quinta-feira, 9 de agosto de 2012

DIREITO SUPRA-ESTATAL OU DIREITO DAS GENTES


DIREITO SUPRA-ESTATAL OU DIREITO DAS GENTES

Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

Ementa.

          Direito das Gentes (= “internacional público”) é sistema das regras jurídicas supra-estatais. Suas fontes ejetoras escritas principais (hoje, Carta da ONU, Tratados “et similia”) foram precedidas do costume e dos princípios gerais de direito. Fundamento: necessidade de ordem sustentável para a convivência internacional. Norma primária: “todos se subordinam igualmente ao sistema jurídico supra-estatal”.

I — INTRODUÇÃO


          1. Método científico no Direito. As raízes do direito estão no ser humano (Pontes de Miranda, 1972: II, 184). O sentimento é mais profundo e singular; a inteligência, mais exata e associativa (II, 239). O sentimento traz força mecânica inconsciente, intensamente dirigida por funções fisiológicas. É assim também com a razão, mas com menos intensidade. A razão pode dar continuidade a fórmulas sentimentais, exprimindo o sentimento em proposições mais precisas e mais nítidas (II, 239-241).

          A consciência do direito consiste, pois, em sentir e pensar. O processo mais depurador da consciência jurídica é o científico, na agilidade, destreza e segurança do pensar indutivo-experimental (II, 285-288). O elemento biológico é precedido do físico, e atua sempre. Logo, também lateja na formação, na exegese e na aplicação do sistema jurídico. O sociológico continua o biológico: iluminando-o, supera-lhe limitações (III, 105-146). No método indutivo-experimental 1) começa-se pelo mundo extramental por intensa observação: com modelos matemáticos (estatística, elementos preponderantes, probabilidades, cálculo de consequências), com diagnose físico-biológica (funcionamento do mundo material e dos organismos) — e, posto esse ingente material, investigam-se as relações jurídicas, parte que são das relações sociais); 2) alça-se a proposição geral; 3) por fim o seu conteúdo geral é rigorosamente conferido em novas observações. Eis o que, em função da segurança cognitiva, também se tem de fazer na investigação do direito supra-estatal. O elemento convencional (volitivo) é precedido do necessitante (pulsões da Natureza).

2. Necessidade X convenção

           Determina o Direito das Gentes aquilo que é sustentável físico-biologicamente ao inter-relacionamento humano — o “ad invicem convivere” (Santo Tomás, 95, 4, “r”). Ele é de certo modo natural ao homem. Daí a facilidade com que os homens consentiram nele (95, 4, 1). Assim, Santo Tomás vê o jus gentium, sobretudo, como direito principiológico, que a toda gente acomuna. Percebe-se-lhe, na concepção, a presença de regras jurídicas básicas — as normas “principiais” da convivência, também dos Estados. Não exclui, pois, as pulsões inconscientes.

          No sentir de H. Grócio, de Vitória, de F. Suárez e outros, o Direito das Gentes não proveio de decisão e sim do princípio de justiça (Malanczuk, 1999:15). Este princípio foi uma necessidade instintiva do instinto-inteligência (Homem), dizemos nós.

           Ao voluntarismo tradicional contrapõe-se a realidade (necessitante, dizemos) dos “valores fundamentais” (Mello, 2000:74). O voluntarismo fazia, da vontade dos Estados, o fundamento do Direito das Gentes; para o objetivismo a norma supra-estatal sobrepõe-se aos Estados: o Direito das Gentes tem primado sobre direitos internos (p. 109-134). É supra-estatal, portanto, e não apenas interestatal ou “internacional público” — termo que se vulgarizou por carência de formação científica dos muitos autores que os empregam.

