A construção da política pública de atendimento às vítimas de tráfico brasileiras: avanços e desafios encontrados nos processos de retornos
Verônica Maria Teresi[1]
Resumo: O artigo elucida alguns desafios encontrados nos processos de retorno das vítimas brasileiras de tráfico de pessoas, trazendo a necessidade do aprimoramento da política pública de atendimento para esse público, garantindo direitos e diminuindo revitimizações. Propõe-se a discussão de alguns desafios encontrados na construção da política pública de atendimento que está sendo elaborada pelo governo brasileiro.
Palavras-chave: Tráfico de Pessoas. Exploração Sexual. Mulheres. Retornos da espanha. Construção de Política pública de atendimento no Brasil
1. Introdução
A complexidade do fenômeno do tráfico de pessoas exige que as abordagens e análises sejam cada vez mais cuidadosas e particulares, evitando generalizações que levem à perda de elementos fundamentais, principalmente no que se refere à atenção e ao respeito ao direito das vítimas.
A percepção de que vivemos em um mundo cada vez mais interligado, onde as fronteiras nacionais já não parecem estar tão longe, intensifica a realidade ou a visibilidade do fenômeno da imigração internacional.
Somados a essa realidade, sabemos que os sistemas econômicos de poder geram profundas desigualdades sociais por todo o mundo, refletindo-as nos processos migratórios. Nesse sentido, verificam-se as migrações forçadas, entre elas, o contrabando internacional e o tráfico de pessoas.
Há diferenças conceituais entre a imigração, o contrabando de pessoas e o tráfico de pessoas, permitindo a compreensão e a criação de mecanismos de enfrentamento contra os dois últimos.
A imigração pode ser definida como um fenômeno social que ocorre quando há o deslocamento de pessoas, voluntariamente e sem o intermédio de terceiros, de um lugar para outro, envolvendo Estados Nacionais. Tanto o contrabando de pessoas quanto o tráfico de pessoas são considerados crimes, mas, por referirem-se ao deslocamento de pessoas, são considerados espécies do gênero imigração.
O contrabando de pessoas, também chamado de tráfico de migrantes (ou smuggling, em inglês), se verifica quando uma pessoa é transportada consensualmente por terceiros a outro país, por meios ilegais, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, benefício financeiro. A utilização do “serviço” de terceiro se dá porque essa pessoa não pode ingressar no país destino pelos meios normais, por não ser nacional ou residente permanente e não preencher os requisitos necessários para obter o visto exigido. No contrabando, há o consentimento da vítima, que pactua com terceiro o transporte até o destino pretendido.[2]
Essa modalidade criminosa não contém o elemento da coerção e do engano. Assim, o tráfico de migrantes não é reconhecido como uma violação dos direitos humanos, mas uma violação às leis migratórias e pressupõe a ligação voluntária de imigrantes com as redes de tráfico na intenção de obter a entrada ou admissão ilegal ou irregular em outro país.
Por outro lado, o tráfico de pessoas envolve o deslocamento de indivíduos através do engano, da coerção ou do aproveitamento de sua condição de vulnerabilidade social, com a intenção de exploração no destino final e obtenção de benefício financeiro. Essa exploração pode ser sexual, trabalho forçado, casamento forçado e doação de órgãos. Diz-se que há a comercialização do indivíduo através do tráfico de pessoas.[3]
Por meio da definição de tráfico de pessoas dada pelo Protocolo de Palermo, três elementos devem ser levados em consideração para caracterizá-lo: a ação; os meios (engano, rapto, coação, situação de vulnerabilidade) e o fim da exploração da pessoa com objetivo de lucro.
Há configuração do tráfico de pessoas, mesmo que o transporte seja feito com o consentimento da vítima, uma vez que há a exploração dessa pessoa no destino final. Entende-se que a vítima tem direito à proteção especial, porque sua vontade está viciada (pelos meios utilizados). O consentimento, assim, é irrelevante para a caracterização do tráfico.[4]
A complexidade dos fenômenos que envolvem o deslocamento de pessoas aparece e se apresenta com inúmeras facetas, levando muitas vezes a caracterizar determinadas situações como tráfico de pessoas, quando se pode estar diante de uma migração voluntária, mesmo que esta apresente elementos de irregularidade.
Observam-se casos de pessoas que começam voluntariamente pagando intermediários para conseguir ingressar em outro país, uma vez que não conseguiriam ingressar sozinhas, o que configuraria o contrabando de imigrantes. Por outro lado, muitas vezes acabam sendo captadas por redes de tráfico com finalidades de exploração por diversos fatores, entre eles: por terem sido abandonados pelo intermediário ou porque são vendidas para que devolvam a dívida contraída, o mais rápido possível.[5]
Por esses motivos, o tráfico de pessoas é considerado uma violação de direitos humanos, e, especificamente o direito à vida, à liberdade e ao direito de não ser submetido à escravidão em nenhuma de suas formas, diferentemente do que ocorre com o tráfico de migrantes.
Nesse sentido, é fundamental conhecer como o Brasil tem pensado e construído a política pública de retorno das vítimas brasileiras e o atendimento no retorno.
No decorrer do texto, abordar-se-ão alguns exemplos de retornos, voluntários ou não, de vítimas retornadas da Espanha, na intenção de possibilitar o debate e a melhoria dos processos de retornos, garantindo os direitos das vítimas e a reconstrução de sua vida no Brasil.
2. Podemos falar em perfil de vítimas de tráfico?
Falar da existência de um só perfil de brasileiras que se insere no mercado sexual espanhol, seja como uma estratégia de migração, seja porque é uma vítima de tráfico, é reduzir a complexidade da questão, limitando em excesso a realidade que se apresenta.
Muito embora a questão econômica e o atrativo dos recursos financeiros sejam relevantes para a inserção das vítimas no mercado sexual, percebe-se, em alguns casos, a prevalência de problemas intra-familiares.
Informações recebidas de organizações que oferecem atendimento direto ás mulheres, assim como entrevistas realizadas com algumas mulheres que estão exercendo prostituição na Espanha, identificam problemas com suas famílias de origem como um dos motivos para a vinda à Espanha.
Muitas vezes essas mulheres, ao aceitarem ir para outro país, mesmo cientes de que irão trabalhar no mercado sexual, não imaginam as condições reais que as esperam ali. Quando chegam, inicialmente, até saldar sua dívida, ficam com seus documentos retidos pela rede de tráfico, confinadas em locais próprios para a prostituição, padecendo de maus-tratos, sendo exploradas – uma vez que não podem sair até pagarem toda a dívida contraída com a viagem, transporte e alojamento –, vendo ameaças constantes contra suas famílias e principalmente contra seus filhos.
Também existem casos de mulheres que são enganadas quanto à atividade que desempenharão na Espanha. Um exemplo bastante recente refere-se a uma rede desarticulada em Navas del Rey, a poucos quilômetros de Madrid. (EL PAIS, ano 2007).
Cuatro mujeres que lograron huir de un club de alterne de Navas del Rey (2.400 habitantes) han permitido la detención de seis personas que obligaban a prostituirse a inmigrantes brasileñas, a las que cobraban altas cantidades de dinero. Los agentes de Extranjería también han encontrado cocaína y marihuana con la que supuestamente traficaban los acusados, según la Dirección General de la Policía.
