistema totalizante, não é sobretudo saber. É principalmente um pôr-se.
Contudo, para dominar, sabendo, o homem não se põe. Tira-se: desmonta-se a engrenagem-arte do "sub-ob" para deixar transparecer o jeto. Se se põe, será visto no sistema o que pusemos — o sistema é um "construído", um arcabouço lógico. Resta saber se corresponde ao "mundo", se o mundo efetivamente cabe nele. A questão é grave, já se vê.
Agora, se se constrói com o jeto ("ser"), temos, realidade: o pensamento começa sem trajeto, munido de validade formal- material. Proposições verdadeiras ordenadas e não as verdades-seres ordenadoras . Quando o sistema arranca das ciências e dos seus resultados, a filosofia vale mais. Este mais está aí para significar que provavelmente toda construção científica conta com o ter de corrigir-se). A ciência não comporta sistematização absoluta, embora ela tenha mais fundamento para confiar no seu "construído", feito com os informes do "dado". Com jeto. Com ser.
Uma sistemática em que, com tal construção, figure a definição de lei, é de insondável proveito para a vida. Estará mais aceitadamente explicado o individual, e também o social. E com muito maior segurança cognoscitiva, que é valiosa conquista, teórica e praticamente [30].
O filosofar científico, por isto mesmo que o é, renuncia a qualquer pré-excludência. Nada exclui nem inclui a priori. Acolhe o que for provado, isto é, o verificável. Entram aí todas as vivências, todas as energias sociais, toda a Vida. Mas tais energias não as "tece" a Ciência. Enxerga-as por dentro e por fora, o que — parecendo embora pouco — é muitíssimo, pela eficácia do seu critério vital: o verdadeiro, o provado, o seguro, o real visto. Não o "real" sotoposto, a trans-entidade, o supra-real, o "ôntico lá de trás", o meta-físico.
f) Texto ponteano.
Leiamos, precisas e concisas, as palavras do próprio PONTES DE MIRANDA em "O problema fundamental do conhecimento", 2ª Edição:
"Amor da sabedoria — como é, no étimo — por certo que a Filosofia a amou muito, mas sem se ocupar de chegar até ela. Admirar e contemplar o cimo da montanha não eqüivale a subi-la até lá. Tudo, no entanto, estava em subir" (pág. 37).
("…")
"A filosofia científica, abolindo a distinção radical físico, espiritual, lógico, matemático, e outras separações, que criam abismos entre os objetos das ciências, fala do mundo como é dado aos sentidos, em muito corrigido pelo conhecimento posterior não-integrado nos órgãos dos sentidos —…— e pelo que nos dão o objeto lógico, o matemático, o físico, o biológico, o psíquico" (pág. 41).
("…")
"Libertando-se da subordinação à filosofia clássica, que, por exemplo, assentava e assenta na afirmação de uma variável de tempo universal e única, a ciência contemporânea pôs a filosofia em atraso, e ela ou a) se desmonta, se destroniza, renunciando ao prestígio de indagação supra-científica, para ser à altura da Ciência e a ligação mesma entra a ciência do dia, a meditação dos seus propósitos e programas a Teoria do Conhecimento até aqui, ou b) será o fóssil de uma atitude mental do tempo em que o saber era aquém do homem. Não se tem prestado suficiente atenção às conseqüências intelectuais e morais, tampouco às conseqüências religiosas, de tal inversão de valores: Homem > Saber, Homem < Saber. Evidentemente são enormes " (pág. 41 – 42).
("…")
"Ora, a filosofia há de atender ao conhecimento, analisá-lo, e procurar a coerência possível entre as regiões dele. Não deve turvar, nem perturbar. Deve clarear, esclarecer. É preciso que não desmonte ou monte a obra tranqüila da ciência. Que continue de ser "conhecimento", e não passe ao plano da imaginação de arte, ao plano do crer, ao plano dos imperativos.
No conhecer há um tomar, que se aquieta, que não avança, que não pende para um lado nem para outro. A indicatividade traduz-se nisso e isso traduz a livre disponibilidade do espírito, que se requinta no conhecimento científico. Onde há imperativo, há tendência, movimento. A figura de Tomás de Aquino viu no ato de conhecer ato e repouso, ato e constância: assimilatur quieti.
No conhecer, há, sem dúvida, o máximo equilíbrio: a maior coexistência do ser com o ser, porque é a coexistência que o capta, sem o alterar, que o duplifica no plano das relações.
“8. FILOSOFIA CIENTÍFICA.
Por certo que a filosofia continua a ter, por objeto, mais que o objeto das ciências especiais. Todavia, se o seu objeto é novo e heterogêneo não é filosofia científica. Não pode supor nova função por parte do espírito, mas nova aplicação — só total ou mais geral — da mesma função. Não supõe diversidade no sentido subjetivo, nem no objetivo: porque nem o seu método pode ser — se bem que mais entendido — diferente do método científico; nem pode admitir dados contrários à ciência, nem pretender ser mais que uma projeção intelectual dos edifícios que as diferentes ciências especiais construíram, salvo no que constrói ela mesma — o edifício central, que é o da Ciência, no estado dela em cada momento típico. Esse termo geral "Ciência", sem qualquer prejuízo, está em "filosofia científica", e esse naquele, como o mármore está na estátua e a estátua no mármore.
