quarta-feira, 1 de setembro de 2010

DELEGADO DE POLÍCIA NA FUNÇÃO DE JUIZ LEIGO NOS JUIZADOS ESPECIAIS


DELEGADO DE POLÍCIA NA FUNÇÃO DE JUIZ LEIGO NOS JUIZADOS ESPECIAIS
Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

 À guisa de introdução. Pelas leis vigentes os Juizados Especiais são para matérias cíveis e matérias criminais. As regras jurídicas de uns e outros se assemelham. Tratemos ligeiramente de ambos, em separado. Sublinhamos os trechos a nosso ver de maior relevância para os fins desta exposição.

A — Juizados Especiais Cíveis

Simplicidade e informalidade nos juizados especiais (tanto cíveis como criminais). Consta da lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que rege os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que Os processos correspondentes aos Juizados Especiais Cíveis e Criminais primam pela informalidade, economia processual e celeridade (artigo 2º). E é tanta a simplicidade que nem há distribuição e autuação dos autos. A própria Secretaria do Juizado designará a sessão de conciliação (art. 16). Se as partes comparecem. Segundo o artigo 17 instaurar-se-á, desde logo, a sessão de conciliação, dispensados o registro prévio de pedido e a citação.
Diz mais o artigo 94, tanto para o juizado cível como para o criminal que

Os serviços de cartório poderão ser prestados, e as audiências realizadas fora da sede da Comarca, em bairros ou cidades a ela pertencentes, ocupando instalações de prédios públicos, de acordo com audiências previamente anunciadas.


Conclusão. Tira-se daí ser sem sentido que o Ministério Público se oponha ao trabalho dos delegados como auxiliares da Justiça, conciliadores nesses juizados.
As funções do conciliador. O conciliador é considerado um juiz leigo, de preferência bacharel em direito (como o delegado de polícia tem de ser) e são todos havidos como são auxiliares da Justiça (artigo. 7º, caput).
Diz o artigo 13 que

Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei.


Nestes juizados cíveis, está no artigo 11, O Ministério Público intervirá nos casos previstos em lei. Segue-se a norma do § 1º com estas palavras: Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.
Ora bem, a lei especial exclui dos Juizados Cíveis as situações jurídicas ou processos em que legalmente se requer a intervenção do Ministério Público, como se vê do artigo 3º § 2º:

 Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.

Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

§ 1º Somente as pessoas físicas capazes serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas.


Conclusão. É infundada a preocupação dos membros do Ministério Público com o fato de delegados servirem ao Poder Judiciário (à população primacialmente, aliás) como juízes leigos.
Delegados de polícia são autônomos, sem dependência do Ministério Público. O delegado de polícia não carrega o dever jurídico de solicitar ao Ministério Público a sua colaboração dedicada ao Poder Judiciário nestes pontos, como mais largamente escreve Cyro Advincula Silva [1]:

A Polícia Judiciária (Polícia Civil) não tem qualquer relação de subordinação com nenhum órgão ou instituição do poder, nem mesmo com o Ministério Público, a quem incumbe apenas o controle externo da atividade policial. É que tal controle faculta ao Ministério Público a supervisão do andamento do inquérito, sem poderes, porém, para ingerir na presidência do inquérito policial, que cabe somente ao Delegado de Polícia.

Mesmo as requisições do Ministério Público, se entendidas impertinentes, inadequadas ou prejudiciais ao andamento do inquérito policial, podem ser rejeitadas pelo Delegado, por despacho fundamentado, sem que haja o risco de constituir crime de desobediência, uma vez que, segundo Rogério Greco, não há relação hierárquica entre Delegado e Promotor de Justiça. [1]


Possível abuso de poder. Sujeita-se a mandado de segurança o membro do Ministério Público que intente impedir o delegado de exercer essa função. Qualquer dos atingidos por eventual arbitrariedade nessa matéria conta com a ação mandamental clássica, posta hoje na lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009:

Art. 1o  Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. [...]

§ 3o  Quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança. 


A homologação da conciliação é ato jurisdicional. Não está o delegado a fazer as vezes do juiz togado ao colaborar com ele na forma da lei; não profere sentença. Nenhum conciliador pode converter em sentença o resultado da conciliação obtida. Só o juiz togado, como está posto está no artigo 22, § único da lei especial:

 

Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo.


O que sim é da sua atribuição como conciliador é alertar as partes e, sob a supervisão do magistrado, conduzir a audiência até mesmo com a tomada de prova, tudo como está nas regras jurídicas dos artigos 21, 22 e 37:

Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as consequências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do art. 3º desta Lei.

Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação.

