quinta-feira, 21 de junho de 2012

PARECER EM MANDADO DE SEGURANÇA


PARECER EM MANDADO DE SEGURANÇA

Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

O caso  estudado neste parecer.
            Deu-se em 30.11.2007 que, pelo alvará 0399/07, posteriormente alterado em um que outro pormenor, o Município de Guarujá autorizou a construção de um prédio de apartamentos em terreno ali localizado. O procedimento tinha recebido o placet na vigência do Plano Diretor ora vigente (Lei Complementar de número 108/07). Sendo de esquina o dito terreno ou lote, aplicaram-se-lhe as regras jurídicas da Lei Complementar 043/98 (Plano Diretor só parcialmente revogado) no tocante aos recuos, ou seja, tendo o terreno duas frentes, uma lateral e uma de fundos, o recuo frontal para a avenida pôde ser de apenas de 2 metros por opção da consulente ROCAZ, legalmente possível. De outra parte, o recuo lateral igualmente é considerado como frontal segundo a lei municipal vigente — e com a medida de 5 metros. Esta circunstância nada tem a ver com a ruela, como se aí houvesse exigência desses mesmos cinco metros; falta base legal para tanto. Ocorreu quanto a isto erro de direito cometido numa denúncia anônima com prejuízo à consulente.
            Pelo que se documenta na petição inicial deste mandado de segurança tinham sido expedidos diversos ofícios da Advocacia Geral do Município. Neles confirmava-se, com base nas vistorias da Secretaria de Obras, a regularidade da construção e o cumprimento das leis municipais.
            Por causa disto a consulente requereu a expedição de “Carta de Habite-se"”, mas a digna impetrada, a prefeita da cidade, não examinou esse exercício de pretensão da consulente impetrante. Entrementes, sem conhecimento da consulente, remeteu à promotora pública da comarca o ofício nº 178/2012 de março deste ano dizendo que determinara a revisão no procedimento de autorização do alvará de construção, a cargo da Secretaria Municipal de Meio Ambiente porque, dizia, se tratava também de matéria do meio ambiente urbano. Ao depois disse a prefeita ter a sua auditoria achado irregularidades sobre  recuos; negou-se a conceder o "Habite-se". Em face do obstáculo assim criado a consulente impetrou mandado de segurança contra a mesma Prefeita Municipal. Entre os argumentos da impetração constou que a impetrada estava estribando-se em informações de leigos; ainda: que a desembargadora Cristina Cotofre, da 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, em liminar concedida em mandado de segurança impetrado contra aquela mesma autoridade, desqualificara tal ato — a vistoria para concessão do "Habite-se" deveria ter sido realizada por profissionais habilitados segundo a Lei n 1.259/75 (Código de Edificações de Guarujá). São eles: arquiteto Rogério de Lira Queiroz, fiscal Elbio Damin da Silva e arquiteta Eliana Mercê Blaschi Gameiro. Também que na Lei 1.259/75 (Código de Obras), narra a consulente, há regras rígidas a estabelecerem prazo para a autoridade emitir o documento correspondente sempre que a vistoria válida não encontrar irregularidades capazes de impedir a emissão do "Habite-se".
            Também se aduziu ter ocorrido arbitrária cumplicidade da Promotoria de Justiça da Comarca notadamente porque a decisão da prefeita se fundara em “laudo técnico” sem eficácia jurídica — vinha sem indicação de remetente e assinado por um arquiteto mecânico (o atual Secretário de Meio Ambiente de Guarujá). Entretanto, por tais razões não foi expedido "Habite-se", donde o mandado de segurança contra a prefeita.
