sexta-feira, 22 de junho de 2012

PENSADORES: OS TRADICIONALISTAS, OS PROGRESSISTAS E OS MAIS LIVRES.


PENSADORES: OS TRADICIONALISTAS, OS PROGRESSISTAS E OS MAIS LIVRES.

Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

                                  Sobre Ferreira Gullar
No dia seis de maio deste ano de 2012 o poeta Ferreira Gullar publicou artigo no jornal "Folha de São Paulo" cujo título é "Dialética da mudança". Enuncia-se de começo a seguinte ementa:
As certezas nos dão tranquilidade; pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés.

Vai por frente o autor:
Certamente porque não é fácil compreender certas questões, as pessoas tendem a aceitar algumas afirmações como verdades indiscutíveis [...] as certezas nos dão segurança e tranquilidade. Pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés. [...] é muito difícil, senão impossível, viver sem nenhuma certeza, sem valor algum. [...] a mudança é inerente à realidade tanto material quanto espiritual, [...] o conceito de imutabilidade é destituído de fundamento. [...] essa certeza pode induzir a outros erros: [...] Pela simples razão de que toda sociedade é, por definição, conservadora, [...] Uma comunidade cujos princípios e normas mudassem a cada dia seria [...] inviável. Por outro lado, [...] a mudança é inerente à existência, impedir a mudança é impossível. [...] atendem a suas necessidades e a fazem avançar.

Sobre os mais conservadores e os menos conservadores.

