sábado, 8 de outubro de 2011

A OPÇÃO PELA MAGISTRATURA ESTADUAL[1]

A OPÇÃO PELA MAGISTRATURA ESTADUAL[1]
Fernando da Fonseca Gajardoni
Juiz de Direito no Estado de São Paulo desde 1998
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP
Professor da Faculdade de Direito da USP – Ribeirão Preto

  1. Uma trabalhosa, mas gratificante escolha!
Duas certezas devem nortear a escolha de todos aqueles que optarem pela magistratura estadual: responsabilidade e muito (mas muito mesmo!) trabalho. Não há outra profissão na área jurídica em que estas duas características estejam tão presentes.
De fato, decidir sobre a vida (causas de direito de família e sobre a personalidade da pessoa), a liberdade (causas criminais e de infância e juventude) e o patrimônio alheio (causas cíveis, comerciais, tributárias e etc.), muitas vezes com reflexos que extravasam a individualidade dos litigantes e acabam atingido toda uma coletividade (processos coletivos e registros públicos), é tarefa que demanda uma carga de responsabilidade pessoal muito grande, incapaz de ser suportada por alguns. Diferentemente de pedir, requerer e postular dos advogados, procuradores e promotores, é o juiz que, em última instância, acaba decidindo as coisas mesmo e sofrendo as conseqüências pessoais disto (muitas vezes reveladas ao próprio travesseiro).
Não que o ajuizamento de ações não dispense uma carga enorme de comprometimento profissional e responsabilidade. Só que ao decidir bem, o Juiz de Direito não fez nada mais do que sua obrigação, e todos os louros da medida são tributados ao “lídimo” procurador postulante, ou ao “combativo” representante do Ministério Público. Mas ao decidir mal, Santo Deus, toda a culpa pela injustiça da decisão é fruto do despreparo ou do descaso do juiz, que literalmente recebe sozinho toda a pressão pessoal e social por isto.
O pior de tudo é que este conceito de decidir bem e decidir mal é tão seguro quanto o de um prego enfiado na areia. A mesma decisão que se reputa justa pela parte vencedora da demanda é injusta para a vencida. E não muito raro, a decisão acaba não agradando a nenhum dos litigantes, por conseguinte, sendo atacada e criticada por ambos os contendores. Os vencidos nunca se lembram que podem ter perdido a ação não por culpa da interpretação do juiz, mas simplesmente porque não tinham razão mesmo.
É certo que a existência de outros graus de decisão (os Tribunais de recurso) acaba aliviando um pouco esta carga de responsabilidade do juiz de primeiro grau quanto às decisões tomada. Mas o alívio não é assim dos maiores, na medida em que não mais do que 30% dos processos em curso no país alcançam o 2º grau de Jurisdição, de modo que os outros 70% mesmo são decididos de modo definitivo em 1º grau.
Da mesma forma, o aspirante à magistratura estadual tem que estar pronto para suportar um volume absurdo de processos sujeitos à sua decisão (muitas vezes sem contar com uma assessoria habilitada para auxiliá-lo). Já se foi o tempo da magistratura romântica e filosófica, em que o Juiz de Direito podia se dar ao luxo de decidir um ou dois processos ao dia, reservando a cada um deles horas a fio de estudo e reflexão. Hoje, além de se esperar que o juiz aplique adequadamente o direito aos conflitos sujeitos à sua Jurisdição, a sociedade clama por produtividade, eis que a quantidade de processos que aportam aos fóruns da Justiça Estadual do país é grande e só tende a aumentar (e, por ora, não nos interessa as causas disto).
O candidato à magistratura estadual, por isto, tem que estar juridicamente muito bem preparado e atualizado, eis que não haverá muito tempo para o estudo de uma só causa. E deve, ainda, dominar as ferramentas de informática hoje existentes, poderosas aliadas em favor da produtividade sem perda da qualidade.
Por conta disto, não há como deixar de se admitir que a magistratura estadual exige a renúncia, ainda que parcial, a um punhado de projetos e prazeres pessoais, pois o tempo livre é pouco e, no mais das vezes, acaba sendo dedicado mesmo à família.
Não que o ser juiz represente um sacerdócio, uma das muitas bobagens que se escreveu (e ainda se escreve) ao longo dos anos, e que fez alimentar a mente já deturpada de alguns (poucos) juízes (e desembargadores!) mal preparados, que se encastelaram em seus fóruns e passaram a se comportar como representantes de Deus na terra (inclusive em relação aos seus pares). Juiz não tem nada de Santo e, exatamente para aplicar a Justiça dos homens (e não a Dele), espera-se que ele seja dotado de uma enorme carga de humanidade para compreender seu semelhante, com todos os defeitos e qualidades ínsitas à nossa condição. Sacralizar a magistratura só torna a tarefa mais difícil tanto para aqueles que judicam quanto para aqueles que convivem com os magistrados.
