terça-feira, 30 de outubro de 2012

ANOTAÇÕES SOBRE MORALIDADE E CORRUPÇÃO


ANOTAÇÕES SOBRE MORALIDADE E CORRUPÇÃO

Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), desembargador aposentado (Tribunal de Justiça de São Paulo), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

 

Sobre o assunto acima indicado trazemos aqui os resumos de algumas obras cujo tema é moralidade, a que a nosso ver se contrapõe a modo de antônimo a corrupção. Eis, pois, a seguir, mesclados de opiniões nossas, os ditos sumários.

*MORAL, Irenaeus Gonzalez. Philosophia moralis. 4ª ed. Santander (Espanha): Ed. Sal Terrae, 1955.

O autor é um padre jesuíta escolástico. O seu pensamento liga-se a Aristóteles, Tomás de Aquino e Francisco Suarez. De modo que o conceito de felicidade (beatitudo) forma o eixo central da obra (pág.714). Nesta concepção, não há felicidade sem a experiência religiosa: Deus como fim último do ser humano. É fundamental, também, o conceito tomístico de liberdade, ponto, aliás, como se podia esperar em que o raciocínio do autor nem sempre segue as linhas das descobertas da psicanálise.

O ato é verdadeiramente humano quando a vontade opera livremente. São impedimentos desses atos racionais as “paixões” – forte movimento do apetite sensitivo a que é inerente um conjunto de transformações corporais. A paixão é ligada à animalidade. As paixões, senão bem orientadas pela razão, enfraquecem. Sem a razão as forças passionais corrompem. O homem é invadido pelos vícios. Há paixões que se movem pela presença do bem, buscando-o. São as paixões concupiscíveis: amor, desejo, alegria, ódio, horror, tristeza; são opostas essas paixões, respectivamente, pelo ódio, pela fuga, tristeza, pelo amor, desejo, alegria. Há alegria quando o bem se faz presente. Há ódio quando a presença é o mal. O horror ocorre com o mal ainda ausente e a tristeza quando o mal se faz presente.

As paixões irascíveis são cinco: esperança, desespero, medo, coragem, ira (raiva). A essas se opõem correspondentemente o desespero, a esperança, a coragem e o desespero (o autor, citando Tomás de Aquino diz que não há uma paixão oposta à ira). Continuando, diz, a esperança tem objeto um bem possível e de obtenção difícil.     O desespero versa a respeito de um bem difícil e de concepção impossível. O medo ou temor tem por objeto o mal ruim de que se quer fugir. A coragem ou audácia tem por objeto superar o mal árduo. E por fim, o objeto da ira é o mal presente de difícil suportabilidade. Quando a vontade humana por repetição cria hábitos correspondentes a essas paixões, estará a pessoa em situação de virtude (força de moralidade) ou de vício, fraqueza, imoralidade.

A despeito de se tratar de concepção medieval nas suas raízes, esses conceitos muito trazem de teor sociológico e psicanalítico. O indivíduo socializado pelo cultivo continuado dessas forças interiores, ter-se-á tornado um indivíduo confiável, desejável, elogiável, querido. É pessoa ética. Timbra pela boa moral em que se vai educando (pág.117-118).

Se o dinamismo passional se desorganiza relativamente à harmonia interior da pessoa, criam-se impedimentos para os atos morais porque o subjectum se enfraquece corrompidos alguns tecidos da sua interioridade. Essa debilitação é momento de se enraizar a corrupção (pág.117). Na moralidade há certa constância dos atos aprovados pelo círculo social. A repetição dos atos torna-se costume (mos-moris). O costume torna habitual a inclinação, seja para construir pessoa, seja para destruir a superioridade do homem (gente) sobre o animal (bruto). Em circunstâncias normais no espaço e no tempo, as energias construtivas são apreciadas, queridas, dignas de louvor. O contrário delas é detestado porque merece vitupério (pág.125). A voluntariedade, com certo de grau de liberdade é elemento constitutivo da moral (pág.126). Sabemos pela psicologia e pela pedagogia que, pelo menos até certo ponto a vontade pode ser dirigida, conduzida. Dá-se isto pela educação. Este é também um ponto fundamental para se encontrarem as raízes da moralidade e do seu contrário, da corrupção.