Vamos expor a nossa opinião sobre tais temas. Dizem respeito às posições de conservadores e menos conservadores (progressistas). Talvez admitimos todos que também nos sentimos inseguros com mudança frequentes nos hábitos e na maneira de pensar. Talvez gostamos todos de firmeza nos conceitos e no modo de nos ver e de enxergar o mundo. Também perdemos o prazer de conviver com quem veio a ser tão flexível que anda disposto a estar sempre mudando de gosto, ou de opiniões. Quer isto então dizer que são características próprias de alguém mais conservador que criativo ou inovador, menos mudancista ou progressista? Outras pessoas são o contrário desse aparente conservador. São progressistas, amantes mesmo de revolucionar as situações. Ás vezes se adaptam até a mudanças mais radicais. Estas posições antitéticas são mais visíveis em assuntos de economia política e religião. Católicos existem que só se sentem bem quando não se afastam de práticas e dogmas tradicionais da Igreja Romana. O que daí se afastar é para eles perigoso. Tendem a formar um círculo social no qual os seus amigos se solidarizam do mesmo modo que o grupo todo, tradicional — círculos sociais fechados.
            Na política encontramos grupos de convicções altamente individualistas; são "liberais". Têm alta estima pela liberdade pessoal, pela livre iniciativa em termos econômicos; pensam que a democracia é a única forma de governo compatível com a liberdade porque toda forma de governo de tendência socialmente mais igualitária seria necessariamente violenta na sua imposição de concepções e de atuações. Trata-se de uma crença, ao que nos parece, e não de convicção formada com base nos fatos da História e do quotidiano. Ora, são os fatos, não as ideias filosóficas ocas, o elemento capaz de nos permitir manter "o chão sob os nosso pés".
Todavia a maioria das pessoas, generalizando, qualifica esta posição de menor apreço ao Povo como "Direita". Deve-se isto a que, do lado oposto, muitos há inclinados ao bem geral das pessoas porque todos são, na prática, merecedores de dignidade em convivência mais igualitária ou fraterna. Gostam estes da palavra "Povo" — o conjunto geral das gentes, de que deriva todo o poder, poder este que em seu nome tem de ser exercido. Para esta última tendência o "Estado" não é um fim em si; é apenas um instrumento de consecução do bem geral, razão por que destemem o termo socialismo, a que soem acrescentar o adjetivo democrático. sonhando com o crescente desbastamento das desigualdades sociais. Para muitos aqui está a "Esquerda". Nem são tão simples assim as relações sociais deste campo; impera a complexidade. Há mais e há menos. Tem-se fala-se da posição de "centro esquerda", da posição de "ultraesquerda" — considera-se tal quem gostaria de ser adepto de J. Stalin, ou de Mao Tse Tung. Já na posição de ultradireita se pode pensar em Hitler, ou em Sarah Palin (a ex-governadora do Alasca). Há ainda a posição de centro direita. Os conservadores dão diferentes denominações para os da "esquerda": comunistas, socialistas, revolucionários marxistas, ateus materialistas. Desgostam-se do conceito de "Povo", dissemos, que teria algum odor de socialismo. Preferem o substantivo "sociedade", talvez por as pessoas mais simples não se sentirem como parte da sociedade: aos mais simples, pelo contrário, instintivamente o conceito sociedade lhes sabe a elite, isto é, a um grupo de pessoas gradas, à reunião dos elegantes e chiques, a "gente bem" com alto padrão de consumo, aos superiormente desiguais.
No jornal Folha de São Paulo de 26 de maio de 2012, (Caderno PODER), o jornalista Marcos Augusto Gonçalves, editor do caderno "Ilustrada", refere-se  ao opúsculo "Sem medo de ser de esquerda ou de direita". Refere então a três intelectuais brasileiros atuais, quando discutem por que mudaram de posição política; assim se põe, diz, a [....] "ancestral polêmica entre esquerda e direita, renovada, nos últimos anos" [...]. Cada qual fundamenta a sua mudança de posição como: "a burocracia partidária petista se desvirtuou ao chegar ao poder por "aspirar ao monopólio burocrático de todos os trabalhadores"; a primazia dos direitos individuais; as diferenças e assimetrias características; a questão da [....] natureza humana; a falácia das utopias políticas coletivas e igualitárias; a preferência pelo Estado mínimo; e a superioridade do sistema de pesos e contrapesos da democracia ocidental [...]. Escreve o jornalista autor desse artigo que [...] estamos diante de alinhamentos automáticos e posições inflexíveis e  [...] Há quem "decide caso a caso, palmo a palmo e segundo as circunstâncias o que parece melhor para o bem público".
Somos de firme opinião que pesquisas levadas a cabo por gênios da ciência, fundados no método indutivo experimental, propiciam dados menos subjetivos nesta matéria. Assim, sobre direita, esquerda, Estado e temas correlatos de política e de economia quadra bem, parece-nos, ler de Pontes de Miranda obras como Anarchismo, communismo, socialismo. Rio de Janeiro: Editores Adersen, s.d.; Introducção á polìtica scientìfica. Paris: Livraria Garnier, 1924. (há a 2a ed. – Forense, 1983), Introdução à sociologia geral. Rio de Janeiro: 2a. ed., Forense, 1980; Os novos direitos do homem. Rio de Janeiro: Alba, 1933 e sobretudo Democracia, liberdade, igualdade: os três caminhos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1979. Nesta última obra, com mais de 500 páginas, Pontes de Miranda mostra a necessidade conatural ao ser humano de o Estado ser um instrumento apropriado ao cultivo, ao lado dos cidadãos, da democracia, das liberdades e do crescimento incessante em igualdades sociais.
Quem, incapaz de mais neutralidade ou de pensamento livre, se debate com ideologia no campo da economia e da política, a respeito de o que seja melhor, o conservadorismo ou o avanço social (por outras palavras, se tem razão o conservador ou o progressista), este, repetimos, decerto lhe fará bem a leitura de um gênio brasileiro. Mostra-se aí, sem paixão, a necessidade de a forma de governo ser democrática (o Povo a substituir o velho suserano e os velhos ditadores), trata o autor das liberdades (físicas e psíquica), e por fim expõe a dimensão do conceito de "Estado" com pouco agrado de "conservadores: apresenta o papel social do Estado — promover o crescimento em igualdade, a saber, o acesso de todas e todos ao mínimo indispensável à sobrevivência humana, com o direito subjetivo a trabalho (e o dever de trabalhar), a alimento, a roupa (e o dever de poupar), a casa (e o dever de cuidar dela), a remédios, a escola (e o dever de estudar), a esporte (e o dever de praticar algum), ao básico "ideal" ou "sonhos" (e o dever de apresentar resultados produtivos). Pensamos ser este um livro indispensável a quem quer fazer carreira política e a quem ensina ou estuda política. Diminuirão muito os ímpetos determinados pela cegueira ideológica, qualquer que seja a sua direção (direita, esquerda etc.).
De todo modo, surgem perguntas sobre esta matéria. Qual a razão de as pessoas diferirem nestes dois aspectos? Serão diferenças inatas, ou adquiridas? Por quê? Uma e outra coisa? Por quê? Temperamento ou educação, uma e outra coisa? Por quê? Podem todos sair do seu circulo preferido? Por quê e como?
Difícil talvez seja encontrar quem tenha resposta pronta para cada uma destas indagações, já que talvez tenha acertado o poeta: "as pessoas tendem a aceitar algumas afirmações como verdades indiscutíveis e até mesmo a irritar-se quando alguém insiste em discuti-las". Dos três intelectuais brasileiros acima citados pela jornalista nenhum dá razão transubjetiva. Podemos, contudo, arrolar algumas opiniões aproximativas, que colhemos em anotações quiçá aproveitáveis em parte. Pensamos ser importante refletir um pouco sobre as ideologias. Com efeito, escreveu o mesmo poeta que "[...] é muito difícil, senão impossível, viver sem nenhuma certeza, sem valor algum".
Insistimos nós todavia na posição efetivamente independente, neutra, transubjetiva, científica de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda nas obras que citamos, além de outras mais.
Sobre o poder forte da ideologia.
A nossa opinião.
Ora bem, a ideologia apresenta-se-nos como síntese de generalizações cujo objetivo, consciente ou inconsciente, é obter uma cosmovisão pacificadora do Eu de quem ama pensa-se e sentir-se. Parece, pois, que a ideologia vem a ser um refúgio de certezas pessoais. É que na ideologia os seres humanos sintetizam ideias e pendores, muitos deles inconscientes. A ideologia está omnipresente na atividade de todo pesquisador [1], de modo que haverá ele de se acautelar sempre, reexaminando-a, quem se dedica, por exemplo, à interpretação das relações humanas, das relações sociais em matéria religiosa, ética ou jurídica além de outras porque na ideologia estua a paixão, estorvando o pensamento livre. A ideologia parece assentar bem com o "discurso". Note-se que a discursividade ou retórica maneja habilmente os conceitos universais; quadra ela bem à estética e à filosofia clássica. O mundo das artes em geral é também mais livre que o peso de política, economia e religião. Convive bem com os saberes[2].
Mas em si retórica é de resultados inverificáveis na realidade fática, extramental e, pois, parece um nada ou quase nada para a ciência. Pela via retórica não se logra conhecimento seguro, exato, preciso; e rege aí a insegurança, a nitidez. Poderá ter — e geralmente tem — poderosa força motriz. Os conteúdos da ideologia são sobretudo os religiosos, morais, estéticos, políticos, jurídicos e econômicos. Às vezes convertem-se em moda. Ora, todos esses processos culturais são processos sociais de adaptação. sem dúvida. Mas são "força", e não luz pura (=mais pura), indicatividade, objetividade imparcial, conhecimento confiável; numa palavra — Ciência, o processo social de adaptação mais neutro de que o homem é capaz. Mas, o estudioso, interiormente livre de apriorismos, haverá de por muita atenção à Ciência — aos fatos extramentais. Tal fará ele no intuito de depurar as suas concepções nesta matéria de ideologias (esta "religião laica" onde com palavras se oculta subtilmente mais uma forma do nosso egoísmo, o travador do amadurecimento, da liberdade interior.
Antonio Gramsci
Quadra notar que embora Antonio Gramsci estude a religião (particularmente a católica) de um ponto de vista extrínseco (como uma ideologia), reconhece o autor que ela somente se torna impedimento à liberdade dos indivíduos em sociedade quando lhes freia a evolução. Ela não é necessariamente ópio do Povo; a grande vertente de paixões, que passa pela Religião como elemento cultural, há de atrair os cuidados do próprio partido comunista, aduz ele. Isto porque ás vezes paixão medo (medo da morte) se traduz em gestos históricos, em que a destruição não é imaginada como acontecer natural da morte biológica (como diz Tomás de Aquino), mas sim como perda de outros bens, havidos como superiores à permanência na versão viva da Natureza. Cuidar-se-ia portanto de escolha de "valores".