            O Juiz da 2ª Vara Cível de Guarujá indeferiu a petição inicial desse mandado de segurança, ao passo que a consulente ROCAZ diz haver cumprido todas as exigências previstas no projeto de construção legalmente aprovado. Este fato terá sido confirmado nas vistorias empreendidas por profissionais de formação técnica especial — Rogério de Lira Queiroz (arquiteto), Elbio Damin da Silva (funcionário especializado) e Eliana Mercê Blaschi Gameiro (arquiteta). Cumpre notar ainda que em 2009, já na gestão administrativa atual, também foi aprovado o projeto modificativo em relação ao originalmente aprovado em 2007, esse da gestão anterior.
.                                            II - Regras jurídicas incidentes.
            a) da Constituição Federal de 1988
            Os pressupostos constitucionais da ação mandamental de mandado de segurança estão na Constituição Federal de 1988 (grifo nosso, abaixo):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros [...] nos termos seguintes: [...] LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, [...] quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou [...]
              A matéria central da questão aqui discutida é sobre direito líquido e certo.
            b) de leis federais
Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009. Art. 1o  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. [...] Art. 6o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos [...] § 1o  No caso em que o documento necessário à prova do alegado [...]§ 3o  Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática. [...]§ 6o  O pedido de mandado de segurança poderá ser renovado dentro do prazo decadencial, se a decisão denegatória não lhe houver apreciado o mérito. Art. 7º  Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: [...] III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir [...]  
          Quanto ao Código de Processo Civil temos no art. 267:
Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: I - quando o juiz indeferir a petição inicial; [...]IV - quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; [...] Vl - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; [...]
                No caso do mandado de segurança impetrado, com a inicial rejeitada, havia a certeza dos fatos: as alegações estavam de pronto demonstradas com prova documental extraída da ação anterior.
            c) de leis municipais de Guarujá
            A Lei Orgânica do Município de Guarujá estabelece regras a respeito do crime de responsabilidade. O "Código de Edificações e Instalações do Município de Guarujá" (Lei nº 1259/75) prevê quais são os órgãos competentes para as vistorias administrativas e cuida das infrações respectivas, e traça prazo de dez dias para a expedição do "Habite-se".
            Sobre edificações o órgão competente é só a Advocacia Geral do Município, não o secretário do meio ambiente, de modo que houve nulidade na negativa do "Habite-se", contra o direito certo da consulente.
            A Lei Complementar nº 43/98, com vigência a contar da data de sua publicação, previa recuos mínimos para as construções (aqueles constantes do anexo V) assim como os do anexo VI, da Lei Complementar nº 16/92. Já a Lei Complementar 108/2007, que instituiu novo Plano Diretor à "Lei de Zoneamento, Uso, Ocupação e Parcelamento do Solo do Município de Guarujá", também estabeleceu o recuo para edificações nas zonas de alta densidade (art. 93), mas, não disciplinou os recuos quanto aos terrenos de esquina. Portanto, neste particular, prevalece a Lei Complementar 043/98.
            Houve, pois, erro de direito da prefeita impetrada com prejuízo jurídico da consulente.