Mas mesmo com este quadro nebuloso, ser Juiz de Direito, entre todas as outras profissões igualmente importantes e grandiosas, talvez seja a que melhor possa servir para manter a paz entre os homens. A magistratura estadual é, também, uma das poucas atividades em que se pode promover mudanças (inclusive sociais) sem depender de absolutamente mais ninguém. Só aquele que abraçou verdadeiramente a magistratura é capaz de entender a importância deste papel e colher dele os frutos da realização pessoal como homem e cidadão.
O presente texto tem por escopo orientar os aspirantes à magistratura estadual (principalmente os acadêmicos de Direito) sobre a estrutura, vantagens e desvantagens, dificuldades e facilidades da carreira de Juiz de Direito. É o que se espera fazer, ainda que sucintamente, a seguir.

  1. A estrutura do Judiciário e a carreira na magistratura estadual
De acordo com o Supremo Tribunal Federal, embora haja vários órgãos que compõem o Poder Judiciário (art. 92 da CF), é ele um poder (rectius: função) de caráter nacional, de modo que todos os seus membros merecem tratamento igualitário e uniforme (STF, MC-ADI 3.854-1, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 28.02.2007).
O Judiciário não é, assim, federal ou estadual. O Judiciário é nacional e, portanto, todos os juízes do país são juízes em qualquer Estado ou Município da Federação, independentemente de onde atuem ou qual nível da carreira estejam.
Isto, entretanto, não impede que, administrativamente, o Poder Judiciário Nacional seja seccionado em vários órgãos judiciais, escalonados materialmente e hierarquicamente. A razão para esta divisão é puramente prática, eis que a medida facilita a organização e distribuição da Justiça (ao menos em tese).
No âmbito da União, há a Justiça Federal comum e a Justiça Federal especializada.
À Justiça Federal comum compete, grosso modo, o julgamento de causas em que sejam partes, interessadas ou intervenientes, a União, as autarquias e as empresas públicas federais (art. 109, I, da CF), independentemente da matéria (do assunto) debatido no processo (Direito Civil, Penal, Comercial, Tributário, Previdenciário, etc.). Cerca de 85% ou mais dos feitos em curso na Justiça Federal comum são de natureza previdenciária (INSS) ou tributária (tributos federais).
A outra Justiça Federal, dita especializada, é decomposta em Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar. A primeira trata de conflitos decorrentes da relação de trabalho (art. 114 da CF), salvo dos servidores públicos não regidos pela CLT. A Eleitoral, como regra, cuida de conflitos relacionados ao sufrágio eleitoral (inclusive crimes eleitorais) e questões político-partidárias (art. 121 da CF). Finalmente, a Justiça Militar federal julga exclusivamente os crimes militares (art. 124 da CF).
Já no âmbito estadual, cada Estado da Federação organiza sua própria Justiça, observadas as regras da Constituição Federal (princípio da simetria) e das respectivas Constituições Estaduais (art. 125 da CF). A competência da Justiça Estadual é residual, isto é, a ela compete julgar todos os outros assuntos a que a lei, expressamente, não atribuiu à Justiça Federal comum e especializada. Dados estatísticos comprovam que mais de 70% dos feitos existentes em todo o país estão na Justiça Estadual (e destes praticamente 50% na Justiça Estadual Paulista).
O ingresso na carreira de juiz se dá, em primeiro grau de jurisdição e independentemente da Justiça onde se pretenda atuar (Federal ou Estadual), mediante concurso de provas e títulos, com participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases.
Não há, em primeiro grau, nomeações de natureza política para ingresso na carreira, tampouco ingresso por concurso ao cargo de Juiz Eleitoral, cujo exercício é atribuído, privativamente, aos Juízes de Direito (estaduais) por nomeação dos Tribunais Regionais Eleitorais, pese o caráter federal especial desta judicatura (art. 118 e ss. da CF).
Não há um concurso unificado no Brasil para o cargo de juiz. Cada Estado da federação organiza o seu próprio concurso, observados os ditames traçados pelo Conselho Nacional de Justiça (art. 96, I, “e”, da CF). De mesma forma, cada Tribunal Regional do Trabalho (no total de 24) e cada Tribunal Regional Federal (no total de 05) organizam os concursos para Juiz do Trabalho e Juiz Federal nas suas respectivas áreas, também observados os ditames gerais traçados pelo Conselho Nacional de Justiça (art. 96, I, “e”, da CF).
Assim, o aspirante ao cargo de juiz, antes de qualquer coisa, deve decidir a qual órgão do Poder Judiciário pretende ingressar para, só então, iniciar sua preparação, já que são diversas as matérias e as formas de preparação para ingresso na Justiça Estadual Comum, na Justiça Federal Comum ou na Justiça Especial do Trabalho ou Militar.
Os Juizados Especiais Cíveis integram a Justiça Estadual (Lei n. 9.099/95) e os Juizados Especiais Federais (Lei n. 10.259/2001) integram a Justiça Federal Comum, de modo que seus cargos são ocupados, respectivamente, por pessoas aprovadas no concurso para Juiz de Direito ou Juiz Federal.