Se a Filosofia é definida como conhecimento da totalidade das coisas e essencialmente distinto do objeto da Ciência, então dessa se diferencia no sentido objetivo e no subjetivo (outra função do sujeito): é parente próxima da religião, da moral, da arte, e quase sempre desaparece quando se submete o filósofo à mensuração de tais depósitos [31]. As três figuram no rol dos processos sociais de adaptação imperativos, à direita da ciência (indicativo), como imperativos frenadores. Se a filosofia, em tal sentido, pode diferençar-se da religião (fé), tal diferenciação é sempre devida à preponderância de outros elementos (éticos, artísticos, econômicos). A filosofia materialista, à Plekhánov, é exemplo de esvaziamento "teológico" e enchimento "econômico". Em relação à arte, ela é mais pensamento e menos sentimento, no que aquela lhe leva a vantagem de poder criar com maior número de elementos espirituais, se bem que se inspire em objetos individuais, e não em totalidade do objeto, como a Filosofia. Os resultados de uma podem, aliás, ser de valor inverso: mais ricos para um objeto individual, os dessa; mais ricos para a totalidade, os da arte. Nos nossos tempos, a filosofia clássica continua de ser a atividade que dá a mão à religião e à ciência, ou à moral e à ciência, porém quase sempre a uma só ciência.
Do que dissemos, facilmente se tira que a filosofia científica já se separou da filosofia clássica, já constitui, no sistema da nossa cultura, a atividade de pensamento que fiscaliza os edifícios que as ciências executaram e executam e aquele mesmo a que auxilia a construir: o da ciência. Se a algum processo social dá a mão, é a ciência, e sente-se mais firme do que a filosofia clássica, que é interior a uma fé, a um sistema ético, a uma convicção estética, ou econômica, e pois incapaz de vê-los. Mediante tal irmanação, a filosofia científica consegue libertar-se do dogmatismo, da concepção imodificável do universo: admite a sua própria mudança, o que seria incompatível com a velha metafísica, capítulo terceiro e final da filosofia clássica. Por outro lado, a teoria dos valores, que era o segundo capítulo, já hoje lhe vem da Sociologia e pouco lhe terá ela de acrescentar. A teoria da ciência, seu primeiro capítulo, constitui o objeto da Teoria do Conhecimento, que é ciência, e reproduz-se o fato a que aludimos a respeito da teoria dos valores. Portanto, à medida que se construíram a Sociologia e a Epistemologia, a filosofia clássica perdeu dois capítulos, tornou-se científica a filosofia e a era galileana obtém nos nossos dias — os dias da ciência superior ao homem — a atividade filosófica da concepção científica do Universo.
Alguns filósofos ainda entendem que deve ser tal a proposição filosófica que não possa ser provada, nem refutada, por argumentos de experiência: os fatos especiais e acidentais são sem relação com ela; e não se compreende que as obras filosóficas arrolem invocações históricas ou dados sobre circunvoluções cerebrais. Wolf, Bertrand Russell e outros pensam assim. Mas há um pouco mais de Leibniz em tudo isso. A filosofia inteligência pura cai no mais inflexível dos intelectualismos e remergulha no tipo clássico, por um caminho oposto ao dos idealistas. Nada podemos dizer sobre a finura do jeto filosófico, porque não há tal jeto. A Filosofia trabalha com os resultados das ciências, não tem jeto próprio. Por isso não passa de frase vazia a que se refere à Filosofia como ciência do possível, do a priori. A filosofia científica é coexaustiva, mas sem haurir fora da ciência. Dentro do espaço que as ciências configuram, posto que precisando o que é conhecimento e o que é valor não-cognoscitivo, aponta e colhe o que é científico no momento de filosofar. A sua função é, portanto, enorme, se bem que não seja mais a função indefinida da filosofia clássica.
A enormidade da função da filosofia científica está, portanto, em que se atém à Ciência, mas exaure-lhe o âmbito, no sentido de dar conta de toda ela e de, com ela, preencher o que pode ser preenchido. Ainda submissão e esforço. Ainda o segredo da vitória do homem".
“9. CONCLUSÕES A TIRAR DAS CONSIDERAÇÕES FEITAS.
Das considerações acima feitas havemos de tirar:
a) Toda filosofia científica deve ver as proposições se faz o conhecimento, e a verdade é apenas a qualidade das proposições verdadeiras (a "lógica de dois + infinitos valores", de que falaremos, mostra que entre a verdade de uma proposição e a sua falsidade há todo o infinito das probabilidades de 1 a 0, porém que isso não exclui, isto é, não subsume nos infinitos valores de 1 a 0 os dois valores da lógica clássica).
b) A Teoria do Conhecimento, pela natureza do seu objeto, só se pode preocupar com o conhecimento até aqui, e não tem missão supracientífica: também é ciência, e não filosofia.
c) O realista, o idealista, o pragmatista, o fenomenalista, o existencialista, sacam sobre o futuro, uns, positiva, outros, negativamente.
d) A função da filosofia é compreensiva, e não extensiva. "Filosofar cientificamente" é co-exaurir. A função da filosofia científica é uma exaustão [32]. A filosofia científica explicita-se no ligar o conhecimento científico à hora que passa (na vida do espírito humano) e, portanto, na revelação da coerência dos resultados científicos e da interpretação construtiva que o momento aponta como a melhor.
e) Nesse "melhor" há um pouco de altura, se nos considerarmos no cume (subjetivo, portanto, o "melhor"); mas nada obsta a que só levemos em conta a altura da Ciência mesma.
f) A vocação do nosso tempo para a filosofa científica provém da realidade social do "Homem < Saber". Os que insistem em atribuir à filosofia a velha função semi-poética, semiliterária, são espíritos de outros tempos que vivem entre nós, sem serem, intelectualmente, nossos contemporâneos".
“10. REALISMO, IDEALISMO.