Las mujeres eran captadas en Brasil con la falsa promesa de venir a trabajar a España. Cuando estaban en el taxi que las llevaba al club Varadero, en Navas, los encargados de la organización les informaban de que habían contraído una deuda con la organización de 3.000 euros. Para pagarla, tenían que prostituirse y cumplir unos requisitos. Entre ellos, consumir cocaína si el cliente así lo exigía, y comprar la droga que iban a tomar. "Y pagaban una cantidad más alta por la dosis, por supuesto", explicaron fuentes judiciales.
Las mujeres también eran obligadas a mantener relaciones sexuales con el dueño y con los amigos de éste sin cobrar a cambio. Si alguno de ellos quería hacerlo sin condón, no podían oponerse, según declararon las mujeres. En caso de salir del local por asuntos personales, debían ir acompañadas por algún responsable de la organización. También les imponían otras normas, como hacer jornadas muy largas y vestir de forma provocativa. Además, les daban órdenes de cómo comportarse con los clientes. Si se negaban, recibían fuertes palizas.
Cuatro mujeres aprovecharon una salida con clientes para pedirles que las ayudaran a poner una denuncia. Lo hicieron en Toledo y ya no regresaron al club de alterne. Días después, los dos vigilantes del local la emprendieron a golpes con un cliente al que confundieron con uno de los hombres que ayudaron a las inmigrantes.
Los agentes de la Unidad contra Redes de Inmigración y Falsificación (UCRIF) entraron en el local con un mandamiento judicial el pasado viernes y detuvieron a los seis responsables de la organización. En el club se hallaban 25 mujeres, de las que 19 estaban de forma irregular en España. (EL PAIS, 2007)
Outras mulheres entendem que a concordância com o valor cobrado, aceitando as condições impostas pelo aliciador, as faz ter que cumprir com seu acordo no exercício da prostituição. Suas percepções, por outro lado, não são as de estarem sendo exploradas, nem muito menos traficadas. Verifica-se que essas mulheres somente associam o tráfico de pessoas quando há prostituição forçada (por meio de coação e ameaça). O tráfico resultante do aproveitamento da condição de vulnerabilidade da vítima não é entendido como tráfico por elas próprias.
Máfias... que a polícia te mostre uma única máfia que seja! Nem duas, nem três, isso não existe. O que fazem é deportar mulheres sem papéis, que sabiam o que vinham a fazer aqui, que queriam fazer isso!
O que é Máfia? É cobrar o dobro por uma passagem? Isso não é máfia, isso é algo que acontece. Você quer vir para a Europa, mas não tem dinheiro para a passagem. A passagem custa 1000 euros, eu compro para você, porque eu tenho o dinheiro, mas cobro 3000. Você aceitou, pronto, feito. Máfia é quando tem uma mulher como escrava, prisioneira, quando a vendem. Isso tem aqui, com as romenas. Mas a polícia prende, elas e não os homens que estão na calçada da frente controlando! E elas têm que trabalhar queiram ou não, não podem parar para comer, ou tem que comer o que eles dão para elas. Isso é Máfia, com brasileira não tem isso não. (Trabalhadora sexual, 43 anos, há cinco trabalhando na Espanha). (PISCITELLI, p.42,43 )
A leitura feita pelas mulheres referente ao que se considera tráfico é diferente do que estabelece o Protocolo de Palermo, principalmente quando se verifica o meio do abuso da situação de vulnerabilidade.
Outro elemento importante que complementa essa percepção é a maneira como se dá o aliciamento/convite às mulheres brasileiras. Muitas vezes ele é feito pelas próprias mulheres que estão exercendo prostituição na Espanha e que trazem outras de sua rede social (amigas, irmãs, primas, etc) na intenção de possibilitar a realização do projeto migratório para outra mulher do seu círculo social. Essa forma de aliciamento “invisibiliza” a figura do traficante, mas não o exclui. O traficante “invisibilizado” é aquele que paga a passagem, os custos da viagem, possibilita os documentos necessários para essa mulher entrar na Espanha[6] e disponibiliza o local para o exercício da prostituição.
A percepção dessa mulher que aceita o convite de uma amiga (prima, irmã, etc) e não visualiza a situação de tráfico é a de estar sendo ajudada a migrar com a finalidade de realizar um sonho: melhorar suas condições de vida ou de suprir rapidamente deficiências financeiras encontradas no local de origem.
A perspectiva dessas mulheres inseridas no mercado sexual espanhol sempre aparece como uma atividade momentânea, até conseguir dinheiro suficiente para retornar ao Brasil e desenvolver uma atividade profissional autônoma ou até mesmo inserir-se em outra atividade na Espanha.[7] Porém, a inserção profissional na Espanha é difícil pela situação de irregularidade em que se encontram. Quase todas entram como turistas, tendo o visto expirado em três meses. Existe a possibilidade de ampliação do visto por mais três meses, mas nenhuma a providencia. Seja porque estão em situação de privação de liberdade nesse período até pagarem suas dívidas contraídas com as redes que as levaram à Espanha ou, não têm como justificar a ampliação da estadia na Espanha. Assim, passam à situação de irregulares frente às autoridades espanholas.[8]
Essa situação de irregularidade as torna mais vulneráveis basicamente por dois motivos: 1) frente aos proxenetas, que muitas vezes ameaçam denunciá-las às autoridades policiais espanholas se não fizerem o que eles determinam e, elas sabem que, se encontradas em situação de irregularidade, serão deportadas para o Brasil; e 2) em relação à tentativa de sair da prostituição e inserir-se em outra atividade profissional, pela ausência de possibilidades de conseguir uma colocação profissional formal ou até mesmo informal.[9]
Verificam-se algumas características no perfil da mulher almejada pelo mercado sexual espanhol, possibilitando argumentar no sentido de que as organizações criminosas se apropriam das expectativas do mercado sexual dos países de destino, utilizando o tráfico de mulheres para conseguir atender a demanda esperada por esse mercado lucrativo. Pode-se argumentar que o mercado sexual espanhol tem certa preferência pelas características físicas e principalmente culturais das mulheres brasileiras e que esses são alguns dos motivos pelos quais o número de mulheres brasileiras exercendo prostituição na Espanha é tão elevado.[10]
Entretanto, esse aspecto das características da mulher brasileira não deve ser entendido como o principal motivo que fundamenta o alto índice de brasileiras na Espanha. Acredita-se que as redes criminosas se articulam e se aproveitam de sistemas que tenham controles migratórios ineficientes, onde haja vulnerabilidade social e ausência de Políticas Públicas efetivas de combate e atendimento às vítimas. Além disso, essas redes de tráfico adaptam-se às mudanças dos controles migratórios dos países de destino, criando novas metodologias de inserção de mulheres.
Nesse sentido é que observamos a mudança de nacionalidades predominantes no exercício da prostituição na Espanha nos últimos oito anos. Analisando os dados, especificamente as nacionalidades latinas, podemos verificar que nos últimos oito anos houve prevalência sucessiva das mulheres dominicanas, das colombianas e posteriormente das brasileiras. Atualmente, verifica-se um incremento das mulheres paraguais no mercado sexual espanhol. (GUARDA CIVIL, 2000-2009).
Para além do perfil de mulher esperado pelo mercado sexual espanhol, podemos constatar algumas características predominantes: mulheres entre 18 e 30 anos, com baixa escolaridade (apesar de cada vez mais se identificarem mulheres com o segundo grau completo e nível superior), pertencentes a famílias monoparentais, com indícios de violência doméstica e mulheres que nunca tinham exercido prostituição no Brasil.