III - Lições aplicáveis da doutrina
            Função da autoridade pública.
            É incumbência estatal o dever de servir às pessoas, particulares e jurídicas privadas. Apontam-se vários autores de direito a pensarem assim.
               GORDILLO, Agustin. Princípios gerais de direito público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977; páginas 109-125; CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito administrativo. 5ª ed. 5 volumes. Rio de Janeiro - São Paulo: Freitas Bastos, 1964, tomo IV, páginas 392-404; MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. 2ª ed. Belo Horizonte - Rio de Janeiro: Forense, 1979, páginas vol. I, páginas 646-666; CRETELLA JR., José. Curso de direito administrativo. 4ª ed. rev. amp. at. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense, 1975, páginas 22-90.
               Também há lições importantes alhures, do mesmo CRETELLA JR., José. Curso de direito administrativo. 4ª ed. rev. amp. at. Rio de Janeiro - São Paulo: Forense, 1975. Transcrevemos dele as seguintes passagens pertinentes.
            (1) Pessoas e órgãos da Administração Pública existem para servir a quem é do mundo privado, seja o individuo seja a pessoa jurídica, de modo que lhes cabe cumprir o dever jurídico de observar as leis e de praticar atos jurídicos válidos (p. 229-288 e 303-336).
               (2) Estes atos praticados podem, entretanto, ser nulos, ou anuláveis (p. 337-394). Um dos critérios para a sua validade é que se pratiquem com a finalidade de realizar o bem geral de todos, do Povo, do público. O abuso de poder nulifica o ato administrativo (p. 341).
               (3) Também nulifica o ato administrativo a circunstância de o agente não ter competência para praticá-lo, ou quando invade a competência de outro órgão, ou funcionários (p. 342-344).
               (4) Nulifica do mesmo modo o ato administrativo quando se tem por motivo dele a vontade de atender a interesse pessoal ou subjetivo (p. 344). O abuso de poder, ou o desvio de poder, é caso típico de nulidade contra a qual cabe o mandado de segurança (CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à lei do mandado de segurança. 11ª ed. rev. at. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 101-102. O mesmo pensamento jurídico deste autor está no livro Anulação do ato administrativo por desvio de poder. Rio de Janeiro: Forense, 1978. Também em REALE, Miguel. Revogação e anulamento do ato administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 1980, passim.
            *
            O conceito jurídico de "direito certo"
            Direito certo é o que vem provado de plano (CAVALCANTI, Temístocles Brandão. Curso de direito administrativo. 6ª ed. refund. e at. Rio de Janeiro - São Paulo: Freitas Bastos, 1961, p. 203).
            Direito certo é o direito demonstrado logo na petição inicial, sem necessidade de prova posterior (PACHECO, José da Silva de. O mandado de segurança e outras ações constitucionais típicas. 3ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais, 1998, p. 113).
            Direito certo: aquele cuja prova trazida, a juízo com a petição inicial, não deixa duvidosa a existência do direito (SILVA, José Afonso da.  Curso de direito constitucional positivo. 18ª ed. Rev. At. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 450-451). No mesmo sentido DÓRIA, A. de Sampaio. Comentários à constituição de 1946. 5 v. São Paulo: Max Limonad, 1960 vol. IV, p. 662.
            Direito certo é o direito documentalmente provado (CAPEZ, Fernando. Direito constitucional. 13ª ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2003, p. 242). Para FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 18ª ed. rev. e at. São Paulo: Saraiva, 1990, p. 274, é certo o direito em que toda a prova documental já vem produzia na petição inicial; mais ou menos neste mesmo sentido, com muita jurisprudência, temos SANTOS, Ozéias de Jesus dos. Interpretação à lei do mandado de segurança. 2ª ed. São Paulo: Lawbook, 2000, p. 155. Também com muita jurisprudência: CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2ª ed. rev. at. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 190-196 e MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, “habeas data”. 22 ª ed. at. (por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes). São Paulo: Malheiros, 2000, 22ª Edição, p. 35-37.
            Diz MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 2ªed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 134, ser também direito certo mesmo aquele em que a interpretação da prova produzida de plano for de grande complexidade.
            No caso aqui estudado o juiz entendeu, na prática, que havia muito documento a estudar logo ao início, com a petição inicial (como é próprio na ação de mandado de segurança). Essa dificuldade o magistrado tem de suplantá-la com a diligência própria do seu cargo — é dever jurídico seu. (Há neste sentido julgamento do Supremo Tribunal Federal publicado na Revista dos Tribunais número 594, página 248).
            Ainda sobre o conceito de direito certo segundo Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, com a Em. 1/69. seis tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970-1972, p. 360), é o direito alegado na ação de mandado de segurança, sempre que não haja dúvida na sua existência legal, ou seja,  
“[...] é evidente, sem precisar [...] de diligência e delongas probatórias [...]  não precisa ser aclarado com o exame de provas em dilações, que é, de si mesmo, concludente e inconcusso”. [...] 
           
