quarta-feira, 23 de junho de 2010

A teoria do conhecimento e as outras ciências


A teoria do conhecimento e as outras ciências

Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).


A título de preliminar. Este artigo é um tanto longo para uma designação dele assim tão breve. Vamos responder à dúplice pergunta sobre como conhecemos e sobre como podemos conhecer melhor. Tomamos como sinônimos "teoria do conhecimento" e "gnosiologia". Teoria é uma visão geral em que se observa algo, se vê algo — θεωρία. E gnosiologia é o estudo do conhecimento (γνῶσις). De modo que estamos aqui a estudar como conseguimos conhecer os seres, as coisas. Estamos também à busca de método mais seguro para conhecermos melhor algo deste vasto universo. Parece-nos que o caminho melhor a seguir é a trilha humilde mais firme das ciências particulares: método indutivo-experimental em lógica, matemática, física, biologia, sociologia.
Resumo — A gnosiologia há de ser uma parte da ciência, ou um capítulo de alguma delas. O problema fundamental do conhecimento é saber como se dá o conhecimento, coisa que não se resolve com os recursos da filosofia clássica (seja antiga seja a contemporânea). Estuda-se aqui a formação dos velhos “universais”, e dos conceitos, e juízos, e proposições (a que se liga a semiótica). Procura-se mostrar como só fica um pouco mais claro o mais obscuro dos problemas da gnosiologia quando descemos ao exame dos resultados das demais ciências. Dá-se relevo à importância também fundamental do método indutivo-experimental, mesmo na própria extração do jeto, e no teste dele perante as realidades. São apresentados uns poucos exemplos no campo da ciência do direito.

Trazemos, pois, reflexões sobre a teoria do conhecimento de qualquer natureza. Segundo colhermos os “conceitos universais”, e como os aplicarmos às realidades, tal será o nosso raciocínio. Bem assim o nosso discurso. Mesmo no nível do senso comum. O cerne é a concepção da questão gnosiológica, com a solução dada a ela. Situa-se nela o grande gargalo de todo o conhecer. Quem passar corretamente por ele terá os benefícios de proposições confiáveis. Se alguém o atravessar a torto e a direito terá de rever os desvios, com mais perda de tempo do que o primeiro viajor, e porventura sem êxito. A perspectiva traçada nestas linhas pede ajuda aos elementos das demais ciências. Nome, a quem muito se deve nesta matéria, é de um brasileiro, pouco ou nada conhecido fora do mundo jurídico – Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1892-1979).[1]

1. Onde somos. Somos, estamos no Universo. Nele há happenings, há eventos.[2] Alguns cosmólogos dizem que só percebemos efeitos. As realidades do mundo vêm-nos em jorros de matéria-energia, já que mesmo o mundo psíquico É: é em nós e é nos outros; mas é com o mundo físico também É. O Universo é um conjunto de jatos, de realidades, de energia (E=mc2).[3] Esse conjunto é a Natureza, o que está-aí fora da mente humana, o mundo, o fato, o “posto”.[4]
Estamos num mundo em expansão. É finito mas também ilimitado. Nele tudo se move. Nós, dentro desse “tudo”, movemo-nos sem cessar.[5] Essas leis físicas são acompanhadas por leis sociais de natureza muito semelhante. Tal o caso da simetria e a da dilatação dos círculos sociais, empiricamente testáveis (como a “globalização” da Economia).[6]
Galáxias são tão eventos[7] como os são as estrelas e os sistemas solares [8]. Jatos são ainda os pulsares, os quasares, os buracos negros. As velocidades, assim no microcosmo como nos espaços siderais, ultrapassam a imaginação, porque nossa imaginação se integra no mero senso comum.[9] Assim é que numa classe desses eventos somos evento nós próprios, na Terra, que o Sol leva consigo (logo, também o nosso cérebro) em torno da Via Lactea à velocidade de 270 km/s.[10]

Jatos de matéria-energia, eis como são também os eventos do microcosmo. Os trabalhos de Fritjof Capra [11] sobre o microcosmo, posto seja de divulgação científica, é como científicos que se têm de apreciar, e não como ficção. Assim, também o microcosmo é uma parte dinâmica do universo (pág. 146-169). Aí no microcosmo uma porção de matéria é, ela e mais o seu campo gravitacional (pág. 159). Partícula é uma condensação local do “campo”, ou seja, é a região mais intensa do “campo” (pág. 160); é uma das estruturas desse campo (pág. 163). As partículas com o que se interpenetram, em interação senão incessante, ao menos freqüente (pág. 165). Os processos (de jatos, dizemos nós) das partículas (microcosmos) só são descritíveis como uma seqüência de interconexões e interações (pág. 198). A todo o momento a partícula irrompe, de modo que todo “vácuo” há de ser havido como um potencial de partícula (pág. 168). Também um fóton pode explodir repentinamente, momento em que se transforma um elétron e um pósitron (pág. 176). A partícula são polaridades (pág. 171), indiferentemente se as interações são fortes, ou fracas, ou eletromagnéticas, ou gravitacionais (pág. 173). O aparecer-desaparecer de partículas (processo de “criação-destruição”) segue as leis da teoria quântica — representam um tendência; só lhe alcançamos os traços por percepção de probabilidades (p. 181). Essa contrariedade dinâmica, de a partícula aparecer e desaparecer, obedece a determinados padrões, ou seja, são jatos – dizemos – que obedecem a leis de regularidade estatística (pág. 183), sendo certo ainda, que esses próprios padrões de regularidade muitas vezes se fundem (pág. 184). Embora sejam estatísticas as redes de eventos (jatos!), cada uma delas se apresenta extramentalmente com estrutura certa e definida (pág. 199) e há canais definidos e certos para o fluxo de energia disponível (pág. 200). Quanto a esses padrões de regularidade cumpre observar: eles passam por instantes de re-arrumação toda vez que ocorre a “divisão” de uma partícula subatômica (pág 187). Toda partícula, apresentando-se-nos como uma estrutura quântica (pág. 190), tem a particularidade de, sendo o seu número quântico o mesmo de outra partícula, terão as duas de mesmo padrão. A despeito da sua vertiginosa movimentação, surge intrigante curiosidade: esse número é de alto proveito cognitivo: para se preverem os comportamentos desses jorros de partículas (pág. 191).[12] Por outras palavras, a partícula tem de ser concebida como um verdadeiro nó de energia (pág. 162). Todo “ser” físico (jato) atua, sim, mas ao mesmo tempo recebe atuação de outro, e é transportado na interação em que, sendo atuado, também atua (pág. 163).
 Quer isso dizer que também no microcosmo, acrescentamos, está o Homem carregado ele próprio de jatos de energia.  Há razão para de ter de admitir que os nossos esquemas lógico-matemáticos são símbolos de mera aproximação; não traduzem uma racionalidade exauriente. De outro lado, contudo, dado que os jatos da natureza têm suas leis de ritmo e de regularidade, esses símbolos matemáticos de modo algum podem ser concebidos como arbitrários: dizem algo do que se passa fora de nós, e contam algo de como aquilo se passa. Logo, algo sabemos (pág. 164-165).
Esse algo modestamente sabido é verificável, dizemos: pode ocorrer nos contatos controladamente repetidos com o jato examinado antes, do qual é um “igual”. Segue-se daí que podemos achar base relativamente sólida (com rigor e exatidão – humanas) para as nossas afirmações. Em meio aos turbilhões de jatos, seja em astrofísica como em microfísica (parece imperioso admitir), o conhecimento humano é possível e toleravelmente fundado. Essa tolerabilidade é relativa: atende às nossas necessidades de adaptação cognitiva. É o imperfeito conhecimento que temos, atualmente, de bolsões ou porções do Universo. Não chega de modo algum, todavia, a ser noção arbitrária, pois.
Essas são proposições científicas (no sentido de estarem muito distantes de antropomorfismo).

2. Nosso tema.
 O que nos ocupa neste texto é examinar como se dá o evento do conhecer humano no interior do Universo. Sem tomar por pressuposto qualquer elemento filosófico (doutrina) ou religioso (concepção fideísta do mundo). Não para negá-lo, advirta-se, mas para colher o processo cognitivo sem outro recurso que não seja a descrição do evento mesmo, de que nos ocupamos.
Prescindimos de introdução histórica, que seria longa — quase toda a história da filosofia. É que vamos estudar brevemente a velha questão dos “universais”. Sem preocupação de justificá-los. Serão examinadas algumas posições, e apresentada a que nos convence. [13]

3. Pressuposto e método.
Qual o pressuposto de que se parte? A de termos experiência de seres mais ou menos organizados no nosso “interior”. Algo de semelhante ao “cogito” cartesiano. Sem admitir que eu vivo, este trabalho não seria possível: teria de renunciar ao ato mesmo de pensar. Ora, o que pretendemos é pensar sobre o pensamento, observando-o e descrevendo-o. Mesmo sabendo que a descritividade pura, sem impulsos irracionais, é impossível. O ato do conhecimento na sua origem: como formamos imagens, como obtemos idéia – notadamente como formamos o “universal” (a “essência”), sem o qual não se justifica a formação de proposição geral, nem pois a ciência. As implicações para outros processos sociais de adaptação são evidentes: não se teria mais confiança fundada em proposições gerais sobre Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e sobre a própria vida comum. Tudo seria tristemente arbitrário. O ceticismo será inevitável.[14]
Bem, o que sentimos e conhecemos é no mundo, que se move sem parar. Busquemos acompanhar esse iter, fazendo-o com passo (mais) puramente descritivo. Eis o que a seguir vamos expor.

Há no mundo contactações várias: seres com seres, eventos com eventos, jatos de “realidades” com jatos de “realidades”. Assim é na mecânica celeste, como no mundo das sub-partículas, como na vivência do senso comum interior aos vários processos sociais de adaptação (relações sociais de Religião, Moral, Artes, Direito, Política e Economia — também, veremos, na própria Ciência). São relações, cumpre advertir bem, todas inçadas de elementos de menor complexidade estrutural: biologia, física, matemática e lógica.
5. Estímulo, injeção de jato.
 Focalizemos um Homem e um estímulo que o toca. Sem entrarmos ainda no que lhe possa suceder, temos aí uma relação ser-ser, jato-jato. Havendo o estímulo, uma de duas: ou o Homem reage (excitação), ou não. No segundo caso (não-reação à excitação), não há relação de sensação por falta do segundo termo (estímulo sem excitação); no primeiro caso (estímulo com excitação) assiste a uma relação a dois termos: o estimulante e o sentinte.[15] Continuando na descrição: considerada a excitação, temos nova ocorrência, novo jato — algo aconteceu no Homem, que é a impregnação de algo (não todo o estímulo mas parte dele); houve uma gravação, um engrama, uma species impressa no sentido tomista. Tal ocorre já que o segundo termo (nesta hipótese de ser vivo), a excitação resulta de alteração interna receptiva, quando algo aí deixou sua marca. Neste ponto ocorre identidade parcial entre sujeito e objeto. E não há dúvida de que essa operação jato já é “seletiva”. Ou seja, já há aí abstração. Se não nunca, ao menos raramente o estímulo revela a totalidade do primeiro termo da relação; o estímulo de calor não revela cor, sempre. O de olfatação nem sempre leva consigo o calor ou frio etc. De qualquer maneira, algo “seletivamente” saído do primeiro termo foi para o interior do segundo termo, ser vivo que se deixou excitar, e aí deixou um filete, uma lasca, uma camada. Neste ponto são um só jato (identidade entre sub e ob — também no plano biológico!)
E também esse primeiro termo abstrai, “seleciona” (sem darmos ao verbo qualquer conotação antropomórfica). Colhe algo do estímulo, sem poder colher, em geral, toda a complexidade do estimulo.[16]
6. Ob-jeto.
A partir de alguma experiência de excitação (e impressão), pode o Homem ocupar-se dela, e de cambulhada com ela, com outras experiências, mais sensíveis umas e outras menos. Quer isso dizer que ele, como Homem, pode “cercar” o estímulo para examiná-lo. O que faz? Emprega uma “técnica” (tecnh, mão) para preendê-lo. É o expediente de assumir uma atitude, fazer um trejeito — o de pô-lo como algo diante de si, singular e concretamente preso, focalizado, ob-jetivado.  Ob-jetiva-o. O ex-jato “puro” (=antes do trejeito técnico do Homem), já agora passou pelo sub-jeito (também ele um jato). Um jorro a mais de matéria-energia dentre os de número indefinido e ilimitado, que ocorrem enquanto o Universo prossegue na sua expansão contínua. Bem, essa operação dá o “ante-jeto” que é o ob-jeto: algo concreto posto diante-de-si pelo sub-jeto. Por atitude natural. E aí fica o jato, mas não mais como um ser entre tantos outros, a estarem co-sendo na relação ser-ser (jato-jato) no mundo. Tomou a conotação humana: em vez do jato-em-si, agora é jato no Homem, humano. O jato como impresso ou focalizado pelo Homem não é o “jato em si”; este, enquanto não impresso, não é o mesmo que o impresso. “Em si” (“Ding an sich” de I. Kant), sem estar impresso, é um “não-impresso”. Antes de ser sentido é um “não-sentido”, antes de ser conhecido é um “não-conhecido”.
O ob-jeto, enquanto continuar sendo uma “presa”, é um construção que contém o jeto. Ainda está, este, temporalizado, não é um jeto geral (dentre os muitos do mundo), mas esse jeto diante-de-mim (=ob-jeto).



7. O sub-jeto.
  Ao mesmo tempo acentua-se, em mais um trejeito ou atitude, esse mim, esse eu — é o sub-jeto (sujeito). O Homem como tal firma-se na sua posição: a de um ser empenhado em suportar em si (ele é sub), defrontando-o, o jeto focalizado (=ob-jeto).[17]
De modo que sujeito e objeto são “realidades” formadas por atitude ou trejeito psíquico do Homem, empenhado em apoderar-se cognitivamente “das coisas”, de jatos da Natureza, de seres do Universo. O que se passa sem essa atitude, ou com ela, é o contato de seres-com-seres; com esse trejeito ou sem ele, presente ou não o excitar-se com o estímulo, há a relação ser-ser: jato-jato na Natureza, no Universo em expansão. No interior do Homem sentinte o jato estimulante, “selecionado”, já tem a cunhagem humana. Algo dele se alterou – algo se perdeu com o ser selecionada uma parte sua (que já é abstraído, extraído, retirado). Perdeu-se, no sentido de não estar inteiro na sensação. E o que ficou dele no sub é sim dele, mas mesclado com a assimilação própria da sensibilidade. A gravação, a marca, é deixada pelo jeto, é parte do jeto: algo do jeto está ali, mas com mescla do sub, do Homem. Ou seja, o Homem não pode conhecer senão cooperando criativamente, pondo algo dele próprio na coleta dos jetos.[18]

8. “Jeto”: é o jato como o pode receber o Homem.
Veremos a seguir como se dá a extração do jeto (essência, universal), e como, usando-o, o colocamos em proposições

8.1 — Extração do jeto.