A formação escolástica do professor Irenaeus Gonzalez Moral coloca-o no plano da mentalidade racionalista, a segunda etapa do conhecimento científico. Por isso tem ele como sendo elemento constitutivo da moralidade a natura rationalis, ligada por último à essentia divina (pág.140-153). Na mesma linha de raciocínio, o autor tem por inaceitáveis os critérios eudaimonísticos (individuais, sociais ou de solidarismo) (pág.153-156). Refuta também a moral sensista havida também como intuicionista, de modo que a benevolência é havida como movimento impressionista. A simpatia não pode ser critério de moralidade porque pode conduzir ao individualismo e por ser altamente variável. O altruísmo também não é critério adequado por ser conceito por si mesmo confuso. Indeterminado. Tampouco a comiseração porque em geral lança raízes na fantasia e não é universal. O autor insiste em que a moral é universal, sem admissão de relatividade. Nem o senso de honra é critério adequado por não ser absoluto, claro, universal, imutável e objetivo. De outro lado a intuição emocional é de ser afastada como critério de moralidade – muito tem de subjetivo e de mutável (pág.158-161).

Nem são critérios completos os provenientes da moral biológica (o culto da vida) porque sublinha em demasia os valores corporais. O critério estético não é de ser acolhido porque nem toda beleza condiz com a moral. A moral humanista é insuficiente por se fechar em critérios humanos, sem o sobrenatural. Tem de dizer-se o mesmo quanto ao critério do culto da personalidade (pág.161-172).

O bem moral é aquele que estiver de conformidade com a natureza racional do homem enquanto tal. Tal é o caso da justiça, da caridade, da temperança, etc., tudo dentro do pendor da afirmação de Deus como valor absoluto, enraizado na vontade dirigida pela razão (pág.173-182). A imoralidade é a própria maldade do ato interior. Mal é ausência de bem (pág.183-187). Sendo certo de que nenhum ato de escolha é moral indiferente (pág.188-195). Bem ou mal está na interioridade e não nos atos externos que deles despontam (pág.188-200).

Virtude e vício

A repetição de atos, uma vez que forma hábitos faz a pessoa qualificar-se como forte ou fraca, de virtude ou de vícios, de moralidade ou de corrupção. Há quatro hábitos morais que são como que gonzos de uma porta. São as virtudes cardiais: prudência, justiça, fortaleza e temperança.

A prudência é a correta racionalidade que prepara a ação estabelecendo em cada caso o que é honesto e o que é torpe, preparando a ação, indicando os meios a ela adequados e determinando a prática. Precisa de capacidade de recordação, de inteligência, de alguma previsão do futuro, de docilidade a lições de outrem, de rapidez de raciocínio, de escolha rápida, de percepção das circunstâncias reais e da precaução. Contraria o hábito da prudência os hábitos de precipitação, inconstância, negligência, carnalidade, astúcia, preocupação excessiva.

A justiça. Essa segunda virtude cardeal, instituída pela Escolástica tem um sentido geral, significando a própria retidão, o conjunto de todas as forças interiores ou virtudes. O segundo sentido, estrito é o “hábito que inclina vontade a prestar a cada um o que lhe é devido, com exatidão”. De modo que é o hábito de se prestar ao alter o bem, tal como lhe é devido; ao mesmo tempo o hábito de se afastar do mal, nocivo ao alter [1].

Fortaleza. Segundo a escolástica ela é o hábito que modera (controla) o ímpeto da sensibilidade, para enfrentar a realização de fatos que são árduos e perigosos, e de sustentar-se nessa luta e de tomar passos em direção a vitórias e recomeços. Na fortaleza entram atitudes variadas como as de confiança, paciência, perseverança e grandeza de alma. Para se enfrentarem perigos, é de mister que interiormente se nutra o espírito com prontidão e dedicação (pág.212-213).

Temperança. É o hábito capaz de controlar a sensibilidade quando busca os prazeres corporais, notadamente os deleites do tato e do paladar. É composta ainda de atitudes como a honestidade e a vergonha, o decoro e o respeito à corporeidade do próximo. Requer momentos de abstinência e de pudor. Acrescem ainda atitudes de autocontrole, vigilância contra desejo de glória, a mansidão (contrária ao desejo e vingança) e a moderação contra os exageros das exigências corporais. A insensibilidade e a frieza para com o próximo dificultam a prática da temperança (pág. 213-214).

