segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

DA COISA JULGADA INEFICAZ (A QUE NÃO PODE SER CUMPRIDA EMBORA EXISTENTE E VÁLIDA) — 2ª edição

DA COISA JULGADA INEFICAZ

(A QUE NÃO PODE SER CUMPRIDA EMBORA EXISTENTE E VÁLIDA) — 2ª edição

Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor de direito aposentado (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

1) A coisa julgada pode ser apenas formal, ou formal e também material. Pela primeira, a relação processual não pode ser alterada no mesmo processo. Pela segunda, essa alteração não pode dar-se quanto à estrutura nem ao conteúdo do julgamento feito, nem no mesmo nem em outro processo qualquer, salvo a irradiação da ação rescisória e das ações de nulidade insanável (sem ação rescisória),[1] ou do julgado ou do processo em que foi proferido (se presentes os respectivos pressupostos, que o sistema jurídico aponta).[2] De modo que a coisa julgada é um fato jurídico processual (não cabe discutir aqui em qual das cinco classes de fato jurídico temos de inseri-lo). Este fato jurídico processual pode ser apenas formalmente imutável (o fato jurídico imutável em determinado processo por onde fluía a relação jurídica processual) ou também materialmente imutável (o fato jurídico imutável tanto certo em processo como em qualquer outro).

Já a “sentença” (em sentido amplo) é um ato jurídico processual stricto sensu o qual forma a coisa julgada, ou seja, fá-la surgir no mundo jurídico “causalmente”. De jeito que, quando se diz ser ineficaz uma sentença, a proposição é no sentido de (1) ela não poder ser alterada, e (2) o conteúdo dela (=a coisa julgada) não produz efeito jurídico. Quer isto dizer que pela ineficácia da coisa julgada o conteúdo do ato sentencial continua inalterável na sua previsão explícita ou implícita de efeitos jurídicos, mas sem haver a produção desses efeitos jurídicos previstos. Ou seja, esse julgamento não pode ser “cumprido” em nenhuma das cinco eficácias que todo julgado tem, a saber, não se leva em conta nenhum efeito de — (1º) declaração positiva ou negativa, (2º) constituição positiva ou negativa, (3º) condenação, (4º) execução (5º) mandamentalidade positiva ou negativa. Nada disto se aproveita em matéria de efeitos jurídicos.

Quadra insistir: a coisa julgada material é o conteúdo jurídico formado por uma sentença formalmente imodificável no mesmo processo (artigo 267 do Código de Processo Civil) e, se houver os pressupostos, também materialmente inalterável em outro processo qualquer (artigo 269). Por outras palavras: examinada no plano da existência-inexistência a coisa julgada ou é ou não é, mas, mesmo se ela for (se tiver existência positiva), ela pode ser ineficaz, parcial ou inteiramente. Logo, a discussão aqui travada nem é examinada no plano da existência-inexistência, nem tampouco no plano da validade-invalidade. Ela é posta só no plano da eficácia-ineficácia da coisa julgada.

2) Algumas discussões. (a) Indaga-se se a regra jurídica do artigo 183 do Código de Processo Civil é também norma sobre coisa julgada. A resposta é negativa. Reza o art. 182. “É defeso às partes, ainda que todas estejam de acordo, reduzir ou prorrogar os prazos peremptórios. [...]”. A seguir o artigo 183: “Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando [...]”. A resposta é negativa porque no artigo 183 a regra é sobre perda de um direito, sobre a extinção de um direito processual por inação, que fecha as portas ao exercício dele (preclusão). Corrobora esta asserção a norma do artigo 473 do Código de Processo Civil (“É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão”). Nestes casos não se cuida da inimpugnabilidade de um julgamento por não haver mais recurso (coisa julgada), nota característica da coisa julgada.

(b) Cabe indagar se uma transação é possível depois da coisa julgada, diante da regra jurídica do artigo 467 do Código de Processo Civil: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. Bem se vê haver aí alusão à só coisa julgada material. A coisa julgada formal em si e por si não pode ser alterada por recursos, verdade seja, mas ela não produz necessariamente a coisa julgada material.

Tornemos à transação (se pode ser celebrada contra a coisa julgada material). A resposta é afirmativa: a transação é um negócio jurídico. Mesmo de celebrada, a coisa julgada fica como estava e o fato jurídico processual sentencial permanece como está. Pelo negócio jurídico transacional entra no mundo um novo fato jurídico, fora do direito processual, porque com a formação da coisa julgada o processo já se extinguira. A imutabilidade do artigo 467 decorre de regra jurídica processual, mas, na hipótese, a relação processual onde se formou a coisa julgada já deixou de ser. Ou seja, essa transação não vai contra a regra jurídica processual do artigo 467 do Código de Processo Civil (nem contra a Constituição Federal de 1988).