Chamemos a esse jato humanizado de “jeto”, para clareza de exposição. E a escolha do novo termo não é nem arbitrária nem fora de propósito, como veremos. Pois, o jeto é o “jato-como-recebido-pelo-Homem”. Em outras palavras, o “universal” corretamente colhido é a coisa, quando o sub se deixa impregnar de certa e determinada “forma” dela (aspecto, inspecto, dimensão, dado). Dá-se isso se o sub (cognoscente) se desarma das presilhas, ou seja, quando desfaz o esquema preensivo, abstrai do ob (e pois de qualquer marcas dele que não a isolada). Pára de ob-servar e somente conserva o núcleo que reteve. E também corta (prescinde) referência a si, sub. O que já lhe ficara como sub-jeto, agora é apenas jeto. Deixa assim de fora do seu ato (abs-trahit) tanto o ob (concretude ou concretudes), como o sub (alusões ao eu), como ainda a própria relação. Já não se cuida de sub-jeto, nem de ob-jeto. Logrou a pureza (veremos que é relativa essa pureza) — a pureza do jeto (universal, essência).
O Homem não pode conhecer senão ao modo como ele é: como Homem (quidquid recipitur ad modum recipientis recipitur). E, como nem é nem existe jato humano não-social, o cognoscente é sempre ser-entre-seres. Aliás, eis aí razão bastante para se ver, contra todo solipsismo filosófico, que a ciência é apenas mais um dos principais processos sociais de adaptação. Haverá em todo conhecimento impregnações sociais. É de mister depuração dos trejeitos, que são escórias subjetivantes e objetivantes, deturpadoras. E veremos como no processo de conhecimento há a fase da tomada de consciência, que já é ciência. E tem-se aí momento no qual o sub está a voltar-se de novo para as estruturas de si próprio, tomando ou retomando o contacto consigo.[19]
Os seres, os jetos, rolam pelo mundo, tanto com o serem preendidos como sujeito ou como objeto, ou sem no serem. O jeto que nunca o Homem sentiu nem conheceu será o que é, sem o Homem. Para o Homem é desconhecido. Não pode ser outra coisa aquele “Ding an sich” de I. Kant. São o que são, sem a intervenção excitada e sem a técnica preensora – do Homem. Mas também sem relação com o Homem. Com ou sem o trejeito técnico (atividade preensora) do sub, sem estarem a “coisa” e o “eu” confrontados, um perante o outro (em tensão, em dialética — bem entendidos esses termos, carregados de estética), sem um desses termos, repito, não há a relação. O jeto será um dentre inumeráveis: não cognoscível ou ainda não conhecido (“coisa em si”). Por outra: só temos o jeto de que os seres (jatos) permitem que se colha deles, ou seja, do que se nos oferece, se nos (e que possamos colher). Afastado todo antropocentrismo animista ínsito nesses verbos, podemos dizer que somente do dado do jato, do elemento revelado pelo processo natural de sentir e de conhecer, é que podemos extrair o jeto, ter o jeto — que é o jeto colhível e colhido pelo Homem. E esse aparecer de elementos do jeto (esse dar-se dos dados) é um processo lento, um marchar. Os dados dos jatos vêm-nos aos poucos, na história da evolução para, continuando de ser jatos, serem agora também jetos. Conhecemos a realidade dos fatos só aos pedaços, por partes, por felpas deixadas captar pelo “outro”. Também as deixadas pelo eu, quando o eu é posto como “outro”, ante quem (mim) tomo posição. Objetivado, cercado o próprio sub como ob – temos o sub-jeto posto pelo espírito como ob-jeto na reflexão. Atente-se porém a que o jeto não é nome vazio de realidade, senão que, ao revés, é a presença mesma da realidade no interior do espírito humano. O que ele é (“homem”, “verde”, "antes", "difícil", "direito", "próprio", “soberania” etc.), é a coisa mesma (“homem”, “verde”, "antes", "difícil", "direito", "próprio", “soberania”), e não uma substituição por um símbolo,  uma como que etiqueta “verbal”.[20]
O jato é o próprio jeto, naquilo que o sentinte ou cognoscente dele conseguiu extrair — aquilo que lhe foi dado extrair, ele conseguiu. Ao injetar-se o jato no espírito (sub), sem ficar deformado, recebeu contudo a “coloração” do sub. O jato, sem deixar de ser jato, tomou a forma de jeto. O jeto é o jato, como o pode colher o Homem. Ele, jato, injetou-se no espírito, sendo que sempre é pela porta inicial da sensação a sua entrada.   Não podia ser de outro jeito: o sub afastou da relação a técnica preensora do ob, e apagou-se a si próprio, saindo de foco ele e a “idéia” de estar em relação (retirada do sub e do hífen de jeto). Mas a extração do jeto, que agora é só jeto, lá está. Não é uma cópia, muito menos uma ficção. É uma realidade, uma presença “ôntica”. Não há pois como dizer-se nominalista o resultado desta descrição gnosiológica. Tampouco há como taxar essa mesma descrição de idealista, no sentido de a abstração feita (extração do jeto) pertencer a um mundo acima do mundo físico (Platão) ou paralelo a ele (Husserl).
Com a identidade, no dado colhido, entre o jato injetado e o jeto (já que houve extração de ao menos parte do dado), o conhecimento humano, posto seja modesto, bem pode corresponder ao que se passa no mundo, fora do sentinte e do cognoscente. Algo novo – o jeto – passou a ser comum ao sujeito e ao objeto. A Ciência é possível. O sub, verdade seja, não colhe tudo. Mas o que colhe, se bem colhido, acerta com partezinha do Universo. Colherá bem se for suficiente a observação, sem afastar as presilhas consistentes em obs (confusão de objetos) e igualmente sem retirar o aparato pessoal do sub antes de afastar de si o máximo possível de elementos desvirtuantes (mistura de si com o subjeto). Ainda: é preciso cautela antes de alguém soltar-se da própria relação (-jeto). Eis aí o esforço radical da indução.
8.2 — O uso do jeto.
Poderá o Homem usar agora o jeto e construir a sua visão do mundo, formando conceitos verdadeiros, e proposições verdadeiras. Para tanto não pode contudo “inventar”, extrapolando, saindo para  fora do que recebeu em si dos jatos. Ao usar o jeto, novos cuidados haverá de ter o instinto-inteligência quando fizer livres malabarismos com o dado colhido. Prudência é de mister — no controle desse “manejo” dos extratos ou “essências” ou “universais”. Tem-se aí a indispensável cautela em controlar o conteúdo do jeto extraído do jato anterior em face de novo jato igual, reencontrado no seio das realidades extramentais. Manejando o instinto-inteligência os expedientes eficazes de conferência entre o a priori conseguido e o a posteriori, que reencontra, aí sim.  A volta ao real extramental tem como aprovar as suas construções livres. Essa experimentação é bem o controle (mais) seguro da jetividade do extrato. O jato novamente encontrado no mundo, de que efetivamente obtivera antes uma parcela real — o jeto, o universal, a essência — esse jato, repetimos, é a instância do erro ou do acerto no uso do jeto, até à exaustão do seu conteúdo. Agora, sim: obtida prudente confirmação de o extrato posterior ser igual ao extrato anterior, as proposições estarão em correspondência com a Natureza (serão verdadeiras). Nem lhe será dado desconfiar delas — até que sobrevenha porventura o desmentido das realidades.
8.3 — Breve resumo.
O jeto não é nome, nem esse o extrato é idéia infundada do sub, que a tenha porventura colhido com prudência (indução científica). De outro lado, com a volta ao “real” a experimentação, tão rigorosa quanto a indução, poder como que entregar ao instinto-inteligência a conquista arduamente buscada: a obtenção de essência que acertadamente ele obteve da Natureza e que, usada, correspondente a algo definido do Universo. Logo, a ciência é efetivamente possível, embora humilde. Será com deformações ínsitas à Humanidade, ao menos nos dias que passam (não sabemos o que seremos, nessa matéria, dentro de 20.000 anos...).[21]
Se temos o jeto bem colhido de um jato singular (como, por exemplo, a Lua, Rio de Janeiro, Marte), algo obtivemos dos seus “traços” essenciais. E ainda se singular, nem por isso deixa de ser jeto (embora não seja universal). Algo inconfundível com outro jeto da mesma característica, resistente a toda igualização com outro qualquer. Entretanto, se encontro um jeto igual a outros jetos (exemplo: verde), todo outro jeto de grandíssima semelhança com o colhido, será reconhecido como igual (verde). Aí o jeto é universal. Será reconhecido, no raciocínio, por outros iguais, quando os for reencontrando na vida, na expansão do Universo, no raciocínio. Asseguradas ficam, humanamente asseguradas, sem trepidação sadia, mantida a saúde mental de Homens, as conquistas dos nossos atos de conhecer. O conhecimento humano pode ser “efetivo”, “real”, “objetivo” — podem as nossas proposições estar a corresponder a passagens não puramente imaginárias ou arbitrárias, do Universo (jatos que são não meras criações do instinto-inteligência). Nem serão tais jetos meros nomes, ou por alguma convenção gratuita. Devemos tal ganho biológico, no campo de nossa adaptação ao mundo pela ciência ou (quase) pura indicatividade, ao jeto prudentemente colhido — houve estremo cuidado na retirada do ob, do sub e da própria relação (do hífen de jeto). Dito de outro modo: toda a extração dos universais (essência, jetos) pode ser real. Pode corresponder a jatos outros, iguais, a fluírem pelo Universo. Logo cumpridos pelo instinto-inteligência esses pressupostos, a sistemática de conhecimento que erigir por certo será uma construção de proposições a respeito de seres-aí, de jatos do Universo, de felpas do mundo real, de contactos reais com a Natureza — a qual está posta aí. Logo, teremos a ciência positiva no seu primeiro passo de alta relevância (extração de jeto) e no segundo passo de vital importância (experimentação). Pode dessarte ocorrer a adaptação do Homem às realidades, de é parte.
Aí está um dos mais obscuros e admiráveis eventos mundanais postos (fato da Natureza posta), que ocorre no interior do ser vivo, humano. Surgiu, verdadeiramente e não por ficção, a identidade entre os dois termos: o extraído vindo de fora é assimilado pelo que o sente ou que vem a entendê-lo. São iguais, de modo que a ciência é mesmo possível, sendo aliás indiferente que a sua edificação proposicional contenha congérie imensa de jetos singulares.[22]
9. Dois exemplos.

Para ajudar-nos no percurso desse iter (caminhada  do ato do ser vivo ao se aproximar de algo para o “dominá-lo” ou conquistá-lo pela sensibilidade ou pela inteligência ou por uma e outra classe de preensão), para ajudar-nos, dizemos, vamos tomar dois exemplos. Um mais ligado à sensibilidade (instinto), o outro mais ligado à razão (inteligência): “verde” e “soberania”, serão os dois.
10. Instinto e inteligência.
 Não temos ainda, na cultura, elementos para distinguirmos com precisão “instinto” e “inteligência”. Mostram as pesquisas avançadas da Psicologia, da Psicanálise e da Parapsicologia que um e outro convivem, como a se tocarem e a trocarem de posição. Um como que completa o outro e dele necessita para as suas funções “específicas” (se as há tais). E, depois da teoria da relatividade — a converterem-se matéria e energia —, podemos suspeitar que instinto e inteligência, no Homem, são “estados” distintos de uma mesma realidade, cuja natureza a ciência ainda não conseguir identificar. Do mesmo modo como não temos ainda elementos seguros para sabermos exatamente o que há de comum entre matéria e energia. Faltantes dados, o mais acertado é, a par da atividade teimosa da pesquisa incessante, nada pronunciar a respeito.
Seria fazer construção metafísica, sacar, supor, substancializar, hipostasiar. Sem possibilidade de averiguação, de experimentação, sem os métodos próprios da segurança cognitiva, possível e maior — que é ciência do posto-no-mundo.[23] Atividade proveitosa essa? Poderá sê-lo, e poderá não o ser. Estaria porventura servindo, ou quiçá desservindo: à Religião, à Moral, às Artes, ao Direito, à Economia, à Política, à educação continuada do senso comum. Sem a riqueza da jetividade (geradora de conhecimentos em contacto incessante com a Natureza, mundo, Universo), o discurso racionalista também poderá ser atividade deturpadora e daninha, especulação criadora de ilusões, sem apoio no avanço no conhecimento em sentido estrito, de que estamos a cogitar aqui. O instinto-inteligência, o Homem [24], é também carente de precisão, exatidão e rigor nos resultados da sua busca de adaptação social às qüididades do mundo.

 Falamos da extração, e adiantamos algo sobre o uso do jeto. Voltemos um pouco e prossigamos. Tendo havido a atitude preensora, isto é, depois dela, a relação original ser-ser (jato-jato) já se converteu em sujeito-objeto. Ambos são concretudes (singularia) devidas aos trejeitos do Homem. Subjeto e objeto rigorosamente são determinações, apropriações do Homem. Não porém falsificações, porque num e noutro (no sub e no ob) está o jeto, ser tornado jeto pela entrada gravante no Homem, que o transforma sem deformar. Pelo fato de o jato se tornar jeto não deixou de ser jato. O jeto é o jato que está na relação com o Homem. Sabemos em geral do “ser” em decorrência do senti-lo originariamente: algo, fora do eu, em que, animais, nós esbarramos e acusamos com a sensibilidade esse encontro enraizadamente biológico. Daí o “s”, de sentir e não ainda o s da cópula, do verbo ser. Com o jeto já conseguimos um pouco mais. Pela ciência dos dias que passam já temos repetidas experienciações, cuja autoridade nos permite afirmar que no Universo toda  a nossa vivência é com “jorros de coisas”. Todo “fenômeno” (termo mais a gosto do nosso “eu filosófico”) nos aparece como algo a jorrar, e não como uma faticidade estática. Assim é no plano físico, como é também no plano psíquico. Significa isso que, embora o jato, em si, antes do fenômeno de ser em nós injetado é algo que, até o atual momento da história da experiência cognitiva do Homem, nos é dado em forma de um jorro, de um dinamismo complexo de “coisas”. Ele passa a jeto no interior sentido e orientação espírito sem perder, como tal, todas as suas características “extramentais” de jato.  Mantemos razão bastante para continuarmos de afirmá-lo. Tudo isso posto não nos seja ainda conhecido o ser em toda a sua completude exauriente. Não colhemos o jeto como algo-em-jato que fosse porventura um ente de todo em todo desvendado pelo nosso instrumental cognitivo. Esse instrumental consiste na atuação crítica dos resultados das ciências particulares todas, sem exceção, ou corte, ou seleção, ou preferência; sem tolher a livre disponibilidade do espírito. Mais: sem empecilho de quaisquer dados do mundo, por estranha que à tradição científica possa parecer.  Aliás, sequer podemos dizer que certe ente será sempre inesgotável. Seria entrar em construção metafísica. Esta se infiltra sempre em nós, e pode servir à vida. Não porém como conhecimento em sentido estrito, de que aqui cuidamos.[25]

 Mas a apropriação (jato tornado jeto, sem deformação inarredável), muito provavelmente não foi total. O Homem não esgotou o ser, o jeto; preendeu “parcela” dele. Pegou parte dele (o dado) e deixou partes sem pegar (o não injetado, ou injetado sem preensão). Logo, abstraiu: deixou de lado o que não pegou, e que possivelmente se injetara sem formação do seu engrama, sem gravar, sem “rasto”, sem entrar em relação, nem sensível nem intelectual. De modo que à raiz do ato de pensar já está a seletividade, em geral ditada pelo interesse que não pela pura indicatividade. Donde se tira como a racionalidade nasce em meio à irracionalidade. Embora o ato de conhecer seja o processo social de adaptação mais isento, mais indicativo, mais “racional”, não é possível havê-lo como assepticamente neutro. Tal não significa contudo que por esse processo não se possa chegar a grau ótimo de isenção — o alcançável, o tolerável para a vida no seu estágio atual, para a isenção humana possível.
A um exemplo. Se foi pela sensação do “verde”, que o sub não cheirou, abstraiu do cheiro: este não foi o ente selecionado, mas a cor, sim, foi. E também se cheirou mas não viu tudo quanto há de verde. Há verde mais claro, outro menos. Por mais que o sub veja aquele verde, não esgota todas as ondas luminosas desse cumprimento “verde”, que a coisa verde é capaz de irradiar no futuro. Viu o verde só em parte e, mais, sem lhe ter colhido o cheiro e outras “propriedades” que porventura estavam no jeto. Se também cheirou o perfume dado junto com o verde, não esgotou o que nele há por ser cheirado. Retirou do ser algo real (extrato, jeto) e deixou-o alojar-se em si, mas deixando provavelmente ainda muito dele fora de si.
Logo se vê que a preensão da sensibilidade (instinto), com a objetivação (e a ênfase posicional do eu), é abstraidora, é extratora por índole inapagável. Ao menos por ora, na evolução do Homem.
Agora o exemplo de “soberania”. Seja por vez primeira, seja em outras (pela memória), “soberania” atinge-me, toca-me, estimula-me. E logo a posso preender, em objetivação imediata. É supérfluo o recurso da conversio ad phantasmata. Não se precisa aqui de Aristóteles, que nesse ponto Santo Tomás seguiu sem introduzir correção.
Como seja algo que boto em tenazes (ob) e a que me ligo (sub-), resulta a relação eu-soberania (=sujeito-objeto). Está diante de mim a soberania concreta e singularizada, que posso considerar, examinar, experienciar aqui e agora. Soberania é preensível porque algo dela se me gravou. Injetou-se no sub. Ainda não sabemos bem até que ponto estará entrando a sensibilidade (o instinto) nessa experiência. Contudo até hoje temos de afirmar com os antigos – tudo, se está dentro da dimensão psíquica do Homem, passou antes pelos sentidos “de algum modo” (nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensibus). Por ora ainda não temos o jeto desse “algum modo” — ainda não o colhemos. A ciência avança. É possível que venhamos a apanhá-lo no futuro. Como é possível que no futuro possamos retificar o jeto de “inteligência” e “instinto”. Nosso “jeto” atual pode não ser o correto. Talvez tenhamos retirado o ob e o sub prematuramente. Antes de mais cuidadosa observação, do que seja um e outro jeto, e de nós próprios nos trejeitos de colhê-los.
Tira-se daí que ainda o mais abstrato jeto, ainda o jeto de pouquíssima densidade (“jeto fino” na expressão do pensador brasileiro [26]), contém realidades de alguma densidade, de alguma espessura. Não é ficção, não é só nome. Tal o caso dos jetos lógicos, os menos densos, os mais finos. Depois, mais espessos são os matemáticos, e, crescendo em espessura (ou complexidade de novos elementos contenutísticos, estruturais, ônticos), temos os jetos físicos; após os biológicos e por fim os sociológicos.[27]

13. Como do ob-jeto se extrai o jeto.

Daremos mais um passo. O Homem pode desmontar biopsicologicamente a atitude, endireitar-se do trejeito: o de avivar a posição antitética entre o jeto “soberania” e o jeto “eu”. Solta o sub (o eu), afastando-o da relação estabelecida, esquecendo-o, pondo-o entre parênteses. Livra-se, o quanto pode, da carga de si próprio. E solta o “soberania-coisa-minha”, isto é, o ob, a concretude posta como presa. Essa operação de desmontagem não prejudica a conquista do jeto. Esse trejeito é algo como o “esquecer por ora”, e em descritiva psicológica (e gráfica) é como a operação de meter entre parênteses. Ainda assim o sub reteve muito: ficou com parte do jeto apreendido do objeto. Ao libertá-lo das presilhas ob e sub reteve livre, o original de “soberania”. Alojado dentro de si — na sua personalidade (espaço do eu) e no mundo (espaço universal total de outros ob’s e de outros jetos) —, o jato tomou forma humana. É jeto, sem malferir o jato antes desconhecido, o ser antes encoberto, o real antes ignorado.  Não ascendeu para isso a outro mundo (transcendência), nem saltou para os lados (como Husserl), mas sim se esquivou a si próprio da relação (como algo já prescindível, abstraível) e livrou o ser “soberania” do esquema pessoal de preensão. Não alterou nada do ser “soberania”; apenas o libertou das escórias técnicas preensoras, de que se utilizara para achegar-se a ela. Colhendo-a com a extração, ficou com ela, efetiva, real, mas ao modo humano de extrair e de manter o extrato. O jeto não é todo o jato, mas o que se pôde dele extrair, por ter sido então dado. Opera-se a extração com o trejeito (ato, atitude do sub) de se liberá-lo das presilhas objetivadores (pôr entre parênteses o ob) e subjetivadoras (pôr entre parênteses o sub). Essa operação, para ser “perfeita” (nada além de “mais perfeita”!), tem de ser feita a seu tempo, isto é, quando já a observação da coisa (=do jeto) foi suficiente, e suficiente tenha sido também a posição observante do sub (=operação de atenção do sub em relação ao ob). Se prematuro o desarme posicional (ob e sub), a colheita ou extração do jeto fica carregada de escórias, mesclando-se os trejeitos ou técnicas preensivas, com a pureza do jeto. Donde confusões (de ob’s) e subjetividades passionais (alta infiltração do mundo subjetivo). Cai a jetividade do jeto, a essencialidade da coisa. As construções feitas com jeto tão imperfeitamente extraído (conceito e proposição no seu conjunto sistemático) são mais frágeis. Essa vulnerabilidade levará, com o tempo, a repetidas revisões (retificações) e mesmo à ruína de paradigmas.[28]  
13.1 — Tentativas do Homem de desfazer-se de restos pegajosos, de confusões de objetos e de colagens subjetivas.
Assiste-se quotidianamente a esse fenômeno de queima de escórias; as novas versões de doutrinas, as novas leituras de autores em voga, o rebuscamento tedioso de terminologias, a abundância gratuita de sinonímia, a insaciável busca de jetos cada vez mais refinados (multiplicação de categorias, e logo de categorias de categorias), no virtuosismo de elegâncias formais etc. Conteúdo há, todavia, é na sincera auto-correção que a cada passo vemos nos altos espíritos da cultura. De qualquer maneira, são provas de queima de escórias retiradas, do objeto e do sujeito, antes do tempo mais prudente para fazê-lo quando se colhem jetos.
13.2 — O jeto quando colhido com cautela e prudência
Entretanto esse jeto (que não só sujeito nem só objeto) lá permanece, mais puro, mais livre, mais ele próprio, no sujeito. Algo bem caracterizado em si próprio, que se pode denominar, como os antigos, de “essência”. Sem aquelas muletas de que precisei momentaneamente. Tenho agora “soberania” não como “coisa-em-si” (porque passou por mim deixando de ser em si), mas como qüididade de si mesma caracterizada, ou seja, sem tanta influência atual da preensão humana. Também eu continuo de existir, com “soberania” em mim. Nossa relação é agora a relação original, injetada e retida dentro de mim — a relação ser-ser. Continua o jeto “soberania” e continua o jeto eu. Algo há de comum entre o cognoscente e o conhecido, entre eu e soberania — é o jeto, a essência, o “universal”. São ambos reais, não meros nomes. E o segundo está dentro do primeiro. Não todo o jato de soberania no mundo, mas parte dele — o que ficou de “soberania aqui e agora” (ob) é a característica maior dela, o que a define, a sua qüididade. Ficou “soberania” sem os elos representados aqui pelo hífen (-) com o meu eu (sub), e sem confusão com outros objetos e jetos, que tenho dentro de mim, que são resultado da minha nutrição mental com o mundo real dos jetos. “Soberania” é real, é camada de jato do mundo, e não invenção minha. Os Estados da Terra exercitam-na em algum grau. Posso agora definir esses graus e formar o respectivo conceito. E formar proposições a respeito dela, em pensamento (mais) científico sobre soberania. As lições que tirar, e passar a outrem, serão cognitivamente mais seguras. Terei melhorado a esse respeito o meu processo social de adaptação cognitivo com a Natureza humana social (no Direito, por exemplo). E poderei, querendo, estar sendo um fautor social da mesma melhoria, com outrem.
Tudo porque tenho ali uma essência, um “universal”. Poderei reconhecer “soberania” na sua qüididade única quando a reencontrar no evolver do pensamento, em espécies iguais a ela, fora de mim, e mesmo (ainda mais refinada, mais geral, mais “pura”) quando a cotejar com cópia que eu faça dela própria, mentando-a (se nos permitem o verbo) dentro de mim próprio. Poderei proceder ao exame desta relação consciencial: “consciência de soberania”.
(Teremos oportunidade de ver de novo mais à frente que esse evolver do pensamento é o exercício do raciocínio, com o uso dos jetos. Aí já se está a colocar jetos no mundo real do pensamento, adequada ou inadequadamente, isto é, com acerto ou com erro, em proposição verdadeira ou em proposição falsa. Estar-se-á em processo social de adaptação do âmbito do conhecer (Ciência) ou, dentro dele mas perturbando  esse mesmo processo social de adaptação (desadaptação científica, erro, violência intelectual).