Jürgen Habermas
Uma análise de Jürgen Habermas[3] deixa entrever a intensa troca de “valores” que a linguagem veicula como transformador social no seu vaivém de conceitos recebidos e entregues, de agente social para agente social. Transmitem-se os legados destarte, historicamente, por passagem, por entrega (“traditio”) de modo incessante e quase imperceptível, tanto os legados como as heranças de valores, de "ideias força", de comandos, de situações de subjugação, de despotismo, de ideologias dominadoras (algumas mensagens mais fortemente dominadoras e individualistas que outras).
O conhecimento gerado com exatidão,  testado e comprovado pelos fatos, este sim, confere superior segurança tanto para planos futuros como para a atuação no cotidiano. Tal conhecimento pressupõe que os achados do espírito se submetem a renovados testes, que são realidades as mais distantes possíveis que a natureza permite sobre nossas próprias construções mentais. O valor aceitável desses testes situa-se nos fatos extramentais, isto é, os acontecimentos tão distantes quanto possível for, pela natureza das coisas na sua ordem intrínseca. Esta colação das ideias com as realidades extramentais parece ser uma feliz tradição científica do Ocidente.
Marilena de Souza Chauí.
Esta pensadora paulistana (+ 1941) escreveu um livro breve sobre ideologia: O que é ideologia. São Paulo: Editora Brasiliense. 30ª edição, 1989, 125 páginas. Segundo ela, entre outras coisas, há o seguinte:
[...] O real não é um dado sensível nem um dado intelectual, mas é [...] um movimento temporal de constituição dos seres e de suas significações [...] Depende [...] do modo como os homens se relacionam entre si e com a natureza (página 19)


            Concordavam entre si alguns pensadores do século XVIII, acrescenta, que a natureza teria em si todas as condições indispensáveis ao progresso e que, seguindo essas inclinações, a inteligência humana adquiriria “uma direção e um sentido.” (página 24).

Prosseguindo no seu raciocínio diz mais que, para Marx,

[...] o ideólogo é aquele que inverte as relações entre as ideia e o real [...] A ideologia [...] passa a designar, dai por diante, um sistema de ideias condenadas a desconhecer sua relação com o real (página 25).
           
Acrescenta a autora que quando o homem se separa da sua atividade material ocorre nele uma transformação, que se chama alienação (páginas 79-81). Cumpre, porém, lembrar — dizemos nós — que toda alienação resulta de abstração. Dizemos com isso ser por meio da retirada de um ou de vários elementos da realidade extramental (abstraindo) que se nos tornam indiferentes alguns outros seres assim alienados — deixados para outro tempo e lugar, nós alheios a eles. E temos de pensar igualmente no modo de ser e de atuar do ser humano nesta fase da história nos seres vivos e da Natureza. Vejamos.
Atuação existencial e "condição humana". A atuação, ou seja, a vida ativa do ser humano vivente, é uma situação própria dos membros da Humanidade. É a “condição humana”, como a qualificou a obra filosófica de Hannah Arendt (1906-1975) na tradução publicada nos EUA, em 1958 (Human condition). Não basta ao ser humano pensar nem contemplar nem ter afetividade e entrega em beneficio do outro. Necessita da atividade transformadora. Esta atividade é natural exigência da natureza. Tendemos a ela como tendemos a nos alimentar, descansar, ter prazer e multiplicar-nos.
"Luta de classes". Marilena Chauí insiste uma e outra vez nessa realidade e a nosso ver chega a deturpá-la, como passamos a discutir brevemente. A chamada “luta de classes”, dizermos nós, é determinada por conflitos de interesses, contrapostos no todo ou em parte, de modo que não ha só a luta de classes concebida pelo marxismo: patrões (ou burgueses, capitalistas, ricos etc.) versus empregados (ou plebeus, trabalhadores, pobres etc.). Hemos de nos lembrar que trabalho vem a ser o mesmo que atividade humana. Nem existe só dominação na luta de classes. Todo conjunto de interesses contrapostos a outros interesses é uma tensão, um conflito, uma luta. Ela contudo pode ocorrer tanto entre pessoas trabalhadoras muito pobres contra industriais muitos ricos, como também do mesmo modo, ou de modo assemelhado, assistimos a conflito de interesse entre sindicatos de trabalhadores, e de capitalistas consigo próprios.
Parece, portanto que M. Chauí decai no seu próprio viés idológico, e que não se pode concordar com ela quando diz que

"[...]a ideologia é resultado da luta de classes e que tem por função esconder a resistência dessa luta.”

            Nem se pode assentir na ideia da filósofa paulistana ao afirmar que a dominação de uma classe acaba sendo substituída pelo Estado, e que o direito vai sempre sendo substituindo pela ideia do direito para que tudo apareça como legitimo e bom para todos (página 91). Não é assim todavia, pensamos nós, porque o Estado é a construção social de um instrumento para prestação de serviço. Decerto que os mais influentes e aproveitadores usufruirão mais desse serviço, até mesmo ao ponto de o serviço público se converter, na prática, em serviço particular.
Vai por frente a ilustre filósofa dizendo:
“A ideologia consiste precisamente na transformação das ideias da classe dominante em ideias dominantes para a sociedade como um todo, de modo que a classe que domina no plano material (econômico, social e político) também domina no plano espiritual (das ideias)” (página 93-94).

            Continuando, lemos-lhe:
“Os ideólogos são aquele membros da classe dominante ou da classe média (aliada natural da classe dominante) que,[...] constituem a camada dos pensadores ou dos intelectuais” ( página 95).