Temos de afirmar ainda na espécie que nenhum juiz pode conhecer do requerimento de homologação de transação. Nem nos autos em que se formou a coisa julgada, nem em outros autos quaisquer — cessou a jurisdição sobre aquela matéria.

(c) Outra indagação é sobre a hipótese de o juízo indeferir a petição inicial: ele nem sequer aprecia o petitum, e incide a regra jurídica do art. 267-I do Código de Processo Civil. Surge, pois, a questão: forma-se aí, ou não se forma, a coisa julgada? Temos de responder afirmativamente: a coisa julgada formal sim houve porque o juiz neste caso julgou a ação de direito processual, cuja relação se extinguiu. O petitum não foi acolhido por ter sido rejeitado o próprio julgamento dele. Outra ação terá de ser proposta, afora o caso de a nova propositura já não ser possível segundo o artigo 267-V (“perempção, litispendência, coisa julgada”).

3) Mas há situações jurídicas, dizíamos acima, em que alterações do conteúdo do julgado são possíveis fora da actio nullitatis e da ação rescisória. Para o raciocínio cumpre se sublinhem alguns conceitos de teoria geral do direito. São os de existência-inexistência, validade-invalidade, eficácia-ineficácia.

4) Um julgado (sentença, acórdão, decisão) por ter só aparência de existência, mas não ser ontologicamente (se nos permitem o termo) um julgado do direito. Falemos das sentenças, incluindo no conceito o acórdão para simplificarmos a exposição. Uma sentença inexistente é a que não foi prolatada, ou a que é existe fisicamente, mas não penetra do espaço social do direito. É, por exemplo, a dada por quem não é juiz, em ou processo onde falte alguma parte, ou que não haja assinatura de ninguém, ou em que não tenha havido publicação (=publicização do ato sentencial).[3] Ainda inexistente é a sentença dada fora da relação processual ou proferida em processo penal ou trabalhista, ou proferida contra quem goza de extraterritorialidade (exemplo, contra chefe de governo estrangeiro).[4]

5) De sentença inexistente não há indagar se é válida ou não, eficaz ou não: no mundo do direito ela não é, de modo que não pode ter qualificação jurídica. Se surge obstáculo por sua aparência de existir (sem existir), o poder jurídico dado ao interessado (prejudicado pela falsa afirmação de a aparência de sentença ser sentença) é o poder de declaração negativa de existência. Isso pode ser objeto de ação declaratória negativa. Também é matéria alegável em simples petição (incidenter tantum), e que o juiz da causa, onde a aparência exsurja, conhece mesmo de ofício.

6) Mas a sentença pode existir sem valer, ou seja, ser sentença nula. Existirá se se compuserem os elementos do suporte fático para assim entrar no mundo jurídico. Será nula se entrar com defeito ou vício, que o sistema jurídico define como tal, ainda que implicitamente.[5] Aqui o que mais nos importa é a sentença atacada de nulidade ipso jure (ou nullitas insanabilis — sentença nula ipso jure.[6]

7) Nula ipso jure é a sentença nos seguintes casos: (a) proferida em processo em que um dos figurantes da relação processual não tem capacidade de ser parte — um falecido sem herdeiros nem herança, um bairro sem estrutura jurídica, uma comissão de moradores apenas informalmente constituída, são exemplos. (b) Quando uma das partes não tem capacidade processual — tal o caso do absolutamente incapaz sem representação, do condomínio sem síndico e sem gestor de negócio, da massa falida sem síndico, de pessoa incerta (inidentificável). (c) A sentença proferida em caso em que o réu não foi citado (ou o foi nulamente) e ficou revel.[7]

Repetindo, se a sentença é nula ipso jure, o interessado tem contra ela a ação constitutiva negativa, se de mister; pode e deve o juiz decretar-lhe a nulidade mesmo ex officio, de modo que também por simples petição (incidenter tantum) tem a parte esse remédio jurídico processual para que o Poder Judiciário lhe decrete a nulidade — caso em que o julgado nulo é expulso para fora do mundo jurídico mesmo depois de passado em julgado, e sem ação rescisória. A matéria é, como se vê, da maior importância prática, a que acresce a economia processual.