A separação "realismo, idealismo" não cabe em ciência. Há um realismo à base dela, mas implícito. O tomismo, pré-crítico, desconheceu-a; a filosofia científica conhece-a e repele-a, aí, a outro terreno. A ciência não pode arquitetar uma crítica de conhecimento. O que dela sai é uma teoria, uma ciência do conhecimento. Os filósofos neo-escolásticos que levantam o problema crítico e lhe dão resposta vestem roupa de Kant; os filósofos científicos, que o fazem, deixam, por um momento, de ser cientistas: são filósofos, à maneira clássica. Aqueles abandonam, sem razão, a ontologia ingênua, que corresponde à psicologia infantil; esses, também sem razão, recuam ao criticismo. Ora, a filosofia científica continua a era infantil — é o pensamento filosófico da idade madura. O espírito crítico quis restabelecer o contato entre o pensamento e a experiência. A filosofia clássica tinha de passar pelo realismo ingênuo e pelo criticismo. A filosofia científica, não. A ciência assentou, assegurou aquele contato entre o pensamento e a experiência. A filosofia científica já não precisa — no plano do conhecimento — de restabelecer o contato, pois já o encontra. A crítica, que lhe coube fazer, não atinge o conhecimento, — já se exerce noutro plano: no interior da ciência. Aí a discussão entre realistas e idealistas já é tardia, fora de espaço e de tempo: travou-se antes e alhures, isto é, antes da ciência e fora da ciência. Ficou, portanto, atrás e noutro domínio: na ironia socrática, nos cépticos gregos, em Agostinho, em Descartes, e em Kant. A crítica dentro da ciência é outra questão: quase define a filosofia científica. Terminemos".
“11. DEPURAÇÕES.
Quando as ciências, já podem dizer a sua palavra sobre os seus problemas, a filosofia acientífica é tentativa reacionária, fora do sentido da vida. Cheira a seda velha ou a móveis novos de meio estilo antigo. O que nos importa, agora, é corrigir o que pensávamos com o fluxo do que sabemos. O nosso Universo destoa dos mais próximos mecanismos da nossa existência diária; a nossa ambiência prática ultrapassou o nosso pensar teórico; a nossa ciência superou-nos, e superou a nossa visão do mundo. Homem < Saber. Tropeçamos, a cada momento, em conceitos de entidades ônticas, quando já não cuidamos mais, nas pesquisas, de consistências que as exigissem. Quando muito, alguns filósofos, querendo escapar ao ontologismo (idealista ou realista), retombam nele por outros caminhos. Ora, as ciências — em seu conjunto — podem servir-nos a uma filosofia que fuja à ontologia, sem mergulhar no "demasiado formal", no secamento lógico, do criticismo, nem se pôr a ferros no intuicionismo, que é reação àquele. Nem lhe faltara atenção ao imediato, ao experiencial, nem o estudo do lado formal do conhecimento, nem a afirmação de independência, que torna escusada a velha questão ontológica [33].
Sem dúvida, pelos caminhos que nos abrem, hoje em dia, as investigações lógicas e matemáticas, a Biologia e a Teoria do Conhecimento, a pesquisa e a construção científicas ganharam em segurança. Esse rigor, essa solidez, esse poder de verificação e coerência dos diferentes ramos da ciência (coerência crescente, por força de leis mais gerais, que a cada passo se descobrem) servem à filosofia científica, no seu propósito de não sair da Ciência e no seu mister de exaurir. Em toda filosofia científica há uma contemplação que é fecunda; em toda filosofia clássica, um destino e, pois, o trágico de todo destino. É uma biografia” [34].
6. Invariante funcional. De como talvez se tenha de acrescentar algo mais ao pensamento de Pontes de Miranda.
Se nos voltamos aos dados da ciência atual, incluída a ecânica celeste, parece que a todo rigor tenhamos de dar razão em parte, arte mínima, verdade seja, aos velhos nominales. Porque o universal puro A (em tudo igual a outro A), isto não é nem existe senão por ficção. Assemelha-se a sua criação lógica ao “conceito” de “infinito”.
É e ex-siste fora da criação artificiosa só o ato de biológico de extrapolação. Mas para dizer-se ex-sistente o infinito é de mister que ele encontre o jato correspondente no Universo; tal não se dá por ser finito o Universo, posto seja ilimitado. E o conceito de “ilimitado” é negativo: falta de obstáculo. Não-ob é nada. Nada não é. De modo que “infinito”, nos dados do Universo, dado não é. Não passa de palavra, de nome. A inteligência lhe monta aparência conceptual e lhe confere signo de expressividade. Pode ela tecer raciocínio com base em jetos (corretamente extraído ou incorretamente extraído), e juntá-los livremente sem consultar a natureza (experiência com os seus dados). A aceitação da construção depende dos testes feitos pela contactuação com os jatos do Universo (experiência). Ora bem, pois “infinito existe”, ou há o universal puro, são proposições não-falseáveis, inexperimentáveis.
a) Espaço-tempo-energia
Os jorros de matéria-energia formam a totalidade de Espaço-Tempo, a que indissoluvelmente se liga a Energia, esta conversível em matéria. O Homem de modo algum é um ser, um jato, estranho ao interior do Universo.[35] O assunto, escusa dizer, é por demais versado entre os especialistas. Já se ocupa do tema grande número de pessoas não especialistas.
b) A energia social é de jeto muito assemelhado ao jeto da física
Aliás, há algo mais, e de grande relevância, sobre a teoria da relatividade geral. É que Energia (=trabalho ou deslocamento de força [36]) não é somente a energia física. Energias, também as há sociais: cada um dos processos sociais de adaptação causa alteração, assim no interior do Homem como também no mundo físico em que vivemos, nos movemos e somos. Isso se dá incessantemente, em meio a processos sociais de critérios (energias) distintos entre si — Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência. Por outra: somos interior e exteriormente determinados em alto grau na seletividade dos próprios jatos injetados em nós. Tanto no mundo físico como no social (portanto ainda nas relações lógicas, matemáticas e biológicas), em todos esses verdadeiros “pedaços” de espaço-tempo-energia temos de falar em espaço-tempo-energia (e não somente mundo no físico). Em toda essa experiência humana, não há negar: encontramo-nos entre jatos de energia, da qual o Homem é parte integrante. Ou seja, a relatividade geral [37] é ainda mais geral do que cogitara A. Einstein [38]. Ainda: cada ser humano é um jato, humano sim, mas jato na Natureza.