3. O aspecto da maternidade transnacional
Interessante perceber que analisando a marcha de muitos projetos migratórios de mulheres que decidem sair de seus países, sejam elas vítimas de tráfico ou não, há o estabelecimento de práticas sociais, econômicas e principalmente de papéis sociais a cumprir com as pessoas que ficam em destino. Quanto aos papéis assumidos, as características das mulheres que migram não diferem das características das mulheres brasileiras vítimas de tráfico na Espanha.
Os fluxos migratórios não são homogêneos, originam-se de contextos sociopolíticos, econômicos e culturais diferentes, possibilitando que adquiram características singulares conforme seus processos particulares e históricos.
A participação da mulher como primeiro escalão da cadeia migratória gera a formação e reacomodação de vínculos entre as relações de poder pré-existentes, as assimetrias nas relações de gênero dentro dos grupos envolvidos na migração internacional ou, em alguns casos, reconfiguração de outras relações de poder.
Desde a década de 1980 constata-se uma mudança na composição dos fluxos migratórios latino-americanos, principalmente para a Europa. Antes, esses fluxos eram predominantemente masculinos. A partir dessa década, visualiza-se a chegada e incorporação do coletivo feminino às migrações internacionais, causando mudanças consideráveis na configuração desse fenômeno, como explica Pedone (2003):
Este hecho se relaciona con algunos temas fundamentales: resignificar el valor otorgado al trabajo femenino, puesto que, en la sociedad de origen está afianzada la idea de que el aporte que la mujer realiza con su salario sólo constituye “una ayuda”; poner en marcha nuevos mecanismos para controlar la sexualidad de la mujer tanto si migra como si permanece en lugar de origen; redefinir los roles familiares desempeñados hasta el momento y asumir los cambios estructurales que pueden darse en los mismos. (PEDONE, 2003, p 83)
Neste sentido, é essencial destacar a importância da cadeia migratória e das redes migratórias no contexto da feminização das migrações. Por cadeia migratória se entende a transferência de informação e apoios materiais que, preferentemente, familiares e amigos oferecem aos potenciais migrantes para decidir ou concretizar sua viagem e também o apoio necessário nos aspectos para sua incorporação na sociedade de destino.
A migração feminina muda os papéis exercidos pelas mulheres na origem e tem consequências, principalmente, em duas perspectivas: 1. a ampliação do papel das mulheres na produção; 2. a mudança de sua relação de poder diante do seu grupo doméstico, com alteração das relações simbólicas existentes.
Um dos motivos pelos quais se verifica o aumento da migração feminina se fundamenta na informação de que há maior demanda de empregos femininos nos destinos, dentro das redes migratórias.
Com essa reflexão sobre a inclusão da mudança de papéis da mulher nos processos migratórios não se pretende igualar o fenômeno da migração com o fenômeno do tráfico de pessoas. Sabe-se que são fenômenos diferentes, um relativo ao movimento de pessoas e o outro relativo a um crime transnacional. A migração deve ser entendida sempre como um fenômeno positivo, e o tráfico deve ser combatido.
Por outro lado, há aspectos desse fenômeno da maternidade transnacional que pode ser utilizado para explicar semelhanças existentes nas relações que se constroem, de um lado, entre as mulheres migrantes e, do outro, entre as mulheres vítimas de tráfico, desde o início do processo de aliciamento e na mudança de papéis desempenhados por essas mulheres diante da família, nas suas relações afetivas e na sociedade de origem e destino. Além disso, essas relações construídas e preservadas com a origem são elementos fundamentais que trazem conseqüências para/nos os retornos dessas mulheres.
A alteração das relações simbólicas existentes entre essas mulheres e suas famílias muitas vezes é o que estimula a permanência delas em situações de exploração e é o que as faz ter vontade de retornar a esse estado, quando são deportadas por situação de irregularidade documental. Nesses casos, o retorno ao Brasil, depois de um processo administrativo de deportação, que será explicado mais adiante, significa voltar a ter o mesmo “valor” simbólico de antes, não ter cumprido o projeto migratório, mesmo que esse tenha sido executado sob intensa situação de exploração.
A ampliação do papel das mulheres na produção garante uma melhora de seu status diante do seu grupo doméstico, com o aumento da auto-estima e com a garantia de outra forma de autoridade dentro do núcleo doméstico.
As relações simbólicas resultantes da migração feminina devem ser analisadas, uma vez que trazem consequências consideráveis nas relações dessas mulheres com seu grupo social mais próximo e também nas relações dessas mulheres com a sociedade em geral.
A migração feminina traz, em muitos casos, o fim da submissão à autoridade masculina, seja do pai, irmãos e marido, nos casos em que essas figuras estão presentes na vida dessa mulher.
Por outro lado, ainda que exista o fim da submissão da mulher frente à autoridade masculina, a migração impõe novas obrigações, principalmente a de manter economicamente sua família desde o destino, seguir mantendo o funcionamento do grupo doméstico de origem durante sua ausência e, assim que se estabelecer, reagrupar a família, principalmente seus filhos.
Nesse contexto, a manutenção do grupo doméstico se garante pelas relações entre as mulheres em um grau de horizontalidade e solidariedade. As mulheres trocam bens e serviços para possibilitar a manutenção do grupo doméstico de origem.
A feminização das migrações se fortaleceu uma vez que as mulheres passaram a ver a migração como uma maneira de oferecer a seus filhos a possibilidade de garantir seus estudos, com melhores condições de futuro. Ademais, no caso dos filhos reagrupados em destino, os benefícios do Estado do bem-estar europeu.
A maternidade é um aspecto da migração bastante importante para o estudo das relações que ela constrói e destrói. As relações desestruturadas ou a mudança das pessoas que representam figuras familiares de referência são pontos relevantes no estudo das migrações e do fenômeno que envolve as mulheres vítimas de tráfico.
Nesse contexto, a maternidade compartilhada é um aspecto importante da migração feminina e caracteriza a maternidade transnacional. As mulheres migram, deixam seus filhos geralmente aos cuidados de outra pessoa (mãe, irmã, tia), mas nunca deixam de manter vínculos com eles. A expectativa das migrantes é conseguir a criação dos filhos, mesmo que seja à distância, proporcionando-lhes as melhores condições.
Além disso, a feminização da migração converteu novamente as avós em mães, quando estas já acreditavam que haviam concluído essa etapa de suas vidas. As consequências para a vida dessas avós, que começam a assumir responsabilidades que já não tinham que vivenciar, influenciam na formação e percepção da criança do que é um núcleo familiar e como se formam as relações entre as diferentes pessoas desse núcleo.
A maternidade transnacional, resultado das migrações entre países, tem consequências profundas nas relações pessoais dessas mulheres e principalmente de seus filhos, impactos que geram efeitos nos círculos sociais mais extensos.
A maternidade transnacional é um elemento essencial encontrado no perfil de muitas das mulheres que exercem a prostituição e das vítimas de tráfico para fins de exploração sexual na Espanha.
4. A figura do aliciador/aliciadora
No Brasil, apesar da percepção da prevalência de homens como aliciadores/agenciadores das vítimas de tráfico[11], verifica-se grande número de aliciadoras mulheres que conseguem convencer mulheres das vantagens da inserção nas redes sexuais, através de suas experiências “bem-sucedidas” com a prostituição no exterior. Percebe-se que essas aliciadoras já estiveram em condição de vítimas, mas conseguiram pagar sua dívida e foram inseridas na estrutura das redes de tráfico para exercer um poder de convencimento sobre outras mulheres. Ou ainda, que essas aliciadoras se envolvem sentimentalmente com algum traficante ou dono de clube de prostituição e acabam sendo as principais fontes de aliciamento de mulheres no Brasil.