    
Temos, porém, de acentuar que dominação é o poder de mudança e de influência; pode ser de um grupo grande ou de um grupo pequeno. Cada qual deles pode adquirir mais prestígio num ou noutro momento, e ser seguido pela maioria. Isto não é a mesma coisa que se ter a classe dominante como aquela que sempre tem mais poder econômico, ou político.
No pensar de Chauí as ideias dominantes em certa época fica sempre sob controle da classe dominante,  Usa esta das instituições sociais
[...] “família, escola, igrejas, partidos políticos, magistratura, meios de comunicação da cultura“ e ficam atreladas “à conservação do poder dos dominantes.” (página 98)

            Pois bem, essas afirmações parecem apriorísticas, isto é, não firmadas em fatos não dependentes (ou muito menos dependentes) das realidades extramentais. Assim temos de afirmar; é porque existe uma universalidade de aparência, ilusória. Os homens precisam convencer mais homens fazendo deles a maioria provisória, para que os princípios, os programas e as ideias dos mais influentes sejam aceitos pela maioria capaz de mais aceitação em certo tempo e determinado lugar.
Não parece correta esta proposição da Chauí:
Na luta de classes os poderosos alcançam a vitoria e a classe ascendente se torna dominante; os interesses passam a ser particulares, por mera aparência de universalidade. É mera aparência de universalidade porque a classe dominante só tem interesses particulares. (páginas 100-101).

            As realidades extramentais são mais complexos. Bem pode aparecer no mundo real (mais desapegado de apriorismos eidéticos) uma ou mais classes dominantes esmeradas também em interesse público. A história vem a ser importante instrumento de exame dos fatos[4]. A história recente mostra revoluções populares violentas; nelas os novos dominantes têm mais interesse geral (o do Povo vencedor contra os governos corruptos) que interesses particulares.
 Por fim assevera Marilena Chauí que sempre que na história se faz alusão aos “grandes homens”, “grande feitos”, “grandes descobertas,“ “grandes progressos”, [...] a ideologia nunca nos diz o que são esses “grande”. Grande em quê? Grande por quê? Grande em relação a quê?
 [...] “o saber histórico nos dirá que esses “grandes” agente da história“[...] são os poderosos, os dominantes, os explorados dos “pequenos” [...] “Graças a esse tipo de história, a ideologia burguesa pode manter sua hegemonia mesmo sobre os vencidos, pois estes interiorizam a suposição de que não são sujeitos da historia, mais apenas seus pacientes” (páginas 124-125).

            A nossa opinião. A ideologia parece apresentar-se-nos como uma síntese pessoal, ou grupal, de generalizações cujo objetivo, consciente ou inconsciente, é obter uma cosmovisão pacificadora do Eu de quem ama pensar-se e sentir-se. Parece, pois, que a ideologia vem a ser um refúgio de certezas pessoais, certezas estas que parecem resultar de simpatia por certo objetivo, de opção ou escolha talvez instintiva por algum desejo, ou aspiração, ou ambição, portanto, é ato de vontade de alguém pouco livre para se liberar de tais opções ou escolhas.
É que na ideologia os seres humanos sintetizam ideias e pendores, muitos deles inconscientes. Ao que parece a ideologia está omnipresente na atividade de todo pesquisador[5] , de modo que haverá ele de se acautelar sempre, reexaminando-a, quem se dedica, por exemplo, à interpretação das relações humanas. São as relações sociais em matéria religiosa, ética ou jurídica além de outras porque na ideologia estua a paixão, estorvando o pensamento livre. A ideologia parece assentar bem com o "discurso". Note-se que discursividade ou retórica maneja habilmente os conceitos universais; quadra bem à estética e à filosofia clássica[6]. Mas essa retórica é de resultados inverificáveis e, pois, parece um nada ou quase nada para a ciência, esta relação cognitiva adaptada às coisas postas na natureza — extrai as ideias retirando-as "daquilo que a coisa é". Pela via retórica não se logra conhecimento transobjetivo: distante do ego, seguro, exato, preciso, nítido. A ideologia poderá ter — e geralmente tem — poderosa força motriz. Os conteúdos da ideologia são sobretudo os religiosos, morais, estéticos, políticos, jurídicos e econômicos. Às vezes convertem-se em moda. Ora, todos esses processos culturais são processos sociais de adaptação. sem dúvida. Mas são "força", e não luz pura — indicatividade, objetividade imparcial, conhecimento confiável; numa palavra — Ciência, o processo social de adaptação mais neutro de que o homem é capaz. Mas, o estudioso, interiormente livre de apriorismos, haverá de por muita atenção à Ciência — aos fatos extramentais. Tal fará ele no intuito de depurar as suas concepções nesta matéria de ideologia, esta "religião laica" onde com palavras ele esconde subtilmente mais uma forma do nosso egoísmo (o travador do amadurecimento, da liberdade interior). Parece que ler sábios antigos ajuda a acompanhar o pensamento do poete Ferreira Gullar para o qual
"com o desenvolvimento do pensamento objetivo e da ciência, [...] certezas inquestionáveis passaram a segundo plano, dando lugar a um novo modo de lidar com as certezas e os valores".