Bem, pois aquela relatividade geral é, em verdade, generalíssima. As alterações incessantes do Universo em expansão também se passam no Homem (fora da consciência e dentro dela).
Do mesmo modo, dentro do cérebro, instrumento indispensável do ato de pensar.[39] Esse particular e específico jato move-se no Universo em expansão, recebendo e emitindo energia de toda ordem[40]. Compõe-se de células, átomos, quarks.[41]
Não se acaba de enxergar como esteja o cérebro escapo às leis físicas, segundo as quais há partículas que, umas se somam, outras se anulam, algumas têm a correspondente antipartícula, várias são virtuais, sendo que os antiquarks se movem à velocidade da luz.[42] A mecânica quântica, com os trabalhos de Heisemberg, Schrödinger e Paul Dirac, mostra que das partículas não sabemos (ao menos por ora) mais que estados quânticos (combinação de posição e velocidade). De jeito que o nosso conhecimento é, a rigor, todo ele apenas... estatístico. Não é mais que jato minúsculo do redemoinho cósmico.[43] A Terra mesmo, onde estamos em redemoinho, já abrigou cerca de 50 bilhões de espécies — somos uma delas.[44] Nosso Sol gira em torno da Via Lactea, gastando muito da sua energia (4 milhões de toneladas por segundo), parte da qual nos atinge, e parte não. Nosso corpo (com o cérebro) forma-se de vários elementos mais pesados que o He, oriundos de estrelas que morreram antes de o Sol ser. Quer isso dizer que os ingredientes do nosso corpo “...were all fashioned in that unimaginable furnace”.[45] Assim, a extração primeva de jetos, havida pela sensação, é ato dos mais complexos do ser vivo (do Homem). Ocorre o jato de gravação engrama (species impressa) antes — ou pode ocorrer antes — da tomada de consciência (apreensão ou percepção). Esse ato muito tem de fato, ligado a eventos alheios ao ato humano. Dão-se aí jorros de energias. Está-se diante de jogo altamente multifário, numa como dança, complicadíssima para nosso entendimento atual[46]. Tem-se um jato entre jatos, cuja precisão inicial e posterior não passa de aproximação. Nem se nos esqueça que sobre determinado “ente” (digamos, sobre um elétron), é nenhuma a precisão quantitativa individual, por número fechado si. Só sabemos algo das partículas (que nos formam — a nós, sub, consciência!), por ondas de probabilidades[47]. Pois muitíssimos são os “elementos circunstanciais” (jatos) que nos modelam o sistema nervoso central, e cujos graus de densidade, ainda desconhecemos. Tal o caso dos neutrinos, dos raios cósmicos etc. (=radiações em campos, sobretudo nos eletromagnéticos, talvez policromáticos)[48]. Ainda que de radiação muito tênue, não é de bom alvitre ignorar alguma eficácia ao neutrino, que nos atravessa o cérebro a cada instante.
Um próton contém cerca de 10 bilhões de neutrinos, por sua vez 100 mil vezes menores que o elétron. Nosso corpo mesmo os produz – 20 milhões por hora. De outro lado, eles invadem o nosso corpo – 100 bilhões a cada segundo. Provêm das usinas nucleares do Universo. O Sol os produz, em direção à Terra, aos trilhões por dia e destes apenas 35% nos alcançam. Atravessada a Terra, metade se perde depois, sendo de notar-se que também os R-x atravessam a matéria com grande diferença dos neutrinos: por poucos metros (aqueles por completo). Espera-se, em tecnologia, que venham a baratear a prospecção do petróleo.[49] Ora, acrescem as alterações efetivamente sofridas pelo sistema nervoso central do Homem em decorrência das influências (Energia, produção de trabalho ou mudança) nos diversos espaços sociais. Como visto, além do sereno (mais sereno) processo da Ciência, temos outros de que os seis principais são Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia. Todos a provocarem alterações na atuação interior e na ação exterior do Homem.
Diante desses fatos estamos autorizados a admitir que o ato de conhecimento (iniciado com a percepção ou tomada de consciência[50]), mesmo quando extraímos o jeto mais fino (como o lógico, ou o matemático), considerado num momento A, e logo exercitado no instante seguinte B, não é rigorosamente o mesmo. O jato em nós injetado, do qual extraímos o jeto, sofre alterações incessantes. Também as sofre o sub, com o cérebro em jorros de alteração interna.
Nem o jeto “livro”, ou “homem”, ou “mortal” etc, é o mesmo de um átimo de tempo atrás, no momento em que acabei de escrevê-los neste computador. O próprio jato já está em novo status posicional do Universo. Significa isto que o jeto (universal, essência) nunca pode ser, rigorosamente, o mesmo num e noutro momento da história do Homem no Universo.
c) Imensa semelhança entre jetos não é, rigorosamente, identidade de jetos.
Toda mudança de expansão (contínua, aliás) do Universo implica em alterações em nós, em mudança nossa. Logo, um jeto liberto agora (extraído neste instante, neste átimo de tempo), quando o reencontro segundos depois, e é reconhecido pelo cérebro, já não é idêntico (na sua estrutura). Ainda que praticamente desprezível para a “objetividade” do nosso conhecimento, por certo que alteração houve no mesmo cérebro, extrator do mesmo jeto.[51] Dois jatos não são idênticos, por mais que se assemelhem[52]. Do mesmo modo o cérebro: não é o mesmo de antes, quando colheu o mesmo jeto (ex: verde, soberania, Homem). Passou por alterações químicos e físicas entre um e outro átimo de tempo. O resultado da extração, posto seja da mais absoluta irrelevância prática (para os fins gerais da vida), essa mínima diferença, entre um e outro resultado da extração (o jeto verde agora, e o jeto verde em novo agora), decerto marca alguma diferença.