3. Direito supra-estatal. 

            Há direito onde há sociedade. “Estado” é meio (perfectível, não exclusivo) de revelação de regras jurídicas (e da aplicação dela, acrescentamos) — (Pontes de Miranda, 1932: 36). No caso do Direito das Gentes, ele é para os Estados e demais entes (p. 37). Se um Estado se impõe a outros pela força (esta é uma questão mecânica!), temos de dizer que aí ocorre, ordinariamente, o ato ilícito, contra norma proibitiva cogente (p. 38).  O Direito das Gentes não encontra nas estruturas internas dos Estados as suas fontes; fosse assim e com as revoluções ele estaria alterado (p. 39-40). A soberania é o branco que o Direito das Gentes deixa a cada Estado; ela decresce historicamente (p. 41). O Estado organiza-se internamente, mas, para ser completo, necessita do reconhecimento de outros Estados. Aos outros Estados não é indiferente o que ocorre no interior do Estado reconhecido (HEGEL p. 415).

             O Direito das Gentes confere competência aos Estados porque, com a incidência, atribui-lhes poderes de atuação no contexto da convivência interestatal. Por outra: é o direito supra-estatal o sistema que, pela incidência, confere bens de vida aos entes que o compõem, a saber, direitos e deveres recíprocos (ex: território e seus limites). É realidade objetiva, cuja existência se verifica na análise da história. (Ruzié, 2004:10). Nada tem, pois, de elucubração filosófica.

            Essa realidade objetiva surge da comunidade dos círculos sociais, a outorgarem-se faculdades uns aos outros; e as restringe, limita, condiciona (Pontes de Miranda, 1932:44). Quando uma comunidade devolve à comunidade internacional os poderes recebidos, ou seja, lhe passa os mesmos poderes recebidos, integra-se ela em harmonia mais completa. Aí então o direito supra-estatal funde-se na comunidade total em uma só ordem (p. 44-45). Este lento evolver do direito supra-estatal é constante aspiração de unidade: visa à teluricidade da ordem jurídica universal. No estado atual da Humanidade assistimos à distributividade própria do Direito das Gentes, ainda com muita divergência (Hegel, p. 44-45). “Direito político externo”, continua este filósofo, surge das relações interestatais. Depende de diferentes vontades para ser efetivo. Recebe a forma de “dever ser” por falta de um poder central. Os Estados estipulam entre si, mas ficam acima do estipulado (p. 414, 416). Acrescentamos: a norma incide — determina a solução para o suporte fático; essa solução é um ser, como é ser a indicação de uma lei física (esta também, podendo ser infringida, para o homem é um “dever ser”!). Sem “pretor” sobre os Estados, a paz é tocada de contingência. Eis a fragilidade desse Direito (p. 416). Isto, dizemos, é por sua apoucada efetividade; não tem que ver com a eficácia, sempre absoluta: dada a incidência, o suporte fático passa a ser fato jurídico, definido, como ele é (independentemente de quaisquer vontades). À falta de pretor universal, o espírito do mundo supre-o (Hegel, 1988:419). Certo, dizemos nós, se por “espírito do mundo” entendermos a fonte biológica da aceitação da incidência (consciente ou não!).

               O Direito das Gentes abrange Estados, organizações internacionais e pessoas físicas e jurídicas (Malanczuk, 1997:1) mas na só horizontalidade: nem há organização suprema, nem centralização do uso da força, nem  poder político sobre todos. O Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, é legitimamente limitado (p. 3). Só tem o poder jurídico de autorizar o uso da força, sem contudo poder controlar-lhe consequências  (p. 427-428). Ainda assim é direito: temos uma “sociedade de estados”, que faz do direito supra-estatal um instrumento de garantia das relações internacionais (p. 7).

            Cuida de deveres não só entre Estados como também dos indivíduos. Há o natural (com justiça e equidade) e o outro, o resultante das vontades dos Estados e “dos fatos jurídicos consagrados por uma prática constante”, ou seja, convencional e consuetudinário. Este último é o Direito das Gentes positivo (Accioly, 1961:1). Discordamos em parte: justiça e equidade, entrados no mundo jurídico, passam a ser direito posto, positivo.