Em primeiro grau, a carreira é escalonada em níveis ou entrâncias, mas sempre o primeiro cargo da carreira é o de Juiz Substituto (art. 93, I, da CF). Juiz Substituto é aquele que não é titular de nenhuma unidade judiciária (Vara), de modo que seu papel é, principalmente, substituir e auxiliar os titulares das mais diversas Varas espalhadas pelo seu Estado ou Seção Judiciária (no caso da federal), nas eventuais ausências e necessidades.
Na Justiça Federal, algum tempo de judicatura como Juiz Substituto, o magistrado pode se promover a Juiz Federal, Juiz do Trabalho ou Juiz Militar titular. Portanto há apenas 02 (dois) níveis em primeiro grau (substituto e titular).
Já no âmbito estadual, são as respectivas Leis de Organização Judiciária – de competência de cada um dos Estados e de iniciativa dos Tribunais de Justiça (art. 125, § 1º, da CF) – que disciplinam o escalonamento da carreira em entrâncias.
Como regra, após ingressar na carreira em primeiro grau como Juiz Substituto (art. 93, I, da CF), o Juiz de Direito se promoverá para entrância inicial (quando então se tornará juiz titular) e, sucessivamente, para os cargos de titular de entrância intermediária e final. O critério para definição do status da entrância é definido pelas legislações estaduais, mas grosso modo pode se dizer que o número de feitos, de eleitores e de habitantes da Comarca são os principais fatores.
Não há como se negar, assim, que a carreira na magistratura dos Estados membros é mais escalonada (e lenta) do que no âmbito federal, o que é justificável do ponto de vista lógico, eis que a estrutura da Justiça Estadual (e também o movimento judiciário) é bem maior do que a das Justiças Federais.

  1. As garantias da magistratura e a remuneração (subsídios)
Ao ser investido da função jurisdicional, o juiz passa a gozar de algumas garantias essenciais para o escorreito exercício do cargo. Em outras palavras, para que julgue com isenção, sem estar sujeito a pressões de natureza política ou financeira, a própria Constituição Federal garante ao juiz algumas prerrogativas funcionais que, longe de privilégios, são essenciais para o próprio funcionamento do Estado Democrático de Direito. É uma pena que muitos atores jurídicos (principalmente advogados), não vêem tais garantias como segurança deles próprios e de seus clientes.
Inicialmente, ao complementar 02 (dois) anos de judicatura em primeiro grau, o magistrado alcança a vitaliciedade. Em outras palavras, o magistrado só pode perder o cargo mediante sentença judicial transitada em julgado, independentemente do que tenha feito (o que não impede seu afastamento cautelar da função, mas sem prejuízo de regular remuneração). Enquanto não completar os 02 (dois) anos para o vitaliciamento, o juiz pode ser dispensado, mas só através de deliberação do Tribunal a que estiver vinculado.
Uma vez tendo se promovido e assumido a titularidade de alguma Vara, goza o magistrado da garantia da inamovibilidade, o que significa dizer que seus superiores não podem – salvo nos casos de interesse público e mediante voto da maioria absoluta dos membros ou órgão especial do Tribunal a que vinculado ou do CNJ (art. 93, VIII, da CF) – determinar sua remoção para outra unidade judiciária (art. 95, II, da CF). Esta garantia objetiva evitar que o magistrado seja removido por contrariar interesses escusos com suas decisões.
Finalmente, gozam todos os juízes do país da garantia da irredutibilidade de subsídios, o que evita que, por via indireta, seja o magistrado obrigado a abandonar o cargo ou a unidade judiciária que ocupa por conta de redução salarial (art. 95, III, da CF).
Por falar em subsídio, é bom esclarecer que, na atualidade, não há grandes diferenças entre os subsídios dos juízes estaduais e dos juízes federais (incluindo trabalhistas) em 1º grau, o que é ótimo para catalisar verdadeiras vocações e evitar desnecessárias distinções entre os membros do Poder Judiciário Nacional, que estão no mesmo nível hierárquico e gozam do mesmo status funcional. Um dos vários erros quanto a Justiça Estadual é pressupor que os Juízes de Direito ganham menos do que os Juízes Federais.
Por isto, para que o aspirante ao cargo tenha plena consciência de quanto irá receber pelos seus serviços como Juiz de Direito, é conveniente quebrar o tabu que existe em torno do salário dos juízes e revelar explicitamente quais são eles, até porque se diz que um dos principais atrativos do cargo é a estabilidade da remuneração (o que é verdade!).
O art. 93, V, da Constituição Federal (com redação pela EC 45/2004) estabelece um escalonamento salarial entre os diversos níveis hierárquicos do Judiciário, a partir dos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal. Assim, os Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Regionais do Trabalho devem perceber 90,25% dos subsídios dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (R$ 24.500,00) e, a partir daí, cada cargo da estrutura Judiciária nacional deve perceber subsídios com diferença não superior a 10% e nem inferior a 5%, uma em relação a outra.
Isto significa dizer que o teto salarial para os Desembargadores, observado o limite máximo dos subsídios dos Ministros do STF (inclusive no âmbito estadual), é de R$ 22.111,25 (90,25%). A partir daí, inicia-se um escalonamento de 5% a 10% a menor – a depender da lei estadual de regência no caso das Justiças Estaduais – entre os diversos níveis da carreira.