A conclusão: a ciência, também, claro está, quando se infiltra em qualquer outro processo social de adaptação, é sempre radicalmente aproximativa. Não constitui exceção, portanto, o pensamento metafísico (esta espécie de Religião nascida fora de lugar). Ao menos por ora, é-nos estranho o pensamento não-relacional. Também a precisão perfeita. Nossas construções não esgotam os seres (jatos). Todo tentame de ir ao trans-jeto é um filosofar. Obtém-se por esse meio um considerar, um admirar, um saborear, um contemplar, um introduzir criações artísticas na estrutura lógica do pensamento, um cultivar o ser (substancializado sem precisa autorização da Natureza), um entregar-se quase-romântico à consolatio animae (ou inversamente ao sentimento trágico da existência). No tocante aos elementos aí inseridos, porventura de cunho assemelhado ao conhecimento, a segurança é quase nula. Falta-lhes a possibilidade de submeter a testes as proposições formuladas. Portanto, são um pensar insusceptível de acareação analítica e crítica com as realidades. Os universais, os conceitos, os juízos, as proposições enfim assim formadas refogem ao falseamento. No plano da ciência (=do conhecer ancorado em realidades), subsistem por si (no mundo que o sub as instituiu com a sua arte ou a sua religiosidade), mas sem sentido para o mundo real experimentável da φυσις.
Aquelas proposições contêm pois “universais”, “essências”, “jetos” que, ainda quando corretamente extraídos de início, se deixaram mesclar de objetos insuficientemente examinados, ou de escórias conscienciais levadas de roldão (sem crítica bastante da sua estrutura). Principalmente: injetaram-se nos respectivos conceitos (ou juízos) sub-posições, trans-posições, jorros sub-stantes, jatos hypo-stasiantes. Nessa operação plástica de ali se meterem criativamente esses sub-, trans-, hypo- consiste o absurdo — aquilo que sai fora da Natureza, que extrapola fictamente do Universo, que se situa imaginariamente para além do mundo-aí-posto, que se afasta das realidades altamente extra-subjetivas do redemoinho geral do cosmos real[53]— é o mundo, meio artístico e meio religioso, característico do pensamento da φυσις.
d) “Quod requiritur et sufficit”(o indispensável e o bastante para a ciência)
De altíssima, ineliminável serventia, é o jeto descoberto (o “universal”, a “essência” captada corretamente). A rigor, contudo, a sua invariância (a sua “identidade”, igualdade, ilimitada similitude para efeitos da vida do Homem na Terra) é funcional — presta um serviço indispensável à vida, correspondente à posição dele no mundo.[54]
No conjunto das complexas relações componentes do “cosmic whirlwind” (onde somos) nossos jetos são suficientes. A “identidade” de um em relação a outros possibilita um conhecimento tão extraordinariamente preciso das realidades, que podem ser tratados (tomadas as precauções de experienciação inicial e de experimental posterior), como a priori abstratos de indiscutivelmente igualdade. Requer-se, isso sim, enorme cautela do Homem na extração do jeto. Correta indução é indispensável.
Ou seja, a despeito de um jeto não ser senão semelhante a outro igual, isso é despiciendo para a vida, em qualquer dos seus processos sociais de adaptação. É-o também para a vida da ciência. Entanto, atente-se, nenhum conhecimento é capaz de ser absolutamente preciso. Nem tal é de mister para o Homem ser feliz.[55] Basta a ciência humana, cujo avanço aliás tem de comum com o Universo a nota de ser sem limites certos. Nada sabemos, e pois nada nos é lícito afirmar, sobre os conhecimentos humanos dentro de quinhentos anos, ou em dois milhões de anos. Daí por que seria arrojado, sem bases, o cientista que afirmasse que jamais teremos conhecimento sobre o absoluto, ou que é impossível exista a substância da filosofia clássica.[56]
[1] Entende R. C. Czerna que a fórmula clássica "suum cuique tribuere" é, em si, vazia. Tem de encher-se com elementos reais e históricos (religiosos e éticos, p. exemplo). A mais importante fonte desse conteúde foi justamente o cristianismo (A justiça como história, em Ensaios de Filosofia do Direito, p. 55-61).
[2] Ver um balanço feito da lógica moderna, da física-matemática e das contribuições do Círculo de Viena, em PONTES DE MIRANDA. O problema fundamental do conhecimento, p.107-136).
[3] Como exemplos, v. ROHDEN, Huberto. A metafísica do cristianismo. 3ª ed.São Paulo: Alvorada, s.d., p. 119-140; MELLO, Anthony de. Sadhana, a way todo God. 9 ª ed. Anand (Índia): G. S. Prakash, 1980, Exercícios de n. 10, 13, 22, 36, 44 e 47; ARMSTRONG, Karen. A history of God. London : Mandarin, 1996, p. 242-295; LACROIX, Xavier. Le corps et l’esprit. 2ª ed. rev. e aum. Paris: Vie Chrétienne, 1996, p. 62-67 e 77-82; CHARDIN, Pierre Teilhard de. Le milieu divin. Paris: Du Seuil, 1957, p. 134-146; BOFF, Leonardo. Ecologia, mundialização e espiritualidade: a emergência de um novo paradigma. 2ª ed. São Paulo: Ed. Ática, 1996, p. 50-54, 77-80, 144-155 e 164-170.