14. Apreensão ou tomada de consciência, intensidade a mais na geração do conhecimento.

Demos outro passo descritivo na gênese do conhecimento.
Bem, pois do jeto “verde” tive sensação, e do jeto “soberania” tive intelecção. De ambos extraí o essencial, segundo a cultura do meu tempo.
(Esta não elide aquela, mas está mais à frente na linha da evolução dos seres vivos conhecidos. O Homem conseguiu mais do que tinha quando era mais forte o instinto).
Ora, nesse rico operar, de sentir ou de entender, o jato pode se ter injetado no psiquismo, não porém a ponto de ele ser lido mais expressamente na operação de captar algo do jato (=jeto). Ou seja, pode ter sido antes de ele estar em relação viva de ver-se como ser vivo, como fonte — ao mesmo tempo influenciada e geradora da relação de sensação ou da de conhecimento. Mas pode o sub chegar a essa visão explícita de si, isto é, pode praticar a tomada de consciência (mais um ato do ser vivo). Pode ver-se transparentemente atravessado pela relação estudada (de sentir ou de entender), apanhando-se junto com ela. Isso ao tempo da extração, ou depois desta. Daí o acerto do étimo – per+capere (perceber). Tomar consciência ou perceber ou apreender (ad+prehendere) é um ver-se vivendo aquele momento – de sentir (“verde”) ou de entender (“soberania”). De modo que o jeto que já ficara gravado é agora registrado; a species impressa passa a species expressa, na terminologia escolástica.
(Sabe-se o quanto a Psicologia vem estudando essas diferenças entre o inconsciente e o mundo consciente, aquele mais obscuro e por vezes mais complexo, mais rico que esse).
Assim, o registro do jeto é mais um passo procedimental do Homem, ser vivo sentinte, ou cognoscente. A percepção confirma a gravação anterior, de que se tem clareza pelo fato mesmo de ser escrito pelo eu, pelo sub, pelo instinto-inteligência, confirmando a impressão inicial oriunda do estímulo. Mais intensa e firmemente o Homem anda em direção à composição vital, digamos, de jeto mais envolvente — o processo social de adaptação da ciência no qual se ajusta ao mundo por meio de noções seguras sobre o mundo e sobre si próprio nele. Já se vê que estamos num processo da natureza, jetos rodando pelo universo em expansão, iniciada quiçá há dez bilhões de anos [29].
15. Conceito e julgamento.

Mais um passo, o do conceito-e-juízo. Entre a lógica clássica (mais ligada ao senso comum) e a moderna lavra divergência: se é antes o conceito, ou se o primado é do juízo. A questão não nos interessa: é matéria interna da organização de classes de pensamentos. Ainda estamos a estudar a gênese da essência no Homem. A Psicologia mais se inclina para a hipótese de se produzirem simultaneamente, ou ao menos de haver a possibilidade biológica de serem simultâneos os conceitos e os juízos.
O pensamento forma-se com pedaços, com partes. São junção de jetos, a maioria dos quais vem envolta com outros, de mistura. Isso além da infiltração de elementos trazidos de trás; combinação de jetos colhidos antes e aí misturados, que são re-apresentações (=representações). Ou seja, no discorrer sobre os seres, os jetos como que perdem parte da sua “pureza” penosamente conseguida. Conseguida à custa de sacrifício do sub e da retirada de obs. Convertem-se todos, ou a maioria deles em expressão do espírito, em conceito. Donde se vê a relevância de os jetos serem colhidos com cuidado máximo (indução).
Mas, o que é o conceito? Insistamos. Ocupando-se de colher o funcionamento do psiquismo na obtenção de imagens e de idéias (pela sensação e pela intelecção), haverá o gnosiólogo de proceder como pesquisador da Natureza. Como faz o estudioso da nutrição, por exemplo. Qualquer inserção de doutrinas perturba. A grande segurança (apenas maior, não absolutamente segura segurança) está na descrição do fato (fenômeno, preferem alguns), segundo lhe possamos captar fases, passos, meneios, trejeitos, obtenções e produções. De novo: não há como entender o fato de entender (ou sentir) sem se levar em conta um dos elementos constituintes da relação – o cognoscente mesmo na intrincada operação psicobiossociológica de saber. Fora daí estará sendo sacrificado um dos componentes do fato examinado, objeto formal da gnosiologia: sujeito-objeto; é esta a relação exsurgida mercê do dedo do Homem (cercando o jeto e afirmando-se perante ele), posterior à relação originária posta, fática, terráquea, mundanal, “univérsica” – a relação entre jatos: ser-ser na Natureza.
Na extração do jeto nada mais opera a consciência (=espírito, sub-jeto) que afastar (como quem põe entre parênteses) a singular concretude do ob e a frisante afirmação de si própria e por fim afastar de si a própria memória de relação (saída do hífen sub-). Não produz, somente tira algo de si. Descobre o ob (jeto), renuncia ao sub (jeto), de tal modo que fique pairando apenas o jeto. Libertou-o, não o criou. Tal o caso de qualquer universal universalizável e de qualquer singular não universalizável. A classe dos primeiros é ilimitada; a dos segundos circunscreve-se na compactude concreta do universo curvo de A. Einstein (Rio de Janeiro, Corcovado, Santo Tomás de Aquino, Lua, planeta Terra, Paris, azul, vós, querer, muito, de, mas, oh! etc.). [30]
Os universais universalizáveis, esses são inúmeros, a rigor também finitos e ilimitados: livro, corpo, papel, computador, santo, verde, soberania, Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia, Ciência, Moda, espírito, imortal, hora, morte, medo, bom, digno, deuses, beleza, segurança extrínseca, poder, útil, saber, elegante, rápido, negacear, entre, atrás, depois de, todavia, coerente, maior que, massa, vital, embargos declaratórios, suspeição, venha agora, não estava lá, etc. Mas, note-se. Abstrato não é o mesmo que fictício, o mesmo que ens rationis qua tali. Todo jeto é e existe, ainda os mais finos — os jetos lógicos. Não há fundamento para dizerem-se reais (ente e existente) o livro e o cão, e irreais o “entre”, o “de”, o “acertadamente”, o “congruente”, a “classe de indefinidos”, o “venha agora”, o “(todavia) (que seriam um “sendo sem existir”). Todos eles estão na Natureza, no mundo, são dimensões efetivas dos jatos do Universo real, em que somos, nos movemos e existimos. No “vazio” entre galáxias há um “entre”, não uma ficção de espaço. No interior de “classe” há símbolos extraídos de experiência sensorial inicial; nada nos autoriza afirmar que a essência de “classe” (um jeto lógico), e o que “classe” abranja, contenha zero de ôntico, de jato real. Assim, também “classe” é e existe, salvo se entrarmos em petitio principii na argumentação. Se são dimensões efetivas de jato, jato são, que não fictio mentis.
Já o conceito é produção, diversamente do jeto, que resulta de extração (trejeito liberador do sub). O conceito é veste do jeto com que o jeto aparece (jainv, fenômeno), com que se exprime (premir ad extra), ainda quando descreve os jetos. O conceito é mais uma operação do cognoscente dentro da operação mais geral de gestação do conhecimento. É de notar-se o parentesco gestual, colhido na história da linguagem (no gesto primitivo que o étimo ainda revela), entre gerere (gerar) e gnoscere (ter notícia ou noção). Aludem ambos a gh--terra-mãe, a que é capaz de parir; é mesmo gesto da fêmea – que gemeu e (ainda geme) ao parir, no esforço ingente de expelir o feto. Ou seja, no conceito o jeto vem envolto com outros jetos, e com objetos, e elementos do sub, e grupos de jetos. Quadra frisar a situação: estamos diante de um trabalho da consciência, onde o conhecimento mais ainda pode ser vítima de misturas e de confusões, onde paixão e razão se entrecruzam, interesse de envolta com indicatividade.
Esse envoltório que de regra acompanha a externação dos jetos é um ato do sub (jato), uma produção sua (jato), um gesto (jato), um trejeito a mais (jato), com que vai gestando o seu peculiar processo de cum-gnoscere, de gerar em si uma crescente percepção do mundo, melhorando a vida em um dos processos sociais de adaptação – a Ciência. Donde as paixões (nelas as ideologias — jatos) que tornam impossível, ou quase impossível, a Ciência neutra, isto é, sem escórias de subjetividade e de misturas com objetos estranhos aos jetos procurados. Nem se pense que as ciências formadas por jetos mais simples, mais finos, menos espessos, menos complexos nas suas estruturas extra-subjetivas (lógica, matemática, física), isto é, as chamadas de exatas, sejam indenes a propensões dos pesquisadores. Os sistemas científicos, as imagens científicas do mundo, andam inçados de crenças, de gestos de confiança; e por vezes ruem em revoluções, se não corrigidas em tempo. A Ciência que temos é humana. [31]
No conceituar – ato biopsicológico –, opera o Homem com a junção desses pedaços ou conjuntos de jetos. Fá-lo na afirmação ou negação: a de um jeto relacionar-se com outro, ou outros, ou ainda o reverso. É o juízo ou julgamento (jugo, jungir, junto). Essa junção dá-se simultaneamente com a produção de conceitos, em que por bem dizer se infiltram juízos, na junção de jetos, separação de jetos, ou de objetos, ou de laivos conscienciais (subjetos).
                              
16. Proposições.

Agora a proposição. Ela é mais social ainda, digamos assim, que o conceito e que o juízo.  Assiste-se aí, isto é, na formação dela a mais um exercício (ato, atitude) do ser vivo empenhado em ir completando a sua entrada em relação de conhecimento, e em sair dela vencedor. Vence quando dá passo à frente no processo social de adaptação típico da Ciência. Quando consegue conhecimento mais seguro dos fatos, do mundo, da Natureza, do Universo. Vemos aí o exsurgir de mais um trejeito, dentre tantos outros de que suspeitamos, mas sem lhe termos obtido o jeto, e dos quais andam repletas as ciências particulares, biológicas. O espírito, o psiquismo (palavra genérica de que usamos por não sabermos definir aquele com precisão) anuncia, pronunciando-os, os sinais. Com eles vai compor frases, enunciados, proposições. [32] Voltaremos ao assunto mais abaixo.
De modo que proposição já é expressão de anterior expressão, ou seja, é externação da primeira explicitação, que foi feita na produção do conceito-e-juízo. O ser vivo vai se movimentando em direção a novas relações, desta vez relações em que socializa, pondo para fora (pro-posição), ao menos parte do que se passou na esfera interior do psiquismo (gravação de algo de jato, sujeito-objeto, jeto captado por extração, jeto envolto em conceito-e-juízo). Precisa de sinais (gestos, engramas, sons, ou outros quiçá) com que traduza, em nova forma, a forma íntima ainda não alcançada (ou mesmo inalcançável) por outrem. Por outra: a proposição destaca-se do sub, tornando-se independente dele, isto é, dos atos anteriores. E vai fixar-se em símbolos lingüísticos. [33]   
Nem tudo quanto conhecemos é por sinais verbais. Aproximamo-nos dos jetos por outros sinais, por captação imediata de jetos (=os jetos), e por como que rastos ou sombras deles. O que podemos saber do interior de outrem, diverso de nós, é por comparação do que experimentamos em nosso interior. Dada a similaridade, isto é, em face da regularidade externa de repetição de atitudes (trejeitos biopsicológicos) seguida da captação de jetos, etc., percebemos indícios (alguns sinais indicadores) tão veementes do outro, que o temos de conceber como igual (de altíssima semelhança) ao nosso sub. No fundo, fazemos ilações. Tão apoucado é o nosso conhecer. Mas ainda assim tão preciso, em muitos passos e pontos. A aplicação das ciências, nos seus inúmeros erros e também com os seus muitos acertos, é o ponto de contactação da colheita, por vezes indireta, com novos jetos, conceitos etc.
Pois eis aí a própria experimentação a confirmar, na realidade dos jetos ou seres, o quanto acertamos, ou erramos, na humildade da ciência humana. De modo que a colocação do jeto há de ser feita com as cautelas típicas do método indutivo-experimental. Certo, é impossível haver indução pura: traz o Homem consigo série complexa de crenças que influem na própria colheita do dado.
Assim, proposição já é mais uma expressão, jorrada ainda mais para fora da consciência, do eu cognoscente, do sub (ex-pressão). A species expressa, que já dera passo à frente da gravação inicial do estímulo (species impressa), serve como mais um modo de mostrar o registro feito na tomada de consciência ou percepção. A species foi veiculada no conceito com o seu complexo de formas. O homem, vimos, fizera no conceito o registro do jeto, a species do jeto, e metera-o provavelmente de cambulhada com outros jetos, sujeitos, objetos etc.

17. Os sinais ou símbolos de comunicação.

De jeito que também na proposição, quando já posta fora do sub, aparece uma mescla de jetos e de conceitos, sob a forma de sinais de comunicação, que são os símbolos. O estudo destes, sabe-se, ocupa hoje muitas prateleiras de bibliotecas por todo o mundo. Já é, todavia, estudo cujo tema é bem posterior ao da gnosiologia (=gênese do conhecimento). O sinal tradutor ou símbolo é sem possibilidade de ser compreendido sem ser visto junto a algum outro. [34]

18. Significado.
Significado ou sentido constitui-se em mais um produto do sub, que logicamente se tem de estudar depois da proposição. Isso a despeito de a produção biopsicossocial de imagens, jetos, conceitos, raciocínios e proposições operarem-se misturadamente[35]. Tem-se aí obra quase irracional, não houvesse a dar-lhe certa ordem o poder classificador do espírito (chamado ratio - nous - na filosofia clássica). [36] O resultado dessa operação é o campo da Lógica.[37]
Temos de advertir-nos, entretanto, contra a inclinação de confundir a ordenação em classes, quadros, kategoriai, com o processo geral de extração de jetos, produção de conceitos, armação de raciocínio, externação dos jetos e construção de proposições. É nesse processo mais complexo (mais amplo que a só ordenação), que está a gênese do conhecimento, arrancada do mundo e de si próprios, pelos inúmeros sub’s que viveram e vivem na Terra. E aí se situa, igualmente, o uso ou colocação das essências (=jetos) em sistemas de conhecimento.
O resultado é a história do Homem no processo social de adaptação típico, a que se chama ciência (scire, cortar, separar para logo extrair, retirar para si, ab-straindo, isto é, selecionando). O critério existencial (biopsiquicossocial) dela é diverso de outros critérios de vida, dos rumos seguidos pelos outros seis principais processos sociais de adaptação: Religião, Moral, Artes, Direito, Política e Economia. Todos eles, verdade seja, influem na Ciência, perturbando-lhe a maior (apenas maior) serenidade no ver o mundo. Isso de um lado, mas, de outro trazendo-lhe solidariamente clivagens por onde ela, ciência, pode colher jetos que só pela experienciação desses outros seis principais processos sociais de adaptação poderia colher. [38]
 Depois, é também somente nesses outros seis principais processos sociais de adaptação que a ciência vai poder conferir resultados, proceder a testes, fazer a contactação com o mundo (experimentação); é a Vida em abrangência muito maior que o só conhecer, nos como que infinitos casos de vivência científica, cujos jetos são essa riqueza imensa de Religião, Moral, Artes, Direito, Política e Economia. Aí neles também se infiltra existencialmente a Ciência. É a vivência humana na sua abrangência máxima hoje conhecida.
Pois o significado, o sentido, é conditio sine qua non para se ordenar logicamente o conhecimento. De significado somente se pode falar quando se fala de proposição, já que ela se forma com a sua combinação. [39] Vemos o poder cognitivo do jeto colhido, e dos conceitos produzidos (e juízos, e proposições) quando, a um jeto simbolizado na linguagem (ainda a gestual), juntamos outro. Sem a junção dar-se-ia o solipsismo dos jetos colhidos etc. Sem ao menos algum conjunto, reinaria a desorganização, o sem-sentido das coisas. Não haveria julgamento (logo, nem conceito, nem raciocínio, nem proposição, nem comunicação).  Não haveria conhecimento científico, que nada mais é, na sua humildade, que o conhecimento (mais) seguro (mais) preciso, (mais) exato. Mais seguro que o “conhecimento” das construções proposicionais filosóficas. Estas regalam-nos com a consolação de nos sentirmos possuidores de um mais alto saber. Configuram-se aí, contudo, saberes não falseáveis, inexperimentáveis, não testáveis. Constituem outro processo social de adaptação importante para a vida, do mesmo modo como é imprescindível a Religião para a vida real do Homem, que é social.
Agora, porque se não compusesse quadro de proposições, o Homem viveria às cegas (quiçá na cegueira típica dos outros animais alumiados pelo só instinto), ainda sendo tão escassa a fidelidade da tradução semiótica dos jetos etc., é somente com proposições – no estádio atual da civilização – que podemos construir nossa Ciência. No tocante ao instinto, verdade seja, ele já é muito. Não há extrair jeto sem ele. De outro lado, é muito pouco em face do que alcançamos pela via da inteligência, [40] a alongar-nos daqueles jatos irracionais da só sensação. Têm-nos, mas só como objetos, os animais brutos. São nossos companheiros de existência na geral relação de ser-ser, de jeto-jeto (melhor, de jato-jato), em que neste mundo co-somos. Incapazes são, contudo, pelo até hoje conhecido, de extraírem jetos, de raciocinarem, de manejarem “universais”, “essências”.