Vícios. Vício é enfraquecimento do ser humano como tal. Abrem brechas de fraqueza, corrompendo-lhe a capacidade de praticar o bem. É, portanto um hábito do mais; induz a uma vida degradada, seja do indivíduo, seja – o que é pior ao círculo social degradado, posto em grau inferior ao que é especificamente humano especificamente superior ao mundo mecânico e à vivência do animal bruto. O vício, germe de corrupção, ora está no espírito (a Escolástica dá como exemplo a vaidade ou glória vã) ou ao corpo como aguda e a licenciosidade ou luxúria. O vício, o contrário do poder interior ou virtude, pode ser um hábito que se tomou tocantemente a objetos exteriores ao corpo e ao espírito. A Escolástica traz como exemplos a indolência (preguiça), o hábito de afastar impedimentos à nutrição da quietude egotista. Outro exemplo é a inveja, que é o entristecer-se pelas boas vitórias conquistadas pelo alter e pelas suas qualidades de excelência. Outra atitude viciosa é a ira, a raiva por o alter adotar atitudes com que o fraco, o viciado, não concorda por se sentir atingido.                 

 

*DURKHEIM, Émile. Sociologia e filosofia. 2ª ed. Trad. J. M. de Toledo Camargo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1970.

A sociedade, o círculo social é desejado para o indivíduo. É-lhe necessário porque o defende e ampara. Não há indivíduo fora de algum círculo social. Por isso mesmo, não há moralidade de uma pessoa em si mesmo considerada. Ao contrário, o alter, embora por vezes adversário, é tido como uma necessidade. É, portanto desejável porque satisfaz as necessidades. Como não é inteiramente compreendido o alter, ele é tido como nimbado de alguma sacralidade. Para Durkheim essa sacralidade aproxima a experiência moral da experiência religiosa porque a respeitabilidade do alter nos mantém a alguma distância dele e, ao mesmo tempo, no-lo faz desejável (pág.64). É ruim violar essa sacralidade (pág. 51-53). A separação estabelecida por esse sentimento de sacralidade das outras pessoas não destrói a união. Quando o alter não é profanado, o que cresce é a estima, o juízo de valor. Ele fortalece os indivíduos diminuindo o número de atos decadentes, corruptores. Na corrupção têm-se o oposto dessa moralidade, como se concebe na relação social, da sua “essência”. Tanto o fraco como o corrupto mais temem ou odeiam o alter que o respeitam. A tendência do eu é centrada no indivíduo. Esse egocentrismo retira as forças do indivíduo para se integrar na sociedade harmonizando as necessidades do seu eu com as necessidades do eu alheio.

Nas sociedades que não entraram em egotismo geral tresloucado (sociedades decadentes), os atos de respeito ao alter são louvados e essas pessoas são honradas. Isso parte de uma consciência moral. Todo o contrário acontece no vício, na corrupção (pág.59). Para o corrupto as coisas giram em torno da conservação do indivíduo, excluídos os demais. A consciência, desbotada, não percebe que o indivíduo não se conservará por muito tempo sem que se trabalhe na conservação do conjunto (sociedade, círculo social, o “todo”) (pág.68). Quando se ultrapassa a consciência individual prevalente há um crescimento interior da pessoa com uma sensação de liberdade e poder, a vida que fulgura como mais digna de ser vivida, e os seres se tornam mais belos. É que o egotismo foi ultrapassado, ficando o eu mais fortalecido na sua convivência social (pág.71). Quando a maioria das pessoas influentes, capazes de dar exemplo de moralidade, essa maioria faz da sociedade uma autoridade moral. Daí o estabelecimento de regras de conduta. Essas regras não escravizam e sim libertam (pág.71-78)

*LAKATOS, Eva Maria.  Sociologia geral. 6ª ed. rev. amp. São Paulo: Atlas, 1991.

Existem desvios de comportamento a que se opõe o controle social. Em geral, a maioria das pessoas tem expectativa em relação ao comportamento dos outros elementos do mesmo círculo social. Esperam-se reações, segundo as normas do grupo. Essa possibilidade de prever reações e de confiar naquelas reações que favorecem o bem do grupo é algo essencial para se criar o hábito da cooperação, que fortalece o grupo como tal (pág. 221-222). Algumas causas comuns dos desvios podem ser resumidas assim: socialização da carência de respeito às normas aceitas; sanções fracas; medíocre cumprimento das normas aceitas; facilidade de a pessoa errática se justificar perante uma autoimagem falsamente construída; existência de normas vagas, de sentido pouco definido; sigilo das infrações cometidas (não descobrimento das condutas lesivas ao sistema de normas do grupo); aplicação errônea das normas vigentes, seja por descaso, seja por dolo e conivência; encorajamento indireto da infração, decorrente da aceitação delas; solidariedade crescente para com os possuidores de comportamento desviado (= lealdade aos desviados) — pág. 223-229.