8) Bem, pois a questão é ainda mais complexa. Pode haver sentença existente e válida que pode, todavia, ser ineficaz e, por isso, impossível de ser cumprida, seja na sua força, seja em qualquer das suas outras eficácias (portanto, no seu peso 5, ou nos demais, de quatro até um — segundo os estudos de Pontes de Miranda).[8] A ineficácia da sentença pode ser total (se a atinge toda), ou apenas parcial. Deste assunto nos ocuparemos nas linhas abaixo. Eis ponto relevante, da qual poucos autores cuidaram de estudar a fundo.[9]

9) Além de um caso literalmente previsto no Código de Processo Civil sobre o litisconsorte necessário não citado,[10] a sentença é também ineficaz, quando não há possibilidade de ser cumprida. A impossibilidade pode ser:

lógica — o julgado é invencível contraditório (exemplo, condena mas absolve);

cognitiva (as frases são incompreensíveis, ou com palavras importantes que são ilegíveis, ou de conteúdo indeterminável);

moral (como a que condene alguém a cuspir em outrem, ou a manter relação sexual toda semana);

jurídica (sentença que atribua direitos reais inexistentes no sistema jurídico brasileiro; a que condene o Estado a indenizar mesmo não tendo havido perda patrimonial);

material (a que condene à produção de água a partir do quartzo);

científica (a que ordene a prestação que, segundo descobertas novas da ciência, se verifique ser contra a ordem pública);

g) estética (a sentença que determina a construção de um elevado sobre uma praia particular (particular desde antes da primeira Constituição federal).

Estas classes de impossibilidade tornam a sentença ineficaz (no todo ou em parte, conforme se verifique em cada caso quais os pontos atingidos pela impossibilidade).[11]

10) Sentenças ineficazes por impossibilidade moral, por força da Constituição Federal de 1988, é o de que ora passamos a ocupar-nos. O que antes era apenas implícito nesta matéria, ou mesmo ausente, temo-lo atualmente posto em signos gráficos da escrita. Vejamo-lo na Constituição Federal de 1988.

(a) Moral é um processo social de adaptação que traça caminhos de convivência pelo critério da dignidade. Um dos aspectos da dignidade é a justiça. Também o é a solidariedade. Já no preâmbulo da Constituição, que contém súmula dos princípios constitucionais (portanto regras jurídicas) se fala do estado democrático ligado a direitos sociais e individuais, da liberdade, da igualdade, da justiça — tudo isso “como valores supremos de uma sociedade fraterna”.

No art. 1º já se traçam com mais explicitude os princípios fundamentais, no inciso III temos “a dignidade da pessoa humana”.

No art. 3º estabelecem-se os próprios objetivos fundamentais do país; ali está a construção de uma “sociedade livre, justa e solidária” (inciso I). Também como princípio fundamental foi redigido o inciso III; é objetivo fundamental da república “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais”.

Estão aí seguramente firmadas regras jurídicas constitucionais de conteúdo dos costumes, na órbita particular e pública. A questão social é percebida com clareza. No preâmbulo são acentuados os direito sociais com anterioridade aos direitos individuais.

Também no art. 37 caput novamente encontramos o conceito da moralidade para a administração pública. A importância dada ao dinheiro público, cujo destinatário é o povo, fez com que se atribuísse à atividade fazendária a precedência sobre os demais setores administrativos, como se estabelecer em lei. Mas já é regra programática esse tratamento diferenciado ao bem público (art. 37, XVIII). E, pelos princípios fundamentais, todo patrimônio público tem por escopo a criação constante de um estado democrático de direito, que gira em torno da dignidade humana. Esta, no seu conjunto, constitui o povo, de que todo poder emana (art. 1º, § único).

É fora de dúvida que todo enriquecimento indevido é imoral. Não deixa de ser imoral se for conteúdo de coisa julgada formal e material. A ordem econômica destina-se a uma existência digna para todos, segundo os ditames da justiça social. A justiça social é conceito de direito material. A propriedade privada é princípio fundamental da atividade econômica, do mesmo modo como também o é a “função social da propriedade” (art. 170 – III). Juntamente com este, é também princípio geral da atividade econômica a “redução das desigualdades [...] sociais” (art. 170 – VII).

O aumento arbitrário de “lucros” tem de ser reprimido pela lei (art. 173, §4º). É esta mais uma regra que, sobre ser de conteúdo econômico, é também de conteúdo moral.

A ordem social (art. 193-232) não é nem comunista nem socialista. Os princípios básicos dela já aparecem no próprio art. 5º, quando a regra programática traça a necessidade de um sistema jurídico brasileiro que assegure a todos a inviolabilidade do direito à igualdade, entre outros. Mais explicitamente o art. 6º traça os direitos sociais, que são os relativos à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, etc. Note-se como tanto os bens de vida mencionados no art. 5o como no art. 6o estão em consonância com os arts. 193-194. São “direitos e garantias fundamentais”.