19. O jeto (“universal”) e o método indutivo-experimental.

 Na vida, na comum ou na científica, extraído o jeto, ele é inserível nas proposições, onde se lhe podem crescentemente esgotar as possibilidades de aplicação ao Universo (experimentação).[41]
19.1 — Indução
 Repetindo: em toda e qualquer classe de relações, do mais fino jeto da lógica até aos mais espessos (densos, ricos de complexidade) das relações sociológicas, pode ser extraído o jeto imediatamente, e não apenas do mundo sensível do instinto (que seria pressuposto de mediação, para se passar ao mundo intelectivo). De outro lado, em toda relação sociológica conhecida no Universo (na Terra, por ora), atuam efetivamente os fenômenos de jetos mais finos que os das relações sociais (vida, massa-energia, quantidade, correspondência). Não se tem conhecimento de relação sociológica sem fenômeno lógico-matemático, físico e biológico. Não se tem notícia de fato biológico sem o físico concomitante. Nem de sabe de proposição matemática sem jeto lógico de permeio. As relações sociológicas, em que estamos mergulhados são, além das de Ciência, as dos outros principais processos sociais de adaptação, a saber, Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia. De modo que no ato de conhecer o Homem está sob o influxo de poderosos jatos de todos esses espaços reais (nos sociais estão os físicos como os biológicos, frise-se uma vez mais). Logo se vê a extrema cautela de bem mirar o Homem o ob antes de metê-lo entre parênteses, e antes de soltar esses; do mesmo modo, enorme prudência haverá de acompanhar o trejeito, tanto de lançar a consciência no jeto para cercá-la (sub) como para soltá-lo dela. Esta operação é a operação da empiria. Tal experienciação, se tem bom êxito, autoriza a pura (mais pura) desocultação da essência da coisa (jeto). Nada mais nada menos que o processo de indução: um como deixar a flux o jeto, com segurança. Toda exatidão e precisão serão garantia (maior) de vitória. O rigor do trejeito é o prenúncio de bom (melhor) resultado na atitude de extração do jeto — o mais livre possível de escórias, que tenham sobrado do ato de preensão.
A experiência existencial de assim conhecer, raciocinando com o jeto ao depois, faz-se naturalmente pelo uso dos jetos, como se tenham extraído. O instinto-inteligência busca esgotar-lhe o conteúdo, exaurindo-o em todo tipo de aplicação: onde caiba e onde não cabe. Se não cabe, e ele mesmo assim é aplicado, haverá erro — o jeto é mal colocado, e fica acostado desajeitadamente a jato que lhe não corresponde. As proposições assim formadas contrariam a Natureza, as “realidades” extramentais, num como minúsculo acidente (violência entre jatos) ocorrido no Universo. Para se haverem proposições verdadeiras, mesmo com os jetos corretamente extraídos, torna-se indispensável submetê-los à dita contactação com as realidades — ou seja, por meio dos processos técnicos de experimentação.
19.2 — Experimentação
Quadra advertir-nos contra a acepção reducionista que o filósofo sói atribuir a essa atividade cognitiva – experimentação. Seria a mesma relacionada com a interpretação do seu conceito de “positivismo” na obra fundamental de Comte — nada mais que o sensorial poderia ser objeto de ciência e, pois, de experimentação. [42] A experimentação adquire, na ciência positiva, o conceito que merece: ela se faz diante do correspondente jato do mundo, indiferentemente da sua origem, de qualquer fonte do dado. Pode, logo, ser realidade de quaisquer dos processos sociais de adaptação. Jeto se extrai de toda e qualquer experiência existencial do Homem, e a qualquer delas contata para aferição de correspondência “ôntica” (=real, extramental, mundanal, univérsico, natural). Por exemplo: de Religião (sentido divino da vida, conversão, oração, infusão do Espírito, amor misericordioso, perdão etc.), Moral (justiça, dignidade, lealdade, humilde, corajoso, prudente etc.), Artes (sentimento estético, contraponto, plasticidade, beleza, harmonia de cores, equilíbrio, elegância de drible etc.), Direito (sistema jurídico, direito subjetivo, direito material, embargos de declaração etc.), Política (poder, Estado, soberania, partido, eleição, disputa por aprovação grupal etc.), Economia (útil, moeda, finanças, competitividade, produção, distribuição, consumo etc.), e Ciência (gnosiologia, empirismo, racionalismo, ciência positiva, método, maior que, átomo, quark, embrião, cavalo, instinto, jeto, processo social de adaptação etc.). 
Voltando à vida dos jetos no interior do espírito, aplicado ao mundo restante, é de mister avaliar a cada momento a correspondência do jeto colhido antes, examinando a estrutura do que está sendo empregado hic et nunc, ou que poderá sê-lo. Precisamente porque, a nosso ver, tanto se alteram continuamente os jatos da natureza dos demais ob’s e sub’s como a própria estrutura da consciência (mudanças no sub-jeito cognoscente) tanto por pressões internas (paixões, por exemplo) como também pelas exteriores (dados do Universo restante). Mostram-no a física, a biologia, a cosmologia. De modo que a segurança da ciência, no seu quadro típico de proposições, conseguimo-la modesta e arduamente mediante a pesquisa da confirmação experimental, vale dizer, pela volta às realidades, de que o jeto foi extraído. O seu uso, para ser confiável, há de encontrar na volta à experiência a sua confirmação (experiência, empiria no seu sentido ilimitado, a que aludimos há pouco). Ocorrendo a confirmação pelos testes, está feita a prova da validade do jeto. Se não, haverá de ser rejeitado. O método científico consiste nesse (a) começar pela empiria, (b) na generalização[43] (aliás, também podem aí aparecer grande número de ob-jetos e fortes elementos do próprio sub-jeto) e (c) na final confirmação desta pela volta à empiria (segundo a larguíssima conceituação trazida acima). Claro está: a confirmação lógica só pela lógica formal, ou a confirmação matemática pela só matemática (jetos muito finos) é insuficiente: tem de passar pelos demais “graus de ser” porque os dois primeiros contêm “material ôntico”, sim, mas de pouquíssima densidade. Confirmação de proposição verdadeira, feita de jetos finos, pode ser verdadeira ou falsa, fora do seu plano. Por seleção feita pelo sub, abstraem tais jetos de massa, vida, associação de indivíduos-em-relação.  Nem toda proposição lógica ou matemática é aplicável, é válida, fora dessas instâncias: na física, na biologia, na sociologia — se não receber nelas confirmação prestada pelas estruturas específicas desses respectivos espaços de energia (jetos de outra ordem).
19.3 — Algumas conclusões

Donde as conclusões seguintes: (a) é fundamental que os resultados de uma ciência sejam cotejados com os das outras; (b) nas chamadas ciências humanas as proposições (as jurídicas, por exemplo) somente recebem apoio sólido de consistência “ôntica” (do mundo extramental, dos jatos do Universo, da Natureza) se o estudioso se aproximar ao máximo possível dos resultados das ciências particulares; (c) a busca de amparo em doutrinas “filosóficas” não propicia confirmações confiáveis – nelas predominam as proposições racionalistas, talvez logicamente atraentes (pela finura dos seus jetos), mas sem contactação com a Natureza restante (de jetos mais espessos) por meios das conquistas havidas neste campo através das ciências particulares. [44]
Isso não quer dizer que os jetos mais espessos prescindam de confirmação com os de outros níveis de complexidade (densidade de relações). De modo nenhum. Ciência é livre disponibilidade de espírito. As baterias de testes serão tantas quantas as dúvidas exsurgidas do falseamento exijam. Pode valer-se o Homem dos expedientes e dos resultados de todas as ciências particulares a seu alcance. Nenhum apriorismo se pode admitir quanto a eventuais formas de conhecimento que possam ser descobertas no futuro.

20. “Invariante funcional”. De como talvez se tenha de acrescentar algo mais ao pensamento de Pontes de Miranda.

 Se nos voltamos aos dados da ciência atual, incluída a mecânica celeste, parece que a todo rigor tenhamos de dar razão em parte, parte mínima, verdade seja, aos velhos nominales. Porque o universal puro A (em tudo igual a outro A), isto não é nem existe senão por ficção. Assemelha-se a sua criação lógica ao “conceito” de “infinito”. É e ex-siste fora da criação artificiosa só o ato de biológico de extrapolação. Mas para dizer-se ex-sistente o infinito é de mister que ele encontre o jato correspondente no Universo; tal não se dá por ser finito o Universo, posto seja ilimitado. E o conceito de “ilimitado” é negativo: falta de obstáculo. Não-ob é nada. Nada não é. De modo que “infinito”, nos dados do Universo, dado não é. Não passa de palavra, de nome. A inteligência lhe monta aparência conceptual e lhe confere signo de expressividade. Pode ela tecer raciocínio com base em jetos (corretamente extraído ou incorretamente extraído), e juntá-los livremente sem consultar a natureza (experiência com os seus dados). A aceitação da construção depende dos testes feitos pela contactação com os jatos do Universo (experiência). Ora bem, pois “infinito existe”, ou há o universal puro, são proposições não-falseáveis, inexperimentáveis.
20.1 — Espaço-tempo-energia
Os jorros de matéria-energia formam a totalidade de Espaço-Tempo, a que indissoluvelmente se liga a Energia, esta conversível em matéria. O Homem de modo algum é um ser, um jato, estranho ao interior do Universo. [45] O assunto, escusa dizer, é por demais versado entre os especialistas. Já se ocupa do tema grande número de pessoas não especialistas.
20.2 — A energia social é de jeto muito assemelhado ao jeto da física
 Aliás, há algo mais, e de grande relevância, sobre a teoria da relatividade geral. É que Energia (=trabalho ou deslocamento de força[46]) não é somente a energia física. Energias, também as há sociais: cada um dos processos sociais de adaptação causa alteração, assim no interior do Homem como também no mundo físico em que vivemos, nos movemos e somos. Isso se dá incessantemente, em meio a processos sociais de critérios (energias) distintos entre si — Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência. Por outra: somos interior e exteriormente determinados em alto grau na seletividade dos próprios jatos injetados em nós. Tanto no mundo físico como no social (portanto ainda nas relações lógicas, matemáticas e biológicas), em todos esses verdadeiros “pedaços” de espaço-tempo-energia temos de falar em espaço-tempo-energia (e não somente mundo no físico). Em toda essa experiência humana, não há negar: encontramo-nos entre jatos de energia, da qual o Homem é parte integrante. Ou seja, a relatividade geral[47] é ainda mais geral do que cogitara A. Einstein[48]. Ainda: cada ser humano é um jato, jato humano sim, mas jato na Natureza.
Bem, pois aquela relatividade geral é, em verdade, generalíssima. As alterações incessantes do Universo em expansão também se passam no Homem (fora da consciência e dentro dela). Do mesmo modo, dentro do cérebro, instrumento indispensável do ato de pensar. [49] Esse particular e específico jato move-se no Universo em expansão, recebendo e emitindo energia de toda ordem[50]. Compõe-se de células, átomos, quarks. [51]
 Não se acaba de enxergar como esteja o cérebro escapo às leis físicas, segundo as quais há partículas que, umas se somam, outras se anulam, algumas têm a correspondente antipartícula, várias são virtuais, sendo que os antiquarks se movem à velocidade da luz. [52] A mecânica quântica, com os trabalhos de Heisemberg, Schrödinger e Paul Dirac, mostra que das partículas não sabemos (ao menos por ora) mais que estados quânticos (combinação de posição e velocidade). De jeito que o nosso conhecimento é, a rigor, todo ele apenas... estatístico. Não é mais que jato minúsculo do redemoinho cósmico. [53]    A Terra mesmo, onde estamos em redemoinho, já abrigou cerca de 50 bilhões de espécies — somos uma delas.[54] Nosso Sol gira em torno da Via Lactea, gastando muito da sua energia (4 milhões de toneladas por segundo), parte da qual nos atinge, e parte não. Nosso corpo (com o cérebro) forma-se de vários elementos mais pesados que o He, oriundos de estrelas que morreram antes de o Sol ser. Quer isso dizer que os ingredientes do nosso corpo “... were all fashioned in that unimaginable furnace”. [55] Assim, a extração primeva de jetos, havida pela sensação, é ato dos mais complexos do ser vivo (do Homem). Ocorre o jato de gravação engrama (species impressa) antes — ou pode ocorrer antes — da tomada de consciência (apreensão ou percepção). Esse ato muito tem de fato, ligado a eventos alheios ao ato humano. Dão-se aí jorros de energias. Está-se diante de jogo altamente multifário, numa como dança, complicadíssima para nosso entendimento atual[56]. Tem-se um jato entre jatos, cuja precisão inicial e posterior não passa de aproximação. Nem se nos esqueça que sobre determinado “ente” (digamos, sobre um elétron), é nenhuma a precisão quantitativa individual, por número fechado si. Só sabemos algo das partículas (que nos formam — a nós, sub, consciência!), por ondas de probabilidades[57]. Pois muitíssimos são os “elementos circunstanciais” (jatos) que nos modelam o sistema nervoso central, e cujos graus de densidade, ainda desconhecemos. Tal o caso dos neutrinos, dos raios cósmicos etc. (=radiações em campos, sobretudo nos eletromagnéticos, talvez policromáticos) [58]. Ainda que de radiação muito tênue, não é de bom alvitre ignorar alguma eficácia ao neutrino, que nos atravessa o cérebro a cada instante. Um próton contém cerca de 10 bilhões de neutrinos, por sua vez 100 mil vezes menores que o elétron. Nosso corpo mesmo os produz – 20 milhões por hora. De outro lado, eles invadem o nosso corpo – 100 bilhões a cada segundo. Provêm das usinas nucleares do Universo. O Sol os produz, em direção à Terra, aos trilhões por dia e destes apenas 35% nos alcançam. Atravessada a Terra, metade se perde depois, sendo de notar-se que também os R-x atravessam a matéria com grande diferença dos neutrinos: por poucos metros (aqueles por completo). Espera-se, em tecnologia, que venham a baratear a prospecção do petróleo. [59] Ora, acrescem as alterações efetivamente sofridas pelo sistema nervoso central do Homem em decorrência das influências (energia, produção de trabalho ou mudança) nos diversos espaços sociais. Como visto, além do sereno (mais sereno) processo da Ciência, temos outros de que os seis principais são Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia. Todos a provocarem alterações na atuação interior e na ação exterior do Homem.
 Diante desses fatos estamos autorizados a admitir que o ato de conhecimento (iniciado com a percepção ou tomada de consciência[60]), mesmo quando extraímos o jeto mais fino (como o lógico, ou o matemático), considerado num momento A, e logo exercitado no instante seguinte B, não é rigorosamente o mesmo. O jato em nós injetado, do qual extraímos o jeto, sofre alterações incessantes. Também as sofre o sub, com o cérebro em jorros de alteração interna.
Nem o jeto “livro”, ou “homem”, ou “mortal” etc., é o mesmo de um átimo de tempo atrás, no momento em que acabei de escrevê-los neste computador. O próprio jato já está em novo status posicional do Universo. Significa isto que o jeto (universal, essência) nunca pode ser, rigorosamente, o mesmo num e noutro momento da história do Homem no Universo.
20.3 — Imensa semelhança entre jetos não é, rigorosamente, identidade de jetos.

Toda mudança de expansão (contínua, aliás) do Universo implica em alterações em nós, em mudança nossa. Logo, um jeto liberto agora (extraído neste instante, neste átimo de tempo), quando o reencontro segundos depois, e é reconhecido pelo cérebro, já não é idêntico na sua estrutura. Ainda que praticamente desprezível para a “objetividade” do nosso conhecimento, por certo que alteração houve no mesmo cérebro, extrator do mesmo jeto. [61] Dois jatos não são idênticos, por mais que se assemelhem[62]. Do mesmo modo o cérebro: não é o mesmo de antes, quando colheu o mesmo jeto (ex: verde, soberania, Homem). Passou por alterações químicas e físicas entre um e outro átimo de tempo. O resultado da extração, posto seja da mais absoluta irrelevância prática (para os fins gerais da vida), essa mínima diferença, entre um e outro resultado da extração (o jeto verde agora, e o jeto verde em novo agora), decerto marca alguma diferença.
A conclusão: a ciência, também, claro está, quando se infiltra em qualquer outro processo social de adaptação, é sempre radicalmente aproximativa. Não constitui exceção, portanto, o pensamento metafísico (esta espécie de Religião nascida fora de lugar). Ao menos por ora, é-nos estranho o pensamento não-relacional. Também a precisão perfeita. Nossas construções não esgotam os seres (jatos). Todo tentame de ir ao trans-jeto é um filosofar. Obtém-se por esse meio um considerar, um admirar, um saborear, um contemplar, um introduzir criações artísticas na estrutura lógica do pensamento, um cultivar o ser (substancializado sem precisa autorização da Natureza), um entregar-se quase-romântico à consolatio animae (ou inversamente ao sentimento trágico da existência). No tocante aos elementos aí inseridos, porventura de cunho assemelhado ao conhecimento, a segurança é quase nula. Falta-lhes a possibilidade de submeter a testes as proposições formuladas. Portanto, são um pensar insusceptível de acareação analítica e crítica com as realidades. Os universais, os conceitos, os juízos, as proposições enfim assim formadas refogem ao falseamento. No plano da ciência (=do conhecer ancorado em realidades), subsistem por si (no mundo que o sub as instituiu com a sua arte ou a sua religiosidade), mas sem sentido para o mundo real experimentável da φυσις.
Aquelas proposições contêm, pois “universais”, “essências”, “jetos” que, ainda quando  corretamente extraídos de início, se deixaram mesclar de objetos insuficientemente examinados, ou  de escórias conscienciais levadas de roldão (sem crítica bastante da sua estrutura). Principalmente: injetaram-se nos respectivos conceitos (ou juízos) sub-posições, trans-posições, jorros sub-stantes, jatos hypo-stasiantes. Nessa operação plástica de ali se meterem criativamente esses sub-, trans-, hypo-, consiste o absurdo — aquilo que sai fora da Natureza, que extrapola fictamente do Universo, que se situa imaginariamente para além do mundo-aí-posto, que se afasta das realidades altamente extra-subjetivas do redemoinho geral do cosmos real[63]— é o mundo, meio artístico e meio religioso, característico do pensamento da φυσις.

20.4 — “Quod requiritur et sufficit” (o indispensável e o bastante para a ciência)
De altíssima, ineliminável serventia, é o jeto descoberto (o “universal”, a “essência” captada corretamente). A rigor, contudo, a sua invariância (a sua “identidade”, igualdade, ilimitada similitude para efeitos da vida do Homem na Terra) é funcional — presta um serviço indispensável à vida, correspondente à posição dele no mundo. [64]
No conjunto das complexas relações componentes do “cosmic whirlwind” (onde somos) nossos jetos são suficientes. A “identidade” de um em relação a outros possibilita um conhecimento tão extraordinariamente preciso das realidades, que podem ser tratados (tomadas as precauções de experienciação inicial e de experimental posterior), como a priori abstratos de indiscutivelmente igualdade. Requer-se, isso sim, enorme cautela do Homem na extração do jeto. Correta indução é indispensável.
Ou seja, a despeito de um jeto não ser senão semelhante a outro igual, isso é despiciendo para a vida, em qualquer dos seus processos sociais de adaptação. É-o também para a vida da ciência. Entanto, atente-se, nenhum conhecimento é capaz de ser absolutamente preciso. Nem tal é de mister para o Homem ser feliz. [65] Basta a ciência humana, cujo avanço aliás tem de comum com o Universo a nota de ser sem limites  certos. Nada sabemos, e, pois nada nos é lícito afirmar, sobre os conhecimentos humanos dentro de quinhentos anos, ou em dois milhões de anos. Daí por que seria arrojado, sem bases, o cientista que afirmasse que jamais teremos conhecimento sobre o absoluto, ou que é impossível exista a substância da filosofia clássica.

21. Modéstia do conhecimento humano.

Cumpre se tome com modéstia todo conhecimento, inclusive o científico (havido nas profundezas da positividade do mundo).  Essa modéstia deriva do reconhecimento da limitação radical da ciência humana — a que temos: nem sequer os nossos “universais” são precisamente iguais uns aos outros. Nossas construções, ainda as mais sublimes, ou abstratas, são aproximativas. [66] Mas nem por isso são despiciendas as construções metafísicas, para a vida humana. Ao contrário — por vezes podem ser aliadas indispensáveis das experiências religiosas, das considerações morais etc. Com isso a filosofia clássica e todo pensamento metafísico posterior (ainda hoje presente em centenas de livros), têm lugar na cultura. Os processos sociais de adaptação mais espirituais e mais estabilizadores (Religião, Moral, Artes), que em grau maior ou menor são espaço real, que todo Homem preenche em parte, lançam mão proveitosamente do pensamento filosófico tradicional.
 Nem parece possível esvaziar o pensar (fazer uso de jetos, exaurindo-os) de toda metafísica. Mais: muitos são os jetos que somente nos fornecem os seus dados através das válvulas dessas experiências humanas (Religião, Moral, Artes). [67] Quer isso dizer que é sem fundamento todo temor de haver ameaça de perecer a religiosidade, ou a moralidade etc. caso não salvarmos, em gnosiologia, as verdades-seres da filosofia tradicional. Nada fica abalado. Apenas cresce o grau de consciência do Homem no mundo, mormente com esta clarificação fundamental: não há falar-se em conhecimento stricto sensu senão na ciência positiva: o jeto do mundo, tomado na experienciação e aprovado na experimentação — este é um estar aí, um ser-aí, é algo a ex-sistere. É o posto-no-mundo, qualquer que seja a sua fonte, origem, natureza. E já se vê que positividade quase nada tem a ver com “positivismo”; melhor, é como que seu antípoda.
Nada de trágico fica com tal conceito de ciência. É, antes, gerador de otimismo e de esperança — mesmo no próprio interior das altas experiências místicas sadias. [68] Passa-se a mesma coisa com tratados morais ou estudos de artes; em todas as instâncias culturais, enfim.   De modo que o “invariante funcional” de Pontes de Miranda tem de ser tratado teorica e praticamente como uma hipótese de trabalho da mais alta confiabilidade. De tão insondável funcionalidade, que é desprezível até ao ridículo (ou até à loucura cética) qualquer dubitação sobre alguma suficientíssima e indispensabilíssima objetividade do conhecimento humano. Hemos de dizer o mesmo da sua altíssima importância para toda a vida humana.
A rigor, — note-se muito — o universal não é apenas um nome, a despeito de os nominalistas terem como que “farejado” um exagero no realismo dos metafísicos. Mas parece fora de dúvida que é só uma imensa aproximação, maravilhosa, indispensável para a adaptação geral do Homem, altissimamente funcional para toda a vida, a saber, para todos os processos sociais de adaptação. Fôra apenas nome, não estivesse carregado de “onticidade”, de verdade, e não se compreenderia que trouxesse o jeto tanto rigor, precisão e exatidão a todos os interesses do Homem, qualquer que seja o processo social de adaptação, dentro do qual se mova.  E naturalmente de modo algum se poderia excluir daí a ciência — estão à vista todos os resultados de que ela, modestamente humana, tem sido capaz.
O jeto, contrariando o sonho do filósofo tradicional, embora não encontre o seu idêntico, o seu absolutamente preciso correspondente (em decorrência do παντα ρει, hoje extraordinariamente mais rico que no tempo de Heráclito), em verdade topa a cada momento com o seu “igual”. A semelhança é tal que, na linguagem comum e no seu uso sadio, tem de ser tratado como se fosse idêntico. E permite a construção segura do conhecimento. Nesse sentido, assim definido, o jeto é real, as “essências” são reais, os universais correspondem efetivamente aos seres a que aludem. O conhecimento do Homem pode ser “objetivo”, ou seja, não é necessariamente uma invenção gratuita, nem uma congérie de nomes, ou o fruto de uma conveniência social, ou de uma convenção arbitrária.