            Legitimidade da pessoa jurídica.      
            Também a pessoa jurídica tem legitimidade ativa para ajuizar mandado de segurança  (FERREIRA, Pinto. Curso de direito constitucional. 10ª ed. amp. at. São Paulo: Saraiva, 1999, p 146).
            Interesse de agir no caso de omissão.
            Cabe também mandado de segurança se a autoridade publica deixou de praticar ato administrativo devido ("ilegalidade por omissão") porque a posição jurídica assim assumida contraria o sistema jurídico. Leia-se a esse respeito Jorge Haje, Omissão inconstitucional e direito subjetivo. Brasília: Brasília Jurídica, 1999 cap. 6, p. 219-229.
                        Independência dos poderes.
            O magistrado tinha obrigação jurídica de estudar com afinco a documentação a si levada pela consulente na petição inicial do mandado de segurança anterior. Era um dos deveres do juiz segundo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (lei complementar nº 35, de 14 de março de 1979) mesmo contra o parecer do Ministério Público:
Art. 35 - São deveres do magistrado:
I - Cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício; [...]
VIII - manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

            Ocorreu igualmente falha jurídica por parte da promotora pública da comarca de Guarujá. Sem o zelo devido, tomou partido no prol da prefeita impetrada e do seu Secretário do Meio Ambiente, de tal modo que o "Habite-se" foi ilegalmente negado à consulente, com desprestígio da Justiça. Vejam-se as funções dos membros do Ministério Público segundo a sua Lei Orgânica (lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993).
Art. 43. São deveres dos membros do Ministério Público, além de outros previstos em lei:
I - manter ilibada conduta pública e particular; II - zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções; [...] VI - desempenhar, com zelo e presteza, as suas funções;
VII - declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei;
[...]


IV - Algumas conclusões.
            Complexidade ou dificuldade dos fatos alegados é matéria estranha ao que a consulente já provou por documentos, sem necessidade mais prova alguma nesse respeito. Nada resta nada mais senão julgar a matéria de direito (como estabelecido nas regras jurídicas brasileiras sobre o mandado de segurança).
            O entendimento da impetrada foi sem apoio na legislação municipal também porque contrariou a manifestação da Advocacia Geral do Município — é este o único órgão competente para se manifestar sobre metragem de terrenos, ou lotes. Por outras palavras, somente o titular da Advocacia Geral do Município da Guarujá, por força de delegação prevista no Decreto Municipal nº 9.294, de 25.03.11, tem competência para assinar correspondência em nome na Prefeita Municipal, não o Secretário do Meio Ambiente.
           A "vistoria" de um imóvel é uma inspeção técnica para fins de segurança jurídica, de modo que só é válida se feita por profissional inscrito no CREA; o fiscal leigo não pode fazer verificações técnicas da construção que ultrapassem a sua simples regularidade administrativa. Ao Secretário do Meio Ambiente falta competência para elaborar laudos a respeito de recuos das obras. No caso vertente o laudo técnico foi infundado porque as conclusões resultaram de interpretações subjetivas do pessoal ligado ao meio ambiente.
Além de todo o exposto, trata-se de “laudo” considerado imprestável para esse fim em decisão prolatada pela Desembargadora Cristina Cotrofe. De modo que esse julgamento (que analisou tal questão de direito), prolatado no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, deixou de ser cumprido. Vê-se isto nos termos do indeferimento da petição inicial, ora discutido neste parecer.
Há mais, porém: a consulente já contava com projeto inicial aprovado segundo a própria letra do Plano Diretor (Lei Complementar nº 108/07) e, em relação aos recuos, obedeceu à norma jurídica vigente — a do art. 25, parágrafo 1º, da Lei Complementar 043/08 — só dois metros, não cinco metros.
            Assim tinha de ser porque os agentes públicos tecnicamente preparados para o estudo da questão foram favoráveis à legalidade dos recuos. São eles os seguintes: Rogério de Lira Queiroz, arquiteto civil da Divisão de Uso e Ocupação do Solo, do fiscal municipal Elbio Damin da Silva e de Eliana Mercê Blaschi Gameiro, engenheira civil diretora da unidade "Uso e Ocupação do Solo". Deram-se eles ao trabalho regular de sua incumbência, ou seja,  fazer a vistoria do prédio da consulente. Clarearam a matéria mostrando como, em relação aos recuos em lote de esquina, o atual Plano Diretor é omisso e que pois, incide o Plano Diretor antecedente (LC 043/98) — esse recuo é de apenas dois metros. Esta circunstância afasta restrição das frentes para aplicação dos recuos e confere à consulente o direito de obter o "Habite-se" sem infração à lei municipal 1.259/1975 (a que estabelece regras de ocupação e habitação das edificações) — diversamente do que pensaram a promotora de justiça e a prefeita impetrada.
            Logo, a Prefeita descumpriu regras cogentes do Código de Edificações e Instalações de Guarujá. Pelo silêncio a impetrada violou a norma do artigo 295, parágrafo único da Lei Municipal nº 1.259/75, também quanto ao prazo de dez dias para a expedição do "Habite-se". Ocorreram, pois, atos de coação ilegal praticados pela impetrada, a Prefeita Municipal de Guarujá. Toda a prova documental foi prova pre-constituída exigível na ação de mandado de segurança; todas as alegações vieram demonstradas de plano. Há pois fato certo, com "direito líquido e certo" da consulente: este seu direito subjetivo já veio demonstrado documentalmente na dita prova pre-constituída, de modo que o pressuposto do mandado de segurança já está preenchido de acordo com a Constituição Federal de 1988 e as leis especiais.
            Quer isto dizer que o magistrado da comarca cometeu erro de direito ao escrever que
"[...] somente a via ordinária poderá solucionar a questão posta, trazendo maiores elementos de convicção ao magistrado [...] o direito líquido e certo do impetrante deve vir demonstrado de plano,