Assim, no âmbito federal, um Juiz Federal ou do Trabalho substituto inicia a judicatura com o subsídio mensal de R$ 18.958,19. Ao se titularizar, seus subsídios são acrescidos de 10%, subindo para R$ 21.005,69 (lembre-se que só há dois níveis de Juízes Federais em 1º grau).
No âmbito estadual, até porque há mais níveis na carreira, são leis estaduais que cuidam do assunto, sempre observados os ditames constitucionais. Em São Paulo, por exemplo, de acordo com a Lei Complementar Estadual n. 1.031, de 28.12.2007, a diferença entre entrâncias é de apenas 5%. Assim, de acordo com o comunicado TJ/SP SRH 512/2008, o salário como Juiz Substituto é de R$ 18.009.61; o de Juiz de Direito de entrância inicial é de R$ 18.958,19; o de Juiz de Direito de entrância intermediária é de R$ 19.955,40 e o de entrância final é de R$ 21.005,69.
Estes subsídios do Juiz Estadual podem, ainda, ser acrescidos pelo recebimento da gratificação pela prestação de serviços eleitorais, valor que, nos termos do entendimento do CNJ (resolução n. 13 e 14/2006 c.c. STF MCADI 3.854-1), pode fazer superar, inclusive, o teto remuneratório do STF (R$ 24.500,00). De acordo com a Lei n. 8.350/1991, com alterações introduzidas pela Lei n. 11.143/2005, a gratificação eleitoral para os Juízes de Direito que exerçam, em primeiro grau, tal mister, corresponde a 16% do subsídio mensal do Juiz Federal titular (R$ 21.005,69), o que representa atualmente a R$ 3.318,04 (R$ 3.000,00 em valor líquido). Esta é uma das grandes vantagens remuneratórias da judicatura estadual sobre os cargos do Judiciário da União.
Os valores dos subsídios citados são brutos. Sobre eles, deve ser procedido desconto de imposto de renda, contribuição previdenciária, e de outras verbas com previsão legal. Para se ter uma média de ganho líquido, pode se sugerir um desconto médio de 30% sobre o total.
O magistrado, como qualquer trabalhador do mercado formal, faz jus a 13º salário no mesmo padrão do subsídio mensal e adicional de férias (1/3). Alguns Estados da federação (como SP) estendem alguns benefícios genéricos a todos os funcionários públicos aos Juízes de Direito, como é o caso do direito à licença-prêmio de 120 dias após 05 (cinco) anos ininterruptos de exercício do cargo (outra vantagem da judicatura Estadual sobre as da União).
Os juízes têm, ainda, direito a férias de 60 (sessenta) dias por ano de acordo com a LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura). Entende-se que diante da especialidade da função jurisdicional, a exigir dedicação total e 24 (vinte e quatro) horas por dia (incluindo fins de semanas e feriados), fazem os juízes jus a esta especial benesse.
A renda mensal do magistrado pode ser acrescida, ainda, de remuneração advinda da docência, conforme expressa autorização da carta constitucional (art. 95, parágrafo único, I, da CF).
Além dos subsídios e da remuneração pela docência, é vedado ao magistrado receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo, auxílio ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ou exercer qualquer outro cargo ou função, ou, ainda, exercer atividade político-partidária (art. 95, parágrafo único, II, III e IV da CF).
O padrão remuneratório do Ministério Público Estadual e Federal é idêntico ao da magistratura. O da advocacia, no início de carreira, costuma ser menor, mas com o passar dos anos e formação da carteira de clientes e/ou ascensão nas sociedades de advogados, tende a superar consideravelmente os ganhos dos juízes.

  1. A dificuldade do concurso público
O primeiro grande desafio do aspirante à magistratura estadual é a aprovação no concurso público de provas e títulos. Várias são as dificuldades desta fase pré-aprovação.
Só podem prestar concurso para a magistratura os bacharéis em Direito que possuam 03 (três) anos de atividade jurídica comprovada após a colação de grau (art. 93, I, da CF, com redação pela EC 45/2004).
 O conceito de atividade jurídica, apesar do esforço do Conselho Nacional de Justiça em disciplinar o assunto, ainda é nebuloso, de modo que afirmar se a atividade prévia exercida pelo candidato é jurídica ou não tem sido casuística, a depender de cada Tribunal que organiza o certame.
O concurso da magistratura estadual costuma ser dividido em várias fases, a variar de Tribunal para Tribunal. Como regra, há uma fase inicial objetiva de caráter eliminatório (testes), seguida de uma 2ª fase (com consulta à legislação) de caráter elimininatório/classificatório, em que se exige do candidato dissertações e/ou respostas a questões abertas. Alguns Estados da Federação têm, ainda, uma 3ª fase escrita (com consulta à legislação), em que o candidato é submetido a uma prova de sentença, onde será avaliado quanto à capacidade de redigir decisões de todas as naturezas.
Vencida a etapa escrita, o candidato deve, ainda, ser submetido a uma avaliação psico-social e a uma prova oral, esta última realizada publicamente (como regra), por banca composta por Desembargadores e um representante da OAB. Nesta fase o candidato será argüido verbalmente sobre todo o conteúdo do edital do concurso (além de questões outras de natureza pessoal para aferir a vocação e comprometimento ao cargo).