22. De como o jeto, invariante funcional, não é nominalístico.

  Percebe-se que a filosofia do “Als ob”, diante dessa perspectiva, tem de ser saudada como verdadeira em muitas das suas proposições. Isso se interpretarmos o como se não com a suposição de o universal clássico ser uma ficção. Resvalaríamos em nominalismo contrário à experiência humana dos saberes. Contudo, se afirmarmos (a) que o “universal” (jeto) jamais é perfeitamente igual a si mesmo em duas oportunidades distintas, e (b) que devemos tratá-lo como tal em vista da imensa e superabundante semelhança de um jeto (“homem” neste instante) com outro, a que chamamos idêntico ou igual (“homem” neste instante seguinte), então sim, estaremos a tratar o jeto como se ele fôra efetivamente (na Natureza, de que mente e cérebro são “dimensões”) como se ele, repito, fôra igual, idêntico, a outro jeto de mesma característica inconfundível. Em verdade não há aquela total igualdade, ou identidade. [69] No entanto, é impossível pensar-se em ficção porque ele é tão veraz, para as necessidades humanas, que a finita mas ilimitadamente aproximável similitude entre jetos força o seu trato como se fossem seres inteiramente iguais.[70] Por outra: já que há na Natureza fundamento para esse tratamento, o jeto tem necessariamente consistência ontológica (extramental). Não se pode dizer sequer que não passa de um ens rationis cum fundamento in re. Ele é extração de res (jato, ente), as suas cópias em re-apresentação são resquícios de realidades. Dois jetos “iguais” correspondem a realidades (jatos) que, independentemente da operação da mente (trejeitos do sub ou consciência), exigem do instinto-inteligência o tratamento de identidade. Logo, a ciência humana pode corresponder ao mundo extramental. Bem colhidos os jetos, e bem colocados nos diversos sistemas de proposições, estarão a dar-nos noção muito precisa do mundo. Essa precisão pode crescer. Tal crescimento é o núcleo de um processo humano na Natureza: o processo social de adaptação da ciência.

23. O jeto, invariante funcional, não conduz ao ceticismo. [71]

Na visão teórica do mundo (como as de A. Einstein e Pontes de Miranda) e nas suas aplicações aos demais processos sociais de adaptação, o pensador adquire mais modéstia por ver alongado de si, homo scientificus, o absoluto dos conceitos. De outro lado cresce a confiança nas conquistas do instinto-inteligência. Confia o Homem na medida em que se comprova a extramentalidade efetiva de saberes postos em proposições gerais (afirmativas ou negativas), havidos com perspicácia de experienciação e cautelas de experimentação. Para realizar-se na dimensão científica (tão modesta e tão proveitosa para as outras, da vida), o Homem não somente pode prescindir da crença metafísica. Melhor lhe será (porque a metafísica pode empecer a gestação dos saberes indutivo-experimentais), melhor lhe será, digo, vigiá-la — submeter a testes, a processo de falseamento, qualquer proposição geral. E sabe-se não se conhecer Homem que não seja metafísico, e moral, e estético, e jurídico, e político, e econômico, e com alguma pitada de ciência.
Introduzido mais cuidado indutivo-experimental, nada a temer. Essa mentalidade indutivo-experimental nada exclui. Nela acha-se o espírito com alto grau de disponibilidade para quaisquer dados. Toda e qualquer experiência humana é aceita para entrar e ser vivida na atividade intelectual. Mas, todo resultado de elaboração é cuidadosamente gestado. Todo jeto, e conceito, e juízo, e proposição, há de ser posto à prova do falseamento no momento final da sua admissão ao mundo das proposições da ciência — a experimentação. Aí, sim, só entra o aprovado no teste de contactação com a Natureza, conhecida esta com a maior segurança possível (através das ciências particulares, todas). Não se cuide, contudo que, pelo fato de certa proposição não ser admitida, ela é tida pela ciência como impossível. Demos exemplos: “há a substância”, “um universal é inteiramente igual a outro extraído do mesmo modo e da mesma fonte”, “a existência de Deus pode ser demonstrada cientificamente”, “essência e existência distinguem-se entre si por distinção real (ou por distinção rationis cum fundamento in re”), “é e existe o não-relacional” etc. Sobre toda proposição não-falseável a ciência, na sua modéstia, apenas pode pronunciar um non liquet (não temos prova). Será impertinente o cientista que tudo refusar como tolice. Pelo processo social de adaptação da ciência o Homem avança sempre (embora em anfracturas, com involuções episódicas), de jeito que o “absurdo” de hoje, afirmado por outro processo social de adaptação pode, testado amanhã, vir a ser confirmado. Só pode ter alegria o Homem, por confiar à dignidade própria da sua modesta ciência, a confirmação ou não das suas experiência cognitivas, de toda ordem. Aí reside a tranqüilidade das certezas, a que almeja, por essa via específica, por esse processo social de adaptação. [72] Mas essa certeza só é conferível pela ciência (que não se atreve a negar realidade possível a proposições, que não são do seu campo). Sem razão os céticos.
Portanto, quando Religião, Moral, Artes, Direito, Política e Economia se enchem de dados do “mundo-aí-posto” (positividade, pensamento indutivo-experimental), mais felizes fazem os seres humanos. Sem descrença, sem pessimismo, desesperança, tragédia.
24. O jeto, invariante funcional, não conduz ao materialismo.

Pensadores católicos de envergadura reconhecida proclamam sem rebuços toda a dificuldade que há, em se obter com clareza a efetiva diferença entre espírito e matéria. Exemplo é o jesuíta K. Rahner.  O Homem tal qual é, escreve ele — eis ponto em que a teologia tem de auscultar as ciências. Leia-se-lhe na obra abaixo indicada as seguintes proposições, em síntese: (1) é possível que espírito e matéria sejam dimensões de uma mesma realidade (Primeira Parte, item 2); — (2) a criação do espírito bem pode ter sido apenas um estágio da própria evolução da vida animal (Terceira Parte, item 3, e item 4, letras a) e b).[73] São expressões que encontram ressonância em espíritos de gênio. Consciência, de que temos jeto seguro, não é explicável pelas sós leis da física. O conceito filosófico clássico de substância, este é materializante, ao negar onticidade às relações. O materialismo dialético, que reduz as realidades todas a satélites das utilidades econômicas, é contrariado pela psicanálise (e por muitas experiências místicas). Materialismo é doutrina, não ciência. [74] Reconhece-se estarem as comunidades científicas firmadas em verdadeiras crenças – como nos paradigmas. É notável a limitação do pensamento. [75]
Assim é que em verdade sabemos muito pouco de quase nada. Ainda assim sabemos algo — algo imprescindível para a própria vida. Não há por onde negar-se o jato “espírito”, bem ao modo como o estimam ver caracterizado os filósofos clássicos (alguns deles são aliás materialistas...). E nada nos autoriza a explicar crenças, de qualquer tipo, pela só massa do mundo físico.

25. O jeto, invariante funcional não implica “positivismo”.

Dissemos que positividade quase nada tem a ver com “positivismo” tal como o apresenta grande número de autores. E, vejamos.
25.1 — Concepções de “positivismo”.
1) Segundo o Padre L. Franca[76] o “positivismo” é em verdade um rótulo. A posição é a mesma do sensismo materialista. Para ele somente o sensível é real, e a ciência positiva. Conduz ao agnosticismo e ao materialismo, sobre ser uma como filosofia sem princípio Erra ao negar a cognoscibilidade da coisa em si e a objetividade da metafísica (p.187-191).
2) No ver de Hirschberger[77], no positivismo estaria limitada a extração do jeto apenas ao mundo sensível, sempre temporalizado. A religião passa a ser substituída pela ciência (p. 315). O neo-positivismo restringe o seu método à análise lógica da linguagem (p. 396). Entanto, os instrumentos analíticos e críticos do neo-positivismo superam a sensismo do positivismo originário – o que lhe torna viável a volta à metafísica (p. 397).
3) De acordo com Brugger[78] o positivismo limita, na visão de Comte, todo conhecimento confiável à mera descrição dos fatos e à sua legalidade, sendo que a filosofia não pode passar daí. Somente as experiências sensoriais são por nós imediatamente apreensíveis.
4) Diz Blackburn[79] que o positivismo comteano é versão do empirismo tradicional: todo conhecimento não vai além de descrições sensoriais (p. 294). Já E. Mach, o próprio A. Einstein reconhece muito dever-lhe, e mesmo a Hume, na sua formação intelectual (p. 226).
5) No ver de Überweg, [80] o principal pensador do positivismo alemão foi Laas, que remete a Protágoras (p. 378). De qualquer maneira, nesse autor nota-se a contrariedade ao apriorismo racionalista de raízes platônicas (p. 380). Estreita correlação entre sujeito e objeto. Contínua variabilidade dos objetos, incluído aí o Eu, de modo que o conceito é o agente de uma projeção do Eu. Todo conhecimento é apenas transformação de percepções sensoriais (p. 381). Não há fundamento para se buscarem princípios absolutos, quais os pretendidos pelo racionalismo trilhado por Aristóteles, Spinoza, Wolff, Kant, Fichte, Schelling, Rousseau (p. 381). Quanto à ética, independe ela da religião, e se faz com a evolução (p. 382). [81]
25.2 — O que é positividade

Linhas atrás dizíamos que positividade é como que o antípoda do positivismo. [82] Euryalo Cannabrava traça[83] características da positividade que bem se aproximam da derivada do jeto extraído ao modo dito, com a mentalidade indutivo-experimental.
25.2.1 — Características

Na física a observação do fenômeno o altera em parte (Heisemberg), e inexiste razão para ser tudo diferente na psicologia e nas ciências de jeto mais espesso, que são as sociais (no fato social entram necessariamente elementos biológicos, logo também físicos, logo também matemáticos, logo também lógicos). Impossível colher esses jetos com precisão e rigor sem o recurso das ciências particulares — todas, sem exclusão. Nas descrições quânticas falta o contínuo dos clássicos e o estudo das causas já não se pode hoje fazer sem as leis de probabilidade. Essas confirmações atuais das ciências “naturais” (quais não o são?) deixam o pensamento metafísico tradicional (de Aristóteles ao mais jovem entusiasta da ontologia) em situação de difíceis respostas — se forem porventura possíveis. Neste ponto, sim, como o positivismo, interpretado como reducionista, a ciência positiva nega à metafísica o caráter de conhecimento em sentido estrito: sistema de proposições com êxito perante a experimentação dos fatos de mesma ordem (não apenas dos sensíveis!); diante da refutabilidade, portanto.
Não se acaba de encontrar fundamento para dispensar, na colocação de qualquer jeto no universo das proposições, a fase inicial de empiria (dedutividade mínima no exato, preciso e rigoroso exame dos dados). Toda “Wesenschau” compreensiva, que se obstine na tomada de consciência dos processos naturais, que renuncie à observação custosa dos eventos, é gratuita. Pode acertar um tanto por acaso, porque no fundo o pensador se ajudou inconscientemente das ciências. Bem, pois então ao serem colocados os jetos no correr do pensamento (raciocínio), acrescentamos, será de mister volte o instinto-inteligência aos jatos da Natureza. O êxito está (mais) assegurado se feito com a mão dada às ciências particulares — qualquer que seja a sua fonte na Natureza — e não pura e simplesmente tudo reduzindo ao dado sensível. Esse, segundo alguns (já o vimos), seria próprio do positivismo comteano.
A ciência é espaço social. Dá-se no tempo e tem eficácia de energia típica. Sua fonte biológica é a curiosidade espontânea. Seu impulso é o “ver” como as coisas são, com o mínimo de intervenções pessoais. Bem por isso, acrescente-se, é processo social de adaptação cuja característica maior é a indicatividade (mais) pura, (mais) neutra, dizemos nós. [84] Sem razão o filósofo em afirmar a filosofia como um saber stricto sensu, em vez de contemplação e refinado lazer intelectual, acrescentamos – e de largo proveito social, como afirmamos linhas acima. E que, sem dúvida, pode mesmo em casos especiais, conter altos graus de interconexão com o Universo: nestes casos aproximou-se na ciência e afastou-se do método racionalista (mais) puro. Os processos intuitivos da filosofia (racionalismo, mesmo o intuicionista), com a sua presumida infalibilidade (que dispensa a indução de proposição feita de jetos extraídos com rigor) não se expõe metodicamente à falseabilidade. [85] Renuncia à disciplina da auto-correção, tão própria da ciência positiva. Acha-se ínsito nessa mentalidade (filosofia no sentido clássico, de Aristóteles aos mais modernos) o descarte da técnica de investigação e, hemos de acrescentar, dos recursos da confirmação experimental de qualquer natureza que seja a fonte do jeto correspondente. Importa-se a ciência positiva com todo dado possível de ser colhido de quaisquer que sejam os objetos. Logo: na ciência positiva nada é excluído a priori.
25.2.2 — Novamente a questão do método.
A função do método das ciências (conhecimento positivo), diz Cannabra, “... é confirmar o contexto de hipóteses, indicando as condições empíricas que devem satisfazer para se tornarem verdadeiras” [86] A proposição universal (se bem colocado o jeto, dizemos nós), é lei. Absoluta e definitiva, não. Confiável, até que se prove o contrário, sim, “apoiada em evidências relevantes”. [87]
Positivismo, interpretado ao modo da maioria dos pensadores, é doutrina apriorística, reducionista. Entretanto, o jeto de uso na ciência positiva é o retirado a toda e qualquer realidade (jato), não importa de que ordem seja. Interessam ao Homem todos os processos sociais de adaptação, de que os sete mais importantes recolhem os grandes “valores” do Homem — Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência. Cada um desses espaços sociais leva, no espaço-tempo, a sua energia específica (Pontes de Miranda). Aí está o Homem, no Universo. Nenhum jeto extraído na clivagem dessas vivências humanas, e percebidas pela consciência, é estranho à ciência jetiva (se nos permitem o neologismo ponteano). De todo esse material vai ela tratar, porque lhe interesse num ou noutro momento. Não seria essa a propensão positivística. Os expedientes de cata de dados e da sua verificação confirmatória diante das realidades da Natureza, não importa quais sejam eles — se com apego a certo e determinado método ou contra ele[88] — é essa a perspectiva da ciência positiva. Serão todos os meios disponíveis. Sem apriorismo de preferência, ou de tradição. Mas a positividade conta, isto sim, necessariamente, com a prudência: imensa cautela na extração de jetos, enorme cuidado nas generalizações, extrema atenção no verificar se as proposições têm o respaldo da Natureza. Tudo isso com o máximo de rigor, de exatidão e de precisão possíveis, isto é, pela conferência com tantos resultados quantos forem os dados. E sem cogitação de completude ou de perfeição. Seu fito é modesto — todo esforço para errar o menos possível.
Quer isso dizer que a ciência positiva cuida do real, do posto na Natureza, do mundo não (quase) puramente imaginário, de todo ser-aí. Não se basta redutivamente só com a lógica, ou com a matemática, ou com a física, ou com a biologia (nesta a psicologia). Pesquisa as relações sociais, que são parte da mesma Natureza. Ou seja, o método da ciência positiva é indutivo e experimental. Colhe jetos e forma com eles proposições gerais. Não se basta com elas, em sistema isolado. Cuida de testar-lhe a consistência “ôntica” em face dos jetos dos demais sistemas de conhecimento. É a fase das incessantes experimentações. Voltamos a insistir: vivemos em meio a semelhanças grandíssimas. São elas que autorizam a construção da ciência, modesta e maravilhosa, que podemos edificar com base nas realidades extramentais. A posição mental de tentar o saber exaustivo, aspirar a manter domínio intelectual totalizante do Universo, essa é mentalidade estranha à modéstia da ciência. Fica ao sabor de ousadias filosofantes, a despeito da sua aspiração: a de pretender que o conteúdo das suas conclusões sirvam de fundamento à própria ciência. Formam o racionalismo — suas construções são em grandíssima parte gratuitas, fundadas só no senso comum ou na física infantil (como em Aristóteles). Ora bem, há argumentos convincentes de F. Capra: [89] a simetria encontrada na natureza tal como experienciada pelo senso comum, é a simetria grega de perfeição e de formas. Com base nessa física ingênua é que, no fundo, se construiu a metafísica, a partir de Aristóteles.
Em verdade a simetria existente na “natureza-das-coisas” é a simetria da imagem refletida, ou seja, é a dinâmica das mudanças de jatos contrapostos de energia (pág. 193). Ou seja, a simetria helênica é uma aproximação, uma simplificação antropomórfica, cuja fonte é alguma necessidade humana de redução estética dos objetos (pág. 194). O senso comum não está preparado para a concepção do ínfimo na natureza; o conceito depende em parte das próprias categorias mentais do homem, de modo que as propriedades da partícula têm necessariamente de ser interpretadas como construção parcial da própria estrutura cognoscitiva do aparato mental do homem (pág. 207). Logo se vê que, mesmo no processo social de adaptação científica, a formação de proposições é também ela apenas aproximativa (ver pág. 215).
Vale dizer: não se pode o homem fiar das intuições racionalistas e afirmar como científico o raciocínio tecido com os correspondentes (universais, conceitos, juízos, proposições, signos e significados).
De modo algum se pode desprezar qualquer postura, também a intuição de tipo filosófico, de que se sirva o homem nos contactos com jatos. O que se requer é cautela na extração do jeto e na colocação deste de volta ao mundo extra-subjetivo; é a contactação pela prova da experiência (aproximadamente neste sentido, o mesmo autor nas págs. 226-229).
E, como em todo outro processo social de adaptação, ao pensamento racionalista (como na meditação metafísica) salvam os momentos em tenha trilhado os caminhos difíceis (mas compensadores) de primeiro atingir o grau máximo de observação, de induzir depois algumas proposições gerais, e por fim de todas elas conferir novamente com os fatos — com os dados da Natureza.
26. Jetos prudentemente colhidos e cuidadosamente colhidos. Rápidas aplicações à ciência do direito.