          Concluindo, o “direito internacional público” paira sobre os Estados, não entre os Estados. Supra-estatal, quando a norma posta incide sobre o fato surgido, gera fato jurídico acima dos Estados, mesmo se algum deles o não aceita e infringe a norma. [1]  Só incide a regra jurídica existente e vigente. Outra coisa são a sua validade, a sua legitimidade e a sua efetividade. As deficiências quanto a estas três últimas qualidades são defeitos das coisas do instinto-inteligência, do Homem!

II — FONTES, FUNDAMENTO E “NORMA FUNDAMENTAL”.

            4. Fontes do direito supra-estatal ou das Gentes. As fontes do Direito das Gentes são materiais e formais. Materiais: as que o fizeram surgir em certo tempo e lugar — preexistem a ele; as formais já se inserem no próprio sistema jurídico das gentes. Formais: já são normas (como a nascente da água já é água). As fontes materiais, na mesma imagem, correspondem a tipo de solo, pluviosidade, flora etc. relativamente à água (Mello, 2000:191). Ora, dizemos, normas sobre “método de fontes e interpretação” já são regras de sobredireito, isto é, são normas sobre normas, a respeito de normas. Estabelecem estas o procedimento jurídico (método) para se localizarem outras regras jurídicas e dizer algo sobre elas. Exemplo: a regra jurídica aplicável para se identificar uma regra jurídica costumeira supra-estatal é esta: examinar o modo de ser constante de entes da comunidade internacional; a regra que indicar este procedimento constante, sobre ser científica, é regra jurídica, e é supra-estatal. Se o caso, porém, é de interpretação de sistema jurídico supra-estatal, temos de ver o sentido e orientação da norma pesquisada, e assim revelá-la, dizer sobre ela "aquilo que a coisa é". Logo, fazer exegese já é aplicar regra jurídica ínsita ao respectivo sistema.

            As regras jurídicas assim identificadas são fontes formais do sistema. Mas, como é que o círculo social cria e explicita regras? Aqui o assunto é de fonte material, onde brotam as fontes formais. Logo, origem de norma não é o mesmo que fundamento de norma; a origem é o conjunto dos fatores de criação dela; fundamento da norma é a razão de sua aceitabilidade, que lhe explica a origem.         

             As principais fontes escritas do Direito das Gentes estão no art. 38, alíneas b e c da CIJ — Corte Internacional de Justiça:

Artigo 38. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicar:

                    a) as convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b) o costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito;

c) os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas;

d) as decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59.

A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes.


          Costume internacional é uma forma de regra jurídica não escrita; sai do modo repetido de os Povos e os seus Estados de conduzirem. Princípios são, aí, as proposições gerais reconhecidas pelas nações civilizadas (doutrina), no que mais tenham em comum entre as gentes da terra: boa-fé, ônus da prova, proporcionalidade, in dubio pro reo, audiatur et altera pars, prescrição, responsabilidade ((Malanczuk, p. 48-50), equidade (p. 55).

          Os princípios são de duas naturezas: 1) os estruturais do próprio Direito das Gentes, e 2) os gerais de direito.

         Os princípios estruturais do Direito das Gentes são: igualdade soberana dos Estados, boa fé, solução pacífica das controvérsias, vedação de ameaça ou uso da força, igualdade de direitos e de livre determinação, não intervenção, cooperação pacífica. Tudo isto, repisado na Res. 2625 da XXV A.G. (1970), já estava implícito no art. 1.2. da Carta da ONU (Piernas, p. 101-105). Surgem eles à medida que se arraigam, pelo costume, na prática dos povos. Todo material escrito a esse respeito, longe de ser criação nova, é só declaração do direito preexistente (p. 110).

          Princípios gerais do direito, pensamos nós, são postulados: não há raciocínio intrassistemático necessário para explicá-los. Impõem-se com o fato da aceitação de sua incidência pela maioria dos membros influentes da sociedade internacional. Ela os cria em relações biológicas instintivas. Revela-os a inteligência. Exemplo: “norma vigente é para observação de todos, se mesma a situação fática”. O direito-fato é um processo social, natural, de adaptação (contém elementos naturais, desde o mundo físico). A relação sociológica não o arranca para fora da Natureza.