O conteúdo das provas para o cargo de Juiz de Direito – até pelo volume de matérias que será exigido conhecimento do magistrado estadual no exercício do seu mister – é amplíssimo. Nenhum outro concurso para qualquer outro cargo da estrutura judiciária ou administrativa brasileira tem um conteúdo tão amplo. Daí porque se exige do aspirante ao cargo de Juiz de Direito vasto conhecimento do Direito. São as seguintes matérias que costumam ser exigidas no concurso: a) Direito Civil; b) Direito Processual Civil; c) Direito Penal; d) Direito Processual Penal; e) Direito Administrativo; f) Direito Constitucional; g) Direito Tributário; h) Direito Comercial (incluindo Direito do Consumidor); i) Direito da Infância e Juventude; j) Direito Registrário e Imobiliário; l) Direito Agrário; m) Direito Previdenciário (só em alguns Estados); n) Direito Urbanístico; o) Direito Ambiental; p) Direitos Humanos; q) Legislação Estadual. Ou seja, para o cargo de Juiz de Direito só não se exige do candidato, grosso modo, conhecimento de Direito Internacional e Direito do Trabalho (e, em alguns Estados com SP, Direito Previdenciário).
Como regra ocorre nos concursos públicos para o cargo de juiz, também no âmbito da Justiça Estadual os Tribunais raramente conseguem prover o número de claros na carreira, o que é fruto, entre outras coisas, do baixo nível global do ensino jurídico de nosso país. Ou seja, o aspirante à magistratura estadual só concorre consigo mesmo, pois vagas há com sobras.

  1. Os primeiros passos da carreira: a Escola da Magistratura e a vida de Juiz Substituto
Aprovado no concurso, regra geral o Juiz Substituto é submetido a um curso preparatório na Escola Estadual da Magistratura. O formato e o tempo de duração do curso variam conforme o Estado da Federação. Em São Paulo, por exemplo, o curso dura 04 (quatro) meses, período em que o magistrado costuma ter aulas e palestras no período diurno, e no período vespertino, é designado para estagiar nas mais diversas e especializadas Varas da Capital paulista.
Esta fase é muito importante para sorver conhecimentos práticos (principalmente para aqueles que não tiveram experiência profissional dentro do Judiciário), e também para firmar importantes contatos que no futuro, em caso de dúvidas, poderão ser úteis.
Passado este período de preparação, então o Juiz Substituto é encaminhado à sua Circunscrição Judiciária, onde iniciará a atuação funcional (geralmente no interior).
Este período, certamente, é a fase mais crítica da vida do magistrado estadual.
Primeiro, porque, geralmente, a inexperiência e a falta de ritmo de trabalho como juiz, conduzem o Juiz Substituto a ter alguma dificuldade na forma de conduzir os processos (as sentenças são extremamente longas; nas audiências não são explorados pontos essenciais do conflito, ou, às vezes, são explorados pontos desnecessários), ou mesmo na forma de julgá-los (valoriza-se demais um detalhe em detrimento de outro bem mais importante, etc.). Com um curto espaço de tempo esta dificuldade, naturalmente, vai se dissipando, eis que a experiência judicante não se conquista a não ser sendo juiz mesmo.
Segundo, porque as viagens são uma constante na vida do Juiz Substituto, eis que ora ou outra (às vezes de um dia para o outro), é designado para assumir ou auxiliar Varas em locais distintos e distantes. Ter um carro em boas condições mecânicas (o perigo das estradas é uma constante!) e com o mínimo de conforto, em que o porta-malas possa ser transformado em uma biblioteca, e o interior do veículo em hotel, é uma boa sugestão.
Finalmente, esta fase também é crítica porque, embora a maioria dos Juizes Titulares seja colaborador e acolhedor (alguns até em tom paternal, e depois se tornam excelentes amigos), outros poucos magistrados acabam explorando o recém-chegado juiz, exigindo-lhe a prolação de um número alto de sentenças (ou, às vezes, encaminhando-lhe os feitos mais complexos para despacho), ou designando para o mesmo dia um número elevado de audiências.

  1. A primeira Comarca: as dificuldades pessoais e profissionais
Passado um tempo de carreira, o Juiz Substituto já pode se promover para a sua primeira Comarca. Como regra, a titularidade é alcançada em uma Comarca pequena do interior do Estado.
Ao lado da satisfação de, a partir de então, gozar de todas as vantagens da titularidade (local de trabalho fixo, controle da própria pauta de audiências, estrutura e sala própria, etc.), por outro alguns novos desafios vão surgir.
A solidão – principalmente para os solteiros – talvez seja o maior deles. A distância da família, dos amigos, da vida social de outrora, acabam fazendo com que o magistrado, em muitos casos, se torne uma pessoa introspectiva.
O receio de estreitar laços de amizade com pessoas da comunidade, também, é um outro problema. Com a cautela de não se comprometer em relação aos jurisdicionados – até porque não se sabe, de antemão, quem tem ou não problemas judiciais – adota-se uma postura de distanciamento, o que acaba contribuindo, ainda mais, para a solidão revelada no item precedente.