Apliquemos um pouco da extração do jeto, e do seu uso, à ciência positiva do Direito[90], segundo os pressupostos estudados até aqui.
26.1 — Em geral

1) Os símbolos lingüísticos em que se formulam as regras do direito são necessariamente incompletos, lacunosos; extração do jeto que vai formar conceitos, juízos e proposições, de modo que em tanto será mais proveitoso o resultado em quanto os jetos tiverem sido colhidos com as cautelas de exatidão, precisão e rigor. Depois, no uso (exaustão dos jetos) toda prudência é recomendável para que qualquer jeto não se desgarre do fenômeno jurídico igual (retorno aos jatos iguais, ou de conteúdo altamente parecido). Isto quer dizer que não se pode ter idéia precisa de “direito” somente com normas, nem somente com uso da lógica. De um lado a fase empírica não é bastante; no extremo oposto, é de resultados simplistas o caminho racionalista, tão cheio de generalidades elegantes, com tão vasto prurido de categorias em cascata. Admira-se-lhe por vezes o virtuosismo, mas tem-se de lhe vituperar o desconforto diante das realidades. Tal se percebe na prática quotidiana. Assim aparece na exegese de regras jurídicas, na interpretação das cinco classes de fato jurídico, na aplicação do direito — aliando a sua segurança típica com a realização possível de uma justiça melhor (mais de acordo com a natureza das coisas).
2) Para se achar o sentido e a orientação de uma certa regra jurídica, é indispensável: (a) obter algo do seu histórico e da origem dos respectivos símbolos lingüísticos (presença efetiva no Universo) e, mais, (b) conferir a adequação do fio histórico com o momento presente do suporte fático (“caso concreto”).
3) É impossível uma aplicação correta (= a com máximo de tolerabilidade para o Homem, jato social-real), sem esforço por se obter o máximo de precisão, exatidão e rigor: tanto na análise do conteúdo da regra como da contextura dos mutantes suportes fáticos (jatos).
4) Toda precisão obtida na leitura de princípios e normas passará necessariamente por uma revisão diante do caso concreto; o acerto na aplicação do direito objetivo aos outros fatos do mundo leva consigo, de modo indispensável, um mínimo de aequitas. Na eqüidade, inerente a todo uso de jeto (como na aplicação da regra jurídica) é inafastável do instinto-inteligência a inserção de regras jurídicas não-escritas. Quer isso dizer que tanto a exegese como a aplicação (colheita de jeto e uso de jeto) é sempre algo também constitutivo. Para que se evite a anomia de um lado e de outro se diminua a imposição arbitrária do aplicador, a discussão passa para o mundo das demais ciências.
5) No intuito de a exegese (colheita de jeto jurídico) e a aplicação (uso de jeto jurídico) serem corretas (altamente toleráveis para a natureza humana), exige-se o máximo esforço de prudência, em que toda insegurança só é superada pelo Homem mediante o emprego da capacidade analítica e crítica, valendo-se o intérprete dos resultados das demais ciências. Certo, os resultados são sempre corrigíveis, e muitos serão até mesmo alteráveis. Tudo depende, porém, da revelação de novos dados — que reparem os dados anteriores ou rendam convicção de os anteriores deverem ser substituídos — substituindo-se os elementos ideológicos (sub) e a confusão de dados (ob’s) pela pureza (maior) dos jetos.
6) É sem razão o pingo de ceticismo que se vê, indistintamente, em acadêmicos e em cultores práticos do Direito, quando suas proposições levam no seu bojo, ao menos implícita, a desconfiança das conquistas efetivas da ciência positiva do Direito. [91]
7) Aplicação (mais) perfeita de uma norma só pode ser uma única, jamais múltipla. A luta por localizar esta única aplicação (mais) perfeita resume todo o esforço científico do intérprete. O fato de havê-la encontrado é por certo, como em tudo, um momento de convicção. É contrário à vida, contudo, renunciar a uma convicção, mesmo eventualmente provisória, sem dados em sentido contrário. Vai contra a Natureza, implica em violência, já que a ciência (feita de exatidão, precisão e rigor) é a ciência humana. [92]
8) É insuficiente, em qualquer conhecimento, ficar o instinto-inteligência apenas com a vaga largueza do “logos del razonable”. Este intelectualismo é como se alguém lesse a Natureza como locus (quase) exclusivo da razão. Ora, os jatos são de variada natureza, com exigências de muita ordem. O que se diria melhor seria: ciência humana com conhecimentos acumulados até ao grau máximo do tolerável por ela própria, sendo tribunal da tolerabilidade o conjunto de dados hauridos das ciências particulares. [93]  Para o cientista o que lhe importa é construir um sistema de proposições que não consiga mudar sem dados novos, embora sempre aberto a novos dados. Em vez de “razonable”, o “mais toleravelmente aceitável”, segundo a empiria e a confirmação experimental, qualquer que seja sua fonte. 
9) Em todo ato psíquico do instinto-inteligência há algo de reflexividade. Com maioria de razão nos atos estruturados na busca da confirmação experimental. Nela é que se faz, repetidamente, à cata de firmeza de convicção, a conferência do conteúdo simbólico da norma abstrata com a estrutura dos jatos extramentais da Natureza, a que se tem de voltar com rigor, exatidão e precisão. É possível desmistificar a ciência do direito, retirando-a do ocultismo dos “especialistas em genelaridades”. A consulta às ciências particulares: eis um momento cognitivo em que se desoculta positiva ou negativamente, eventual elemento faltante para a precisão do jeto, em sua estrutura certa, determinada, precisa, exata e rigorosa. [94]
 Toda a segurança na investigação e nos seus resultados fica à formação de convicções perante as ciências. Daí por que é indispensável a volta aos trabalhos que deram início ao “freies Recht”. Falamos da interpretação livre do direito. Sem contradição: livre em termos precisos, a saber, segundo os dados rigorosos das ciências particulares...
Afora, aliás, o caso estranho do profissional literalista, em verdade a grande maioria tenta-o inconscientemente, em nome do “bom senso”; portanto sem levar expressamente a discussão para o tribunal das ciências particulares. [95] Aqui a reflexão se permeia de ceticismo “democrático”, numa espécie de vale-tudo. Todas as conclusões seriam “válidas”, tudo ou quase tudo a depender do enfoque (subjetivo?).
Não assim com a interpretação cientificamente livre. Aqui a segurança se aliaria à precisão e à difusão da ciência jurídica para os cidadãos, com possibilidade de controle participativo por parte de muita gente do Povo. Os dados das ciências estão ao alcance de qualquer um, bastando-lhe o preparo cultural mínimo.
10) Para além de poder o jurista trabalhar com categorias, e categorias de categorias, e jetos finos de jetos mais finos — numa soltura vertiginosa de qüididades lógico-formais, em raciocínios de brilhantismo admirável —, cumpre antes ao pensador estar atento a que seus “universais” (jetos) podem, através dos cuidados indutivos, ser hauridos com (mais) exatidão, rigor e precisão. Depois, com estas mesmas características, as idéias assim bem recortadas, podem ser mentalmente controladas perante a (maior) solidez da contactação com a Natureza (aí está o conteúdo mesmo da experimentação).

26.2 — Exemplificações [96]

1) É possível conhecimento científico positivo sobre a diferença, teórica e prática entre “contestação” em procedimento comum e embargos à execução por título extrajudicial ou à execução de sentença.
2) É possível saber, em ciência positiva do direito, com certeza (humana) verdadeira, quando uma coisa julgada formal é também coisa julgada material.
3) É possível conhecimento científico positivo a respeito da carga (eficácia preponderante) de qualquer ação de direito material, a que se seguem as demais eficácias — de alto interesse prático.
4) É possível obter-se a definição de “soberania” segundo o direito.
5) Pode-se traçar com precisão o conjunto de linhas definidoras da função das regras jurídicas de sobredireito.
6) Podemos conseguir a definição precisa (jeto) de embargos de declaração, e o seu alcance, se ocorreu omissão de parte fundamental do julgado.
7) Etc. etc. etc.

27. Síntese. Conclusões.

Temos de pensar como seres situados no Universo tal como no-los revela a cosmologia atual. Nele o tempo de permanência de um ser na sua identidade individual está intrinsecamente ligado ao espaço no qual ele e as demais energias — todos em expansão —, se movem incessantemente. No fundo assoma o ser, qualquer ser, é um jato em meios a outros jatos.
Quando qualquer jato entra de permeio conosco, que somos seres de permeio a outros seres (jatos em “dança” no redemoinho geral do Universo), ele se nos injeta. O jato recebido, quando deixa sinal, necessariamente recebe em si um jato novo, que é a parte da nossa (relativa) individualidade estrutural. Pode o nosso sub-jeito então objetivá-lo.
Depois é capaz de soltá-lo das atitudes formadas pela técnica de “segurá-lo” como algo diante de mim (ob-jeto) posto em face de mim (sub), que também sou capaz de prescindir da própria referência de sua ligação comigo, e minha com ele. O jeto (sem os véus de ob-, de sub- e de -) é revelado. Fica (quase) puro o jeto. Torna-se irreferenciado, atemporalizado e anespacializado.
Essa situação não corresponde a resultado ilusório, porque o jeto é momento-real-comum: é mundo extramental e sou eu. Fundiram-se, nesse jeto, o sujeito e o objeto, o jeto eu e o jeto não-eu. O atemporal que ficara extraído dentro do Homem, tem “validade” de geral (mesmo sendo singular), “validade” fundada no geral obtido — é um “universal”, uma “essência”. Não é nome, e sim forma humana do correspondente jato do mundo real.
Os jetos colhíveis (extraíveis), aliás, não são apenas os correspondentes a substantivos e adjetivos. Temos jetos de pronomes, verbos, advérbios, preposição, conjunção e de jatos não pronunciados (gestos, sentimentos).
Jetos, há-os extremante finos (lógicos) e os há de maior espessura. A espessura maior, conhecida, são os sociológicos onde os principais são os das instâncias mais relevantes da vida social — os dos processos sociais de adaptação: Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência. 
Os jetos que o filósofo usa, como o cientista social (do campo da política, da economia, do direito, da moral, da religião etc.), para serem seguros na própria elaboração do pensamento, e na linguagem, ou se confia nos revelados pelas ciências particulares no seu imenso capital de conquistas especializadas, ou se corre risco de estarmos a edificar construções mentais e simbólicas estruturadas por generalidades. Estas são formadas em meio a complexo de jetos finos, conceitos finos, juízos finos, raciocínios finos, proposições (quase) vazias de realidade extramental. Em conseqüência é radical a deficiência na conquista de valores-verdade, desde o começo.
O Homem de cultura, seja o pensador comum, seja o de vocação especial para a atividade intelectual, haverá de estar atento às conquistas das ciências particulares para rever incessantemente os resultados das suas elucubrações. Se não, ou estiola pelo envelhecimento, ou terá de se ocupar continuadamente em demolir as suas próprias construções, queimando as escórias de obs e de subs.
Crenças, não há eliminá-las, no estagio atual da civilização. O crescimento da confiança é, porém fundado na Natureza desde que nasça e se nutra de experiências positivas (confirmadoras) sobre repetidos e testados modos-de-ser, notavelmente semelhantes, dos jetos. Para isso haverá de, disciplinando-se, estimar o instrumental e o referencial dos resultados das ciências particulares.
 Daí a base de confiabilidade para se afirmar certa estrutura como conforme à natureza das coisas, e base para se comporem proposições sobre o comportamento dos jetos – leis da Natureza, que, rigorosamente, são todas elas estatísticas.
Papel crescente parece reservado à filosofia da ciência, ao se ocupar de revelar como se podem, ou não se podem, jungir jetos de uma ciência com os de outras. Função depuradora que a todos auxilia nas suas investigações, cujo desaguadouro ineliminável é o quadro de cosmovisão (mais) segura sobre os seres – para o Homem enquanto sujeito e objeto de processo social de adaptação ineliminável como os outros: a ciência. Aí prevalece o método dos saberes (mais) precisos, (mais) exatos e (mais) seguros sobre o mundo, a sociedade, as coisas, a vida.
Tal se busca conseguir, humanamente (modesta e convictamente), pela abertura ilimitada a toda fonte de jatos do Universo, em tentativa continuada de pesquisar sem exclusão, sem filiação obediente a escolas, sem apego a doutrinas. Tudo com extrema cautela na extração de jetos e imensa prudência em lhes testar a consistência por conferência com as realidades, com o auxílio dos resultados de quaisquer fontes de conhecimento, confiáveis (jetos aprovados em testes de falseabilidade). É correntio afirmarmos ser conveniente em certa pesquisa o estudo multidisciplinar da matéria (referência a doutrinas); quiçá mais preciso e prático será fazer com que a investigação seja multi-real, vale dizer, multi-jetiva: buscarmos realidades e não idéias vazias (=muito vazias) de conteúdo, tudo submetendo à experimentação, nos dados já aprovados nas ciências particulares — os jetos, os conceitos, os juízos e as proposições, com que trabalhamos.
Não se confunde Ciência com positivismo pelo fato de ela ser cautelosa com precisão, exatidão, rigor de exame dos happenings, eventos, fatos, jetos recebidos da Natureza. Mostra, antes, notável delicadeza em pastorear o ser, cuidando de não malferi-lo com arrogâncias, como seria o impor-lhe sub-posições, hipo-estasiações, trans-scendências, concepção de uma μετά+φύσις desenhada por extrapolação meio mágica de “jetos” desconhecidos. A hipótese teórica, aceita sem prova, o mesmo é que passar sobre seres desconhecidos, atropelando-os sem autorização dos seres mesmos. Esta μετά+φύσις é aqui a ocupação com o que está na fantasia, para além do mundo real, fora do ex-sistente.
O que é jato do mundo está aí, é ser-aí, é algo a ex-sistere, é o posto-no-mundo. Eis o positivo. É o campo da positividade, de que, porém, nem tudo se nos dá de um golpe, na acrobacia ou na magia do racionalismo, ainda o mal disfarçado em neo-realismo ou outros tipos doutrinários.
Ciência positiva é busca penosa de jetos, (quase) sem doutrinas inçadas de apriorismos, de conceitos prematuramente admitidos no quadro do conhecimento. Ser científica uma proposição nada mais significa que uma tentativa do Homem de ser cognitivamente mais fiel ao mundo pelo gerar com ele, e nele, algo mais dele.
Não tem sentido falar-se em ciência pura, neutra. Não seria humana porque seria sem sujeito cognoscente. Entanto, quanto mais intrincada for uma questão, tanto mais razão há para se tentar solvê-la pelos métodos da ciência. Maior é o proveito para os interesses humanos, para o atendimento das necessidades humanas em termos de (maior) acerto com a natureza das coisas ou de respeito aos seres, aos entes, à vida.
Enganamo-nos como metafísicos e como lógicos se esvaziarmos de vida o ato com que se conhece. Corrigir-nos-emos na medida em observarmos os limites das leis inabluíveis da biologia, impostas às experiências culturais do Homem (entre elas a experiência cognitiva).
Sabemos muito pouco de quase nada. Não obstante, é possível ao Homem substituir o drama pelo esforço, o pessimismo romântico pela confiança nas conquistas do instinto-inteligência, a elegância dos dizeres pela serenidade da educação científica — quando a questão seja  “saber e dizer o que a coisa é”.

 

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*(Santos, 21 de junho de 2010).



[1] As principais obras filosóficas desse autor são: Garra, mão e dedo. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1953; Meditações Anti-cartesianas. Revista Brasileira de Filosofia [do Instituto Brasileiro de Filosofia]. São Paulo: Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, v. XXXI, nº 121, jan./mar., 1981, p. 3-13; O problema fundamental do conhecimento. 2a ed. Rio: Forense, 1972; Por que filosofar?  (Revista Brasileira de Filosofia, v. XIII, fasc. 52, 1963 – p. 471-495); Vorstellung vom Raume. Atti del V Congresso Internazionale di filosofia. Napoli, 1925; Espaço, tempo, matéria (um dos problemas filosóficos da relatividade generalizada). Rio de Janeiro, O Jornal, 6-05-1925. Outras há, verdade seja, mas que ele preferia classificar de “literárias”: A sabedoria dos instintos. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, p. 9–140, 1960;  A sabedoria da inteligência. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, p. 147–221, 1960; O sábio e o artista. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, p. 227–264, 1960;  Epiküre der Weisheit. 2. Aufflage. München: Griff-Verlag, 1973. Outra obra em que insere estudos filosóficos, tratando da ciência do direito, é Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed. 4 v. Rio de Janeiro: Borsói, 1972.
Sobre a pessoa desse autor, e em geral sobre suas obras, cfr. a seguinte relação (incompleta): ANÔNIMO.  Outorgado o título de professor honorário ao Dr. Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo: s.e., v. 64, nº 2, p. 381-392, 1967; BARROS, Humberto Gomes de. Pontes de Miranda – o direito como ciência positiva. In: Revista Verbis. s.l.: s.e., ago. 1997; BEVILÁQUA, Clóvis;  SORIANO NETO. Dois discursos sôbre um jurista (1923-1955). Rio de Janeiro: Borsoi, 1956; BRAZIL, Americano do. A cultura brasileira e a politica scientifica. Rio de Janeiro: J. R. dos Santos, ed., 1923; BROSSARD, Paulo. Pontes de Miranda (Discurso proferido na Sessão de 17 de abril de 1980 do Senado Federal). Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1980, p. 3-9; DANTAS, San Tiago. Visita a Pontes de Miranda. Revista As Novidades Literárias. Rio de Janeiro: ano 1, nº 4: 3-8, ago. 1930; Editorial de “O Jornal do Brasil”. Falecimento de Pontes de Miranda. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru (PE). Caruaru: Companhia Editora de Pernambuco, ano XXIII, n.º 17, p.113-118, 1986; FLORIANO, Raul. Pontes de Miranda – o intelectual e o homem. In: Revista dos Tribunais (Notas e Comentários). São Paulo: RT, nº 457, p. 281-288, nov. 1973; KOSOVSKI, Ester. A última entrevista de Pontes de Miranda. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru (PE). Caruaru: Companhia Editora de Pernambuco, ano XXIII, n.º 17, p.106-112, 1986; LELLI, Marcello. Sociologia e scienze sociali in Pontes de Miranda. In: CARCATERRA, Gaetano (coord.) et alli. Scienza giuridica e scienze sociali in Brasile: Pontes de Miranda. Padova: Cedam, 1989, p. 110-123; LIMONGI, Dante Braz. O projeto político de Pontes de Miranda: estado e democracia na obra de Pontes de Miranda. Rio de Janeiro: Renovar, 1998; LIVRARIA SÃO JOSÉ (Homenagem). Pontes de Miranda – pequena biobibliografia comemorativa do seu 80.º aniversário. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1972; MENEZES, Djacir. Pontes de Miranda. Versão espanhola de Tomás Muñoz Molina. México: Fondo de Cultura Economica, 1946; MONTELLO, Josué. Mestre Pontes de Miranda. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru (PE). Caruaru: Companhia Editora de Pernambuco, ano XXIII, n.º 17, p.93- 97, 1986; MOREIRA, Virgílio Moretzsohn. Pontes de Miranda. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru (PE). Caruaru: Companhia Editora de Pernambuco, ano XXIII, n.º 17, p.99-105, 1986; OLIVEIRA, Mozar Costa de. “Centenário do nascimento de Pontes de Miranda (Conferência proferida para o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo e no Instituto dos Advogados de São Paulo)”. Ribeirão Preto: Associação Paulista dos Magistrados, 1994 (p. 1-17); Centenário do nascimento de Pontes de Miranda (Conferência para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo – 29.4.92 – repetida no “Instituto dos Advogados de São Paulo” em 21-10-92). Ribeirão Preto: Associação Paulista de Magistrados, 1994; O conceito de “lei” na metafísica e na ciência positiva do Direito. (Santo Tomás de Aquino e Pontes de Miranda)”. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 1983, 149 p.; Paixão, razão e natureza: investigação sobre o discurso normativo. Tese de doutorado. São Paulo: USP, 1988, 234 p.; Pontes de Miranda, gênio e sábio. In: Revista da Faculdade de Direito de Caruaru (PE). Caruaru: Companhia Editora de Pernambuco, ano XXIII, n.º 17, p.31-45, 1986; Pontes de Miranda: uma vida pelo Direito. In: Revista do Centro de Ciências Jurídicas, Econômicas e Administrativas – UFSM-RS. Santa Maria: v. 2, nº 2: p. 111-121, jul./dez. 1976; Positivismo e ciência – escorço histórico, dos pré-socráticos a Pontes de Miranda. In: Leopoldianum. Santos, nº 20, p. 19-34, 1980; Solidarismo técnico ( um Estado de “fins precisos”, segundo Pontes de Miranda). No prelo.PINTO FERREIRA, Luiz. Discurso na medalha-mérito Pontes de Miranda. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru (PE). Caruaru: Companhia Editora de Pernambuco, ano XXIII, n.º 17, p. 53-71, 1986; Prefácio ao livro “Garra, mão e dedo” {de Pontes de Miranda}. Revista da Faculdade de Direito de Caruaru (PE). Caruaru: Companhia Editora de Pernambuco, ano XXIII, n.º 17, p. 85-91, 1986; PORTO CARRERO, J. P. Método de análise sociopsicológica, do professor Dr. Pontes de Miranda. Rio de Janeiro: tese apresentada no 3º Congresso de Neurologia, Psiquiatria e Medicina Legal. jun. 1929 (datilografado); RAMALHO, Thales. Pontes de Miranda (discurso proferido na sessão da Câmara dos Deputados, de 4 de junho de 1970). Brasília: Departamento de Imprensa Nacional, 1970, p. 3-12; REALE, Miguel. Pontes de Miranda na cultura brasileira. In: Revista Brasileira de Filosofia. São Paulo: Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, v. XXX, fasc. 117: 3-17, jan./mar. 1980; SILVA, Justino Adriano Farias da. Sobre Pontes de Miranda. Separata de Estudos Jurídicos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. s.l.: ano XII, vol. IX, nº 26: p. 23-36, 1979; TANAKA, Kotaro. Pontes de Miranda, um talento de grande valor. Trad. T. Kikkawa. Jornal Yomiuri Shimbun. Tóquio, 20-2-1940, 2 p. (fotocópia da tradução).