O exemplo do pequeno município de Uruaçu, localizado no interior de Goiás, a menos de 200 Km de Brasília, mostra bem as possibilidades oferecidas às brasileiras mais pobres pelo comércio do corpo no estrangeiro.
A cidade de pouco mais de 25 mil habitantes dispõe de poucas oportunidades de geração de renda para as mulheres. Segundo a matéria publicada pela Revista Veja, em sua edição de 05/02/2005, a confecção de terços, que permite uma remuneração mensal de menos de um salário mínimo é a maior empregadora da força de trabalho feminina do município.
Em 1997, uma jovem da cidade deu um exemplo diferente. Foi para a Espanha para trabalhar na prostituição. Em pouco tempo, várias moças de Uruaçu seguiram a mesma trilha. Em 2004, as chamadas “Espanholas” (mulheres que construíram um patrimônio em Uruaçu se prostituindo na Espanha) tinham consolidado sua imagem na cidade como mulheres de sucesso, a ponto de não mais esconder a origem dos ganhos obtidos no exterior. Hoje elas são donas de aproximadamente 60% dos imóveis para alugar no município.[12]
La Policía desarticula una organización que se dedicaba a introducir ilegalmente a mujeres brasileñas en España.
Las investigaciones lograron determinar que uno de sus componente de la red, Oscar S. tenía una compañera sentimental brasileña y que ambos se trasladaban con relativa frecuencia a Brasil. En este país, se dedicaban a la captación de mujeres con el siguiente perfil: menores de treinta años, físicamente agraciadas, madres solteras o mujeres divorciadas o separadas, con problemas intra familiares y económicos y de escasa formación cultural, quienes residían en el barrio de donde era natural la pareja de Oscar. (ESPAÑA, 2004)
Fica evidente o papel desempenhado pela mulher aliciadora no Brasil.
Observam-se também casos de mulheres que, sem terem consciência de que estão aliciando suas amigas, parentes, acabam conseguindo o contato e muitas vezes ajudando com dinheiro para a entrada de outras mulheres nos países de destino.
Constata-se também que muitas mulheres vítimas de tráfico acabam indicando outras mulheres brasileiras para irem à Espanha, com contatos, local para o exercício da prostituição, conseguindo em contrapartida diminuir parte de sua dívida com a rede criminosa. Porém, ao contrário do que possa parecer muitas vezes, elas não têm a percepção de que estão traficando mulheres e se beneficiando com isso. A percepção é a de que estão ajudando uma amiga ou parente a melhorar de vida e, ao mesmo tempo, estão diminuindo suas dívidas.
Independentemente da existência dessas redes de aliciadores, verifica-se a existência de uma diversidade de possibilidades viabilizando a migração para inserir-se no mercado sexual. As migrantes envolvem conhecidos, amigos, parentes e namorados (AGUSTÍN, 2005).
5. Complexidades na identificação de supostas vítimas de tráfico para fins de exploração sexual
A complexidade que envolve o fenômeno do tráfico de pessoas, somada à importância de se ter em mente que estamos lidando com um crime apontado atualmente como a terceira maior fonte de lucro ilegal do mundo e considerando que nem todas as mulheres brasileiras que exercem prostituição na Espanha são vítimas de tráfico, revela a necessidade de compreendermos a dificuldade de identificar as possíveis vítimas e ainda garantir que elas tenham uma atenção especializada garantidora de direitos.
Outro aspecto que deve ser levado em conta é a ausência de percepção, por parte da mulher, da situação de tráfico e exploração a que ela se vê submetida quando chega à Espanha. Mesmo que a mulher saiba que sua atividade na Espanha é o exercício da prostituição, muitas vezes ela desconhece as condições nas quais se realizará essa atividade: a retenção dos documentos, o impedimento de sair livremente do local “de trabalho”, as regras impostas pelos encarregados do local, a obrigação de trabalhar onde lhe seja ordenado, etc.
Outro ponto interessante refere-se ao fato de que, mesmo não aceitando as condições de trabalho que lhes são impostas, os compromissos assumidos com a família na origem são mais relevantes para essas mulheres do que deixar tudo para trás e retornar ao Brasil. Os valores simbólicos construídos, as obrigações financeiras e a ausência de outra possibilidade na origem alteram o paradigma dessas mulheres, levando-as a aceitar essa condição como sua.
Entendem, assim, que essas são as condições necessárias pelas quais elas têm que passar, não tendo a perfeita dimensão de que estão sendo exploradas.
5.1. Complexidade na identificação do traficante
Pode-se ainda observar que, desde o aliciamento, as mulheres não identificam a figura de um traficante. Muitas vezes, o convite para ir à Espanha é feito por outra mulher do mesmo círculo social e inclusive familiar, sempre com a perspectiva de que o convite pretende ser uma tentativa de ajuda para melhorar as condições de vida, garantir um futuro melhor para os filhos e, principalmente, ser alguém diferente de quem se é no Brasil.
O aliciador é aquele que financia a viagem dessa mulher e na chegada dela ao destino será quem terá total disposição sobre suas condições no exercício da prostituição. Porém, essa figura é totalmente invisível para essa mulher que sai do Brasil.
Sua percepção somente é a de que é uma imigrante que está “tentando sua vida fora do país” com a ajuda de uma amiga ou parente.
5.2. Complexidade na identificação do traficante pela polícia
As legislações internacionais atuais referentes ao tráfico de pessoas, principalmente o Protocolo de Palermo de 2000, foram elaboradas sob a ótica fundamental de garantia da Segurança dos Estados Nacionais contra os delitos transnacionais, principalmente o tráfico de pessoas, contrabando de pessoas, tráfico de armas e de drogas, conforme a Convenção contra o Crime Organizado Transnacional. Nesse contexto, a perspectiva de garantia dos direitos das vítimas é pensada e executada de forma secundária.
A título de exemplo, analisando a política da União Européia sobre as comunicações que se referem ao tráfico de pessoas, percebemos que o tráfico é abordado de forma indireta, vinculado ao tema da imigração irregular, sempre se pensando em aspectos da migração relacionados com a segurança estatal.
Ainda que o discurso da União Européia reconheça em várias ocasiões[13] a importância de um enfoque equilibrado e global (destinado a promover correlações entre a migração e o desenvolvimento, e pensando em uma estratégia de longo prazo de combate às causas da migração forçada), analisando cuidadosamente seus termos verifica-se uma forte intenção de controle e segurança, e menos intensamente a projeção e medidas efetivas de cooperação para a garantia progressiva do desenvolvimento dos países de origem, diminuindo assim a contenção das causas da migração forçada e do tráfico de pessoas.
Nesse aspecto, pode-se identificar que as políticas regionais analisam a questão do tráfico de pessoas desde o controle e a segurança regional, dando os indicativos das políticas a serem construídas a nível nacional. Nesse sentido, os Estados vêm desenvolvendo medidas e políticas para o combate ao tráfico de pessoas nessa mesma linha, deixando a questão do resgate e garantia dos direitos das vítimas num segundo plano.
Atualmente a Espanha segue essa mesma linha. Pela Lei de Estranjería (ESPANHA, 2000)[14], em seu artigo 59, há a necessidade de denúncia por parte da vítima para que esta possa ser considerada como tal e assim receber os benefícios decorrentes dessa condição, por exemplo: 1. direito a ser considerada uma testemunha protegida; 2. direito à residência (temporária ou definitiva/ com ou sem direito a trabalhar); 3. direito a ser atendida por uma organização de atendimento especializado (atendimento psicológico especializado, atenção jurídica específica).