Parágrafo único. Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado, mediante sentença com eficácia de título executivo.

Art. 37. A instrução poderá ser dirigida por Juiz leigo, sob a supervisão de Juiz togado.


Conclusão. São simples as incumbências do juiz leigo nos juizados especiais, de modo que falta razão para se ocupar alguém com os delegados no exercício dessa função.
Relevante atuação do Ministério Público. Nestes juizados cíveis há um momento processual em que a validade jurídica da homologação leva o pressuposto de atuação do Ministério Público. É para a sentença homologatória ter eficácia de título extrajudicial. Não se cuida, pois, da perfeição da sentença como título executivo judicial. A matéria está regra no artigo 57 e no seu § único:

Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial.

 Parágrafo único. Valerá como título extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público.


Conclusão. Fora deste importante pormenor o Ministério Público não tem outras funções nos juizados cíveis. Menos ainda a função de fiscalizar os juízes leigos, delegados de polícia ou não.

B — Juizados Especiais Criminais

Cumpre distinguir as duas classes de Juizados Especiais. Do artigo 60  até ao artigo 83 e §§ o regramento é do procedimento criminal (“Juizado Especial Criminal”). Também aqui tem lugar o juiz leigo, ao lado do togado.
Reza o artigo 60:

 

O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único [...]


A mesma lei define o que seja “menor potencial ofensivo”:

Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.


O sentido e orientação da norma são assemelhados à norma do cível, simplificadora:

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade.


Dita simplificação diz respeito também às questões de validade-invalidade dos atos praticados na relação processual, notadamente se não houver prejuízo a alguém:

Art. 65. Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei.

§ 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.


A audiência de conciliação. O conciliador pode presidir a audiência própria para este efeito. Fá-lo-á sob a segura orientação do magistrado. Diz a lei a esse respeito:

 

Art. 73. A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.

Parágrafo único. Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.


Na esfera criminal pode surgir caso em que a atuação do Ministério Público é imprescindível — quando se verificar que o ilícito penal tem a eficácia de ação penal pública incondicionada, e quando preexista a necessidade de representação da vítima. Esse pré-requisito de representação está regrado no próprio Código Penal, artigo 225 § único: são os crimes contra a liberdade sexual, exceção feita aos cometidos contra o “vulnerável” — contra menores de 14 anos ou contra portador de alguma deficiência mental, destituídos assim do necessário discernimento para a prática de seus atos. Vigem e incidem as normas dos artigos de 217-A até 218-B desse código. Nestes casos não se pré-exige representação, senão que a ação penal é também pública incondicionada. Ora bem, todos estes crimes são apenados com reclusão em número de anos superior ao previsto na lei especial estudada, que é apenas de dois anos (artigo 61). Assim, o delegado, na função de auxiliar da justiça como juiz leigo, já liminarmente vai recusar o processo. Nem lho permitiria diversamente o juiz togado.
Participação dos delegados de polícia para conciliar conflitos de ordem criminal. O professor Mário Leite de Barros Filho (Delegado de Polícia do Estado de São Paulo, professor universitário e, em julho de 2010, assessor jurídico na Câmara dos Deputados) escreveu artigo sobre o assunto. Fazemos-lhe abaixo uma ligeira resenha, copiando trechos quase seguidos, com omissões indicas com [...]. Por isso vai forma de citação, a seguir. [2]

Resumo: O presente trabalho estuda a legalidade da atribuição de conciliador de conflitos decorrentes dos delitos de menor potencial ofensivo, exercida pelos delegados de polícia. Examina, também, a oposição do Ministério Público aos termos de conciliação preliminar formalizados pelo Núcleo Especial Criminal - NECRIM, criado no âmbito do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior – DEINTER 4 – Bauru, com o objetivo de disciplinar as composições de conflitos realizadas pelas autoridades policiais.Os principais objetivos do NECRIM são proporcionar um atendimento mais célere e de melhor qualidade à população e padronizar os atos de Polícia Judiciária, no que se refere aos delitos de menor potencial ofensivo.A conciliação preliminar consiste na tentativa de composição do conflito entre as partes envolvidas nas infrações penais de menor potencial ofensivo, realizada pelo delegado de polícia, dirigente do NECRIM, sempre na presença de um representante da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. A tentativa de conciliação preliminar é realizada somente nos crimes de ação penal pública condicionada à representação ou de ação penal privada. [...] por se tratar de delito de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, a composição [...] realizada pelo delegado de polícia, ratificada pelo Ministério Público e homologada pelo juiz, acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

O Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior – DEINTER 4 – Bauru é o órgão da administração superior da Polícia Civil encarregado de planejar, orientar e fiscalizar as atividades de Polícia Judiciária, Administrativa e Preventiva Especializada de 145 (cento e quarenta e cinco) unidades policiais, subordinadas a 7 (sete) Delegacias Seccionais de Polícia (Assis, Bauru, Jaú, Lins, Marília, Ourinhos e Tupã). [...]