Temos, pois, que será moralmente impossível de cumprimento o conteúdo de coisa julgada formal (com ou sem julgada material) que contrarie esses traços de moralidade estabelecidos na Constituição. São sentenças que, a despeito de existirem, valerem e não serem rescindíveis (por exemplo, por causa da preclusão), ainda assim de modo algum se podem considerar sentenças dotadas de eficácia jurídica. Não podem ser cumpridas nos pontos em que a dita ineficácia as atinge (como qualquer outra classe de impossibilidade acima aludida). Não há negar a enorme importância prática do quanto deixamos dito. Nem há tergiversar diante da segurança dessas proposições jurídicas. Toda tibieza, todo temor de pô-las em prática, todo medo de errar diante delas será um desserviço do profissional na falha dos seus deveres diante da população, diante do Povo a que pertence. Para o administrador público, afora a hipótese de total ausência de dolo, a não-aplicação do direito ao modo dito será crime de responsabilidade — estar cumprindo uma coisa julgada ineficaz, por ser ela uma sentença impossível, seja moralmente seja por outra impossibilidade.[12]

11) Tratemos agora de alguns casos específicos de impossibilidade de dar-se cumprimento a sentença (sentença ineficaz pela impossibilidade de se lhe reconhecer e atribuir eficácia). São espécies relativas a desapropriações (stricto sensu), ou a indenizações por retirada da posse (= “desapropriação indireta”). Têm surgido aí casos verdadeiramente escabrosos por sua indecorosidade, teratológicos na sua fealdade lógica. Os tribunais têm resistido ao mérito nefando (que torna moralmente impossível o acolhimento prático da coisa julgada, por isso ineficaz). E buscam decretar toda nulidade que encontram.[13] Talvez o estudo da ineficácia da coisa julgada possa trazer contribuição ao assunto.

Estudo pertinente desta matéria é o citado na nota que acabamos de introduzir: NORDI, Laerte. Das indenizações ambientais milionárias. Revista do Tribunal de Justiça de São Paulo. São Paulo: Ed. LEX, nº 244, 2001, p. 9-20. Vejamos alguns casos de coisa julgada juridicamente ineficaz.

1o) Comecemos pelas “indenizações ambientais milionárias”. O articulista, Dr. Laerte Nordi, é desembargador aposentado do tribunal de justiça de São Paulo. Tem os seus argumentos próprios, e aduz os de outros, que extrai da jurisprudência. Vejamos.

a) Identificou-se caso na Comarca de Ubatuba (Estado de São Paulo) em que uma empresa aparece credora de 1,1 bi quando, pelo valor de mercado não teria perdido mais que 18,5 milhões. Foi notado pelo Ministério Público que nesta área jamais existira qualquer investimento e ela jamais deu “retorno econômico”. Existem aí morros de alta declividade, com mais de 800 metros de altura. Registram-se também aí índices pluviométricos dos mais altos do país. A indenização fixada só se explicaria por verdadeiro milagre em que tenha havido “transformação de mato em ouro” (p. 10). O Código Florestal, de 1965, já não permitia aí construção alguma; mencionou-se a respeito a apelação de n.º 168.124, TJ de São Paulo, originária da Comarca de São Sebastião. No mesmo sentido são invocadas outras apelações no mesmo estado. Na p. 11 são transcritas passagens de estudo doutrinário do juiz Antônio Silveira Ribeiro dos Santos, mostrando que essa limitações, ou restrições, não importam perda patrimonial indenizável.

b) Daí serem chamadas “indenizações absurdas” (p. 11). Esse absurdo é precisamente o que, a nosso ver, fazem da própria coisa julgada um julgamento de conteúdo jurídico ineficaz. É por ser moralmente, e juridicamente, impossível: indenização por perda inexistente, indenização sem causa. É um julgado ineficaz pela impossibilidade jurídica.

c) Quando a indenização não corresponde a perda, ou a supera de maneira assim gritante, absurda, o próprio precatório (execução da coisa julgada) exsurge como contrário à ordem jurídica, independentemente da análise sobre erro na apreciação da prova. O Povo recebe todo o detrimento dessa impossibilidade econômica e moral (ver p. 12, 2º §).

d) Houve, portanto, erro de direito na terminologia do Decreto estadual n.º 10.251 de 30 de agosto de 1977, quando falou de “fins de desapropriação por via amigável ou judicial”, no tocante a terras situadas no Parque Estadual da Serra do Mar. O estabelecimento oficial do Parque não trouxe perdas econômicas aos titulares das terras aí localizadas: já eram terras inexploráveis tanto pelo Código Florestal como porque do ponto de vista econômico não havia praticidade de exploração. Algumas das limitações já vigiam desde pelo menos 1934, e outras desde setembro de 1965 (p. 12).