[4] Bem por isso sustenta Pontes de Miranda, “Para que filosofar”, ... p. 495, sobre experiência religiosa: “O que se tem chamado “experiência religiosa” pode ser interpretação de percepções, intuição cognoscitiva ou não, sentimento, pensamento; não é porém, por si só, conhecimento. Há conhecimento, aproveitado pelas religiões, porém religião não é conhecimento”.
[5] Mais um ponto de contato entre Pontes de Miranda e Heidegger: o cuidado ("Sorge") em não se perguntar o jeto, com os impertinentes movimentos do sub-jeto ou com o grifar do oposicional do ob-jeto. Leia-se MAC-DOWELL, op. cit., p. 131, segundo o qual para Heidegger "ser é o aparecer do que aparece. Compreendê-lo é simplesmente deixá-lo aparecer", sendo a verdade uma "manisfestação do ente no compreender". Ver ainda páginas 185 (o eidos como universal) é 220-222 (a "Sorge" como o ser do homem segundo a sua essência, com o “importar-se com ser, pro-curar ser”). O que o conhecimento científico busca é o máximo de quietude, sabendo-se porém que a quies tomista não se completa de todo — é sempre imperfeita em decorrência da expansão constante do universo.
[6] Jetos há que são necessariamente singulares; exemplo: “o Universo curvo de Einstein”, “Corcovado”, “Pão de Açúcar”, “Manaus”, “Constit. Brasileira de 1988” etc.
[7] É semelhante ao que corretamente a Escolástica atribui ao "universal": ens rationis cum fundamento in re. Veja-se SALCEDO, L. Critica, p. 433-440, In: Philosophiae Scholasticae Summa, p. 201-482. O começo da solução do problema é contudo bem outro, e a própria solução diferente da solução aristotélico-tomista (v. PONTES DE MIRANDA. O problema fundamental do conhecimento, p. II, c. IV. n. 16).
[8] No entender de Aloysio Ferraz Pereira, o direito precisa ser constante e sistematicamente invadido pele sociologia (em sentido amplo) – O direito como ciência. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 81. Aí mesmo sublinha o autor que o aparente imobilismo jurídico (as exposições lógico-sistemáticas fabricam em nós tal ilusão) é idéia estranha a Aristóteles e a S. Tomás.
[9] Segundo R. C. Czerna o empirista que se faz religioso, metafísico, é filosoficamente incoerente (Filosofia como conceito e como história, p. 64, nota 90). Ora, o Eu-da-Ciência, o homem da ciência positiva, não é um empirista porque com os jetos, sem transcender, se alça ao que é universal. Seu caminho é o da indução-experimentação. De outro lado, todo homem tem, sempre, componentes de todos os processos sociais de adaptação. Há em todos nós o Eu-religoso, o Eu-moral, o Eu-arte, o Eu-ciência, o Eu-jurídico, o Eu-Político, oEu-econômico. Até o Eu-Moda, lingüagem, cortesia e outros. Variam as cargas sociológicas. Mas também se colhem jetos lógicos na experiência religiosa. Temos para nós, assim, qua a adaptação científico-positiva, crescente, só poderá ser proveitosa à Religião. Depura-a. Não a destrói.
[10] Na opinião de Heidegger a filosofia clássica impediu até hoje a interpretação ontológica do fenômeno humano (MAC-DOWELL, op. cit., p. 117 e 179-206). Nem Descartes, Kant ou Hegel se livram de preconceitos dela (ibidem, p. 204).
[11] Em O problema fundamental do conhecimento, PONTES DE MIRANDA sintetiza os resultados das pesquisas lógicas até ao primeiro terço do séc. XX.
[12] A obra Garra, mão e dedo. São Paulo: Martins Editora, 1953 é bem uma amostra disso. E já o fôra outra, dos seus 20 anos de idade. A moral do futuro, Rio de Janeiro: Briguiet, 1913 (ver, p. exemplo, p. 134).
[13] Em 1911 (PONTES tinha 19 anos), propôs-se sistematizar, a partir das ciências particulares, a ciência do direito (ver dele, A moral do futuro, p. 80). Fê-lo em 1922 com o Sistema de ciência positiva do direito (hoje com 4 volumes, em 2ª edição), sobre que escreveu Roscoe Pound: "I cannot present that it represents any such thoroughgoing work, or indeed scientific system as you have produced". E Clóvis Bevilacqua declarou, em saudação ao autor: "constituístes a ciência do direito (…) Não tivestes modelos (…) Criastes a ciência, que outros apenas entreviram" (op. cit., p. XII – XIV).
[14] Entre outros bons estudos de Miguel Real sobre PONTES DE MIRANDA, destaque-se PONTES DE MIRANDA na cultura brasileira, In: Revista Brasileita de Filosofia., nº 30, pág.3-17.
[15] Às vezes PONTES fala do "grande mal que Aristóteles fez ao mundo", mormente talvez pelo panlogismo do estagirita, apressado em sistematizar, com base no senso comum. Quanto a S. Tomás, diz PONTES, na gnosiologia acerta tanto mais quanto mais pensa por si próprio, distante de Aristóteles.
[16] "Despótico" tem sentido técnico: eficácia de mando, grau de natural impositividade (P. de Miranda, Introdução à sociologia. geral. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello e Cia, p. 39, 45, 46, 72, 83, 1926).
[17] PONTES DE MIRANDA, op. cit., passim.
[18] As principais obras de PONTES DE MIRANDA, nesta questão são O ploblema fundamental do conheciumento; Garra, mão e dedo; Sistema de ciência positiva do direito; Introdução à sociologia geral e Método de análise socio-psicológica. Esta última é desaparecida; têm-se dela apenas algumas páginas de correção tipográfica, outras em versão alemã e outras ainda em inglês.