Devemos aprender durante toda a vida, sem imaginar que a sabedoria vem com a velhice, teria dito Platão, 428/427–348/347 a. C.). Santo Tomás de Aquino, 1225-1274: “A sabedoria é a maior perfeição da razão e sua principal função é perceber a ordem nas coisas”.
Isto ocorre, pois, também no plano do conhecimento seguro das questões de moral, a que se opõem o orgulho humano, de modo que o estudioso humilde é interiormente mais livre de apriorismos. Desta classe de intelectual pode esperar-se muita atenção aos fatos extramentais. Tal se fará no intuito de depurar as suas concepções nesta matéria de mais neutralidade, de mais liberdade interior. Um dos obstáculos é o geral: o empecilho do subjetivismo, inclusive sob a forma de ideologia — esta "religião laica" onde se esconde subtilmente mais uma forma de soberba, de egoísmo.
            Valha recordar este dito de pensador francês: "Toda reflexão que leve o homem para fora do estreito círculo do seu egoísmo é saudável e boa para a alma, seja qual for o caminho pelo qual enverede essa reflexão." (J. E. Renan, 1823-1892).
            O egoísmo assim fechado muita vez alimenta o fechamento ideológico, sobretudo quando compendia no seu íntimo as raízes da soberba.
O ego, desvalido das virtudes fundamentais, torna-se prisioneiro de alguns dos sete vícios-cabeça. Uma estratégia contra os vícios capitais é alijar de si o pensamento eivado de vãs "filosofias" (no sentido de abstrações ou fuga do mundo real), substituindo-o pelos princípios da natureza, isto é, pela ciência das coisas como são (= ciência positiva ou da coisa posta, o conhecimento "daquilo que a coisa é").
 Isto é um sacrifício porquanto vem a ser um ato de abnegação, compensado pelo autodomínio. As dificuldades cognitivas decerto cumulam-se, mas até um ponto desejável. Parece ter razão Ferreira Gullar ao escrever acima:
Mas esse conhecimento era ainda precário e limitado. [...]
Parece que temos de dizer mais, ou seja, que todo conhecimento era e é precário. Sabemos muito pouco e de quase nada. Para se errar menos, consegue a nossa vida psíquica mover-se no mundo extrassubjetivo. No animal bruto esta façanha é impossível. O animal homem supera-o neste ponto, de a inteligência poder, em certas circunstâncias, ir mais além do simples instinto. Supera-o também em outro, a saber, no potencial de abnegar-se no prol dos seus iguais. Pode ascender em dignidade e em conhecimento. O bruto não.
Uma sentença atribuída a Moliére, 1622-1673: "Odeio essas almas pusilânimes que, por muito preverem consequências, nada ousam empreender.” Outra, de Johan Wolfgang Von Goethe, 1749-1832: “A primeira e última coisa requerida do gênio é o amor à verdade”.
A psique humana é, pois, uma força natural susceptível de ser exercitada. Segue-se então devermos levar em conta, humilde e seriamente, a complexidade dos seres. As realidades são irredutíveis às facilitações generalizantes, a metafísicas apressadas, soberbas. O ser humano vive em meio a outros em um espaço multidimensional, ou em muitos espaços pluridimensionais. Parece que tudo se altera com movimentos ora estabilizadores ora desestabilizadores, todas as coisas se movem correndo de um para outro lugar: está no tudo flui de Heráclito (πάντα ῥεῖ). Parece dinâmica a complexidade dos seres. Disse acima o nosso poeta Gullar que
 "a sociedade termina por aceitar as mudanças, apenas aquelas que [...] atendem a suas necessidades e a fazem avançar".

Ora bem, esse movimento contínuo altera todo o universo físico e todo o nosso cérebro. Estamos situados em incontáveis dimensões reais de espaço-tempo-energia. Sabe-se ainda que os seres biológicos parecem mais complexos no sentido de conterem em si elementos de lógica, matemática e física. Acresce a vida, por isso que nas relações sociais humanas há também as relações psíquicas (entender e querer), a influírem no alter e a serem influenciadas pelo alter. Assim o entendimento e a vontade diferenciam do bruto o humano, ao que parece; e estas suas capacitações definem a altitude maior dos homens, ao que parece: caracterizam-lhe a dignidade, quando a vida é plena, e com propósito, e mais abundante. Quadra bem retermos a ideia de a complexidade ser fluente, de modo que importa não pouco acertarmos nas quididades definidoras das coisas ou seres, e sermos desapegados dos interesses individualistas.
É de Jesus Cristo (5 a. C.-33 d. C.) a promessa: [...] “ut vitam habeant, et abundantius habeant” (Evang. João, cap. 10, v.10)[7].
Ora pois, as vidas de muitos seres humanos viventes aumentam a complexidade no nosso minúsculo orbe terráqueo. Também porque as relações sociais da Terra toda se expandem, fazendo-se mundialmente intrincadas. Parece certo que um elemento desestabilizador dos círculos sociais (ou seja, de Povos, sociedades, grupos) é a velhíssima corrupção por ela ser, em si e por si, um conjunto de fraquezas do caráter da pessoa. Rompe muitos tecidos desta, como que a enfermá-la. A doença é crônica e muita vez persistente, a pedir emendas urgentes de eficiência benfazeja, isto é, remédios que efetivamente curem. É assim em toda a face da Terra, em que o Brasil é um dos Estados mais corruptos: em 2009 era o 75º mais corrupto num total de 202 países [8]. Parece ser um fato verdadeiro que essa doença só se cura bem com a mudança da pessoa mesma.
Terá dito Francis Bacon, 1561-1626: “Não há vício que mais cubra um homem do que procedimento falso e pérfido”. De todo modo, a complexidade exige correta teoria do conhecimento e alguma desconfiança de si (humildade), onde se ache resposta aceitável à questão do método na captação e na organização das ideias, e de ajuste delas a complexidade do mundo e do eu.
 Mais dados sobre a imperfeição da própria ciência humana.
A complexidade dos seres é intensa e vasta, como vasta e intensa é também a relatividade do nosso conhecimento. Tudo se move fora do nosso cérebro, como também dentro dele. A todo rigor "o que a coisa é" no instante A já não será "o que a coisa é" no átimo seguinte de tempo A'. Há mais, porém: não alcançamos nenhum conhecimento puro, perfeitamente exato, rigorosamente seguro. Desconhecemos o absoluto. A todo rigor, tudo quanto sabemos nos vem da estatística, não de unidade isolada alguma. Escreve um matemático que, em linhas gerais, podemos dizer que a Estatística, com base na Teoria das Probabilidades[9], fornece técnicas e métodos de análise de dados que auxiliam o processo de tomada de decisão nos mais variados problemas onde existe incerteza.
A nossa percepção cognitiva enleia-se com o nosso "Eu instintivo", o qual é em si e por si um caos. E ela só alcança trabalhar com conjuntos[10]. Nos conjuntos dá-se-nos um número finito de objetos determinados, uma coleção deles:

[...] a collection of well defined and distinct objects, considered as an object in its own right. Sets are one of the most fundamental concepts in mathematics.

As nossas incertezas são frequentes porque poucas são as proposições formadas sem contar com acontecimentos desconhecidos, muitos os quais são eventos aleatórios (alea é o "dado" no sentido próprio do jogo de azar). Logo se vê que vigora nestes pontos outro conceito matemático — a frequência[11]. Ora bem, na frequência há a onda, esta grandeza física oscilante no espaço e no tempo[12]. Os matemáticos tentam definir onda aludindo a perturbação, dizendo que ela vem a ser uma:
[...] perturbação oscilante de alguma grandeza física no espaço e periódica no tempo.

