sexta-feira, 31 de julho de 2009

HONDURAS: uma deposição legal e não um golpe de Estado

HONDURAS: uma deposição legal e não um golpe de Estado

País algum pode viver em paz sem respeito ao direito constitucional. O ex-presidente de Honduras, Zellaya, foi deposto porque atentou contra o direito constitucional do seu povo. No dia 23.06.09 o Congresso hondurenho havia aprovado lei proibitiva de referendos ou plebiscitos em até 180 dias antes ou depois de eleições, mas Zelaya tentou um referendum para ser re-eleito (mais quatro anos). Esta tentativa de fazer uma consulta popular para reformar a Constituição, no sentido de permitir-lhe um novo mandato, foi declarada ilegal pelo “Corte Suprema de Justicia” do país — contrariava a dita lei válida e a Constituição mesma. A deposição de Zelaya no dia 28.06.09 foi igualmente decretada pelo órgão judiciário nacional máximo, cuja ordem ia ser cumprida pelos militares. Zelaya resistiu-lhes e só então foi preso pelo exército cujo comandante depusera e a quem “Corte Suprema de Justicia” reintegrou no cargo.

Diz a Constituição hondurenha no artigo quatro que a alternância na presidência é obrigatória, e quem atentar contra estar norma comete crime de “traición a la Patria”. Vigem ali outras normas relevantes quanto ao ato ilegal do ex-presidente: perde a própria cidadania quem “incitar, promover o apoyar el continuismo o la reelección del Presidente” (42, item 5); o dever de número um do presidente é cumprir a Constituição (artigo 241, 1); Honduras tem Congresso, composto por deputados diretamente eleitos para quatro anos de mandato (artigo 189); o judiciário tem como órgãos máximos a “Corte Suprema de Justicia” e o “Tribunal Nacional de Elecciones”; a “Corte Suprema de Justicia” compõe-se de nove membros escolhidos pelo Congresso (artigo 303-305); é este tribunal supremo que julga os atos ilícitos do presidente da república (artigo 319,1); os militares da ativa são inelegíveis (artigo 240, item 1); é militar quem tiver função no “Alto Mando, Ejército, Fuerza Aérea, Fuerza Naval, Fuerza de Seguridad Pública”, além de alguns outros organismos menores (artigo 273); compete às Forças Armadas defender “la alternabilidad en el ejercicio de la Presidencia de la República” (artigo 272); a reforma da Constituição compete ao Congresso Nacional e nunca pode alcançar, entre outros artigos, “los artículos constitucionales que se refieren [...] al período presidencial” — que é só de quatro anos — (artigo 374). De modo que Zelaya perdeu o cargo por ordem judicial fundada na Constituição vigente naquele país. Ou seja, Zelaya foi deposto por haver atentado contra a Constituição democrática de janeiro de 1982. Cometeu ato ilícito. A eficácia jurídica desse seu ato contrário a direito está prevista: perde o cargo. Isto longe está de ser golpe de estado: é aplicação do direito constitucional.

Todos os povos ganham quando respeitam o direito. (Também no Brasil, se fôssemos mais sérios, seria assim — o atentado contra a nossa Constituição Federal segundo o artigo 85. A perda do cargo está prevista na nossa lei de nº 1.079, de 10 de abril de 1950, ainda vigente com algumas modificações).

Não houve golpe de estado. Ao contrário, os poderes constituídos evitaram que Zelaya praticasse, ele sim, o seu golpe personalista contra a própria Constituição. Espanta por isso toda a atual movimentação internacional contra Honduras. É sem razão de ser. Cumpre primeiro saber o que é uma Constituição e lembrar a velha regra jurídica supra-estatal de não-intervenção. Esse apoio prático ao ex-presidente, legitimamente deposto por ordem judicial, funciona como um ato branco de intervenção, supra-estatalmente vedado desde pelo menos o ano de 1948 (Carta da ONU). Contradizem-se nos dias de hoje a própria ONU, a OEA e muitos países, incluído o Brasil; cometeram injustiça grave contra Honduras. Não deve ser este, porém, o estado atual da civilização no Ocidente. Sobranceiro aos anseios políticos, carregados de paixão interesseira, o primado há de ser do Direito, responsável pela paz estável.

Mozar Costa de Oliveira

(Mestre e doutor em direito)

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