Do ponto de vista da moral, uma das sanções possíveis é o ostracismo social (perda de reputação), e outra é o próprio sentimento de degradação. 

* MAX WEBER. Die protestantische ethik und der geist des kapitalismus.  München: Beck, 2004.

Encontram-se entre homens de negocio, ou em meio a grandes capitalistas, bem assim de envolta com os operários de alto nível e o pessoal especializado do período em que pertenceram à religião protestante (calvinista), através do isolamento de suas características em comum se estabelece um “tipo ideal de conduta religiosa” [2]. Para alguns o bom valor consiste em santificar a vida diária em contraposição à contemplação do divino, condição que favorece o espírito capitalista moderno, em oposição ao conceito pregado pela Igreja Católica, que na época por meio do conceito da piedade popular e da espera da recompensa na vida após a morte; defende o estabelecimento de um raciocínio lógico capitalista, que o mesmo denomina racionalismo existência do capitalismo e de empresas capitalistas, sendo identificado na primeira uma estrutura social, política e ideológica ímpar, que pode se ditar como a condição ideal para o surgimento do capitalismo moderno, que defende a paixão pelo lucro como demonstração de prosperidade, fé e salvação, organização capitalista racional do trabalho livre, a separação dos negócios da moradia da família e a “implementação” da contabilidade racional.

 

* Ideias esparsas

Inserimos abaixo algumas ideias próprias nossas, fruto de leituras várias e de reflexões a respeito delas.

Uma constante em sociologia. O inter-relacionamento dinâmico entre os processos sociais de adaptação formam uma constante. Um exemplo é possível de ser dado entre a moral e a economia. Para uma empresa conseguir bons resultados fora do país é lhe indispensável compreender a psicologia e os costumes do povo em que vai investir. Tem de respeitar as diferenças entre esse povo e o brasileiro. Isso se dá não somente na questão da linguagem, como também noutra mais profunda, que é conseguir simpatia e confiança: “entender hábitos e cultura locais é fundamental para uma boa comunicação entre empresas, suas filiais estrangeiras e consumidores” [3].

Atitudes promovedoras da continuada educação moral. Na autoeducação para o mundo moral, que os bons cientistas veem como processo social de adaptação próximo ao processo social de adaptação religioso, acentua um líder religioso que é importante na prática do discernimento entre o que convém e o que não convém ao fortalecimento interior. Propõe ele quatro “exercícios”: promover alguma unidade de ideais e contínua renovação da criatividade; a volta ao velho autocontrole: saber opor-se à vontade própria autodestrutiva como experiência mais gozosa que as concessões continuadas, geradoras de mal estar; manter diariamente algum tempo para a reflexão à busca de tranquilidade, criadora de força e de desejo de viver; “humildade” no sentido de reconhecer que o alter é pessoa de recursos poderosos para fazer mais ética à comunidade, sociedade, e os círculos sociais crescentes[4].

A esse respeito cumpre dizer que uma das raízes da honestidade, oposta à corrupção, é a interiorização da sabedoria humana segundo a qual os elementos materiais e os instintivos se coordenam com as vantagens construtivas dos recursos naturais do elemento diferenciador do homem: com a inteligência (saberes), com a vontade (liberdade de opção), com a afetividade (o prazer pessoal de saber estar humanamente se realizando o conjunto alter-alter do círculo social em grau diversificado e crescente).

 

 

*Padre JOSÉ COMBLIN [5].

A Moral e a corrupção conceituadas segundo as apreciações do “pós-moderno”. Outro pensador religioso é este padre belga José Comblin, com muitos anos de vivência na América Latina, sobretudo no Brasil. Diz ele em artigo [6] que o pensamento metafísico religioso foi um dos instrumentos principais com que a Igreja Católica dominou o mundo Ocidental por muitos séculos. Com os movimentos da Reforma, a partir do século XVI (apesar do esforço contrário do Concílio de Trento), o protestantismo ganhou força na Europa. Houve guerras de origem religiosa, circunstância que fez baixar o prestígio das religiões. O Estado passou a ter papel mais relevante, separado da Igreja Católica; o autor denomina a essa alteração histórica de república laica, que caracterizou a modernidade.