Algo que ajuda a evitar este vazio do começo da carreira é a obtenção de autorização do Tribunal de Justiça para residir em Comarca vizinha, geralmente de maior tamanho. Embora a Constituição Federal exija que o juiz titular resida na respectiva Comarca, salvo autorização do Tribunal (art. 93, VII, da CF), confesso que nunca compreendi e nem aplaudi este comando constitucional. É razoável que juiz não tenha relacionamentos muito estreitos com as pessoas da Comarca pequena onde judica, algo que inevitavelmente ocorrerá se residir no local. Não se está aqui a sustentar que o juiz possa residir a centenas de quilômetros de distância, nem que não tenha que viver a realidades da comunidade de sua Comarca. Mas o que penso é que a autorização para residir em Comarca vizinha, desde que fiscalizada e deferida dentro da proporcionalidade, longe de prejudicar a atividade judicial, beneficia a judicatura e a própria imparcialidade do juiz.
Até porque, mais um problema do Juiz de Direito na sua primeira Comarca é a vigilância de sua conduta social. O magistrado é tido como exemplo de retidão de caráter e de polidez no convívio, de modo que seus atos e gestos na vida pública são acompanhados de perto por todos os munícipes que o conhecem. Embora esta vigilância vá seguir o juiz por toda a carreira, de se convir que quanto menor a Comarca, proporcionalmente, maior é a vigilância. Recordo-me de uma passagem em que um funcionário do fórum, em seu horário de almoço, se dispôs a comprar-me um remédio contra a dor de cabeça. Ao fazer uma audiência no período da tarde, mais de um jurisdicionado me perguntou se havia melhorado minha cefaléia, o que denota que as notícias sobre a vida do juiz, por menores que sejam, são objeto de comentários na sociedade.
Já no aspecto profissional, a primeira Comarca traz o problema da falta de especialização. O Juiz de Direito de entrância inicial (e também de intermediária), é uma grande generalista. Como tal, exige-se do magistrado um conhecimento amplo de todas as matérias, eis que as Varas não são especializadas e, portanto, o juiz vai ter que julgar todos os assuntos mesmo. Como é impossível possuir material suficiente sobre todas as áreas do Direito, a internet é uma ferramenta fantástica de informação.
Dentro desta generalidade, convém destacar, ainda, um agravante que aflige a Justiça Estadual como um todo. De acordo com o art. 109, § 3º, da Constituição Federal, nas Comarcas que não sejam sede da Justiça Federal (praticamente todas as Comarcas de entrância inicial e intermediária, inclusive algumas de entrância final), os segurados do INSS poderão ajuizar demandas previdenciárias em seu próprio domicílio e perante o órgão da Justiça Estadual, com recurso desta decisão para o Tribunal Regional Federal. A disposição legal autoriza, ainda, que a lei ordinária estenda esta regra de delegação de competência da federal para a estadual a outros feitos, como ocorre com os executivos fiscais federais (art. 15 da Lei n. 5.010/66).
Em precioso artigo publicado no periódico virtual Consultor Jurídico (Falange Heróica, acesso em 12.05.2004), o Desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bem explicita os problemas que acarreta este pesado fardo suportado pela Justiça Estadual, que em muitas Comarcas compromete praticamente 50% de toda a atividade judicial cível. Verbis:

Questão que tem afligido seriamente os Estados, mais precisamente seus Judiciários e jurisdicionados, é a da competência federal suplementar.
Como a Justiça Federal não tem condições de assumir sua competência plenamente, por não ter efetivo e instalações suficientes, as Justiças dos Estados, mormente nas comarcas do interior, têm feito a vez daquela, processando e julgando causas previdenciárias, execuções da Fazenda Nacional e de autarquias, os embargos pertinentes, etc.
Tal suplementação competencial encontra espeque no art. 109, § 3o, da CF, e no art. 15 da Lei 5.010/66.
Todavia, o movimento de muitas das comarcas dos Estados, por conta desses feitos, chega a volumes impressionantes, mesmo nos juizados especiais estaduais, que, por formarem malha de ampla extensão, têm feito mais do que a própria Federal na esfera de competência desta.
Em Catanduva, tem o signatário informe de que há cerca de 2.000 feitos do âmbito federal em cada vara cível, que são três, totalizando 6.000 processos, afora as execuções fiscais, mais 2.000, aproximadamente, no montante global de 8.000 feitos.
Em Jacareí, sempre segundo informações fornecidas pelos respectivos juízes, há 3.000 revisionais previdenciárias e mais 3.000 execuções.
Em Botucatu, há notícia de que a Justiça Federal deixou de instalar vara local porque o expressivo volume de serviço tornaria inviável a providência, em iniciando a nova célula já completamente sufocada.
A situação não é outra nas demais comarcas do País, tantas as reclamações dos magistrados responsáveis por esse trabalho a maior.