            Recordemos que o conhecimento humano é elaborado no cérebro e no cérebro há grandeza física. Mais ainda: espaço e tempo estão alocados na matéria-energia, tudo regido pelas leis da relatividade, também da relatividade do conhecimento, como demonstrou faz já muitos anos o brasileiro Pontes de Miranda, com análise do mundo físico[13].
Renova-se a importância do saber mais preciso. Haverá de prevalecer a lógica material sobre a lógica formal com o avanço continuado dos saberes pelo emprego do método indutivo-experimental. Parece ser como podemos adquirir a humana "certeza", do conhecimento, modesta segundo a "condição humana". Porque esse conhecimento é tão limitado e, como escreveu Ferreira Gullar,

[...] a mudança é inerente à realidade tanto material quanto espiritual, [...] o conceito de imutabilidade é destituído de fundamento. [...] essa certeza pode induzir a outros erros: o de achar que quem defende determinados valores estabelecidos, [...] está indiscutivelmente errado. [...] bastaria apresentar-se como inovador para estar certo. Mas também pode estar errado quem defende os valores consagrados e aceitos. [...] em muitos casos, não há alternativa senão defendê-los [...].

            Por isto mesmo, acrescentamos, nos convém buscar as certezas humanas com o fim de manter "o chão sob os nossos pés". Para tanto o mais indicado parece ser o método indutivo experimental.
A questão da vontade. Na vontade tem de haver exame de si e determinação pessoal de mudança de cosmovisão e de valores. Aliás, quando se fala de inversão de valores, o fenômeno a que se alude está tomando como causa os efeitos e como começo que é fim. A ideologia realiza essa perversão: é ela um conjunto de energias (=realização de trabalho, ou de mudança), as quais são tendentes a unificarem o ser pensante-sentinte formando nele uma síntese totalizante que simplifica, sim, o pensamento mas sem lhe garantir a adaptação com "aquilo que a coisa é", com quididades definidas, com a realidade "objetiva" (melhor, realidade jetiva). As ideologias mais contêm de paixão que de razão[14].
Por isto as ideologias invertem a "cópia mental" humana do mundo efetivamente existente (cópia no sentido captação de quididades, formação de conceitos, obtenção de proposições), pervertendo o sentido e orientação de conceitos e de proposições verdadeiras, susceptíveis de obtenção por meio do método científico (= método indutivo experimental)[15].
            Do alto do púlpito da Capela Real em 1655 proclamou o P. Antônio Vieira (1608-1697), no sermão da sexagésima, indagando: “Que coisa é a conversão da alma, senão um homem dentro de si, e ver-se a si mesmo?”.
É muito de notar, todavia, que o homem corrompido pela soberba é pessoa de pouco ou nenhum compromisso com o alter, com os socii, com o país e com a humanidade. Sua sensibilidade humana é rasteira, sem efeito prático. Nem ama nem dispões de acesso ao interesse pelos saberes, dominado que é pela vontade do ter, do prazer e do poder. Na atividade de cognição ele encontra o óbice de pelo menos dois vícios — a preguiça mental e o destempero ou falta de temperança. No geral das coisas, sendo um fraco, prevalece no homem o individualismo egotista. Preferiria este a possibilidade de um ser humano isolado, não social; incomoda-o a desagradável situação de ele próprio ser sempre um ser entre seres, seres diferentes do ser dele, já estragado por suas fraquezas. Quando pensa, ele assim procede, viciado em presunção. Vai se tornando, mais e mais, incapaz de servir a alguém, de amar o alterum.
Esses desvios de ética prejudicam o acerto no conhecimento, de qualquer natureza. Na sua gênese, não se podem cindir sentimento e pensamento, ética e ciência. Os influxos da paixão na razão são poderosos com resultados práticos consideráveis para quem ama o viver no bem, corretamente, com paz e proveito social[16].
Quadra neste ponto recordar alguns princípios construtivos para quem, distante de tamanha soberba, ama ir vivendo, satisfazendo necessidades existenciais dignas e colhendo bens e mais bens vida afora.
"Tudo vale a pena quando a alma não é pequena" (Fernando Pessoa, 1888-1935). “O ódio tem melhor memória do que o amor" (Honoré de Balzac, 1799-1850). "Quanto menor é o coração, mais ódio carrega" (Victor Hugo, 1802 -1885). "Muitos te odiarão se te amares a ti próprio” (Erasmo de Rotterdam, 1469-536).
            Imagina-se o soberbo por vezes como um ser capaz de dominar rapidamente a ideia precisa das muitas coisas que, no "a priori" da sua ideologia individualista, as pretende definidas agora, a seu modo. Explica-se: é um impotente viciado, fraco, dependente; vai de um para outro lado, balouçado pelo vento das “paixões loucas” sobre as quais a razão é impotente. A racionalidade já não lhe fala à alma para suscitar a capacidade criativa das “paixões sábias”. A diferença entre o homem e o animal bruto, porém, centra-se na capacidade daquele e na impossibilidade deste de raciocinar e dedicar-se aos seus semelhantes. Em termos expressivos do quotidiano: está na capacidade de pensar e amar. O bruto é incapaz desses dois feitos. Já a dignidade humana consiste nessa sua capacidade inata, presente em grandíssima parte da Humanidade toda. De modo que poderá o homem prudente, o intelectualmente não corrompido por ser mais humilde ("liber homo scientificus"), poderá, repito, exercitar-se vitorioso na mudança de opinião sempre que os fatos extramentais lha exijam. Nem desconfia dela até que sobrevenha algum desmentido das realidades extramentais.
Ouça-se algo de Aristóteles, 384–322 a. C. (Ética a Nicômaco, Livro I, número 7): “[...] haveria a atividade vital da sensação, mas também desta parecem participar até o cavalo, o boi e todos os animais. Resta, então, a atividade vital do elemento racional do homem; uma parte deste é dotada de razão no sentido de ser obediente a ela, e a outra no sentido de possuir a razão e de pensar”.
O contrário disto é a atitude fundamental de cada dos vícios capitais: a repetição de atos ruins, prejudiciais em relação ao agente e em relação ao próximo, destrutivos da própria personalidade e também do ambiente humano em que o viciado se move tortuosamente: é a atitude geral de "egoísmo". Na soberba, na corrupção, no egoísmo, na prepotência, no egotismo, no narcisismo, na arrogância[17], no despotismo, na necessidade pessoal ou grupal de oprimir. Em qualquer destas atitudes, ou hábitos, parece que faltam traços caracterizadamente humanos de honestidade, ausenta-se o decoro, falham as atitudes de honra, dignidade, correção, decência, retidão, conveniência, adequação dos seres, adaptação à vida, Tudo isto relativamente ao valor próprio dos animais homens, diferentes do modo bruto de existir por isso que na raça humana surte a capacidade de inteligência (analisar, entender, compreender, resumir) e o interior poder de doar-se a outrem com um mínimo de interesse pessoal.
Essa situação de desequilíbrio é bem observável no ser vivo e realiza-se mesmo assim algum equilíbrio interno, precário, do animal-homem dentro do Universo. O equilíbrio é decerto a forma física da justiça (na continuada lide entre ação e reação). O bruto, todavia, é incapaz de cultivar essa virtude cardeal. De todo modo parece que o homem leva enorme vantagem sobre o bruto, ao modo dito: pode saber cognitivamente e é capaz de dedicar-se amorosamente ao próximo e ao conjunto geral de próximos — ao Povo todo.
Deste jeito, pela “paixão sábia” a decadência moral não chegará ao nível do desespero geral e total diante do alto egoísmo. Já o egotismo é terreno fecundo para as raízes do orgulho corruptor pegar firmes, e medrar: na ideia-força de centralização de si no mundo em torno do qual os valores hão de girar, com a perda de percepção da realidade. Pois, os maus hábitos introjetam-se de um egoísmo rígido, impenitente, inflexível e intolerante, duro com os adversários, aos quais o vaidoso em tudo se prefere. O sentimento de superioridade passa a lhe morar à flor da pele. Afasta-se no nível correntemente normal das pessoas de bem, embora também no cérebro do homem assim corrompido talvez desponte até alguma aversão pela desigualdade social[18] .
            Vem a propósito trazer à colação o pensamento de Aristóteles (Ética a Nicômaco, Livro IX, número 7):