          Indicam necessidades instintivas de segurança e traçam a regra para se acharem soluções de conflito. ”Natureza”, antes da norma, não é regra jurídica, mas determina o surgimento desta, marcando limites ditados também pelo instinto. O instinto pressiona. Risca as linhas diretas (direito) simplificadoras de solução. O instinto-inteligência (homem) cria regras sob pressões, internas e externas. O chamado direito “natural” (=de surgimento espontâneo!) não advém de raciocínio formal nem de vontade expressa. Surge de “vontade” direta, no sentido de resposta biossociológica disparada por automatismos. Pode estar até contrariando lei física, como a de permanência (“Ständigkeit”). Não admira, porque em si são conflituosas muitas partes da Natureza. De modo que toda regra jurídica é “feita pelo homem”, é posta por ele, é norma positiva (“está-aí”, existe fora das mentes). Assim posta qualquer norma, já se desliga ela do elemento voluntarista que a precede, situado na vontade política. Eis aí a razão fundamental por que a exegese correta, científica, não pode levar em conta a intenção do legislador, nem a “vontade” dele nem da lei.

          Interpretação é termo em geral aplicado para se entender todo o fato jurídico: um negócio jurídico, um ato jurídico stricto sensu, um ato-fato, um fato jurídico em sentido estrito, um ato ilícito. Exegese é termo mais correntio para se aludir à regra jurídica mesma, à norma qualquer que seja a sua classificação. Frequentemente é usada para os livros sagrados. Chamam-na alguns de “hermenêutica”, que um autor alemão denomina Rechtsanwendung embora Anwendung seja aplicação[1].

           O termo grego indica o ato de seguir algo de perto para fazer-lhe a explicação, exposição. Ou seja, conseguir interpretação, comentário, elucidação pormenorizada. Cabe bem para elucidação de termos de linguagem[2].

          Sobre "hermenêutica" escreveu-se que ela é o processo de descobrir o significado de um termo, expressando-o ou traduzindo-o, sempre para entendê-lo:

             “Die Hermeneutik (von griech. ἑρμηνεύειν (hermeneuein) mit den Bedeutungen: (Gedanken) „ausdrücken“, (etwas) „interpretieren“, übersetzen“) ist die Lehre vom Verstehen, Deuten oder Auslegen.”


             Nota-se no verbo grego (ἑρμηνεύειν) esta ideia de explicar o pensamento e expressá-lo em palavras, de modo tal que possa ser comunicado[3]. Logo, pela etimologia, que é a história verdadeira de algum termo (ἔτυμος = verdadeiro), a hermenêutica diz respeito à busca de sentido legítimo de palavras — tal o caso da palavra encontrada em uma norma qualquer[4].

             Relevante é o método da interpretação dos textos jurídicos, isto é, o caminho a seguir para se descobrirem o sentido e a orientação de princípios e normas (uns e outras são regras jurídicas). Para isto temos de descobrir o conteúdo da regra jurídica estudada (exegese) — este é o seu sentido —, e a que Estado, ou a qual nacional dele, se atribui o bem de vida nela discutido — esta é a orientação daquela norma de Direito.

          Quadra esclarecer: elucubração filosófica aqui prejudica, a despeito de ela poder ser bonita, elegante, atraente. A busca de proposições verdadeiras (“verdade”) há de ser empreendida mediante aplicação da ciência positiva, com o método indutivo experimental. Sem fatos a explicar, o pensamento é oco (words, words, words!...).