Isso tem trazido desmarcados transtornos para os Estados, que se vêem assoberbados com esses feitos, os quais, a rigor, não são de sua competência, em prejuízo hialino aos processos de sua jurisdição, inclusive os que dizem com a cidadania, como as ações de estado e as alimentares, a par de outras tantas.
O pior de tudo é que a União não tem fornecido qualquer estrutura para tanto e nem remunera os juízes dos Estados por esse "plus" laboral significativo, em detrimento de princípios básicos que vedam o trabalho gratuito e o enriquecimento sem causa, enquanto prédios de fóruns pelo Brasil afora, que acabam servindo à Federação, estão à mingua, sem estrutura, sem segurança e muitos em franca deterioração.
A omissão dos Tribunais de Justiça também merece relevo, porque nada se fez até agora para que a Justiça Federal assuma essa competência, que é sua, ou para que a União propicie estrutura bastante, a qual poderia vir em forma, e. g., da informatização e conservação dos prédios, por conta desse trabalho hercúleo.
O problema vem desde a criação da Justiça Federal e, a meu aviso, nunca foi abordado com firmeza pelos Tribunais dos Estados.
Resultado, o que era provisório passou a ser definitivo e os juízes dos Estados, verdadeiros coringas, seguem com suas comarcas emperradas, trabalhando além do limite de suas forças e graciosamente, para receberem toda a crítica por conta desse entrave.
É preciso mudar a mentalidade. Se a Justiça Federal existe, ela deve assumir plenamente sua competência, de modo a não inviabilizar as dos Estados, a custos elevadíssimos, quer social, quer político e moral, quer material.
Fica, então, o registro, na esperança de que as autoridades administrativas competentes se sensibilizem com o problema e passem, sem delongas, do projeto à ação, a exemplo da Justiça do Trabalho, que passou a retirar substancialmente suas causas dos Judiciários dos Estados, aí também servindo de coringa por muitos anos.

      O pior é que o Juiz de Direito, pessoa não preparada, vocacionada ou interessada em cuidar de causas previdenciárias ou executivos fiscais federais, acaba tendo, em prejuízo de suas verdadeiras funções, que se desdobrar para aprender e entender Direito Previdenciário e a sistemática dos tributos federais. Pior que isto, é só compreender o paternalismo estatal que há na jurisprudência dos tribunais de recursos nesta seara.
Outra dificuldade do início da carreira de Juiz de Direito se refere às Corregedorias. Com efeito, além de ser o julgador de conflitos das mais diversas naturezas – alguns de natureza extremamente sensível como as causas de direito de família e personalidade da pessoa – ao se titularizar o Juiz de Direito se torna, também, Corregedor Permanente de uma série de órgão extrajudiciais, mas que sofrem fiscalização constante do Poder Judiciário Estadual. Assim, o Juiz de Direito é o Corregedor da Polícia Judiciária (Polícia Civil), dos Cartórios de Registro Civil; dos Cartórios de Registro de Imóveis e de Pessoas Jurídicas; dos Cartórios de Notas; e dos Cartórios de Protestos (além do seu próprio Cartório Judicial). Nesta função, o papel do Juiz de Direito é zelar pelo respeito aos Direitos Humanos, bem como pelo escorreito funcionamento das unidades extrajudicializadas, suprindo-lhes as dúvidas na execução do serviço, ou conflitos administrativos com jurisdicionados. Sempre que se fizer necessário (e ao menos uma vez por ano), o magistrado estadual é obrigado a visitar estas unidades (correição), e analisar todos os livros, registros e dependências do órgão correicionado (inclusive os recolhimentos de cunho tributário).
É nesta fase da carreira que o Juiz de Direito vai ter que aprender, também, a ser administrador. Com efeito, além de inúmeros funcionários do fórum que estarão sob seu comando (inclusive no aspecto disciplinar), o magistrado estadual será, também, Diretor da unidade judicial, como tal, responsável pelo suprimento de suas necessidades materiais. Com a verba recebida mensalmente da Administração Central (Tribunal de Justiça), nem sempre suficiente, compete ao Juiz de Direito organizar licitação para aquisição de produtos e serviços, pagar as despesas ordinárias (águas, luz, telefone), efetuar reformas no prédio, prestar contas dos gastos ao Tribunal de Justiça, enfim, determinar tudo aquilo que seja necessário para o pleno funcionamento de sua unidade. A ajuda do poder público municipal é essencial para o pleno funcionamento material da Justiça Estadual, o que nem sempre é razoável e nem desejável.

  1. O relacionamento com o jurisdicionado, advogados e membros do Ministério Público
O exercício da magistratura traz consigo, também, a necessidade de o Juiz de Direito se relacionar diariamente com os outros atores jurídicos: partes, advogados (públicos e privados) e promotores.
Em relação às partes não há grandes dificuldades, eis que o Judiciário Estadual não faz, como regra, atendimento ao público, até pra não comprometer a isenção do julgador em eventual processo que venha a receber da parte aconselhada (o que acarreta suspeição nos termos do art. 135 do CPC). De qualquer modo, espera-se que o magistrado seja pessoa cordata e paciente. O jurisdicionado não conhece o complexo sistema Judiciário nacional e, como tal, pode não entender, até pela sua simplicidade, as muitas vezes incompreensíveis mesmo cousas da Justiça.