“[...] para o benfeitor há um elemento nobilitante em sua ação, e por isto ele se alegra com a pessoa que é o objeto de sua ação, ao passo que para o paciente nada há de nobre no agente, mas na melhor das hipóteses algo proveitoso, e isto é menos agradável e digno de amor. O agradável é a atividade no presente, a esperança no futuro e a recordação do passado, porém o mais agradável é aquilo que depende da atividade, e isto é também mais digno de amor. Para uma pessoa que fez alguma coisa por alguém sua obra permanece (o que é nobilitante é duradouro), mas para o beneficiário o proveito se dissipa" [...] .    

Note-se; os casos mais correntios de narcisismo e egotismo e despotismo dão-se nos agentes estatais. Estes não tratam o Estado como um instrumento de serviço ao Povo[19]. Buscam apoderar-se dele como instrumento personalizado, seu e dos asseclas. Não percebem como, pelo próprio Direito das Gentes, o Estado não é um suserano, déspota alheio ao objetivo do Povo[20]. Ao contrário, o fim do Estado é o serviço ao Povo. Obtemos, aliás, a humana certeza destas ideias tanto no moderno direito supraestatal como na Constituição do Brasil: o que conta são as gentes, as pessoas, as vidas humanas. A autoridade brasileira, por mais elevado que seja o cargo ocupado por ela, tem a função de servir. Todo privilégio a si concedido tem que ser confrontado com o interesse público. Tira-se daí que todo ilícito dessas pessoas internamente corrompidas é um crime grave — infamante e hediondo —, embora a prática do direito esteja ainda distante desta concepção do direito existente e vigente. Esta classe de ilícito é subversiva da ordem natural dos seres humanos. Esta é, contudo, uma concepção nunca atingida pelos agentes da arrogância — atuam eles como quem perdeu a alma, sem esforçar-se por se espelhar em exemplos bons, no sentido de fazê-la ascender sobre o egoísmo do animal bruto... Quer nos parecer que nestes pontos o grau de certeza é suficiente para a vida teórica e prática, e nós, instinto-inteligência (=Homem), sem mais preocupação nem cognitiva nem ética, temos de concordar sem reservas com o poeta:

"As certezas nos dão tranquilidade; pô-las em questão equivale a tirar o chão de sob nossos pés".