Verifica-se ainda que o artigo 117 do Real Decreto 2.393/04 estabelece que, se a vítima deixa de colaborar ou cooperar com a polícia ou a Justiça, a concessão da documentação pode ser revogada pelas autoridades. Na prática, conforme informações obtidas junto às entidades que prestam assistência às vítimas de tráfico na Espanha, muitas vítimas não querem colaborar com a polícia e/ou com a Justiça, uma vez que as informações fornecidas por elas não são entendidas como suficientes pelas autoridades policiais e judiciais para a concessão da documentação e da isenção da responsabilidade administrativa.
Quando a mulher decide não denunciar e encontra-se em situação de irregularidade documental, é iniciado um procedimento administrativo de expulsão, que muitas vezes termina na deportação dessa mulher ao seu país de origem.
A denúncia da mulher, então, é essencial para garantir-lhe a condição de vítima de tráfico. Como se verificou anteriormente, as mulheres brasileiras não se identificam como vítimas de tráfico, seja pela não visualização e desconhecimento de quem é a figura do traficante; seja pela não percepção da exploração decorrente da prostituição; seja porque não querem prejudicar as pessoas (do seu círculo social) que a trouxeram à Espanha; seja porque têm que continuar mandando dinheiro às suas famílias através do exercício da prostituição, não podendo assim ser caracterizadas pela polícia como vítimas de tráfico, não tendo direitos como tal.
Na prática, a maioria das mulheres brasileiras exercendo prostituição ou em situação de tráfico, e em situação irregular, encontradas pela polícia espanhola, é deportada ao Brasil por ser considerada imigrante irregular. Essa mulher, que eventualmente pode ser uma vítima de tráfico, mas que se nega a colaborar com a polícia espanhola, voltará ao Brasil sem nenhuma atenção específica e especializada garantida pelas legislações internacionais.
O próprio consulado brasileiro na Espanha é comunicado da deportação dessa mulher, após sua efetiva saída do país, dificultando qualquer comunicação ao Brasil no sentido de garantir o retorno assistido a essa cidadã brasileira. Isso acontece até mesmo quando a pessoa é deportada depois de ter permanecido no Centro de Internamiento de Extranjeros (CIE), espaço não penitenciário cuja função é a de facilitar a expulsão das pessoas estrangeiras em situação irregular, privando-as de liberdade durante um período máximo de 60 dias. Acolhe assim, pessoas que não cometeram nenhum delito, mas que não tenham regularizada sua situação na Espanha.
6. O atendimento às vitimas de tráfico: competências compartilhadas
O atendimento às mulheres em situação de tráfico de pessoas necessita da existência e atuação da rede de serviços locais, regionais e internacionais que consigam abranger as complexidades dos impactos sofridos pelas vítimas durante e depois do processo de exploração.
O grande desafio do Brasil é inserir o atendimento às mulheres em situação de tráfico de pessoas no trabalho realizado pela Rede Especializada de Atendimento á Mulher no Brasil e incluir uma articulação com as principais instituições e serviços dos países de destinos das mulheres brasileiras em situação de tráfico de pessoas.
É importante perceber que o Brasil não criará serviços específicos para o atendimento das vítimas de tráfico. Com a capacitação da rede de atendimento às vítimas de violência no Brasil, consegue-se capilarizar o atendimento por todo o território.
Outro desafio identificado é a ausência de serviços para o atendimento de travestis e transexuais. Principalmente no que se refere a abrigos, não há serviços públicos especializados ou preparados para atender essa demanda identificada, uma vez que as travestis e transexuais são consideradas um grupo vulnerável ao tráfico de pessoas.
Para o atendimento às mulheres em situação de tráfico de pessoas acrescenta-se à Rede Especializada de atendimento ás Mulheres os Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, os Postos Avançados de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e os Núcleos da Mulher nas Casas do Migrante.
Assistência às vítimas no âmbito do Sistema Único da Assistência Social (SUAS)
O Brasil conta com serviços especializados criados no âmbito do SUAS que atendem, entre outras demandas, as demandas das vítimas do tráfico de pessoas.[15]
Serviços ofertados no âmbito da Proteção Social Especial de Média Complexidade do SUAS que realiza atendimento especializado às famílias e aos indivíduos em situação de risco pessoal e social e violação de direitos.
- Serviço Especializado em Abordagem Social;
- Serviço de proteção social a adolescentes em cumprimento de medida sócio-educativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC);
- Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosas e suas Famílias;
- Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.
- Unidade de Referência: Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Há 1.590 CREAS no Brasil.[17]
Por outro lado, há serviços ofertados no âmbito da Proteção Social Especial de Alta Complexidade do SUAS que realiza o acolhimento temporário a indivíduos e/ou famílias afastados do núcleo familiar e/ou comunitários de origem.
- Serviço de Acolhimento em República;
- Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;
- Serviço de proteção em situações de calamidades públicas e de emergências.
- Unidade de Referência: Unidades de Acolhimento
Assistência às vítimas no âmbito dos serviços especializados de atendimento à mulher
Esses serviços atendem exclusivamente a mulheres e possuem especialidade no tema de violência contra as mulheres. Importante destacar que esses serviços não são específicos para atendimento das vítimas de tráfico de pessoas, mas foram criados para o enfrentamento da violência contra a mulher.
Inclui os seguintes serviços:
- Centros Especializados de Atendimento á Mulher em situação de violência (Centro de Referência de Atendimento à Mulher, Núcleos de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, Centros integrados da Mulher), Serviços de Abrigamento[19] (Casas Abrigo, Casas de Acolhimento Provisório/Casas de Passagem), Delegacias Especializadas de Atendimento á Mulher, Núcleos da Mulher nas Defensorias Públicas, Promotorias Especializadas, Juizados Especiais e Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Além dos serviços oferecidos pela rede especializada de atendimento às mulheres em situação de violência, indicam-se nesse primeiro documento da consultoria alguns dos serviços oferecidos específicos para o atendimento ás vítimas de tráfico de pessoas:
- PAIF (Programa de Atendimento Integral á Família): principal serviço desenvolvido no CRAS, que possibilita detectar vulnerabilidades enfrentadas pelos diversos membros da família
- Centros de Referência Especializados de Atendimento às Mulheres em situação de Violência: prestam acolhida, acompanhamento psicológico e social, e orientação jurídica às mulheres em situação de violência. Esses centros estão sendo preparados para considerar as especificidades das mulheres em situação de tráfico de pessoas, traçando estratégias diferenciadas de segurança e encaminhamentos
- Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS): na ausência dos Centros de Referência de Atendimento Especializado às Mulheres em situação de violência, os CREAS deverão assumir o papel oferecendo atendimento adequado e direcionado a mulheres em situação de tráfico de pessoas através de atendimento individual e oferecendo atenção e proteção social especial.
- Central de Atendimento ás Mulheres – Ligue 180: central de atendimento telefônico que recebe relatos de violência contra mulheres, reclamações sobre os serviços da rede, orientam as mulheres sobre seus direitos e os serviços da Rede que podem utilizar.
- Consulados do Brasil no exterior: o serviço de atenção para as brasileiras que se encontrem no exterior. Apesar dos consulados e embaixadas brasileiras não oferecerem serviços de atendimento direto, contam, por meio do Portal "Brasileiros no Mundo", uma rede de serviços que podem oferecer atendimento às vítimas de tráfico brasileiras.