A modernidade inculcou como bem a racionalidade, de tal modo que o Estado foi instrumento de uma trajetória independente em direção ao pensamento livre. No século XX a década de 70 trouxe novidades com os movimentos feministas e estudantis de 1967 e 1968. O movimento feminista, e mais o estudantil, deixaram à calva que continuava patriarcal a modernidade. Foi este mais um cume histórico — nova crise: não são tampouco definitivos os conceitos científicos adquiridos. Assim, não há como se insistir nos conceitos de essência e de causa. Busca-se, para o bem da vida humana, a produção dos efeitos práticos desejados, busca que se dá em clima de alta complexidade e diversidade. Para a solução dessa crise, o Estado já é um instrumento insuficiente (“nacionalidade republicana”). Nem se admite autoridade clerical nem se suporta a autoridade estatal; a solução só pode exsurgir da vasta gama dos extratos populares, de baixo para cima. Temos assim chegado à pós-modernidade.

Acrescenta o autor padre, que essa pós-modernidade tem outra característica: o bem econômico fica acima da religiosidade e da racionalidade. É alimentado pelo impacto do consumismo, a que servem os meios de comunicação. Com isso, acrescenta, o sistema econômico acabou por destruir a família; a vida vai se tornando insuportável sem ela.

A família é um círculo social pequeno, que começa pelo par andrógino, o menor círculo social conhecido. Um conjunto de famílias forma uma comunidade. É diferente da sociedade porque emprestamos ao conceito de comunidade a característica que costuma haver nas famílias: a sensibilidade de uns com os outros, ou seja, a afetividade. Geralmente falando, o homem fraco, cheio de vícios, como o corrupto que é o fraco, agressor do interesse público, é pessoa de afetividade baixa. Afetividade sem fatos buscadores do bem do outro é afetividade egocêntrica. Pouquíssimo produz porque não se volta para o alter. Vive-se na intimidade mais de si próprio que do alter. Quem assim cresce, expõe-se ao enfraquecimento em vários tipos de vício. Dificilmente se poderia combater a corrupção sem que os valores morais fossem disseminados desde a infância. Apesar da autoridade do autor padre, é ainda pouco certo que a pós-modernidade esteja caracterizada por falta de sentimentos de afeto entre as pessoas, por falta de comunidades. Eis aí matéria aberta à ampla discussão de psicanalistas, psicólogos, psiquiatras, sociólogos, cientistas políticos e outras, que prezem o estudo da relação fundamental ego-alter.

Continua Comblin dizendo que a pós-modernidade destruiu a concepção de autoridade como algo que se impõe às pessoas; era assim na Idade Média a começar de Deus, depois o Papa, depois os imperadores, reis, príncipes, etc. Esse componente sociológico de religião mesclada com política acabou. Com esse fim, de concepção, nasceu mais consciente a ideia de responsabilidade. As pessoas, embora influenciadas fortemente por seu círculo social, tem um campo de autocontrole, de determinação sua, com que traça os caminhos da sua própria vida. Não há quem a substitua das decisões tomadas a seu próprio respeito. Essa concepção psicológica de responsabilidade, temos de acrescentar, é início da responsabilidade social. A pessoa arca com as consequências das suas ações ilícitas. Mesmo tentando escapar a essas consequências – coisa que ocorre com os que conseguem por algum tempo ficar impunes, cheios de corrupção – é sociologicamente necessária a noção crescentemente clara sobre responsabilidade. Em geral as populações já estão acostumadas a buscar alguém responsável por algo desastroso, ou escandaloso, que as comete. Quando se trata de corrupto poder Executivo e Legislativo é até corriqueiro esquecerem as pessoas que alguém os escolheu, sejam eles bons para a coisa pública, sejam eles corruptos.