V - Quesitos e respostas
1) A ação mandamental utilizada pela ROCAZ trata de remédio jurídico adequado para a obtenção da CARTA DE "HABITE-SE"?
Respondo. Sim, porque veio para corrigir omissão ilícita da impetrada quando se negou a lhe conceder o "Habite-se".
2) Os atos da Prefeita Municipal (uma ação e outra omissão) podem ser considerados atos coatores atacáveis por mandado de segurança?
Respondo. Sim — foi uma omissão contrária ao sistema jurídico vigente ("ilegalidade").

3) A prova do pedido de expedição de "Habite-se" em 15.02.12 e a falta de resposta até a presente data não se constituem em atos ilegais da Prefeita Municipal, que teria prazo de 10 dias para manifestação? Esse prazo não seria contado das datas das vistorias realizadas em 22.03.12 e 24.04.12?

Respondo. Sim — a impetrada tem o dever jurídico de observar os prazos legais; ciente ela das vistorias favoráveis à consulente, tinha a obrigação jurídica de praticar o ato administrativo a que a consulente já estava no direito de obter, ou seja,  expedir o "Habite-se".
4) Além das vistorias feitas pela Secretaria de Obras em 22.03.12 e 24.04.12, há também o Parecer de Advogado integrante do quadro da Advocacia Geral do Município sugerindo a concessão da Carta de "Habite-se". Pelo referido Parecer não pode ser inferido os atos coatores da Prefeita, já que há prova de que houve pedido específico de expedição de carta de "Habite-se" e omissão injustificada em não comunicar a ROCAZ os motivos pelos quais não se defere o pedido?

Respondo. Sim: os atos administrativos praticados pelos ditos agentes públicos municipais o foram em conformidade com as regras jurídicas municipais incidente na específica situação fática correspondente.
5) Além das provas apresentadas, que comprovam de plano os atos coatores, quais outras deveriam ser produzidas em ação pelo rito ordinário, conforme constou da sentença?

Respondo. Nenhuma mais — as trazidas a Juízo no mandado de segurança são as mesmas necessárias à demonstração de fatos idênticos, em qualquer outro remédio jurídico processual.
6) Está correto o procedimento do Juiz da 2ª Vara Cível de Guarujá ao indeferir a petição inicial porque na ação mandamental não há dilação probatória?

Respondo. Não. Houve erro de direito do magistrado; tinha ele que ler por completo a abundante prova documental apresentada pela consulente na própria petição inicial do mandado de segurança impetrado contra a Prefeita.
7) Se o Juiz não se retratar os autos deverão subir ao Tribunal de Justiça em prazo de 48 horas. Em considerando a urgência do caso qual a medida processual adequada para abreviar a definição do imbróglio jurídico?

Respondo. Cabe, no Tribunal de Justiça de São Paulo, requerer a concessão de antecipação de tutela no recurso de apelação. Por analogia estão presentes os pressupostos para essa liminar: a) fumus boni juris porque os argumentos são convincentes na matéria jurídica e por já estarem provados todos os fatos alegados; b) periculum in mora porque a consulente é empresa de serviço, cuja imagem diante de clientes seus pode ficar obnubilada,  e poderá sofrer dano patrimonial com eventuais ações condenatórias fundadas em perdas econômicas. 
8) Seria adequada a interposição de medida cautelar incidental para que o relator sorteado possa dar efeito suspensivo ao recurso e determinar a expedição de "Habite-se" provisório, ainda mais em se tendo conta que ato pode ser revogado a qualquer tempo?