[...]

Acontece que o Ministério Público do Estado de São Paulo se opõe a realização dos termos de conciliação preliminar, entendendo que as atividades exercidas pelo Núcleo Especial Criminal – NECRIM - não encontram respaldo jurídico.

O Procurador–Geral de Justiça, por [...] aviso publicado no DOE de 11 de junho de 2010, seção I [01], cientificou os membros do Parquet Paulista que a Subprocuradoria - Geral de Justiça Jurídica emitiu parecer no sentido de que as atividades do NECRIM são ilegais.

De acordo com o mencionado parecer, os termos de conciliação preliminar, formalizados pelos delegados de polícia, não têm validade, porque, no âmbito do Juizado Especial Criminal, a conciliação dos danos civis só tem o efeito de extinguir a punibilidade se, colhidas manifestações livres e conscientes do autor do fato e da vítima, com supervisão do Ministério Público e subsequente análise judicial, nos termos da homologação prevista no caput, do artigo 74, da Lei nº 9.099/1995. [3]

[...] a ausência de um promotor de justiça durante a composição da desavença, realizada na delegacia de polícia, criaria condições para a violação de direitos das partes envolvidas em tais conflitos.

É importante esclarecer que a mediação da desavença pelo delegado de polícia é um meio alternativo de solução de litígio e, por conseguinte, de pacificação social.

[...] é relevante ressaltar que tal mecanismo não afasta o controle jurisdicional, por força do que dispõe o inciso XXXV, do art. 5º, da Constituição Federal. [4]

[...] o NECRIM apenas disciplina esta atividade conciliadora, que sempre foi exercida, de maneira informal, pelas autoridades policiais, com excelentes resultados.

A conclusão de que a composição de conflitos decorrentes de delitos de menor potencial ofensivo, realizada pela autoridade policial, na fase inquisitiva, sem a presença do membro do Ministério Público, viola interesses e direitos das partes envolvidas na desavença é fruto de interpretação equivocada do texto do projeto que criou o Núcleo Especial Criminal – NECRIM, no âmbito do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior – DEINTER 4 - Bauru.

[...] o referido projeto possibilita ao delegado de polícia, tão somente, a mediação entre as partes em conflito, na presença de um representante da Ordem dos Advogados do Brasil, em busca de um acordo.

[...] a presença do representante da OAB é obrigatória justamente para impedir a eventual violação de direitos e garantias individuais, revestindo o ato de total transparência.

[...] posteriormente, o referido acordo será ratificado pelo Ministério Público e homologado pelo Poder Judiciário.

[...] o magistrado, na fase do contraditório, antes de homologar a composição do conflito, ouvirá o representante do Ministério Público, oportunidade em que se manifestará quanto à legalidade do ato.

[...] a decisão final sobre a iniciativa tomada pela autoridade policial de pacificar a desavença será sempre do magistrado, com a participação do membro do Parquet.

Portanto, os argumentos apresentados pelo Ministério Público [...] são improcedentes. [...] A oposição do Ministério Público [...] também, injustificada, porque estas composições de pequenos conflitos são realizadas somente nos crimes de ação penal pública condicionada à representação ou de ação penal privada. [5] [...] portanto, [...] a possibilidade de o delegado de polícia agir como um pacificador social encontra amparo no texto da própria norma que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Em síntese, [...] a composição preliminar dos conflitos decorrentes dos crimes de menor potencial ofensivo, realizada no Núcleo Especial Criminal, favorecerá a população das classes menos favorecidas da sociedade, que clama por segurança e justiça.  

A nossa conclusão. É a mesma do articulista citado, de não haver razão para o Ministério Público se ocupar do assunto. Terminada a instrução, aliás, o promotor de justiça pode pedir a aplicação da pena correspondente, com os pressupostos insertos no artigo 76 e §§. Quer isto dizer, pois, haver aí um cuidado exagerado, quiçá um preconceito contra a função dos delegados de polícia, nocivo à aplicação do sistema jurídico vigente. Lá no seu tanto vem a assemelhar-se ao excesso de exação (não tipificado, porém, note-se muito). Leiam-se abaixo as ditas regras jurídicas.

Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

        [...] § 2º Não se admitirá a proposta se ficar comprovado:

        I - ter sido o autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença definitiva;

        II - ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela aplicação de pena restritiva ou multa, nos termos deste artigo;

        III - não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.

        § 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do Juiz.

        § 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco anos.

        [...] § 6º A imposição da sanção de que trata o § 4º deste artigo não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo para os fins previstos no mesmo dispositivo, e não terá efeitos civis, cabendo aos interessados propor ação cabível no juízo cível.


Outro engano possível. Poderia alguém pensar estar tal postura colaboradora dos delegados de polícia de Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior – DEINTER 4 – Bauru (Estado de S. Paulo) a contrariar a norma do artigo 69 desta mesma lei especial. Não é assim, porém. Diz a dita regra jurídica:

Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.

Parágrafo único. [...]


Não ocorre aí qualquer classe de ilegalidade. Os delegados de polícia do Estado de S. Paulo instauram o inquérito com o termo circunstanciado e realizam mais os atos determinados pela dita norma. Mas, esta circunstância não o impede de ser um juiz leigo na relação jurídica processual. Esta relação jurídica processual só se instaura ao depois, coisa que não se configura no inquérito, porém. A relação do inquérito entrou com um nome de jargão forense: relação judicialiforme. Nela ocorrem as atividades de investigar inquirir, pesquisar, indagar, perscrutar, esquadrinhar. Diferentemente se dá na relação processual dos Juizados Especiais do direito brasileiro.
Logo, não ocorre contradição no sistema nem há erro no tocante ao sentido e orientação da norma legal do artigo 69 da mesma lei, de que estamos a falar.
A consequência da perda do direito de queixa, ou de representação.  A norma posta no artigo 74 § único da lei estabelece, sim, uma eficácia de alguma radicalidade:

Art. 74, Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.


O acordo celebrado tem, pois, a consequência de extinguir o direito de queixa (Código Penal art. 102, § 2° “A ação privada é promovida mediante queixa do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo”) ou o direito de representação (art. 102 § 1° “A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de “[...].
Sobre alguns direitos do advogado. A orientação jurídica contra eventual erro da vítima fica, portanto, a cargo de advogado — o que a OAB designar, caso por caso. Percebe-se não ser esta uma função do Ministério Público. Logo, uma vez mais, não é matéria de que tenha o Ministério Público que cuidar. Incidem, antes, regras jurídicas próprias do advogado, como consta do Estatuto da Advocacia e da OAB — Lei 8.906 de 04 de julho de 1994:

Art. 1º. São atividades privativas de advocacia: [...] II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. Art. 2º. O advogado é indispensável à administração da justiça. § 1º. No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social. § 3º. No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta Lei.


Acresce o seguinte:

Art. 7º. São direitos do advogado: [...] XI - reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento; [...] XVII - ser publicamente desagravado, quando ofendido no exercício da profissão ou em razão dela; [...] § 5º. No caso de ofensa a inscrito na OAB, no exercício da profissão ou de cargo ou função de órgão da OAB, o conselho competente deve promover o desagravo público do ofendido, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorrer o infrator.


O advogado pode contar não somente com a OAB para obter a tutela do seu exercício profissional. Incluem-se aí as funções que pode exercer nos Juizados Especiais, com se lê do mesmo Estatuto:

Art. 85. O Instituto dos Advogados Brasileiros e as instituições a ele filiadas têm qualidade para promover perante a OAB o que julgarem do interesse dos advogados em geral ou de qualquer dos seus membros.


De modo que quando o juiz decide que o advogado tenha contato com a parte no sentido de orientá-la, se o membro do Ministério Público tomar a si essa atribuição, andará a infringir a lei. Pode até mesmo estar a cometer crime:

“Código Penal art. 205 - Exercer atividade, de que está impedido por decisão administrativa: Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa”.


Em resumo. Sob aspecto algum, seja o jurídico seja o ético, ou outro qualquer, sob nenhum pretexto, repito, poderá o Ministério Público opor-se a iniciativas produtivas de delegados de polícia, como as havidas na DEINTER 4 – Bauru.


[1] Polícia Civil do Rio de Janeiro, ADEPOL, Rio de Janeiro, 1985. http://pt.wikipedia.org/wiki/Pol%C3%ADcia_Judici%C3%A1ria#Bibliografia

 

[2] Os negritos são nossos, não do autor.

[3] Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente. (grifei)

Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação. [O rodapé é nosso, que não do original.].

 

[4] [Pusemos aqui em rodapé o que no texto está em destaque] — Art. 5º-XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (grifei)

 

[5] É nosso este rodapé; Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. [...]

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