No Brasil, dizemos nós, temos lei, já antiga que une a responsabilidade como crime específico. Trata-se da lei n° L. 1.079, de 10 de abril de 1950. Percebe-se nela que alguém, Ministro do Supremo Tribunal Federal deve responder por esse crime perante o Senado. A ação é de qualquer pessoa, desde que eleitor. É, pois, uma ação popular, mas a cultura político-jurídica do povo brasileiro ainda não tem permitido que se ajuízem ações populares para haver a punição dos que cometeram crime de responsabilidade, como definido na dita lei.

*ECO Umberto e MARTINI Carlo Maria (Cardeal Martini).

A relação social básica. Umberto Eco, em diálogo com o cardeal jesuíta Carlo Maria Martini, entende estar o conceito básico moral de respeito ao alter, ligado e, mais que isso fundado na concepção religiosa do divino. De todo modo, entende que só a ética na relação social. Mesmo o homem quase inteiramente corrompido pelos vícios, de certo modo teme o conjunto dos alter, tem medo deles e precisa do reconhecimento deles em relação a sua própria existência valia. Explica-se historicamente o massacre, ou canibalismo, ou a escravidão pelo fato de a pessoa que admite essas práticas não percebem nas vítimas que o outro é semelhante a si[7]. Assim é o corrupto, sem sensibilidade para com o valor intrínseco das outras pessoas e para com o interesse geral delas (interesse público).

*Outras considerações nossas.

Ética e direitos humanos.  O conceito de “Direitos Humanos” tem sido apresentado sem elaboração completa, cientificamente bastante [8]. Eliseu Fernandes, desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia, também sublinha a situação de dignidade da pessoa como definidora da sua situação de ser humano. Critica as instituições, como o Ministério Público, de não trabalhar suficientemente a favor dessa dignidade, deixando ainda em situação precária toda a problemática da “questão social”. Por causa disso, grande número de crimes. Soma-se a isso a própria falta de consciência, generalizada entre as pessoas do povo sobre o valor da cidadania de todos e do senso geral de responsabilidade da população [9]. 

Ética no mundo empresarial. Um dos pressupostos de respeito à dignidade dos empregados, do público consumidor, dos governantes e de todo povo, em geral, é o hábito da transparência interna das empresas. Dois membros de Universidades Federais do Rio de Janeiro falam dessa ética empresarial, quando assume a responsabilidade pela aplicação, interna e externamente dos princípios da dignidade humana.[10] Refere o caso de empresas transnacional e de grande empresa brasileira, que criam atividades sociais de cooperação, que os seus empregados podem em horas certas praticar. Entende que a autorregulamentação da empresa é aspecto em que as brasileiras andam bem, se comparadas com outras de outros países [11]. Lembram ainda que a realização da responsabilidade social é avaliada por Instituição brasileira, o PNQ – Prêmio Nacional de Qualidade. Esse prêmio é promovido no Brasil por uma fundação – FPQN (Fundação para o Prêmio Nacional de Qualidade). Nos méritos da premiação conta-se essa responsabilidade social da empresa, sendo um deles a transparência, considerada como ponto fundamental da honestidade. Dizem os autores que “Para o Brasil, que tem uma tradição de país corrupto, a adoção de práticas transparentes vai garantir a implantação da gestão socialmente responsável”. Como fator dessa característica moral, com o elemento transparência, são fixados os seguintes critérios:

“[...] alfabetização empresarial e financeira, comunicação com linguagem fácil e acessível para toda a empresa, distribuição da liderança por toda a organização e reconhecimento pessoal e financeiro estendido a todos os funcionários”.

 

Inculcam os autores o conceito aristotélico de ética como sendo aquele tipo de relação social em que o bem é precisamente caracterizado como um fim em si mesmo, e o bem completo é o sumo bem definido como bem-estar. Dizem os autores ainda não estar dotada de sustentabilidade aquela empresa que não desenvolver a ética, tornando-se responsável para com os seus empregados e com a sociedade.

Considerações especiais sobre a corrupção. Logo se vê que essas concepções (bem-estar geral, serviço a sociedade, transparência) não são de modo algum opção dos homens corruptos, nem dos homens enfraquecidos pelos vícios fora do serviço público, aqueles hábitos que debilitam a personalidade. Antes, é pela internalização do desejo de ser mais forte no enfrentamento de momentos árduos em benefício dos alteri, no bem de círculos sociais mais amplos que os círculos sociais do eu, que a pessoa se apronta para a vida aceitável, aprovada pela maioria. É isto assim tanto na vida entre particulares como no serviço público.

