segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

UM FÍSICO BRASILEIRO AGNÓSTICO E UM TEÓLOGO BRASILEIRO CATÓLICO SOBRE AS “ORIGENS”


UM FÍSICO BRASILEIRO AGNÓSTICO E UM TEÓLOGO BRASILEIRO CATÓLICO SOBRE AS “ORIGENS” [1]



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Ciência, fé e as três origens.

Marcelo Gleiser [2]


A compreensão científica dos vários fenômenos da natureza deveria fortalecer a nossa espiritualidade

UMA EXCELENTE ILUSTRAÇÃO da intersecção entre a ciência e a religião ocorre quando refletimos sobre o que chamo de "as três origens": a do Universo, a da vida e a da mente.
Por milênios, mitos de criação de todas as partes do mundo vêm tecendo explicações para esses três grandes mistérios. No meu livro "A dança do Universo" (Ed. Companhia das Letras, 2006), explorei alguns dos temas míticos que reaparecem na ciência, em particular na cosmologia, no estudo do Universo.
Precisamos conhecer nossas origens. E, desde os primórdios, olhamos para os céus em busca de respostas. Hoje, sabemos que somos aglomerados de poeira estelar dotados de consciência. Para desvendar nossa misteriosa origem, precisamos saber de onde vieram as estrelas, como a matéria não viva se transformou em matéria viva e como essa virou matéria pensante.
Mitos de criação atribuem as três origens a forças sobrenaturais, capazes de realizar feitos que nos parecem impossíveis. Grande parte do conflito entre a religião e a ciência se deve à tensão entre esses dois modos antagônicos de explicação.
Qualquer entidade que, por definição, existe além das leis naturais está além da esfera da ciência.
Será que as três origens podem ser explicadas pela ciência, sem a interferência de entidades sobrenaturais? Em caso afirmativo, religiões baseadas em entidades que existem além das leis naturais teriam que sofrer revisões profundas.
Isso não significa que, caso a ciência venha a entender as três origens, não teremos mais uma conexão espiritual com a natureza. Pelo contrário, a compreensão dos fenômenos naturais, dos mais simples aos mais profundos, deveria apenas fortalecer nossa espiritualidade. A racionalidade e a espiritualidade são aspectos complementares.
Religiosos ou não, poucos resistem ao fascínio da criação. As perguntas que fazemos hoje foram já feitas há milênios de anos na savana africana, nas pirâmides do Egito, nas colinas do monte Olimpo e na selva amazônica. O que mudou foi a natureza da explicação.
A cosmologia nos mostra que o Universo surgiu há 13,7 bilhões de anos. Podemos reconstruir sua história a partir de um segundo após a criação -um grande feito do intelecto humano. Mas ainda não podemos ir até a origem. Podemos afirmar que todos os seres vivos na Terra, presentes e extintos, dividem um ancestral em comum, um ser unicelular que viveu em torno de 3,5 bilhões de anos atrás. Mas não entendemos a origem da vida em si e nem sabemos se a questão pode ser respondida de forma definitiva: talvez existam várias origens da vida.
Entendemos menos ainda o cérebro, esse fantástico aglomerado de cerca de 100 bilhões de neurônios que define quem somos. Porém, através da ressonância magnética, detectamos as atividades de grupos de neurônios que trabalham como numa orquestra sem maestro.
Se podemos ou não entender as três origens através da ciência é matéria para futuros ensaios. Precisamos destrinchar as questões relacionadas com a natureza e com os limites do conhecimento.
São as questões não respondidas que servem de motivação para os cientistas. O destino final importa menos do que o que aprendemos no meio do caminho.

Que havia antes do antes? [3]
Leonardo Boff [4]


Adital - Grande parte da comunidade científica tem como dado assegurado que o universo e nós mesmos viemos de uma incomensurável explosão - big bang - ocorrida há cerca de 13,7 bilhões de anos. Há um derradeiro fóssil desse evento, verificado pela ciência. Em 1965 dois técnicos norte-americanos da Bell Telephone Laboratories de New Jersey, Arno Penzias e Robert Wilson construíram um aparelho ultra sensível de micro-ondas. Ao testarem o aparelho, constataram que nele havia um ruído que não podiam limpar. Ele vinha uniformemente de todas as partes do universo, uma onda baixíssima de três graus Kelvin.Qual a origem deste ruído cósmico de fundo? Eles e outros astrofísicos constataram que era o último eco da grande explosão e o derradeiro resto da irradiação inicial. Tomando como referência as galáxias mais distantes que estão fugindo de nós a grande velocidade e cuja radiação vermelha está agora chegando a nós, concluíram que tal fato teria ocorrido cerca de 13,7 bilhões de anos atrás. Por isso, Penzias e Wilson ganharam o prêmio Nobel em física em 1978. Quer dizer, a nossa idade não é aquela de nosso nascimento mas essa, do nascimento do universo há tantos bilhões de anos, quando estávamos potencialmente todos lá juntos com os demais seres do universo. Este dado, segundo alguns, teria sido a maior descoberta da ciência.
Que havia antes do big bang? Os cosmólogos nos sugerem que havia o vácuo quântico, o estado de energia de fundo do universo, origem de tudo o que existe. Outros o chamam de abismo alimentador de todo o ser. Condensação dele, seria aquele pontozinho que primeiro se inflacionou como um balão e depois explodiu dando origem talvez a outros eventuais mundos paralelos, consoante a teoria das cordas. Mas o vácuo quântico, última realidade atingida pela microfísica, é ainda uma realidade discernível. É o antes. Mas antes deste antes discernível o que havia?
Num programa de rádio perguntaram a Penzias [5] o que havia antes do big bang e do vácuo quântico? Ele respondeu: "não sabemos; mais sensatatamente podemos dizer que não havia nada". A seguir uma radiouvinte, irritada, telefonou acusando Penzias de ateu. Ele sabiamente retrucou: "Madame, creio que a senhora não se deu conta das implicações do que acabo de dizer. Antes do big bang não havia nada daquilo que hoje existe. Caso houvesse caberia a pergunta: de onde veio?" Em seguida comenta que se havia o nada e de repente começaram a aparecer coisas é sinal de que Alguém as tirou do nada. E conclui dizendo que sua descoberta poderá levar a uma superação da histórica inimizade entre ciência e religião.
O que podemos, honradamente, dizer é que antes do antes havia o Incognoscível, o Impenetrável, o Mistério. Ora, os nomes que as religiões atribuem àquilo que chamam de Deus ou Tao, ou Javé ou Olorum ou qualquer outra Entidade é exatamente de ser o Incognoscível e o Mistério a que se referia Penzias. Portanto, havia "Deus". Ele não criou o mundo no tempo e no espaço, mas com o tempo e com o espaço.
Que havia antes do antes? Agora podemos balbuciar: Havia a "Realidade" fora do espaço-tempo, no absoluto equilíbrio de seu movimento, a Totalidade de simetria perfeita, a Energia infinita e o Amor transbordante. Sequer deveríamos usar tais nomes, pois eles surgiram depois, quando tudo já havia sido trazido à existência. Na verdade deveríamos calar. Mas como somos seres de fala, usamos palavras que nada dizem. Apenas são flechas que apontam para um Mistério.




[1] As notas de rodapé foram inseridas por Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

[2] Nascido no Rio em 1959, é professor do Dartmouth College (EUA) e colunista da “Folha de São Paulo”. Este artigo é de fevereiro de 2011.
[4] Nascido Concórdia (Santa Catarina) em dezembro de 1938. (Ver http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Fs7j5TdzirYJ:pt.wikipedia.org/wiki/)

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