Respondo. Afora uma tutela antecipada na apelação, a despeito de ser conflitante a jurisprudência, penso não haver essa medida cautelar incidental. É que não existe regra jurídica expressa a esse respeito quando se interpõe o recurso de apelação, diferentemente da tutela antecipada (por analogia). Não condiz com o princípio geral da economia processual (celeridade, prazos, boa-fé). Nem se passa o mesmo com a tutela antecipada (por analogia).  
9) A demora na expedição da carta de "Habite-se" poderá gerar a quebra da ROCAZ, pois todas as unidades estão vendidas e não há como entregar as chaves sem o "Habite-se", já que, nesse caso, certamente o Ministério Público proporá ação civil pública contra a ROCAZ.

Respondo. Esta é uma causa constitutiva do periculum in mora, própria das medidas liminares.
10) O prejuízo causado pela demora injustificada na concessão de "Habite-se" não dá direito à ROCAZ de pedir indenização por danos emergentes e por dano moral, porque o Ministério Público e a Prefeitura Municipal de Guarujá, ilegalmente “jogaram” a empresa para a vala da marginalidade do sistema de construção civil?

Respondo. Sim, por se tratar de ato ilícito causador de danos emergentes e de prováveis lucros cessantes.
11) Depois de concedida a licença de construção, terminada a obra, pode a Municipalidade e por via reflexa o Ministério Público, impor empecilhos sem causa jurídica para impor um embargo indireto da obra, contrário as regras do Código de Edificação do Município (Lei 1.259/7?

Respondo. Não, pode porque é caso de "fraude à lei: ato ilícito causador de danos patrimoniais e morais.
12) Poderia a ROCAZ requerer ao MP que promova ação penal por crime de responsabilidade?

Respondo. Sim, porque é crime de ação penal pública e a Constituição Federal de 1988 garante o direito de petição  — art. 5º, XXXIV, a).
13) A Lei Orgânica do Município de Guarujá estabelece regras a respeito do crime de responsabilidade?

Respondo. Sim, como consta no art. 80 dessa lei municipal:
"São crimes de responsabilidade os atos do Prefeito que atentarem contra a Constituição Federal, Constituição Estadual e a Lei Orgânica Municipal, e, especialmente: [...] III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; [...] VI - o cumprimento das leis e das decisões judiciais; [...]"

14) O crime de responsabilidade também não poderá ser atribuído ao Secretário de Meio Ambiente que firmou laudo sem competência para tanto?

Respondo. Sim, se houver prova de ele haver concorrido pessoalmente para a prática do crime. A lei vigente sobre responsabilidade é a de número  1.079, de 10 de abril de 1950. Não há aí previsão de crime de responsabilidade de secretário municipal,  porventura susceptível de incriminação direta por si só. Cabe contudo invocar a incidência da regra jurídica  ao art. 25 do Código Penal:
 "Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas".

            De modo que o secretário, que haja de algum modo apoiado a autoridade municipal, incide no mesmo ilícito praticado por esta última segundo a norma geral do Código Penal. A responsabilidade dos prefeitos consta da lei de número 3528, de 03.01.1959 (só dos prefeitos) e  do decreto-lei número 201, de 24.02.1967 (de prefeitos e vereadores).
     15) Os atos coatores da Prefeita Municipal de Guarujá, ao descumprir a lei municipal de regência, em especial o Código de Edificações, contra ela não poderá ser oferecida denúncia por crime de responsabilidade mediante denúncia da ROCAZ?

Respondo. Sim, porque foi negado cumprimento a leis municipais. Os crimes de responsabilidade são ilícitos ou político-administrativos, ou só administrativos. Quanto aos prefeitos são também crimes no sentido tradicional, isto é, puníveis  com pena detentiva de liberdade (detenção ou reclusão — depende da gravidade de cada delito), além de condenação a ressarcir as vítimas pelo dano causado. Podem ainda ter por consequência outras penas (sanções, punições) de ordem funcional, como perda do cargo e inabilitação para exercer outras funções públicas. Reza o Decreto-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: [...] XIV - Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente [...]; grifo nosso.

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            Este é o parecer.
            Santos, 24 de junho de 2012.


Mozar Costa de Oliveira

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