6.1.Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM)
A Secretaria de Políticas para as Mulheres estabeleceu em 2004 uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher através do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, assumindo ações nas áreas de prevenção, enfrentamento e assistência.
Para concretizar essa política foi criado o instrumento de descentralização e execução das propostas: o Pacto Nacional pelo Enfrentamento da Violência contra as Mulheres. Esse pacto entende que o enfrentamento de todas as formas de violência só é possível com a prática de ações integradas, assumindo uma abordagem intersetorial. O pacto apresenta 4 eixos estruturantes, sendo um deles o “combate á exploração sexual e ao tráfico de mulheres”.
Com o Pacto, a SPM consolida uma política pública de Estado que deve ser desenvolvida sob a gestão de cada unidade federativa brasileira.
6.1.2.Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180
Em 2005 a SPM lançou a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, que tem como finalidade receber denúncias, orientar e encaminhar para os órgãos competentes somente os casos de tráfico de pessoas, uma vez que, nesses casos, as mulheres não podem denunciar diretamente. Nos casos de violência contra a mulher (doméstica, por exemplo), a Central orienta a mulher sobre seus direitos e sobre onde deve buscar ajuda e/ou fazer a denúncia
Informação importante foi obtida em entrevista feita com a SNJ referente ao Ligue 180. Em breve estará sendo implantada a internacionalização do Ligue 180 com a contratação de atendentes bilíngües que possam atender denúncias. Além da contratação dos atendentes bilíngües serão criadas linhas internacionais que serão divulgadas nos consulados e embaixadas do Brasil no exterior e que serão direcionadas diretamente para o Ligue 180.
A SPM vem implantando uma estrutura de “rede de atendimento às mulheres em situação de violência”, para atender as mulheres que se encontrem em situação de violência. Como o tráfico é compreendido como uma das formas de violências, essa rede deve ser a competente para atender essa demanda. A rede é composta por serviços especializados de atendimento às mulheres e também por outros serviços da rede de atendimento.
Os Centros de Referência da Mulher foram pensados inicialmente para atender casos de violência doméstica. Hoje oferecem atendimento psicológico, social e apoio jurídico à mulher e prestam serviços de orientação e informação às mulheres vítimas de violência e de tráfico.
Assim o enfrentamento de todas as formas de violência contra as mulheres é construída a partir de uma leitura contextualizada e de prospecção integral de atendimentos, articulando aspectos sociais, econômicos, raciais, étnicos e de diversidade sexual com as questões de gênero.[20]
SERVIÇO | NÚMERO |
Centros de Referência | 179 |
Defensoria/Núcleo da Mulher | 43 |
Delegacias da Mulher | 421 |
Casa Abrigo | 69 |
Serviços de Saúde | 608 |
Juizados/Varas Adaptadas | 37 |
6.2.Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS)
O Ministério do Desenvolvimento Social é um dos Ministérios essenciais, principalmente no que se refere ao atendimento das vítimas de tráfico. A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) foi aprovada em 2004 e a Norma Operacional Básica da Assistência Social – NOB/SUAS em 2005, criando o Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Ele reorganiza os serviços, programas e ações da assistência social em diferentes níveis de proteção (básica e especial), conforme as complexidades das situações e demandas do público alvo.
A proteção social constitui um conjunto de ações, atenções, benefícios e auxílios cujo objetivo é reduzir e prevenir o impacto das circunstâncias sociais e naturais decorrentes do ciclo da vida. Conforme o PNAS, há duas formas de proteção social: a proteção social básica e a especial.
A proteção social básica é destinada à população em situação de vulnerabilidade e risco social. Tem como objetivo prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Essa assistência é fornecida diretamente pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) ou indiretamente pelas entidades e organizações de assistência social autorizados. [22]
A proteção especial é destinada a famílias e indivíduos que se encontrem em situações de risco pessoal e social com ameaça ou violação de direitos. A proteção social especial está hierarquizada por níveis de complexidade, em serviços de proteção social especial de média e alta complexidade.
Essa assistência é fornecida pelo Centro de Referência Especializada de Assistência (CREAS), que constitui um pólo coordenador, articulador e de referência da proteção especial de média complexidade. Nesse tipo de assistência são contempladas as ações de combate ao trabalho infantil e enfrentamento do abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.
O CREAS é uma unidade pública estatal de abrangência municipal e regional. Dados do MDS apontam que em 2009 já existiam 1200 unidades, com cobertura em 1236 municípios. Desses, 255 CREAS (21,25%) já atendem pessoas em situação de tráfico. Dos CREAS especializados, 122 estão localizados na região Nordeste, 64 na região Centro-Oeste, 41 na região Sudeste, 35 na região Norte e 23 na região Sul.
Os serviços de proteção social de alta complexidade garantem proteção integral para famílias e indivíduos que se encontrem sem referência, com vínculos familiares rompidos, em situação de ameaça ou violação efetiva de direitos.
No que se refere ao atendimento das vítimas de tráfico de pessoas, o atendimento no âmbito do SUAS se dá pela prevenção e pelo atendimento psico-social e jurídico. A prevenção realiza-se através de ações desenvolvidas no âmbito da proteção social básica (CRAS), com a manutenção dos vínculos familiares e comunitários, inserção social, desenvolvimento da auto-estima e aumento da condição econômica do beneficiário. O atendimento psico-social e jurídico é oferecido pelos CREAS, visando reparar a situação de violação de direitos, resgatando e fortalecendo os vínculos familiares e comunitários, proporcionando um atendimento integral do indivíduo.
6.3.Estruturação do atendimento às vítimas de tráfico no Brasil
O quadro abaixo apresenta esquema da rede de enfrentamento à violência contra a mulher, rede que servirá para compor a rede de atendimento às vítimas de tráfico.
Analisando o quadro acima se pode verificar quem são os atores responsáveis pelo atendimento às situações de violência contra a mulher no Brasil e que comporão a rede de atores responsáveis pelo enfrentamento ao tráfico de pessoas no Brasil, no âmbito da saúde, Justiça, Assistência Social e Segurança Pública (serviços localizados dentro dos círculos lilás e rosa).
É importante destacar que, apesar dos outros serviços não estarem dentro desses círculos especializados, eles também podem desempenhar atendimento às vítimas de tráfico, no caso da localidade onde a vítima se encontrar, ou a localidade da sua origem, não contar ainda com esses serviços especializados.
Se tivéssemos que determinar um fluxo de atendimento, utilizaríamos o seguinte:
Havendo Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no estado de origem ou de destino da vítima de tráfico, esse seria o órgão responsável pelo primeiro encaminhamento e acompanhamento das vítimas de tráfico à rede de outros atores, sejam da área de atendimento, responsabilização e repressão penal. O Núcleo seria o órgão responsável por encaminhar a vítima aos serviços existentes na rede de atendimento regional e local (sejam eles Centros de Referência da Mulher ou CREAS, ou outro serviço, conforme sua existência e especialização).
O Posto Avançado de Atendimento, localizado nos aeroportos pode funcionar como órgão de entrada de vítimas e este deve trabalhar diretamente com os Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e com os Organismos Governamentais de Políticas para as Mulheres dos Estados e Municípios. Como ainda nem todos os Estados possuem Postos e Núcleos ao mesmo tempo, então um ou outro desempenham, na prática, essas funções de primeiro atendimento e encaminhamento. Também é função do Posto e do Núcleo, no caso de vítima que deva ser encaminhada para outro Estado, a articulação com a rede de atendimento local.