-*-*-*-*-*-*

Outras notas bibliográficas

HABERMAS, Jürgen. Wahrheit und Rechtfertigung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1999: Richtigkeit versus Wahrheit. Zum Sinn der Sollgeltung moralischer Urteile und Normen 271; Noch einmal: Zum Verhältnis von Theorie und Práxis, 319.

SCHRÖDER, Jan. Recht als Wissenschaft. München: C. H. Beck, 2001. Abgrenzung gegenüber Religion und Moral, 103.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Phänomenologie des Geistes. Hamburg: Felix Meiner, 1988  C. Der seiner selbst gewisse Geist: Die Moralität.394; a.  Die moralische Weltanschauung. 395; b.  Die Verstellung.405; c.  Das Gewissen, die schöne Seele, das Böse und seine Verzeihung. 415.

UEBERWEG, Friedrich. Grundriss der Geschichte der Philosophie (tomo I) Basel: Benno Schwabe & Co. Verlag (13. Auflage), 1953. (tomo II) Graz: Akademische Druck- u. Verlaganstalt (12. Auflage), 1951. (tomo III) Graz: Akademische Druck- u. Verlaganstalt (14. Auflage), 1953. (tomo IV) Graz: Akademische Druck- u. Verlaganstalt (13. Auflage), 1951. (tomo V) Graz: Akademische Druck- u. Verlaganstalt (13. Auflage), 1953.

 

Por fim, (a) sobre ética do indivíduo, da sociedade e do Estado, em Platão, ibidem, tomo I, p. 336-341; (b) sobre a relação entre sociologia, psicologia e ética na filosofia francesa a partir de 1848, tomo V, p. 30-36.

 

*-*-*-*-*-*-



[1] Há quatro tipos de justiça: a legal, a distributiva, a comutativa e a social (pág. 208-212)

[2]  [Idealtyp) ou tipo puro são as tipologias puras, destituídas de tom avaliativo,[1] de tal forma a podem oferecer um recurso analítico baseado em conceitos, como o que é religião, burocracia, economia, capitalismo, que não corresponde à realidade, mas pode ajudar em sua compreensão,[2] estabelecido de forma racional, porém com base nas escolhas pessoais anteriores daquele que analisa; conceito teórico abstrato criado com base na realidade-indução, servindo como um "guia" na variedade de fenômenos que ocorrem na realidade; por se basear na indução, dá "ênfase na caracterização sistemática dos padrões individuais concretos (característica das ciências humanas) opõe a conceituação típico-ideal à conceituação generalizadora, tal como esta é conhecida nas ciências naturais [ver  http://pt.wikipedia.org/wiki/Tipo_ideal].

 

[3] Valor Setorial [editada pelo jornal Valor Econômico], outubro de 2008, pág. 38-39. Ver também pág.11-13 (educação); 22-36 (Diálogo, Liderança, Melhora de Interação com Povo e Consumidores).

 

[7] Umberto Eco e cardeal Carlo Maria Martini. Diálogo sobre a ética. Fundamentos da ética e respeito ao outro, in “Cidadania e Justiça”, Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 5, n°12, ano 2002, pág.6-13. (Trata-se de trecho da correspondência entre o U. Eco e o cardeal jesuíta de Milão, publicada pelo jornal italiano “Liberale”, Março/95 e Março/96).

[8] Teremos oportunidade de mostrar em obra denominada “As raízes da corrupção” que os Direitos Humanos são estudados com mais precisão se os analisarmos nos três planos de liberdade, democracia e, menos estudados, os de igualdade crescente (aqui com o direito subjetivo público à existência ou subsistência, trabalho, educação e direito ao “ideal”). Livro valioso a esse respeito é PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979.

 

[9] Eliseu Fernandes, Ética, globalização e Direito Humanos, Fundamentos da ética e respeito ao outro, in “Cidadania e Justiça”, Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 5, n°12, ano 2002, pág.14-16.

 

[10] Ver Cid Alledi e Oswaldo Quelhas. Ética, transparência e responsabilidade social nas organizações. Fundamentos da ética e respeito ao outro, in “Cidadania e justiça”, Revista da Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 5, n°12, ano 2002, pág.37-43.

 

[11] Lembram a existência de um Instituto Nacional que cuida especificamente desse assunto, o Instituto Ethos: www.ethos.org.br