[2] Vide Calder, 1982, pp. 101 a 102.

[3]  Falamos em “jatos” porque em verdade o mundo se expanda em porções, aliás em ondas de probabilidades (Einstein e Infeld, 1980, pp. 230 a 321). Jatos: a própria energia é granular, e não apenas a matéria. Elas são conversíveis. É este o nosso mundo  (Iidem, ibidem, p. 237). Se formos à história do termo, à cata do étimo, veremos que iactus (de iacio) se enraíza no aoristo ‘ˇh( de ‘ˇihmi que é lançar, atirar, fazer jorro. Vide Latin-English Dictionary, 1976, p. 317 e Yarza, 1972, p. 679. Donde a conveniência em aludirmos a jato para indicarmos os seres reais, do mundo, da Natureza, do Universo (incluídos nós, Homens com os nossos atos.
Na grafia do Grego, seja nas notas de rodapé como no texto principal, não logramos encontrar  na relação de símbolos do computador,  para  o lugar certo, os acentos devidos (longo, corônide, aspirado, agudo, grave). Assim, ora tentamos aproximação ora desprezamos o acento.   

[4] Positividade é o posto, dissemos. Não há confundi-la sequer com fisicalismo ou cientismo, no sentido de os jetos mais espessos da sociologia (exemplo: ação de direito material), serem explicáveis pelos jetos mais finos, menos complexos, que são os relativos a massa. (Vide, neste sentido com razão Ziman, 1991, 30). Mas o mesmo autor mostra, com sete exemplos que os jetos mais finos da matemática são indispensáveis à extração de jetos físicos (mais espessos) – pp. 28 a 29. De um lado, verdade seja, a fisicalização, a matematização e a logicização dos jetos sociológicos, assim tomados sem a observação típica de jeto mais espesso (exemplo: soberania), seria simplificação enganosa. Tal o que se passa com a redução do estudo do direito ao plano da Lógica. Mas, a consideração dos jetos mais espessos como “portadores” de jetos mais finos, é indispensável para a construção de visão mais segura do mundo, sem reducionismo criticado com razão pelo mesmo Ziman, 1991, p, 184-186. A experiência comprova-o. Pense-se na aplicação da Lógica e da Matemática à Economia (planos) e à Política (pesquisa de opinião). Outra coisa muito diversa é pensar não estarem os jetos físicos inseridos nos sociológicos (o Homem seria sem massa: nem matéria e nem energia...). De modo que seria erro pensar poderem as leis físicas ser desconsideradas no estudo das relações dos outros processos sociais de adaptação, ou seja,  Religião, Moral, Artes, Direito, Política e Economia. Mais abaixo volveres a todos estes temas.

[5]  Sobre o Universo (=mundo) em expansão, vide, entre outros, Hawking, 1988, pp. 126 a 131.

[6] Vide Pontes de Miranda, 1980, pp. 82 a 97 e 1983, pp. 24 a 59.

[7] As galáxias colidem entre si, como se viu em 22 meses de observação no Hubble, entre os anos de 1995 e 1996, de modo que “... the universe .... is stranger then we can suppose” [ When galaxies collide. In: Newsweek, 03-11-97, p. 47].

[8] Hawking, 1988, pp. 121 a 149.

[9]  A galáxia M87 está distante da “nossa” cerca de 50 milhões de anos-luz, de que se afasta a 1720km/s. Seu núcleo é de massa cinco bilhões de vezes maior que a do Sol; é a mais poderosa fonte emissora de Rx, fora da Via Lactea. Vide  Calder, 1982, pp. 3 a 5.

[10] Vide  Calder, 1982, pp. 5 a 6.

[11] CAPRA, Fritjof. O tao da física: um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental. Trad. José Fernandes Dias. São Paulo: Cultrix, 1983.

[12] Adiantando algo do que será abaixo mais desenvolvido, somos de opinião que essa circunstância mostra, pela comprovação experimental, que o conhecimento humano pode não ser “subjetivo”(ilusório): o homem é capaz de construir proposições aproximadamente corretas sobre a natureza-das-coisas. Até mesmo no mundo das partículas, de tão reconhecida dificuldade para o observador. Segundo o autor a partícula só pode mesmo ser dotada de estrutura pois, a não ser assim, deixaria de ser detectável, sem possibilidade de ser objeto para o observador (pág 204). Não seria possível, dizemos, que de outro modo ela deixasse no observador a sua species impressa — Ver infra.

[13] A obra principal, de que pouco conseguimos discordar — indicaremos os pontos de discordância  ou acréscimos —  é PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. O problema fundamental do conhecimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.

[14] Na interpretação de Hacker, in Mason, 1995, p. 150, a própria estrutura lógica é produto da linguagem; a essência das coisas seria determinada pela gramática, na concepção do filósofo vienense. Não parece acertado o dito. Nem na asserção do expositor nem na idéia atribuída a Wittgenstein.

[15] Relação é e existe, se são existentes ao menos dois termos (Whitehead e Russell, 1976,  p. 228).

[16] Entre inúmeros estudos continuamente produzidos sobre a sensação, vide  Schrödinger, 1995, pp. 153 a 164.

[17]  Tudo isso é quase somente descritivo – um acompanhar, observando e registrando, esse obscuro ato do ser vivo no seu processo de conhecer. Vide Pontes de Miranda, 1972, pp. 22 a 24, 54, 72, 104, 131, e 1953, pp. 5 a 17. Para uma rápida visão de conteúdo desta segunda obra, vide Pinto Ferreira,1986, pp. 85 a 91.

[18] Nesse sentido a obra de Humberto Maturana, “Cognição, ciência e vida cotidiana” (ed. UFMG) traz no seu bojo passagens muito próximas aos trabalhos de Pontes de Miranda. Vejam-se idéias contidas nesse trabalho em Folha de São Paulo,14.07.2001, Jornal de Resenha, pág. 3 (por Maria E. Q. González).
[19] Assim, o conhecimento científico da Natureza é social, e no ato de conhecer dá-se algo de auto-conhecer-se. Ver a esse respeito (no mesmo sentido de Pontes de Miranda), em estilo literário, Santos, 1986, pp. 16 a 20 e 23 a 25.

[20] O jeto em Pontes de Miranda é no sentido de ele estar no objeto, e na mesma estrada percorrida por Avicenna e Santo Tomás (enquanto esteve distante de Aristóteles). Contra: Vaz, in Franca, 1969, pp. 343 a 373, para quem a obra de Pontes de Miranda representa “um esforço de eliminação do racional que está na base da relação sujeito-objeto, e pode definir-se como um nominalismo crítico” (p. 353).

[21] Libertação do jeto ou retirada dos parênteses ou extração do jeto. A mentes nutridas no inegável racionalismo da filosofia clássica, amantes da metafísica, incomoda esse tipo de descrição, tão insosso. Soa-lhe a jogo gramatical infecundo; seria no máximo um neo-positivismo de vôo baixo. Sua compatibilidade com a Religião seria porventura impensável. Não nos parece fundado esse temor. Na operação da consciência, em cuja  descrição Pontes de Miranda se esmerou durante anos,  o sub não se nega. A consciência continua de ser o que é. Apenas se esconde, em atitude de abnegação. Abnegar para ter mais, ter algo sito mais alto do que o nível em que está o sub naquele momento histórico no qual se está a rojar pelo Universo. Este rojar-se é o jato do ser humano na história. Também no espaço social mais tipificado pela Religião essa operação parece ter sentido. Como em Moral e em tudo mais. Na Religião podemos dar como exemplo a passagem de Paulo, na I Cor., cap. 13, v. 12; fala do amor final, da vida em outra dimensão, futura e definitiva. O conhecimento já não será em espelho disforme (di’  iesoptrou en ainigmati) — ou seja com escórias de subjetividade e de oposições de outros seres (jatos) —. Mas sim na relação imediata jeto-jeto, num liberto e direto face a face (prosvpon pros prosvpon). Porque  nosso conhecimento atual é aos pedaços (ek merous), mas depois conheceremos como estaremos sendo conhecidos (kaqvs kai epegnvsqhn), isto é, de maneira total, absoluta. Esta não é experiência desta vida, pela ciência: hoje nossa atividade cognoscitiva é um contínuo botar sub e ob, e um continuado retirar sub e ob. Além disso, para termos (mais) certeza, temos incessantemente que estarmos a conferir, testar, fazer a experimentação — voltando a conhecer mais claramente o que se passou com a consciência e com os muitos objetos com que nos deparamos, no ato mesmo de conhecer. Impertinente o “cientista” que, como tal, viesse a negar a possibilidade de vida depois da morte, como a anuncia o Apóstolo.

[22] Está aí  ponto em que não é de mister concordar com Santo Tomás. Para ele, como para Aristóteles, o universal tem de ser multiplicável: unum et idem habeat habitudinem ad multa (S.Theol., I, 85, 3, ad 1). Assim, sem o intellectus agens, a operar sobre a imagem sensível, não seria possível o conhecimento dos singularia (S.Theol., I, 83, 3, ad 3). Sobre a concepção da dualidade matéria-forma (=hilemorfismo) no aqüinatense,  vide  Manser, 1949, pp. 645 a 696. Exposição mais pormenorizada da concepção gnosiológica em Santo Tomás, expusemo-la em nosso O conceito de Lei na metafísica e na ciência positiva do direito (Santo Tomás de Aquino e Pontes de Miranda),  dissertação de mestrado (USP, biblioteca de teses, 1985).

[23] Linhas abaixo estaremos discorrendo sobre o nenhum perigo materialista nesta concepção descritiva da extração de jeto (essência, universal).

[24] Sobre “instinto” e “inteligência” o brasileiro Pontes de Miranda escreveu duas obras: duas de juventude, que são A sabedoria dos instintos. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960,  A sabedoria da inteligência. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960 (ambas vertidas por ele ao alemão e publicadas na Alemanha — in Epiküre der Weisheit. 2. Aufflage. München: Griff-Verlag, 1973, pp. 5 a 108 e 109 a 168, respectivamente). Por fim, com especificidade do tema, temos Garra, mão e dedo. São Paulo: Martins, 1953, 149. p.
[25] Sobre o assunto vide Reale, 1983, pp. 124 a 169 e, nosso, O pensamento conjetural em Miguel Reale, em Lafer e Ferraz Jr., 1992, pp. 109 a 118. 

[26] Problema fundamental do conhecimento, p. 174 ss. e 221 ss.

[27]  Seria a matemática igual à lógica, segundo Russel, 1960, p. 185. Para Russell haveria jeto físico que não se pode colher sem o correspondente jeto matemático (a terminologia que vimos empregando não é dele). Tal o caso por exemplo, diz, de “energia” (Russell, 1989, p. 145).
É  verdade sim, mas somente quando introduzimos o jeto matemático na lógica... Aí o tema é de uso do jeto, não da sua extração. Antes, na extração do jeto lógico não se precisa do jeto matemático. Na extração do jeto lógico leva-se em conta apenas  “classe" (gênero e espécie, ou “relação de identidade”,  “relação de diversidade”). Não se precisa do cálculo nessa extração.

[28] Vide  o clássico Kuhn, 1996, pp. 92 a 135.

[29] Hawking,1988, pp. 129 a 131.

[30] Note-se como o jeto colhido por Einstein, da curvatura do espaço-tempo (em que também somos e estamos, sujeitos às mesmas leis características), fez dessubjetivar em grande parte as percepções dos observadores, generalizando assim ainda mais o jeto físico, abrindo espaço para a colheita mais precisa de jetos conhecidos, e de novos. Vide Russell, 1989, p. 26.

[31] Quando algum paradigma tem êxito (por exemplo, o da teoria pura do direito em Kelsen), a comunidade acadêmica rejeita explicações ou descobertas revolucionárias, que lhe ameacem a perseverança. Um dos métodos para afastar a insegurança gerada pela novidade revolucionária é de algum modo desacreditá-la. Tal bem pode ocorrer durante a própria formação do conceito, ou na seleção de objeto e na extração mesma do jeto, se feita  prematuramente. Vide (Feyerabend, in Morgenbesser, 1971, p. 249).

[32] Os símbolos não são de todo arbitrários. Antes, hão de ter alguma semelhança com a coisa simbolizada (é o “Wigggenstein’s principle”, segundo Whitehead e Russell, 1976, p. 406).
Pôr símbolo é enunciar sinal, cuja origem, pensamos é o trejeito ou atitude do gesto biológico. Razão para se atender cuidadosamente à etimologia como instrumento de revelação da história de jetos e conceitos no domínio e no campo de todas proposições científicas feitas de palavra.

[33] Como fica o objeto na relação? – indagam Whitehead e Russell. Como os termos são definidos por outros, dizem, é de mister começar pelo indefinível, ou seja, pelo mais simples e fácil (Whitehead e Russell,  1976, p. 91).
Tal o que o Homem tem de fazer, pensamos, pelo trejeito da objetivação (técnica do ob); sem ele a simplificação é impossível. Está como que amarrado ao ob e ao sub. Entanto, esse mais simples não precisa de ser necessariamente o jeto lógico (o mais fino, o menos espesso). A simplificação maior está na correção maior, com que se extrai o jeto. Jeto (mais) espesso pode ser extraído com alto grau de precisão. Este é o critério de simplicidade maior. O jeto mais fino (como o jeto lógico) pode ser vítima de inadequada extração – e já não será o “mais simples”, porque andará intrincado com escórias de sub e de ob.

[34] Para um estudo recente de semiótica no campo do Direito, no Brasil, ver HIRVONEN, Ari; DUPRET, Baudouin; JACKSON, Bernard et al. 13º Colóquio Internacional da Internacional Association for the Semiotics of Law: Direito Oficial, Contracultura e Semiótica do Direito. São Paulo: USP, 18 a 21 de agosto de 1997, 637 páginas (em forma de apostila).

[35] Contra os pressupostos sociobiológicos de E. O. Wilson, de parte de R. Rorty, v. a resenha  “Contra a unidade: o filósofo Richard Rorty critica as idéias sociobiológicas de  E. O. Wilson” , in Jornal Folha de S. Paulo [Caderno Mais]. São Paulo, 22-3-2000, pp. 7 a 8.

[36] Significação acha-se pelo seu uso na linguagem (Wittgenstein, 1996, p. 46).

[37] Domínio e campo são técnicas do Homem, ainda mesmo na busca de sentido para os jetos lógicos (Whitehead e Russell, 1976, p. 247).

[38] Sobre o conceito de adaptação no ato de conhecer, segundo  J. Piaget (muito próximo ao de Pontes de Miranda), vide Furth, 1974, pp. 193 a 220,  com texto do próprio Piaget nas pp. 221 a 231 (tirado de Biologie et connaissance. Paris:Gallimard, 1967, pp. 413 a 423).

[39] Segundo Wittgenstein, achado o significado, ele pode receber nome. Se for porém absurdo (o sem sentido, a alusão a ele é mero flatus vocis, só “palavra”). Pensamos ser este o sentido do trecho do item 39 de WITTGENSTEIN na citada obra (Investigações filosóficas, número 39, p. 42).

[40] Em Pontes de Miranda especificamente ver, quanto ao instinto A sabedoria dos instintos. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, pp. 9 a 140; sobre a inteligência,  A sabedoria da inteligência. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960, pp. 147 a 221 (em alemão por versão pessoal do autor, ver Epiküre der Weisheit. 2. Aufflage. München: Griff-Verlag, 1973) e, sobre uma e outra realidade,  cfr. Garra, mão e dedo. São Paulo: Martins, 1953.

[41] Parece ter razão quem afirma que a pós-modernidade tem como uma das suas características exsurgentes a crescente entrada do conhecimento científico na vida quotidiana do Homem (no senso comum). Vide Santos, 1986, pág 25 ss.

[42] Não é essa, a rigor, a interpretação moderna, por exemplo, de Anthony Quinton,  in Bullock, 1988, pág. 669.

[43] Sobre generalização, leia-se  GORSKY, Dmitry. Generalisation and cognition. Translated by Campbell Creighton, M. A. Moscow: Progress Publishers, 1985. O autor estuda expressamente a generalização (que denomina “aproximada”) dos dados estatísticos (pp. 66 a 77), dentro do seu “modo sintético” (todo capítulo I). Trata no cap. III da individualização e da correspondente generalização no interessante campo da ficção (pp. 180 a 202). Sobre a generalização aplicada à prática social e política marxista, pp. 151 a 165. Outro ponto de interesse, nessa mesma matéria da indução para generalizar, consiste na tipificação dentro do campo das artes (pp. 194 a 197). Os autores mais repetidamente citados são Marx e Lenin, mas não desconhece trabalhos de Aristóteles, Carnap, Cassirer, Einstein, Husserl, Kant, Kuhn, Leibniz, Locke, Quine, Reichenbach, Russell, Schrödinger e outros muitos, estudados entre nós.

[44] Muitas têm sido as tentativas de aplicação do teorema de K. Gödel à teoria do conhecimento. Arriscamos uma delas nesta nota de rodapé. Uma dessas possíveis aplicações seja quiçá a seguinte: qualquer sistema de proposições (e todos os sistemas de proposições são relativamente fechados), em si mesmo é incompleto, ou então contraditório. Assim, nosso jeto lógico pode ser axiomatizado no interior do sistema lógico. Enquanto estiver aí isolado, contudo, não se lhe pode exaurir a correspondência com o mundo (a sua “verdade”): tem de ser cotejado com os outros sistemas (por exemplo, com a física, com a sociologia etc.). De outra parte, quando levarmos o mesmo jeto a essoutro sistema, diverso do próprio sistema lógico, e lhe testarmos a consistência e a identidade jetiva, encontraremos contradição no dito jeto lógico: não será possível (ou pode não ser possível) empregar a mesma identidade jetiva lógica em situações de outra ordem. Digamos, ou ele não se pode aplicar igual, ou se aplicado igual vai ser diverso o resultado (será o mesmo na lógica mas não será o mesmo fora dela) nestes outros ramos dos saberes humanos: na matemática, na física, na biologia, na religião, na moral, no estudo das artes, no conhecimento do direito, da política, da economia, nas sínteses quotidianas do senso comum.
Num momentum Ab=Ab, mas noutro momentum Ab≠Ab. É universal dentro do seu sistema (lógico) mas deixa de sê-lo fora dele. Vide a esse respeito NAGEL, Ernest; NEWMAN, James. Prova de Gödel. Trad. de Gita Guinsburg. São Paulo: ed. Perspectiva. 1997, passim. A idéia parece ser mais ou menos a seguinte: se um conjunto de proposições é axiomatizado, isto é, posto em travação lógica interna perfeita, então não há como demonstrar-lhe a verdade. Agora ao contrário: para lhes demonstrarmos a verdade fora do seu próprio sistema, então haverá nelas alguma contradição.  Parece que, por isso, não é possível trabalhar nem na física nem nas ciências sociais (exemplo: na teologia, na ética, no direito, em ciência política, em ciência econômica) apenas com regras lógicas. A demonstração de ser verdadeira uma proposição (jurídica, por exemplo), a despeito da lógica impecável dos seus signos lingüísticos, somente pode fazer-se com a ida a fatos que não sejam os da lógica. A ciência jurídica somente é possível dentro da sociologia, e para corresponder às realidades (Natureza), não poderá ser absolutamente lógica. O instinto-inteligência não é capaz de lograr essa proeza. Portanto, tomando como exemplo a ciência do direito, por mais aproximativa que a alcancemos, não parece possível haver uma “ciência pura”, vale dizer sem quantificação, sem massa, sem vida, sem levarem-se em conta, caso por caso, os diversos fatos na intrincadíssima co-existência (=sociologia). Na prática: uma regra jurídica somente tem sentido real ao confrontá-la o pensador com o suporte fático, a que alude. Contra: Kelsen, 1974, pp. 17 a 18.