O Núcleo da Mulher, localizado na Casa do Migrante, em Foz do Iguaçú, também pode ser um serviço de encaminhamento para vítimas daquela região. O Núcleo ainda não possui a estrutura suficiente para atendimento das vítimas, como um Centro de Referência, mas pode sim ser um local de encaminhamentos para a rede existente.
Por outro lado, não havendo Núcleo ou Posto no Estado, o atendimento integral às vítimas deve ser feito primeiramente pelos Centros de Referência da Mulher e CREAS[23]. Nesses casos, os Organismos Governamentais de Políticas para Mulheres, de âmbito estaduais ou municipais, conforme cada Estado, devem ser o contato para disparar a rede de atendimento. Nesses casos, havendo encaminhamento de vítima feito por um serviço do exterior, por exemplo de algum país do Mercosul ou da Europa, o contato de qual serviço deve ser utilizado, deve ser dado por esses Organismos de Políticas Públicas, seja Estadual ou Municipais. A lista dos serviços por Estado e Municípios pode ser acessado diretamente pela página: https://sistema3.planalto.gov.br//spmu/atendimento/atendimento_mulher.php.
É importante ressaltar que a estrutura de atendimento criada no Brasil não prevê a sinalização ou serviço único como ponto focal nacional para a articulação das intervenções nos casos de tráfico de pessoas, seja para detenção, atenção, responsabilização e sim, uma rede distribuída por todo o território nacional que deve ser acionada conforme o local de identificação da vítima e seu local de origem.
É importante destacar que esse fluxo ainda não está institucionalizado por Portaria ou normativa que obrigue segui-lo. Mas, por outro lado, é a proposta que a Secretaria de Políticas para as Mulheres está tentando colocar em prática.
Abaixo o desenho indica, como seria feito o encaminhamento de vítimas de tráfico no Brasil.
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7. Analisando alguns processos de retorno de brasileiras da Espanha
Esses primeiros tópicos descritos acima possibilitam compreender um pouco a complexidade do tráfico de mulheres brasileiras para a Espanha possibilitando adentrar nos processos de retorno mais especificamente.
Os processos de retorno das mulheres brasileiras podem ser concretizados principalmente por duas maneiras:
7.1. Por vontade própria:
Nesses casos, a mulher já é atendida[24] por uma organização de atendimento espanhola (ONG conveniadas com o Estado espanhol, ONG) e expressa vontade de regressar ao Brasil. Geralmente são contatados os Programas de Retorno Voluntário da Espanha (OIM, ACCEM) para verificar a possibilidade de inserção da mulher no programa. Em alguns casos, as mulheres já tem seu passaporte retido pela polícia por irregularidade documental. Nesses casos é fundamental solicitar o passaporte a policia com a motivação da saída da pessoa pelo Programa de Retorno.
As organizações procuram articular esse retorno com o Brasil na intenção de que esse retorno seja assistido. Nesse momento é que surgem alguns problemas na articulação desse retorno com a origem. Muitas vezes, mesmo sabendo do dia do retorno, não se sabe a quem comunicar no Brasil. Isso acontece porque, apesar de termos uma política pública de atendimento ás situações contra violência da mulher, e serviços específicos que podem recepcionar a mulher no aeroporto, não existe ainda um Termo de Referência claro que indique como deve funcionar essa rede e, principalmente, quem é ou deve ser o Ponto Focal dessa rede transnacional de retorno.
7.2. Retorno involuntário:
Acontece quando a mulher é deportada por irregularidade documental (quando ela não é reconhecida como vítima de tráfico, por não colaborar com a polícia – geralmente após 30 dias de reflexão[26] ou, quando realmente não se enquadra no perfil de vítima de tráfico)
Nesse momento é fundamental compreender o procedimento administrativo executado nos casos de constatação de irregularidade documental de migrante em território espanhol.
Importante destacar que o gráfico abaixo descritivo do processo de deportação, tem como base as verificações de vários casos de irregularidade documental constatados com brasileiras na Espanha.
Conforme gráfico acima, verifica-se que a maioria das mulheres brasileiras que migram ou são traficadas para a Espanha, entram com visto de turistas, que tem validade de 3 meses, conforme já mencionado anteriormente.
Passados esses três meses elas passam a estar, para o estado espanhol, em situação de irregularidade documental, podendo ser iniciado um procedimento de expulsão. Muitas vezes essas mulheres são identificadas nos próprios lugares onde exercem prostituição, quando da realização das batidas policiais[27], ou em qualquer outro lugar onde forem identificadas (rua, ônibus, praças). Quando essa mulher é identificada pela polícia se lhe é iniciado um procedimento de expulsão e nesse primeiro momento ela não é detida.
O processo tramita normalmente, mas no momento de comunicar o resultado da expulsão, essa mulher não é mais encontrada pela polícia, ficando pendente a execução da deportação.
Em outro momento, que pode acontecer em dias, meses ou anos depois, a mulher é novamente identificada pela Polícia Nacional que consulta sobre a situação documental da mulher e verifica que ela tem uma carta de expulsão[28] em seu nome. Nesse caso, a mulher é internada no CIE, para esperar o cumprimento da deportação.
7.2.1.Caso de retorno não assistido
Na maioria desses casos onde o retorno é resultante da irregularidade documental da mulher e conseqüência de um procedimento administrativo de deportação, os retornos não são assistidos.
Caso de retorno não assistido
1. Mulher é detida no CIE por possuir carta de expulsão.[29]
2. É emitida a Carta de Saída do País (emitida pelo Consulado do Brasil, no caso da cidadã não ter/estar com o passaporte)
3. A policia verifica-se a data da viagem com as companhias aéreas (geralmente IBERIA). Aeroporto de destino é aleatório, conforme disponibilidade de passagem.
4. Mulher é encaminhada ao Brasil. Muitas vezes essa mulher não tem dinheiro para chegar ao seu local de origem. As autoridades brasileiras (consulado brasileiro na Espanha) é comunicado do retorno da mulher dias depois, impossibilitando a articulação da recepção e atendimento da mulher.
7.2.2. Caso de retorno assistido
Detalham-se dois casos de retornos assistidos, mesmo resultantes dessas situações de irregularidade documental, uma vez que as mulheres penalizadas com a deportação eram anteriormente atendidas por ONG que comunicaram a situação de retorno, quando obtinham as informações básicas necessárias com a polícia para articular o retorno.
Analisando os três processos de retorno descritos verificamos alguns desafios encontrados, que devem ser pautados na construção da política pública de atendimento aos migrantes retornados e principalmente as vítimas de tráfico de pessoas, garantindo os direitos dessas pessoas e evitando revitimizações.
Por outro lado, a prática desses retornos nos indica alguns caminhos á seguir:
No âmbito da cooperação internacional, principalmente a cooperação para o atendimento e a criação compartilhada e co-responsável de Mecanismos de Referência Comuns, onde fiquem definidas as redes de atores envolvidos nesse atendimento Transnacional, fiquem definidas as competências e fluxos de atendimento, assim como o “Ponto Focal” responsável por ser o órgão disparador da rede internamente em cada país.
Na prática, os retornos assistidos ainda são feitos sem um mecanismo comum claro (Termo de Referência), impossibilitando:
A. Por parte das ONG do exterior:
· Desconhecimento do que o Brasil tem construído como política pública no que se refere á atenção. (rede de serviços disponíveis para atendimento “focal point”)
· Falta de informação sobre o procedimento que deve ser dado ao retorno das migrantes deportadas e ás vitimas de tráfico.