Na tese que aqui expomos, e que colhemos do gênio de Pontes de Miranda, a própria coisa julgada que estabelece indenização relativa a imóveis situados no Parque Estadual da Serra do Mar é ineficaz. A ineficácia é determinada pela impossibilidade de cumprimento. Fere todo o sistema jurídico brasileiro e também a moral do homo medius deste País (ausência de causa para receber indenização estatal). Estas circunstâncias são apuráveis pela própria análise do conteúdo da coisa julgada.

e) Também no sentido de ser impossível indenização nesse caso o articulista Laerte Nordi invoca voto divergente do Des. Paulo Franco, na apelação do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo n.º 161.501-5/0 oriunda de Caraguatatuba. Trata-se de indenização sem esbulho (ver p. 13). Logo se vê que se cuida de ineficácia do julgamento mesmo depois que passar em julgado, que já não era rescindível simpliciter, ou já não o era por preclusão. A falta de causa jurídica e moral para indenização faz a coisa julgada ineficaz: não se lhe pode dar cumprimento.

f) Espécies semelhantes estão nas páginas 14 e 15, onde o articulista invoca voto do desembargador Wilson Toledo Silva na ação rescisória n. 83.630-5 do mesmo Tribunal de Justiça São Paulo (p. 14), voto que alude a trabalhos doutrinários de Yussef Said Cahali e de José Afonso da Silva (Direito urbanístico brasileiro, Malheiros Editores, 2ª ed., pág. 363”).

g) Nas páginas 17-19 o articulista lembra declarações dadas pelo Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, publicada pelo Jornal “O Estado de S. Paulo” de 28.08.99. Alude à impossibilidade de prevalecer coisa julgada sobre o momento atual da ciência jurídica brasileira, quando essa coisa julgada material vai contra os direitos fundamentais referentes “[...] à vida, liberdade, saúde e meio-ambiente”.

A concepção do Ministro José Delgado coincide com esta, de ser ineficaz a coisa julgada eivada de impossibilidade moral e jurídica, segundo os princípios basilares da Constituição em vigor. E quadra acrescentar os reforços do Direito das Gentes, ainda mais programáticos que as regra jurídica da Constituição.

A impossibilidade de cumprimento da coisa julgada provém de várias fontes, como deixamos assinalado linhas acima. Cumpre notar, porém, haver erros de julgamento que, por não exercerem impacto sensivelmente forte sobre nossa percepção comum, têm de ser por isso tolerados. São erros mais comezinhos que fazem parte da “condição humana”. Cumpre respeitá-los como fenômeno que deu entrada indevida no mundo jurídico, mas não será ainda possível, no estádio atual da ciência, nem expulsá-los nem ignorá-los. Desgraça inevitável nas suas conseqüências. Muita vez nem sequer pela ação rescisória se conseguiriam esses intentos.

A ineficácia da coisa julgada por impossibilidade de cumprimento, torna-se, entretanto, clara e susceptível de percepção da cultura jurídica quando a própria sensibilidade atual, do jurista ou das pessoas do Povo (cultura jurídica difusa), vê o resultado como impossível de ser aceito em face da sua monstruosidade (= casos “teratológicos”).

São encontrados, entretanto, alguns resultados verdadeiramente absurdos, ou seja, tão aberrantes, tão distantes da aceitabilidade pela “natureza das coisas”, que não podem senão ser havidos como impossíveis de tolerância — segundo o Estado atual da cultura humana

São os casos que ressaltam a impossibilidade da aceitação da coisa julgada. Neles é juridicamente impossível aceitar a eficácia, mesmo que o julgado seja em si irrescindível, ou já irrescindível pela preclusão. Tais situações colidem com o nosso sistema jurídico com as concepções de estado democrático, contra o conceito real de igualdade, contra o conceito real de dignidade, contra o conceito real de justiça material, contra o conceito real de função social da propriedade etc. Não se trata, pois, de retórica.

2o) Coisa julgada ineficaz por impossibilidade jurídica, seria, por exemplo, o caso em que o erro é tão gritante que a indenização é comprovadamente superior a duas vezes o que efetivamente deveria ser pago. Pouco importa que essa prova venha a posteriori.

Temos de retirar da nossa concepção jurídica a falsa idéia de a coisa julgada ser um santuário inviolável, um manto sagrado, como se significasse sempre uma segurança do Estado de Direito. Estes conceitos são da Religião — uma outra classe, importantíssima por certo das vivências humanas. Pois a quem tenha a mais lídima experiência mística cumpre lembrar que fere a Religião a recepção de fenômeno jurídico impossível de ser cumprimento diante das “condições” efetivas de um Povo. Aliás, a causa histórica do respeito pela coisa julgada nada tem de Religião. Ela é eminentemente prática, como se expressou com sinceridade o direito romano — apenas para não aumentar a confusão com julgados contraditórios. Daí o ne bis in idem.[14]

3o) Ineficácia por impossibilidade científica de aceitação da coisa julgada é a situação, por exemplo, em que por aplicação do DNA se verifica que a paternidade constante da coisa julgada não é verdadeira: se depois da coisa julgada o DNA demonstra que o pai não é o que lá constou, mas sim outra pessoa. Esta coisa julgada não tem eficácia alguma sobre a “verdade” da paternidade. É desmentida pela ciência e, logo, impossível de se manter. Sentença ineficaz.