[19] Parece assim desenfocada a visão de M. Heidegger, segundo o qual a essência do pensar é o movimento de transcendência para o ser (MAC-DOWELL, op. cit., p. 54-55).
[20] Para Miguel Reale há no ato cognoscitivo um momento da dialética de complementaridade ficando, em horizonte aberto, sempre novas sínteses a se realizarem (Experiência e cultura, p. 43-51).
[21] O próprio Heidegger critica, nesse ponto, a filosofia antiga e medieval (MAC-DOWELL, op. cit., p. 222 -226).
[22] Heidegger percebeu ser preciso deixar os próprios fenômenos manisfestarem-se, sem a pressa do seu enquadramento em categorias, sem apoio nos fenômenos, como se elas fossem o próprio sentido das coisas (MAC-DOWELL, op. cit., p. 129). Não há coisa-em-si que não seja o fenômeno mesmo (id., ibid., p. 232).
[23] Um exemplo típico, entre centenas, desse "ceder" ao pedido racional do sistema, está no argumento de S. Tomás para provar a espiritualidade dos anjos (Summa theologiae, I, 50, 2, c): é preciso admitir (ponere) algumas criaturas incorpóreas, pois Deus cria através da inteligência-e-vontade e é necessário que existam criaturas que a Ele se assemelhem nesse ato criador: é assim que o efeito mais perfeitamente imita a sua causa. Logo, ad perfectionem universi requiritur quod sint aliquae creaturae intelectuales. É freqüente no grande Santo a inserção de argumentos bíblicos como fundamento para o próprio sistema filosófico. Atenta-se assim contra as normas hoje assentes da metodologia do pensamento científico.
[24] A quase espantosa produção jurídico-científica de PONTES DE MIRANDA — sem outro similar na história do direito — guarda coerência de princípios e métodos com sua filosofia e sociologia, sem rebuscamento ou artifício. Fenômeno ímpar, a ser estudado em profundidade.
[25] Recentemente, em M. Heidegger e em E. Lask , assiste-se à preocupação de deixarem caminho aberto para o conhecimento filosófico de Deus (MAC-DOWELL, op. cit., p. 62, nota 186); Heidegger procura superar os impasses da filosofia moderna (p. 87) e, particularmente, os do idealismo alemão, com a "intenção apologética de reconduzir o pensamento ocidental aos pressupostos racionais da fé cristã" (p. 101-102). Tocantemente ao próprio Santo Tomás, ver MANSER, op. cit., p. 3-12.
[26] A física nuclear e a relatividade geral de Einstein confirmam o enunciado.
[27] Como acentua Aloysio F. Pereira, o direito sempre teve a ganhar com aproximar-se da sociologia (op. cit., p. 83).
[28] Para Miguel Reale ocorre na religião uma como evasão do social, na moral uma opção em função dos próprios princípios pessoais e, no direito, a bilateralidade atributiva (sob ordenação objetiva). Ver O direito como experiência, p. 264-269.
[29] Sobre esta "Weltanschaung", totalizante e inesgotável, v. CZERNA, R. C. Filosofia como conceito e como história, p.107, inclusive no sentido metafísico de que a "verdade (..) é o Logos que está presente no espírito humano", sendo que, segundo o Neister Eckart, o Verbum se escondeu no seio mesmo do espírito: "Das Wort liegt in der Seele verbogen". Aliás, alerta Czerna, revela-se como sistema aquela busca de verdade que o espírito se propôs — coerência e identidade do espírito consigo próprio, em tendência dinâmica para a unidade (Natureza e espírito, 1949, prefácio de M. Reale, final).
[30] Nessas questões temos por relevante o esforço da pesquisa empreendido por TELLES JÚNIOR, Goffredo, O direito quântico. 5ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1980: visão do mundo (p. 15-188), biologia jurídica (p. 319-340), o direito quântico (capítulo final), oferecem visão da adaptação jurídica, buscada nos resultados de mecânica celeste, do microfísico e do início do orgânico.
[31] É por certo nesse sentido que, no dizer de Frank Plumpton Ramsey (The Foundations of Mathematics, London, 1931, pág. 263), a proposição principal da filosofia é que a filosofia é um não-senso, e Ludwig Wittgenstein adjetiva: um não senso importante. Filosofar-se-ia tão-só sobre o que não se conhece claramente. Daí recorrer o filósofo acientífico (268) aos seus depósitos, a self-consciousness; "but the necessity of self consciousness must not be used as a justification for nonsensical hypotheses; we are doing philosophy not theoretical phychology, and our analyses of our statements, whether about meaning or anything else, must be such as we can understand".
[32] Omitimos aqui, por brevidade, a nota (1) da página 146 do original (2ª edição) de PONTES DE MIRANDA.
[33] "Ontológica". Com isso queremos designar o que concerne à metafísica substancialista, ao estudo da coisa em si sob qualquer das suas concepções, e não o que pertence ao conhecimento do que são as coisas por oposição às aparências, ou ao que ainda hoje justificaria o nome e a indagação – o estudo do que constitui conteúdo dos pensamentos para distinguir o que é imediato e o que é construído, o que é dado da sensação, da percepção, da especulação, da ciência, e o que se dá (e.g., estímulo). A própria aplicação da navalha de Occam seria assunto de tal disciplina. A teoria dos objetos, das "essências" ou "universais", a distinção entre mundo percebido e mundo da ciência, a teoria dos valores e da atuação deles, a definição do "homem" e da Ciência, tudo isso caberia em sentido novo de ontologia, mas (dir-se-á) o termo já está comprometido pela velha metafísica, como também se trataria de capítulo ou partes de capítulos apanhados a diversas ciências, principalmente à Epistemologia e à Teoria do Conhecimento.