Já em relação a advogados e promotores, nunca entendi direito porque se propala, aos 04 (quatro) ventos, que o relacionamento não é fácil. Embora as divergências jurídicas sejam parte da própria posição dos atores processuais (os advogados e promotores requerendo e recorrendo cada qual em favor do seu tutelado, e o juiz decidindo e acatando as decisões superiores), tenho percebido, cada vez mais, que os conflitos pessoais só surgem por despreparo profissional, falta de vocação, ou vícios de formação pessoal (falta de educação mesmo) de um dos contendores.
Com efeito, se cada ator do processo entender seu papel e respeitar o papel do outro, os embates pessoais serão inexistentes. Da mesma forma que há advogados que, supervalorizando suas prerrogativas profissionais (e lembrem-se da ilegal listinha de inimigos da advocacia elaborada pela OAB/SP), objetivam atacar a pessoa do magistrado e sua conduta (e não sua decisão), há também promotores que não aceitam a rejeição de suas pretensões (embora sejam partes no processo), levando isto para o nível pessoal. Há juízes, por sua vez, que se sentem superiores aos demais sujeitos, como tal, levando qualquer crítica à condução do processo ou à decisão tomada (inclusive recursos) como uma ofensa pessoal.
É evidente que não se está a sustentar que o juiz deva aceitar qualquer provocação à sua pessoa (que nada mais é do que a provocação ao próprio Estado-Juiz). Mas espera-se do Juiz de Direito, sem perder sua autoridade de agente do Estado responsável pela decisão, uma dose faraônica de paciência, até para suportar, sem ressentimentos, as críticas ao seu trabalho (não a sua pessoa). A tarefa é difícil, mas essencial para a manutenção do bom convívio. Já cansei de ler arrazoados, ainda que desgostoso, em que minhas decisões foram adjetivadas de absurdas. Mas não admite que em outro feito um advogado me chamasse de repugnante (s. asqueroso, nojento), encaminhando peças ao Ministério Público para apuração do crime de injúria e desacato (o que foi devidamente providenciado).
Espera-se do juiz, também, a fim de evitar conflitos latentes, que exerça seu mister com a maior carga de humildade possível, pois em parte das vezes atuará em processos em que o profissional é mau preparado e, por conta disto, a atuação é pífia.
Grandes profissionais aprendem um com o outro. Na mesma intensidade em que aprendi Direito com advogados e promotores, também os ensinei. Esta consciência nos coloca, ainda que de lados opostos na relação jurídica processual, do mesmo lado em favor da verdade e da Justiça, de modo que não me assusto mais ao ver que colegas de trabalho, com o passar dos anos, se tornam também grandes amigos.

  1. O difícil relacionamento com a imprensa
Tirantes órgãos especializados em jornalismo jurídico, o Juiz de Direito perceberá que o grosso da imprensa não conhece absolutamente nada do sistema judicial, e muito menos ainda de regras jurídicas.
Por isto, não é raro que as declarações dadas aos órgãos de imprensa – principalmente aos órgãos locais (que às vezes agem de má-fé, outras por simples ignorância mesmo) – sejam completamente distorcidas a bem da polêmica e do aumento da vendagem e/ou audiência, com pré-julgamentos e manchetes escandalosas.
Todo Juiz de Direito já passou por esta situação, e se ainda não passou, vai passar.
Por isto, o relacionamento do Juiz de Direito com a imprensa deve ser cautelosa, até porque depois de publicado a notícia, a comunidade, a depender do resultado do processo e da opinião do mau jornalista, é insuflada contra o órgão Jurisdicional.
Não me parece que seja adequada a conduta de alguns juízes de simplesmente não atender ao órgão de imprensa. Se por um lado a cautela é justificável, por outro não se justifica a subtração dos fatos da opinião pública.
Daí porque se aconselha que eventuais entrevistas sejam gravadas ou dadas por escrito, com a condição de que eventual publicação se dê de trechos inteiros, entre aspas.
Alguns Tribunais têm assessoria de imprensa, que também se ocupa de assuntos de 1º grau de Jurisdição. É conveniente usá-los.
E nunca, jamais, o magistrado pode deixar que a opinião pública, os advogados ou os membros do MP ditem suas decisões. Por mais difícil que possa parecer, um julgamento justo só depende dos fatos do processo, e não dos elementos trazidos pelos jornais através de seu julgamento à jato.

  1. Saldo final: balanço positivo!
Pesem todas as dificuldades da carreira, o saldo final da opção pela magistratura estadual é altamente positivo. Além da estabilidade da remuneração, o poder de desempenhar uma função essencial à própria existência do Estado, resolvendo os conflitos mais significativos para o ser humano (vida, família, liberdade e patrimônio), faz com que a própria existência, por si, já tenha valido a pena. Como já anotado na primeira parte deste texto, só aquele que abraçou verdadeiramente a magistratura é capaz de entender a importância deste papel e colher dele os frutos da realização pessoal como homem e cidadão.
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[1] Originariamente publicada no livro Conexão Migalhas.

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