4o) Exemplo de impossibilidade econômica da coisa julgada, que identifica a sua ineficácia jurídica, seria a condenação de um homem de rendimento mensal de 3 salários mínimos ser condenado a pagar dívida de 500 mil reais, sendo ele proprietário apenas de bem de família, mas que renunciou a esse benefício em contrato de aluguel onde figurou como fiador.[15] Tome-se a hipótese em que o locador, proprietário, é pessoa com patrimônio de milhões de reais. Neste caso a ineficácia seria pelo menos parcial, de tal maneira que não atingisse o bem de família do locador. A impossibilidade é econômica, dilucidada pela impossibilidade jurídica: o direito dele à habitação[16] e a função social da propriedade, mesmo com pouco significado econômico para o locador milionário.

5o) Outra impossibilidade econômica estaria na coisa julgada que condenasse um trabalhador braçal de cidade do interior catarinense a pagar à parte contrária — não em dinheiro, mas necessariamente in natura — cabeças de “gado caipira” só existentes em determinada fazenda do oeste mineiro.

6o) Ineficaz será a coisa julgada que condene a entidade estatal a pagar indenização por perda da posse a quem efetivamente não teve perda da posse; essa condenação é economica, moral e juridicamente impossível. Não se lhe pode dar cumprimento apesar de existir o julgado e de ele ter válido segundo o Código de Processo Civil. O problema está no campo da ineficácia — não entrou no mundo jurídico por tal ser impossível.

7º) Outra impossibilidade moral que aponta a ineficácia do julgado: aquele em que o réu esteja condenado a transferir propriedade e posse de 10 apartamentos bem identificados, no valor de 100 mil reais cada um, para pagar dívida que não passa de 150 mil reais.

Os exemplos possíveis são inúmeros.

12) Há objeções oriundas da tradição exegética a merecerem exame. Entremos a algumas delas.

1a) Coisa julgada, coisa sagrada.

O conceito de sagrado é religioso. No mundo jurídico o único que se poderia dizer sagrado seria o homem-em-sociedade. É por causa das suas necessidades fundamentais, sem cuja satisfação a vida perece. Elas são de três ordens: de democracia, de liberdades fundamentais e de mais igualdade.[17] Aí sim se podem legitimamente fixar fins. Tudo mais, se contrário a esses fins, não se pode respeitar como absoluto. Seria colocar objetivos (meios) em lugar dos fins. Absurdo psicológico e social. Contrariaria as próprias religiões. Nem no permite a ética.

Exige-se para tanto, sem dúvida, sólida formação jurídico-científica aos profissionais do direito. Logo, também do magistrado. Todos têm de aliar ao conhecimento seguro do direito a virtude da coragem: coerência do agir com o sentir corretamente e pensar corretamente.[18] Contra a Moral e contra o próprio sagrado religioso é o desrespeito ao homem e à sociedade — como admitir eficácia ao que não na pode ter, por ser impossível.

2a) Tudo isto é um perigo para a segurança extrínseca das relações sociais.

Certo, a função natural do direito é a segurança extra-subjetiva quanto às ações exteriores. Entanto, o direito precisa ser lido e entendido. E o que confere segurança no campo do conhecimento (=ciência) é o método indutivo-experimental (exame dos casos particulares, generalizações possíveis e volta ao real concreto para controle dos achados mentais). Não é o apriorismo fundamentalista um fetichismo formal, como este: “a coisa julgada é intocável sejam quais forem os elementos do seu conteúdo”.

3a) Com isso fica aberto o caminho para a arbitrariedade judicial.

Não há tal perigo. A declaração de ineficácia da coisa julgada é uma proposição judicial de mesma natureza que outra qualquer. Antecedida de exame cuidadoso da especificidade, isto é, da impossibilidade de cumprimento do seu conteúdo segundo o método indutivo-experimental, segue-se o discurso jurídico. Fica ele sujeito ao controle de todos os interessados. A matéria de prova é estudada como toda prova tem de ser estudada. As questões de direito, analogamente. Logo, está o estudioso, o intérprete, apenas diante de mais problema jurídico. É assim em tudo mais. O perigo de arbitrariedade nada tem de especial, de estranho à ciência jurídica — é o mesmo perigo de qualquer julgamento. A objeção é também sem base.

4a) Se é uma novidade exótica.

Nada de exótico se acha na descoberta, que apenas para alguns é novidade. Os tribunais, quando são preparados os magistrados, horrorizam-se diante do julgamento aberrante da realidade jurídica. O Povo todo também pela dor da injustiça. Basta trazer a flux exemplos, como os que trouxemos. E muitos outros. O absurdo, bem compreendido, para logo é rejeitado como formalidade grotesca, uma como que anedota de mau gosto.