[45] Vide, entre outros, Tipler, 1994, 528 p., x-xi).

[46] Macedo, 1976, p. 120 e 346.

[47] Vide a esse respeito, entre outros, Hawking, 1988, pp. 21 a 22; Hey e Walters, 1997, pp. 8 a 9, 161 a 165, 188 a 192, 230 a 233 e 238 a 239; Calder, 1982, pp. 53 a 55 e 74 a 76; Russell, 1989 (todo).

[48] Pouco conhecidos no Brasil são os trabalhos de Pontes de Miranda sobre essa importante extensão da teoria da relatividade geral à gnosiologia. É ponto central de toda a sua obra filosófica. Ver a esse respeito PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Vorstellung vom Raume. Atti del V Congresso Internazionale di filosofia. Napoli, 1925 (todo) e Espaço, tempo, matéria (um dos problemas filosóficos da relatividade generalizada). O Jornal, 6-05-1925 (todo).

[49] Sobre a imensa complexidade do cérebro e das suas múltiplas capacidades reativas, vide Tipler, 1994, para 41 ss e 196 ss.

[50] Vide Hawking, 1988., p. 36 ss.

[51] Ainda sobre o quark, entre outros, ver GELL-MANN, Murray. O quark e o jaguar. Trad. de Alexandre Tort Rocco: São Paulo , Edusp, 1997. Comentários a respeito, ver prof. Henrique Fleming USP, Folha de São Paulo, jornal de resenhas, 11-4-97, p. 5.

[52] Vide Hawking, 1988, pp. 63 a 64 (soma ou anulação de partículas), 73 (antipartículas), 80-84 (quark, matéria e antiquark, radiação).

[53] Id., ibidem, p. 59 ss. O Universo compõe-se de centenas de bilhões de galáxias. A “nossa” contém aproximadamente 400 bilhões de sóis. O nosso dá-lhe a volta a cada 250 milhões de anos (I., ibidem)`.

[54] Vide Sagan, 1998, p. 56.

[55] Calder, 1982, p. 20.

[56] Sobre o conceito de “dança” na cosmologia pós-einsteiniana, vide Gleiser, 1998, p. 241 a 312.

[57] Vide Hawking, 1988, p. 60 ss.

[58] Sobre os conceitos técnicos de neutrino e de raios cósmicos, vide Macedo, 1976, p. 240, 291 e 297. Sobre o primeiro, também Kuhn, 1996, p. 27 e 87.

[59] Vide Marques e Funchal, agosto de 1999, pp. 15 a 17.

[60] Vide Pontes de Miranda, O problema fundamental do conhecimento, 1972, p. 104, 203, 229, 266 ss.
[61] Imagens do cérebro, bem como o seu funcionamento, podem ser conhecidos por meio de tomografia pela emissão de pósitrons (que se chocam com elétrons, produzem fótons, captados por aparelhos colocados  de fora do cérebro. Também por ressonância magnética, ou ainda por magnetoencéfalograma (MEG). Ora, temos cerca de 100 bilhões de células transmissoras de impulsos elétricos (=neurônios), num delicado sistema de junções (sinapses). Traduzem mapa das realidades (recriam o mundo exterior), criam o que está em si (mundo imaginário só do íntimo do indivíduo), e recriam o passado exterior (memória). Os neurônios repartem-se pelo cérebro,em grupos, em módulos especializados por suas funções. Vide Gleiser, 2000, p. 29.

[62] A rigor, note-se, “idêntico” é um conceito contraditório. Serve o adjetivo, em face das limitações da linguagem, mas só tem sentido o seu sentido de “igual” (aequalis, de nível aproximado), de “semelhante” (similis, imitativo). Ver a esse respeito Pontes de Miranda, O problema fundamental do conhecimento, 1972, pp. 224 a 225.

[63] Sobre esse “cosmic whirlwind”” na mecânica celeste, segundo a relatividade geral, vide Calder 1982, pp. 1 a 6.

[64] Sobre o conceito de “função”, na acepção filosófica (modalidade de ação) e matemática (variação de correspondência), ver AMORIM, Paulo Marcos de, e PEREIRA, Vera Maria Cândido. Função. Enciclopédia Mirador Internacional, pp. 4996-4997, itens I, 1.8, 1.9 e II, item 1.

[65] Para Pontes de Miranda, e pondo a sentença em termos matemáticos do próprio autor, a ciência é só uma tendência à compreensão (homem

[66] A filosofia clássica, claro está, crê em provas em sentido estrito, que sejam metafísicas. Vide, como exemplo, em geral, Lotz, em Brugger, 1948, pp. 216 a 217. A metafísica representaria nada menos que a própria ciência fundamental (Grundwissenschaft). Poderia fundar-se uma metafísica indutiva oriunda das ciências da natureza (no sentido indicado por Külpe e Becher).
E no campo da Religião, Diez, 1955, p. 183 ss. (percorrem-se aí as famosas cinco vias de Santo Tomás); no campo Moral, o próprio Santo Tomás, na In Ethicorum, L.V, 1. XII, número 1029 ss. (causas e princípios no sentido aristotélico). 

[67] O próprio Direito é processo social de adaptação que, certo, se tipifica pela garantia extrínseca do comportamento social. Mas, como as necessidades pessoais e sociais são de todas aquelas ordens (principalmente Religião, Moral, Artes, Política e Economia), as regras jurídicas incidem sobre suportes fáticos inçados de relações de necessidade (valores, preferem dizer muitos) metafísico-religiosa, ética, e estética (além das de poder e de utilidades materiais).

[68] Atente-se, por exemplo, para obra de experiência concreta de Deus, qual se tem em GUARDINI, Romano. DER HERR (Betrachtungen über die Person und das Leben Jesu Christi). Zweite durchgesehene Auflage. Würzburg: Werkbund-Verlag, 1938, 762 págs. Não precisou o autor, na sua imensa liberdade interior, de qualquer alusão metafísica para levar-se, e levar o leitor, a alturas inefáveis de união com Deus. E tem-se de dizer o mesmo de autores como Teresa de Ávila (Camino de perfección, Sevilla: Apostolado Mariano, s.d., 175 págs), Inácio de Loyola (“Ejercicios espirituales”, in “Obras completas de San Ignacio de Loyola”, Madrid: BAC, 1952, p. 153-238), e outros muitos.

[69] Sobre o pensamento de Vaihinger em Philosophie des Als-Ob, ver o estudo crítico no qual essa orientação filosófica é denominada de Idealistisch-pragmatistischer Positivismus, de Uerberweg, 1951, p. 410-416.

[70] É possível que a “quase-verdade” da lógica paraconsistente desenvolvida a partir de 1963 pelo lógico brasileiro Newton da Costa (O conhecimento científico. São Paulo: Discurso Editorial-FAPESP, 1997, 278 p.), coincida em parte com as idéias aqui expostas. Trata-se de uma lógica que admite “contradições” (no sentido de que admite várias verdades simultâneas). Assim é porque a formalização de sentenças depende da função lógica escolhida, e aquelas proposições podem conviver. Pode-se admitir que tal ocorra, pensamos, por causa da diminuta capacidade do Homem. Não lhe é dado esgotar a contextura da Natureza. É-lhe impossível exaurir o jeto, totalmente. Tem de voltar-se sempre a novos jatos. Não lhe resta senão valer-se de aproximações — as que lhe bastam para continuar a ser o que é, e evoluir.
De notar-se que essa lógica descoberta pelo pesquisador brasileiro é hoje largamente estudada no Exterior, mormente na Rússia. Considerações sobre esse trabalho de Newton da Costa lêem-se em entrevista publicada pela Folha de São Paulo. Cad. Jornal de Resenhas, 8.11.97, p. 3 e Mais!, 30.11.97, p. 5-7. São estudos de Michel Paty (Universidade de Paris-7), de Joseph Douneiher (professor de matemática da mesma universidade) e de Gilles-Gaston Granger (professor honoris causa do Collège de France). Aludem eles a outras obras do brasileiro: Sistemas formais inconsistentes. Universidade Federal do Paraná, 1994; Lógica indutiva e probabilidade. São Paulo: Hucitec-Edusp, 1993; Ensaio sobre os fundamentos da lógica. São Paulo: Hucitec, 1980; Introdução aos fundamentos da matemática. São Paulo: Hucitec, 1974; Logiques classiques et non classiques. Paris: Masson, 1997; Mostri divini – fenomenologia e logica della metamorfosi (em co-autoria com Rosana B. Conidi e Domenico A. Conci).

[71] Vide  Santeler, in: Brugger, 1948, p. 322; Uerberweg, 1953, p. 461 a 464; Hirschberger, 1954 – 1956, p.198 a 200.

[72] “...haec scientia (fala Bacon da indutivo-experimental, de que ora cuidamos) habet unam dignitatem: quod ipsa certificat omnes scientias per vivas experientias et completas” — vide  Silveira, 1996, p. 56 — C.  TEXTOS DE BACON. Talvez tenha sido exagero essa referência: completude da experimentação, como se tudo ela pudesse esgotar definitivamente. Mas, a certeza – relativa embora – é bem aquilo que o cético nega. Os testes de falseabilidade, ao contrário, prometem-na, desde que a proposição seja aprovada neles.

[73] RAHNER, Karl. Das Problem der Hominisation, über den biologischen Ursprung des Menschen. Erster Teil: Die Hominisation als Theologische Frage. Freiburg im Bresgau: Verlag Herder KG, 1961.

[74] Pontes de Miranda, 1980, p. 57 a 58, 74 a 76; Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed. 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, tomo III, p. 105-146; O problema fundamental do conhecimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, p. 135, 223, 270, 274.

[75] Vide, entre outros, Ziman, 1991, pp. 142-147 (“parascientism”)  e 148ss (limites do pensamento); KUHN, Thomas S. The structure of scientific revolutions. Third Edition. Chicago: The University of Chicago Press, 1996 – as revoluções científicas devem-se à queda de paradigmas, nos quais se crê...

[76] FRANCA, Pe. Leonel, S.J. Noções de história da filosofia. 20ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1969.

[77] HIRSCHBERGER, Johannes. Historia de la filosofía. 2 v. Trad. Luís Martínez Gómez. Barcelona: Herder, 1954–1956.

[78] Brugger, 1948, p. 263 a 264 (texto do próprio Brugger).

[79] BLACKBURN, Simon.  Oxford dictionary of philosophy. Nova York: Oxford University Press, 1996.

[80] Überweg Friedrich. Grundriss der Geschichte der Philosophie. (tomo IV) Graz: Akademische Druck- u. Verlaganstalt (13. Auflage), 1951.

[81] Interessante notar como há pontos comuns entre o “dado”  de Pontes de Miranda e o “Gegeben”, modelado por Johannes Rehmke (1848-1921), como início da filosofia  —“ciência  fundamental” (Grundwissenschaft) – Id. ibidem, pp. 540 a 543.

[82] Exposição quase entusiasta de Comte, vide em Lins, 1966, pp. 113 a 184. Para o autor filosofia positiva e filosofia científica  são sinônimos.

[83] Cannabrava, 1956, p. 87 a 108. Breve traçado da trajetória intelectual de E. Cannabrava e rápida apreciação crítica seus trabalhos, vide Vaz, in Franca, 1969, p. 353 a 354.

[84] Pontes de Miranda. Sistema ... 1972, tomo I, pág., 18, 93; tomo II, pág. 90 e 241 s., 246 s., 261 s.; tomo III, pág. 3, 15, 343; tomo IV, pág. 36 e 337.

[85] Escreve Pontes de Miranda que “intuição” é experienciação não preparada. Não bem cuidada, pois, dizemos nós.

[86] Op. cit, p. 107. Na nossa concepção, repetimos, “empírico” não se restringe ao mundo das sensações, e sim a qualquer fato do Universo. Como vimos várias vezes, o contínuo Espaço-Tempo-Energia não se restringe ao mundo físico. No mesmo Universo estão as energias (jatos) das relações sociais. As sete principais condensam as maiores necessidade (“valores”) da existência: todo o mundo de Religião, Moral, Artes, Direito, Política, Economia e Ciência. Em todas essas relações reais há capacidade de realizar “trabalho” (provocam alteração, induzem mudança dentro do Universo). De todas elas pode o instinto-inteligência, educado na positividade, extrair jetos, se lhe forem ensejados. E colocá-los em proposições falseáveis, construindo ciência. Já se vê a grande diferença que vai entre ciência positiva e todo tipo de positivismo.

[87] Id., ibidem, 3o §.

[88] A crítica ao próprio método científico há de ser constante para apurar-se a precisão dos jetos colhidos e o acerto da sua aplicação às proposições. No mesmo sentido de Pontes de Miranda, v. o clássico Conjecturas e refutações, de K. Popper (trad. de Sérgio Bath, ed. UnB, 1998). Também, FEVERABEND, Paul. Contra o método, trad. de C. Mota e L. Hegenberg. Ed. F. Alves.

[89] Op. cit., 1983.

[90] Fundamental nesta matéria ler PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed. 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.

[91] Carbonnier, 1988., pp. 16 a 50.

[92] Contra: Kelsen, 1974.pp. 472 a 473.

[93] Siches, 1965, pp. 641 a 665.

[94] Des-ocultação (e conceitos análogos de gosto da filosofia da existência): vide em Streck, 2000, pp. 272 a 283.

[95] Contra: Streck, 2000, pp. 267 a 276.

[96] As principais obras jurídicas de Pontes de Miranda são: . Les conflits de qualification. Revista dos Juízes e Juristas brasileiros: Ciência do direito. s.l.: s.e., tomo I, ano I, p. 13-23, mar. 1934; Droit intertemporel du droit international privé. Revista dos Juízes e Juristas brasileiros sob a direção de Pontes de Miranda: Ciência do direito. s.l.: s.e., tomo II, ano I, p. 21-38, s.d.; La compétence législative de droit international privé. Revista dos Juízes e Juristas brasileiros sob a direção de Pontes de Miranda: Ciência do direito. s.l.: s.e., tomo III, ano I, p. 11-16, s.d.; Natureza jurídica e efeitos da “fraude à lei” em direito internacional privado. Revista de Critica Judiciaria. Rio de Janeiro: s.e., ano X, v. XVIII, nº 1, p. 1-14, jul. 1933;  La conception du droit international privé d’après la doctrine et la pratique au Brésil. Recueil des Cours de l’Académie de Droit international de la Haye. Tomo 39. Haia, 1932 p. 555-672; La création et la personnalité des personnes juridiques en droit international privé. Mélanges STREIT, Athènes, 1939; Problemas de direito processual interlocal. Revista dos Juízes e Juristas brasileiros: Ciência do direito. s.l.: s.e, tomo I, ano I, p. 191-202; Definição, natureza e posição sistemática do direito penal internacional. Revista de Direito Processual. s.l.: s.e., v. 1, nº III, p. 506-519, jun. 1933; Direito de Família. 3a. ed., três tomos, Rio de Janeiro: s.e., 1947; Da promessa de recompensa. Rio de Janeiro: s.e., 1927; Das obrigações por atos ilícitos. 2 tomos. Rio de Janeiro: s.e.,  1927;  Dos títulos ao portador. 2ª ed. 2 tomos. Rio de Janeiro: s.e., 1921; Tratado dos testamentos. 5 tomos. Rio de Janeiro: s.e., 1930; Tratado de direito cambiário. 2ª ed. 4 tomos. Rio de Janeiro: s.e., 1954-1955; Tratado de direito predial. 2ª ed. 5 tomos. Rio de Janeiro: Editor José Konfino, 1953;  Embargos, prejulgados e revista no direito processual brasileiro. Rio de Janeiro: s.e., 1937; Dez anos de pareceres. Rio de Janeiro: Francisco Alves, v. 1, 2 e 3  – 1974;     v. 4 – 1975 ; v. 5, 6, 7, 8 e 9 – 1976; v. 10 – 1977; Questões forenses. 8 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, tomos I e II – 1957; tomos III e IV – 1958; tomo V – 1959; tomos VI e VII – 1962; tomo VIII – 1965; Tratado de direito privado. 60 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, tomos I, II, III e IV – 1954; tomos V, VI, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII e XIV – 1955; tomos XV, XVI e XVII – 1956; tomos XIII e XIX – 1957; tomos XX, XXI, XXII e XXIII – 1958; tomos XXIV, XXV e XXVI – 1959; tomos XXVII, XXVIII e XXIX – 1960; tomos XXX, XXXI, XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV e XXXVI – 1961; tomos XXXVII, XXXVIII, XXXIX, XL e XLI – 1962; tomos XLII, XLIII e XLIV – 1963; tomos XLV, XLVI e XLVII – 1964; tomos XLVIII, XLIX e L – 1965; tomos LI, LII e LIII - 1966; tomo LIV – 1967; tomos LV e LVI – 1968; tomos LVII, LVIII, LIX e LX – 1969;  Tratado das ações. 7 tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo I – 1970; tomo II – 1971; tomo III – 1972; tomo IV – 1973; tomo V – 1974; tomo VI – 1976; tomo VII – 1978; Comentários à constituição dos E. U. do Brasil. 2 tomos (Tomos I e III). Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1934; Comentários à Constituição de 10 de novembro de 1937. (1º e 3º tomos). Rio de Janeiro: s.e., s.d; Comentários à Constituïção de 1946. 2ª ed. rev. aum. 5 v. São Paulo: Max Limonad, 1953;  Comentários à Constituição de 1946. Tomo VIII. Rio de Janeiro: Borsoi, 1962; Comentários à Constituição Brasileira de 1967, com a Em. 1/69. 6 tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo I, II, III e IV – 1970; tomo V – 1971; tomo VI – 1972; Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5ª ed. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1976; Comentários ao código de processo civil {de 1939}. 2ª ed. 15 tomos. Rio de Janeiro: Forense, tomos I, II e III – 1958; Tomos IV, V, VI, VII, VIII e IX – 1959; tomos X e XI – 1960; tomos XII, XIII e XIV – 1961; tomo XV  – 1962; Comentários ao código de processo civil (de 1973). 2ª ed. rev. aum.  17 tomos. Rio de Janeiro: Forense, 1979. **Os sete primeiros volumes vêm sendo atualizados por Sérgio Bermudes, mesma editora, desde 1996; Tratado de direito predial. 5 v. Rio de Janeiro: Editor José Konfino, v. 1 e 2  – 1947; v. 3 – 1948; v. 4 – 1952; v. 5 – 1953; Conceito e importância da unitas actus no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Editor A. Coelho Branco Filho, 1939;   Naturalidade de origem e naturalização no direito brasileiro. 2ª tiragem aum. Rio de Janeiro: Editor A. Coelho Filho, 1936.