5. Fundamento do direito supra-estatal ou Direito das Gentes

          Surge ele por pressão natural: na sociedade internacional o instinto-inteligência (Homem), de dentro dos instrumentos “Estados”, precisa de segurança extrínseca: a) fatos, cujas consequências sejam as previstas nas normas; b) sistema de normas, que incidam sobre fato-atuações (não sobre fato-interioridades). A formação da regra jurídica pode dar-se também no só inconsciente, e pode o foco ejetor dela ser muito pouco visível; não deixa por isso de ser tão real quanto as assembleias jurisferantes. Regulam, indiferentemente, as relações de Estados entre si, ou com outras pessoas, no que interessa à segurança. As regras jurídicas do Direito das Gentes traçam limites de competência dos Estados. Estabelecem onde a ordem jurídica de cada qual é aceita pela comunidade das gentes, dos Povos. Logo, traça a face convexa (continente) de cada ente e lhe deixa algum branco — soberania: liberdade relativa para o seu respectivo direito interno (Pontes de Miranda, 1935: 6-10).

          6. A norma fundamental ou primária (“Grundnorm”). Para Kelsen a “Grundnorm” é um ponto de partida; temos de pressupô-la (Kelsen, 1974: 271-275). As normas subordinadas só valem se criadas segundo ela (p. 273), instauradora do fato da criação jurídica (p. 275-276). Não posta por autoridade, a sua aceitação vinculante é necessária para se interpretar a validade de normas, e de atos, que se lhe subordinam. Não querida, apenas é pensada (p. 277, 280, 284 e 297). Nada prescreve; permanece conhecimento (p. 284). É assim formulável: “devemos conduzir-nos [...] de harmonia com o sentido subjetivo do ato de vontade constituinte” (p. 279). Serve de premissa maior a silogismo cuja premissa menor seja “[...] essa pessoa ordenou que nos devemos conduzir de determinada maneira”; donde a conclusão: “que nos devemos conduzir de determinada maneira” (p. 279 e 298). Se a Grundnorm fosse considerada como posta, a ciência jurídica não lhe veria o caráter lógico-jurídico (p. 282). Supõe-se válida: o autor dela supõe-se ser a mais alta autoridade jurídica (p. 282-283, rodapé). Nada prescreve ao direito positivo (p. 283, final do rodapé)!

            Em obra mais recente: a “Grundnorm” não é “gesetzt” (vontade posta), mas apenas “vorausgesetzt” (pensamento pressuposto) — (Kelsen, 1969: 64) e passim. É hipotética, no sentido etimológico: pressuposta (p. 61). E alhures: a “Grundnorm”, “supremo fundamento de validade de uma ordem jurídica” (Kelsen, 1986:326), é “uma norma fictícia” (!). Mero “als ob” (H. Vaihinger), não corresponde à realidade (!) — p. 328-329...

          Ora, em termos de ciência positiva. “Grundnorm” só pode ser esta, posta (primária, tautológica): “a todos se impõe o sistema supra-estatal”.

          Diante da ciência positiva do direito pouco se aproveita da exposição de Kelsen. Sem pertinência o discutirmos nós aqui a matéria, cumpre-nos lembrar ao leitor as críticas não respondidas a contento, feitas por Julius Stone, Legal Systems and Lawyers Reasoings. Standfor: S.U.P, 1964, p. 75, 102-105, 109-115, 118-125. Também   Karl LARENZ. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. Berlin: Springer, 1991, dizendo que a teoria da interpretação de H. Kelsen não satisfaz ao jurista, com a sua “teoria pura do direito”. Seu formalismo vazio não consegue tocar a realidade, não colhe sentidos, é incapaz de interpretar — por lhe ser alheio ao caudal de fatos imanentes ao fundo da vida jurídica; não é “ciência” (p. 80-81).


III — CONCLUSÕES


          Teóricas. Por o processo social de adaptação jurídica ser um fato do mundo real, temos de aplicar no estudo dele o método indutivo experimental, afastando-se assim os perigos do subjetivismo. Na ciência positiva (= conhecimento das coisas postas fora da mente) há muito menos subjetividade que nos outros processos sociais de adaptação (Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia). O pensamento filosofante reside em todas estas vivências, de modo que a filosofia é caminho perigoso para o conhecimento de Religião, Moral, Artes, Direito, Política e Economia. Portanto, a garantia de transubjetividade na exegese vem da aplicação da sociologia cientificamente estudada, com incessantes consultas aos resultados das ciências particulares, não no pensamento vago, filosofante (Pontes de Miranda, 1922:271).