A boa nova é o ter se encontrado a fórmula jurídica que se ajusta ao caso: trata-se de coisa julgada sociologicamente inaceitável. Por isso ela é juridicamente impossível e, pois, sem eficácia no mundo jurídico. O absurdo, a aberração, não serve a nenhuma adaptação social. Nenhum dos sete processos sociais de adaptação consegue mantê-la como tolerável. Por outra: a rigor nem há novidade (salvo a fórmula técnica que explica suficientemente a espécie) nem muito menos exotismo.

13) Aspectos práticos.

Atitudes práticas têm de ser adotadas em face da coisa julgada ineficaz teoricamente apreendida pela ciência jurídica.

Algumas delas são: 1o) o conhecimento da ineficácia ex officio é de rigor, pois nela está o Poder Judiciário diante do absurdo, que todo sistema jurídico aborrece. 2o) Cabe a própria alegação incidenter tantum — esperar ação declaratória negativa para conjurar o absurdo demonstrado nos autos é outro absurdo, que vai contra toda a economia processual. 3o) É evidente, pelas mesmas razões, a ação declaratória negativa de eficácia sentencial, se de mister. 4o) O dever jurídico do Poder Judiciário, e a sua responsabilidade no tomar todas as cautelas para examinar e julgar a possível ineficácia jurídica da coisa julgada, são da maior relevância. Deixar permaneça no direito o absurdo, que precisa e pode ser conjurado, é omissão gravíssima. Exige-se aos membros do Poder Judiciário uma crescente formação científica no trato com o material jurídico. Não podem esconder-se timidamente nos escaninhos sombrios do positivismo jurídico, deixando-se levar pelo comodismo de ficar repetindo frases feitas de um passado morto, contra a vida dos homens e contra o progresso das sociedades humanas.

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PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil (de 1973). 2ª ed. rev. aum. 17 tomos. Rio de Janeiro: Forense, 1979.

_________ Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.

_________ Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5ª ed. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1976, 727 p.

_________Tratado das ações. Sete tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo I – 1970; tomo II – 1971; tomo III – 1972; tomo IV – 1973; tomo V – 1974; tomo VI – 1976; tomo VII – 1978.

REZENDE FILHO, Gabriel. Curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. III, 1966, p. 48 ss.;

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 3º v., 1988, p. 53 ss.


[1] Sobre a nulidade insanável e a actio nullitatis, ou quaerella nullitatis ver, além dos trabalhos de Pontes de Miranda mencionados abaixo, também FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. Réu revel não citado, “querella nullitatis” e ação rescisória. Revista de Processo. S.l.: nº 48: 27-44, 1987.

[2] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5ª ed. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1976, 727 p. Estudo breve veja-se em LIMA, Márcio Kammer de. Reflexões sobre a coisa julgada nas sentenças terminativas. In: Cadernos Jurídicos. São Paulo: EPM – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, v. 3, nº 11, set./out. 2002, p. 113 e ss. Entre as referências trazidas pelo autor, há as seguintes: REZENDE FILHO, Gabriel. Curso de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, v. III, 1966, p. 48 ss.; COUTURE, Eduardo C. Fundamento do direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1946, p. 350 ss.; SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 3º v., 1988, p. 53 ss.; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Conteúdo e efeitos da sentença: variações sobre o tema. Revista de Processo. S.l.: s.e., nº 40, p. 8 ss.; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. Revista de Processo. S.l: s.e., nº 34, p. 279.

[3] Neste ponto (da publicação) há tergiversação de Pontes de Miranda, com passagem em que trata essa sentença não-publicada como inexistente, e em outras onde a qualifica como ineficaz. Quer nos parecer que sentença não publicada não é ato do Estado, mas trabalho pessoal do juiz. Logo não é sentença, ato estatal (não-sentença, inexistência de sentença, só aparência de sentença).

[4] Outros dois exemplos de inexistência de sentença, ver MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil – vol. III. 2ª ed. at. Campinas: Millennium, 1998, p. 58-60.

[5] Os vícios inquinam a sentença de nulidade. Não se adapta ao direito processual a bipartição do direito privado: nulidade e anulabilidade. As duas classificações, correntias e acertadas, de nulidade processual são: nulidade cominada e nulidade não-cominada e (a classificação que vem mais ao caso aqui exposto) as nulidades sanáveis e as nulidades ipso jure. Há também graves inconvenientes em se falar em “nulidade absoluta” e “nulidade relativa”. Nulidade ipso jure são insanáveis mesmo depois da coisa julgada. A sentença atingida por tal nulidade não pode ser cumprida!