A palavra "ontologia" tem hoje duplo emprego: um, que lhe veio da metafísica, saturado de substancialismo; outro, mais recente, que é de designar o estudo dos objetos ou coisas sem que se inquira da fonte da coisa ou da sua natureza íntima. Nós mesmos admitimos uma longa marcha para os ontos, o que constitui, estar-se no plano da ontologia "anontológica" ou "ametafísica" o procurar-se o que nos intimize no objeto. De tal concepção falaremos mais tarde . Viva e criadora , como é a ciência, a sua ontologia não é rígida . Conhecer é o resultado de uma vocação a aproximar-se.
No último sentido, a ontologia é indispensável ao epistemólogo; porque não é possível conhecer-se o conhecimento sem se saber o que é que, por meio dos sentidos, nos dá do mundo a percepção e quais as coordenações entre o percepto e o estímulo, o percepto e o conhecido já por outros meios que o perceptivo.
[34] O problema.fundamental do conhecimento, p. 43-49.
[35] Vide, entre outros, Tipler, 1994, 528 p., x-xi).
[36] Macedo, 1976, p. 120 e 346.
[37] Vide a esse respeito, entre outros, Hawking, 1988, pp. 21 a 22; Hey e Walters, 1997, pp. 8 a 9, 161 a 165, 188 a 192, 230 a 233 e 238 a 239; Calder, 1982, pp. 53 a 55 e 74 a 76; Russell, 1989 (todo).
[38] Pouco conhecidos no Brasil são os trabalhos de Pontes de Miranda sobre essa importante extensão da teoria da relatividade geral à gnosiologia. É ponto central de toda a sua obra filosófica. Ver a esse respeito PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Vorstellung vom Raume. Atti del V Congresso Internazionale di filosofia. Napoli, 1925 (todo) e Espaço, tempo, matéria (um dos problemas filosóficos da relatividade generalizada). O Jornal, 6-05-1925 (todo).
[39] Sobre a imensa complexidade do cérebro e das suas múltiplas capacidades reativas, vide Tipler, 1994, para 41 ss e 196 ss.
[40] Vide Hawking, 1988., p. 36 ss.
[41] Ainda sobre o quark, entre outros, ver GELL-MANN, Murray. O quark e o jaguar. Trad. de Alexandre Tort Rocco: São Paulo , Edusp, 1997. Comentários a respeito, ver prof. Henrique Fleming USP, Folha de São Paulo, jornal de resenhas, 11-4-97, p. 5.
[42] Vide Hawking, 1988, pp. 63 a 64 (soma ou anulação de partículas), 73 (antipartículas), 80-84 (quark, matéria e antiquark, radiação).
[43] Id., ibidem, p. 59 ss. O Universo compõe-se de centenas de bilhões de galáxias. A “nossa” contém aproximadamente 400 bilhões de sóis. O nosso dá-lhe a volta a cada 250 milhões de anos (I., ibidem).
[44] Vide Sagan, 1998, p. 56.
[45] Calder, 1982, p. 20.
[46] Sobre o conceito de “dança” na cosmologia pós-einsteiniana, vide Gleiser, 1998, p. 241 a 312.
[47] Vide Hawking, 1988, p. 60 ss.
[48] Sobre os conceitos técnicos de neutrino e de raios cósmicos, vide Macedo, 1976, p. 240, 291 e 297. Sobre o primeiro, também Kuhn, 1996, p. 27 e 87.
[49] Vide Marques e Funchal, agosto de 1999, pp. 15 a 17.
[50] Vide Pontes de Miranda, O problema. fundamental do conhecimento, 1972, p. 104, 203, 229, 266 ss.
[51] Imagens do cérebro, bem como o seu funcionamento, podem ser conhecidos por meio de tomografia pela emissão de pósitrons (que se chocam com elétrons, produzem fótons, captados por aparelhos colocados de fora do cérebro. Também por ressonância magnética, ou ainda por magnetoencéfalograma (MEG). Ora, temos cerca de 100 bilhões de células transmissoras de impulsos elétricos (=neurônios), num delicado sistema de junções (sinapses). Traduzem mapa das realidades (recriam o mundo exterior), criam o que está em si (mundo imaginário só do íntimo do indivíduo), e recriam o passado exterior (memória). Os neurônios repartem-se pelo cérebro,em grupos, em módulos especializados por suas funções. Vide Gleiser, 2000, p. 29.
[52] A rigor, note-se, “idêntico” é um conceito contraditório. Serve o adjetivo, em face das limitações da linguagem, mas só tem sentido o seu sentido de “igual” (aequalis, de nível aproximado), de “semelhante” (similis, imitativo). Ver a esse respeito Pontes de Miranda, O problema fundamental do conhecimento, 1972, pp. 224 a 225.
[53] Sobre esse “cosmic whirlwind”” na mecânica celeste, segundo a relatividade geral, vide Calder 1982, pp. 1 a 6.
[54] Sobre o conceito de “função”, na acepção filosófica (modalidade de ação) e matemática (variação de correspondência), ver AMORIM, Paulo Marcos de, e PEREIRA, Vera Maria Cândido. Função. Enciclopédia Mirador Internacional, pp. 4996-4997, itens I, 1.8, 1.9 e II, item 1.
[55] Para Pontes de Miranda, e pondo a sentença em termos matemáticos do próprio autor, a ciência é só uma tendência à compreensão (homem<Saber) e é apenas assintoticamente perfeita. Já se tem nisso algo muito confortante (sem desespero, sem romantismo trágico) — por ela o Homem avança historicamente no domínio intelectual do mundo (de que somos jatos integrantes).
[56] OLIVEIRA, Mozar Costa de. A gnosiologia estudada com dados das outras ciências. Santos: Leopoldianum (Cad. posgrad), 2001, pág. 33-38.