· Desconhecimento sobre o resultado do retorno e sua continuidade de atendimento. ”monitoramento do retorno”
B. Por parte do Brasil:
· A ausência de um mecanismo de referência comum impossibilita padronizar o tipo de informação necessária que deve ser enviada pelos atores do destino (no caso do texto, da Espanha), para o melhor atendimento da vítima quando do seu retorno no Brasil
· Gera um desconhecimento do papel de cada ator envolvido no atendimento dentro da rede, com a falta de definições claras e das competências de cada um.
· Hoje o retorno é assistido sempre que se requer. Será que não teremos que definir um público mais definido para obter, por exemplo, passagem de retorno ao local de origem?
Conclusão
O texto pretendeu estimular a reflexão sobre o tráfico de mulheres brasileiras para a Espanha, principalmente no que se refere aos processos de retorno dessas mulheres ao Brasil.
O Brasil vem desenvolvendo políticas públicas gerais e específicas para o enfrentamento ao tráfico de pessoas o que vem proporcionando o apontamento de novos temas referentes a esse enfrentamento, que passam a focar no atendimento mais qualificado das vítimas, e da criação de mecanismos de referência transnacionais que possam atender as necessidades dos países de destino (que encaminham essas mulheres) e atender a rede de assistência interna no Brasil que é bastante diversa, complexa e com múltiplas gerências.
A pretensão do documento não é a de apontar para um fluxo e estruturas prontas na rede de atendimento ás mulheres vítimas de tráfico, mas, despertar para esses novos desafios que se nos apresentam, apontando os avanços feitos e indicando os mais árduos desafios, no sentido de garantir o resgate do principio da dignidade humana para essas mulheres que saíram do Brasil seja por processos migratórios, seja principalmente por processos resultantes do tráfico de pessoas.
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[1] Advogada, Mestre em Direito Internacional pela Universidade Católica de Santos. Professora Universitária da ESAMC/Santos. Pesquisadora do Instituto Universitario de Desarrollo y Cooperación de la Universidad Complutense de Madrid (IUDC/UCM). Atualmente consultora da Reunião Especializada da Mulher do Mercosul (REM).
[2] O Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, posteriormente analisado, conceitua, em seu artigo 3º, que o “tráfico de migrantes significa a promoção, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, um benefício financeiro ou outro benefício material, da entrada ilegal de uma pessoa num Estado Parte do qual essa pessoa não seja nacional ou residente permanente”.
[3] O Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo à Prevenção, à Repreensão e à Punição do Tráfico de Pessoas, principalmente mulheres, crianças e adolescentes, estabelece como tráfico “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos”.
[4] O Protocolo de Palermo, que será mais adiante abordado, estabelece explicitamente em seu artigo 3º, alínea “b”, que: “o consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer dos meios referidos na alínea a)”.
[5] Esse tipo de situação é verificado intensamente com as mulheres africanas que pretendem ingressar na Espanha.
[6] Já há indícios de que alguns/algumas traficantes já estão utilizando o recurso das “Cartas Convite” para garantir a entrada das mulheres, sem maiores problemas na imigração. A “Carta Convite” é um documento exigido pela polícia de imigração espanhola, feito junto ao Corpo de Polícia Nacional, em que uma pessoa residente na Espanha se compromete a receber em casa pessoa com a qual supostamente tem certa ligação familiar ou de amizade.
[7] Verificam-se casos de mulheres com título universitário que, mesmo vindo à Espanha para exercer a prostituição, na intenção de resolver um problema financeiro, têm a pretensão de, a longo prazo, tentar legalizar seu diploma na Espanha para poder exercer a profissão.
[8] Na Espanha, a pena mais severa para um imigrante irregular é a deportação. Na Espanha, esse termo técnico não existe. Eles utilizam o termo expulsão. O termo expulsão é utilizado tanto para a pena resultante de uma infração administrativa (exemplo: por irregularidade documental) como para uma pena judicial (no caso de cometimento de crime por parte do imigrante).
[9] A contratação de um imigrante irregular na Espanha é considerada uma infração administrativa grave pela lei de estrangeiros, com multas altíssimas ao empregador. Isso inibe consideravelmente os empregadores na contratação de migrantes irregulares.
[10] Essa fantasia criada em relação ao perfil das brasileiras faz parte de um padrão clichê resultante de características provindas das sociedades patriarcais e machistas em que vivemos, nas quais a mulher ainda aparece como objeto de satisfação das fantasias masculinas.
[11] A PESTRAF, indica que 59% dos aliciadores são homens, contra 41% de aliciadoras (p. 64).
[12] Revista Veja, edição 05/02/2005.
[13] Ver as comunicações da UE: COM (2001) 672 final, COM (2005) 621 final, COM (2006) 735 final, Pacto europeo sobre inmigración y asilo, de 24/09/2008.
[14] Essa lei foi alterada pelas Leys Orgânicas 8/2000, 11/2003 e 14/2003. Sua aplicação segue o Real Decreto 2.393, de 30 de dezembro de 2004.
[15] Disposto na Resolução nº 109, de 11 de novembro de 2009. Aprova a Tipificação Nacional de Serviços Sócio assistenciais. Disponível em: http://www.mds.gov.br/suas/resolucao-cnas-no109-2009-tipificacao-nacional-de-servicos-socioassistenciais
[16] Atende famílias e indivíduos que vivenciam violações de direitos incluindo, entre outras situações, o Tráfico de Pessoas.
[17] Censo SUAS 2010, Sagi/MDS
[18] Atende famílias e indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados a fim de garantir a proteção integral, incluindo o acolhimento de indivíduos refugiados ou em situação de tráfico de pessoas (sem ameaça de morte) que poderá ser desenvolvido em local específico, a depender da incidência da demanda.
[19] Importante ressaltar que os Serviços de Abrigamento estão distribuídos por todos os estados da república federativa do Brasil.
[20] SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA, Relatório Final de Execução do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.1. edição. Brasília, 2010.
[21] Disponível em: www.spmulheres.gov.br. Dados de 2010.
[22] Dados do MDS apontam que em 2009 já existiam no Brasil 5796 unidades de CRAS. Disponivel em: www.mds.gov.br
[23] Conforme já foi exposto no decorrer do texto, muitas vezes, as mulheres recebem um primeiro atendimento por serviços que prestam um primeiro acolhimento, como por exemplo, Disque 180, Casa do Migrante. Porém, o atendimento integral não será prestado por esses serviços iniciais de acolhimento, e sim, pelos serviços de atendimento integral, como Centros de Referência da Mulher e onde não houver esse serviço especializado para mulheres, os CREAS.
[24][24] O atendimento pode referir-se a questões de saúde, atendimento psico-social, ajuda na inserção profissional, cursos, etc)
[25] O nome verdadeiro da mulher retornada será preservado.
[26] Conforme Determina a Convenção Européia contra o Tráfico de Pessoas.
[27] Na Espanha o corpo policial competente para questões de estrangeiros, é a Policia Nacional.
[28] Conforme esclarecido anteriormente, a Espanha utiliza o termo expulsão, quando no Brasil utilizaríamos o termo deportação.
[29] Sobre os CIE. Ver: http://www.mir.es/SGACAVT/extranje/regimen_general/centro.html.
[30] O nome verdadeiro da mulher retornada será preservado.
[31] O nome verdadeiro da mulher retornada será preservado.
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