[6] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao código de processo civil (de 1973). 2ª ed. rev. aum. 17 tomos. Rio de Janeiro: Forense, 1979. [Os oito primeiros volumes foram atualizados por Sérgio Bermudes, mesma editora, desde 1996], tomo V, p. 37 ss.; Tratado da ação rescisória das sentenças e de outras decisões. 5ª ed. aum. Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 455 ss.

[7] O caso é expresso no nosso Código de Processo Civil, art. 730-I. Espécie das mais interessantes é aquela em o Município é citado não na pessoa do prefeito, mas na pessoa de procurador sem poderes expressos ex lege ou por ato administrativo do prefeito municipal. Há quem pense que o art.12 do Código de Processo Civil já deu a solução ao caso. Não. O estabelecido no art. 12 do Código de Processo Civil (Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores; II - o Município, por seu Prefeito ou procurador; [...] etc.) diz respeito à presentação (órgão) e não à representação (advogado), quando se cuide de citação. O art. 215 do Código de Processo Civil esclarece mais a questão. Diz o art. 215: “Far-se-á citação pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado”. Ora, o prefeito não é procurador, mas órgão, de modo que para valerá citação feita em procurador, é indispensável que ele esteja autorizado a tal — não é órgão, não é o prefeito municipal. Quem vai definir se o procurador pode ser tratado como se fôra órgão, capaz de receber citação, é o Município por seu prefeito (ato administrativo) ou por lei (a orgânica ou outra especifica). A não ser assim, nunca se sabe que procurador seria este: se aquele, ou aqueles, a quem o Prefeito autorizou ou a quem deu procuração, se o chefe dos serviços jurídicos, se qualquer dos procuradores (se o que é funcionário em sentido estrito, ou outro mesmo em regime de CLT, ou apenas o que trabalha como assessor do prefeito). Antes de haver essa definição temos de interpretar a lei em consonância com a regra jurídica do art. 215: o prefeito municipal é o único presentante (=órgão) do Município. Toda citação feita a outrem que não o prefeito municipal é citação nula (e se feita em quem nem ocupa cargo algum, é citação inexistente). Se não contesta o Município nestes casos, é revel — com todas as conseqüências do art. 730-I.

Semelhante se passa com as demais pessoas de direito público (União, Estados-membros, Distrito Federal); no caso da União há a lei sobre a AGU e para os Estados-membros tem-se de consultar a Constituição de cada qual.

[8] O que mais pesa define a classificação primária ou simples da sentença: é a força (com peso 5). Os outros são efeitos: se imediato, então peso 4; se mediata, peso 3; segue-se o peso menor (2) e depois o peso mínimo (1). Os 5 pesos medem as 5 diferentes classes de sentenças, que tenha julgado procedente a ação: declaratividade (positiva ou negativa), constitutiva (positiva ou negativa), condenatória, mandamental (positiva ou negativa) e executiva. Também definem as cinco classes de ações de direito material — ver Pontes de Miranda, Tratado das ações. Sete tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo I – 1970; tomo II – 1971; tomo III – 1972; tomo IV – 1973; tomo V – 1974; tomo VI – 1976; tomo VII – 1978.

[9] Sobre a ineficácia desta classe de sentença que é existente, que é válida e que, contudo é irrescindível ab initio ou agora já é irrescindível, ver o gênio de PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. Sete tomos. São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo IV – 1973, p. 535 ss.

[10] Diz o Código de Processo Civil, artigo 47: “Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo. [...]”

[11] Para Cândido Rangel Dinamarco (2002, t. II: 1212), citando Emilio Betti, a ineficácia do julgado dá-se quando haja “... impedimento de caráter extrínseco, que incida sobre o projetado regulamento de interesses, na suja realização prática”. A linguagem tem algo de simbólico, mas alude corretamente ao impedimento invencível para aceitação da coisa julgada.

[12] Quanto à improbidade administrativa, ver lei 1.079, de 10 de abril de 1950, atual redação.

[13] Ver por exemplo NORDI, Laerte. Das indenizações ambientais milionárias. Revista do Tribunal de Justiça de São Paulo. São Paulo: Ed. LEX, nº 244, 2001, p. 9-20.

[14] Ver Pontes de Miranda, “Coment. ao Código de Processo Civil”, 2a ed., t.. V, p. 118.

[15] Cfr. lei n. 8.009/90, art. 2o-VII, atual redação.

[16] Constituição Federal, art.6o., parte final. Também Direito o próprio Direito das Gentes é aplicável (Decl. Univ. dos Direitos do Homem, art. XXV-1).

[17] Ver a respeito PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.

[18] Ver NALINI, José Renato (coord.). Formação jurídica. 2ª ed. rev. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999 e Ética geral e profissional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

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