          Práticas. Logo que incide a norma a que corresponde algum fato do mundo, surge algum fato jurídico. Dependendo da composição fática (“Tatbestand”, suporte fático), esse fato jurídico estará numa destas cinco classes: negócio jurídico, ato jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico, fato jurídico em sentido estrito e ato ilícito. Só há emissão de vontade nos dois primeiros; por isto só nesses dois se pode cogitar de validade-invalidade (negócio jurídico e ato jurídico stricto sensu). Mas, têm-se de estudar, em todos os cinco fatos jurídicos, os outros dois planos: o da existência e o da eficácia. Existência — se é mesmo algo do mundo jurídico, sem se restringir a algo só de Religião, ou de Moral, ou de Artes, ou de Direito, ou de Política, ou de Economia, ou de Ciência —; eficácia — se houve produção de efeitos na vida jurídica, e que efeitos foram eles (relação de direito-dever, ou de pretensão-obrigação, ou de ação-sujeição, ou de exceção-abstenção).

           O direito supra-estatal incide sobre todo e qualquer fato jurídico em sentido estrito, que é o “Estado”. A incidência das suas normas é automática. Outra coisa é serem elas ou não observadas. A não observância delas é um ato ilícito; nem importa, ao conhecimento da realidade jurídica, que essa não observância seja um ato ilícito frequente. Ocorre o mesmo ilícito frequente com a não observância das regras jurídicas do direito interno de cada Estado: com o constitucional, com o administrativo, com o penal, com o civil etc. etc.

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BIBLIOGRAFIA


ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 5a. ed. São Paulo: Saraiva, 1961.
AQUINATIS, Thomas. Summa Theologiae, Ia. IIae [S. Tomás].
 HEGEL, G. W. Friedrich. Principios de la filosofía del derecho. Trad. de Juan Luis Vermal. Barcelona: Edhasa, 1988.
 KELSEN, Hans. Contribuciones a la teoría pura del derecho. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1969.
___. Teoria geral das normas. Trad. José Florentino Duarte. Porto Alegre: Fabris, 1986.
___ Teoria pura do direito. 3ª ed. Trad. Dr. João Baptista Machado. Coimbra: Arménio Amado Editor, 1974.
LARENZ, Karl. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. Berlin: Springer, 1991.
MALANCZUK, Peter. Akehurst’s modern introduction to international law. London: Rontledge, 7th ed., 1999.
MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 12ª ed. rev. aum. 2 v. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
PIERNAS, Carlos Jiménez. El concepto de derecho internacional público, in  VALLEJO, Manuel Diez de Velasco. Instituciones de derecho internacional público. Madrid: Tecnos, 12ª. ed., 1998.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Os fundamentos actuaes do direito constitucional. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1932.
___. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed. 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.
___. Tratado de direito internacional privado. 2 tomos. 3 v. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935.
RUZIÉ, David. Droit international public. 17ª ed. Paris: Dalloz, 2004.

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[2] NÁUFEL, José. Novo dicionário jurídico brasileiro. 4ª ed. rev. at. amp. 3 v. Rio de Janeiro: Editor José Konfino, 1965, tomo II, página 318 e tomo IV, p. 357.

 

[3] Ver YARZA, Florencio I. Sebastian. Diccionario griego-español. Barcelona: Ed. Ramón Sopena, 1972, páginas 568-569.

[4] Ver também CREIFELDS, Carl. Rechtswörterbuch. 13te. Auflage. München: C. H. Beck’s Verlagsbuchhandlung, 1996, página 608 cc. 692-693 e LARENZ, Karl. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. Berlin: Springer, 1991, longamente nas páginas 11-188,  e ainda páginas 313-316. Também MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 8ª ed. São Paulo - Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1965 e SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica no direito brasileiro. 2 v. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968.

 

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