Parece possível a superação do "id" e do "ego". Entendendo-se aqui por "ego" não uma instância freudiana, mas sim a incapacidade de organização dos impulsos instintivos (="id" de S. Freud), teremos nesse símbolo linguístico uma indicação de força destrutiva da personalidade. Aproxima-se do "mal" concebido pelo mesmo Freud — as ações destrutivas, antissociais. Nestes casos, atender à própria inclinação pospondo-lhe a cautela, contraria a própria natureza, a que os homens pertencemos . O "mal" humano são os seus hábitos destruidores, ou seja, os vícios, de que os principais são estes sete: soberba, avareza, luxúria[21], ira, inveja, preguiça e (mais modernamente) pessimismo. A soberba é também chamada de orgulho (altivez, ostentação, vaidade); consiste na arrogância de se sentir alguém superior a outros seres humanos, uma de cujas formas é o "elitismo" onde se aloja o sentimento de pertencer a um estrato social superior, mais digno, merecedor de privilégios os mais diversos. Cuida-se, pois, de uma forma de egotismo, quando as desordens instintivas ("id") comanda os pensamentos e as atuações.
Sabemos pela experiência ser possível os seres humanos irem além desse egotismo superando-se, vencendo-se. A soberba pode ser superada, vencida, pela humildade: a visão de si como é, sem aumentos, sem o dito sentido de superioridade. Um bom exemplo de humildade foi o Chico Anísio. Próximo da morte, somo que a despedir-se dos filhos, disse-lhes que nunca se sentissem melhores que as pessoas simples, e sempre as tratassem como iguais. Tal capacidade de "bem" tipifica o homem, cuja definição se completa com a capacidade de pensar (para além do sentir).
Atitudes contrárias à arrogância, no quotidiano. Temos de sorrir, e de rir de nós mesmos: o quanto somos engraçados, ridículos e bobinhos com os embustes com que inconscientemente nos enganamos. Pensar e sentir o mal que essas tolices nos fazem, e rir a bandeiras despregadas. O riso faz bem à saúde, incluída a emocional e, por isto também à ética, à obtenção de dados mais verazes sobre cada um de nós, penso eu. Se alguém é de direita no sentido econômico-político, lhe será proveitoso ao amadurecimento meditar nos pensamentos e sentimentos dos esquerdistas. Logrará assim um pouco mais de liberdade, de neutralidade para pensar e sentir, sabendo-se que essa maior neutralidade (=mais liberdade) lhe melhorará a capacidade científica: andará mais preparado mais errar menos na coleta de dados (indução) e no controle intelectual do material recolhido (experimentação). Conscientes de ser a ideologia grandemente determinada pelo modo de ser de cada um (índole, tendência, escolhas de causas desconhecidas, opção destituída de "racionalidade" plena)[22], quadrará bem criarmos algum grau de simpatia por quem pensa diversamente — este será um alter de diversa escolha inconsciente, não um inimigo a enfrentar. A belicosidade hostilizadora não parece ser boa conselheira para se obter mais certezas na vida comunicativa. A virtude oposta, sim, facilitará a compreensão de algumas questões vitais sem fazermos dela um receptáculo de verdades indiscutíveis ("minha verdade"), nem impregnará os nossos valores do caráter arrogante de serem melhores que os cultivados por outras pessoas ("não sou reles como os outros, esses pífios").
O nosso poeta escreveu acima:
"Certamente [...] não é fácil compreender certas questões [...]". Reconhecer esta nossa situação "existencial", parece, ajuda-nos a estar "com o chão de sob nossos pés".

Uma vez mais surge a perspectiva de que ter a alma grande é da "condição humana" para se ter mais acerto no conhecimento e na prática do serviço aos outros.
Disseram respeitáveis pensadores: "A alma é o maior milagre do mundo." (Dante Alighieri, 1265-1321); "A alma humana avança constantemente, mas em linha espiral." (Goethe); "A fidelidade é o esforço de uma alma nobre para igualar-se a outra maior que ela." (Goethe). "Tudo vale a pena quando a alma não é pequena" (Fernando Pessoas).
            As raízes da arrogância corruptora nascem, repetimos, da interioridade do ser humano. Aí elas se afincam diminuindo a capacidade especificamente humana de (1) raciocinar e (2) servir mais desinteressadamente. Estes dois distintivos influem no pensamento e no sentimento humanos, razão bastante para serem levados em conta na teoria do conhecimento.
Parece certo que as ditas raízes só diminuir com a educação dos indivíduos e com as reformas dos círculos sociais — reformas morais incessantes, continuadas — e com segura aplicação de sanções penais. Para se introduzirem mudanças profundas cumpre levarem-se em conta os indicativos da ciência — esta é a questão central. Ora, a prepotência rompe estruturas jurídicas e morais, além de outras. Quem dissolve essa rede de laços, destrói vínculos de elementos internos das relações sociais. O mesmo é que estragar alguém os seus hábitos construtivos – as virtudes, atitudes persistentes de força individual e de força social no respeito à dignidade do alter. Esse desmando passa a decompor a personalidade antes reconhecida como sadia pelas maiorias. A presunção consegue alterar tudo quanto vige de digno porque falsifica, contrafaz e deforma as forças. Estas forças consistem nas virtudes (como as cardeais de temperança, prudência, fortaleza, justiça). Nas forças internas vicejam as potencialidades básicas das virtudes cardeais. Quem as pratica tem dignidade e é havido como aceito, aprovado, bom, um exemplo a seguir. Desponta, sem maniqueísmo, como o praticante do “bem”.
De outro lado o ímprobo é tido por muitos como quem vive de ilusão. Parece não haver como lhe jorrar luz no cérebro, pensar e sentir com mais certeza, mesmo sabendo-se que "[...] é muito difícil, senão impossível, viver sem nenhuma certeza, sem valor algum" — segundo as palavras do poeta acima enfatizado. Busca triunfos aparentes a qualquer custo. Daí ser ele quem acabará recusado por seu modo de ser: a sua conduta de vida é reprovada, rejeitada, havida como inaceitável pela maioria dos membros do círculo social onde o desonesto vive, se move, é.   
Vamos a mais alguns aforismos ilustrativos — “[...] a alma universal não pode realizar-se perfeitamente em nós, enquanto não afastarmos o véu da ilusão, isto é, enquanto perdurar o sentimento do eu e do meu." (Ramakrishna, 1836-1886); "Há uma enorme dificuldade em abrir os olhos das pessoas. Comovê-las e destroçar-lhes a alma, é fácil; difícil é fazer com que a luz lhes penetre o cérebro” (John Ruskin, 1819-1900). "Há triunfos que só se obtêm pelo preço da alma, mas a alma é mais preciosa que qualquer triunfo” (Rabindranath Tagore, 1861-1941).
 Do orgulho esgalham-se condutas destrutivas como a necessidade de prestígio e de exercer autoridade sobre o número máximo de pessoas. Acolitam-nas as vaidades, estes vazios gestos de poder e de brilho. É comum andarem de parelha a soberba e a avareza; têm parentesco com a falta da virtude cardeal da temperança. Esta situação de vida leva a mais fraquezas (como a ausência de fortaleza de ânimo) porque o vício é repetição de fraquezas de caráter. Arrastam consigo a imprudência e a injustiça, vício este que remata com a dureza e com maldade no relacionamento humano. Havia razão para a soberba figurar em primeiro lugar nos sete vícios capitais. Ela, a soberba, encarna o orgulho agressivo, a altivez, a arrogância, a presunção, a sobranceria. Com elas se erra mais e se cai no descrédito das pessoas dignas, por provirem de almas menores.
            "Orgulhosa altivez é dom de almas baixas", sentenciou Paolo Mantegazza, neurologista e pensador, 1831-1910. Aduzem outros: "É passageira a felicidade de todos esses que vês caminhar com arrogância" (Lucius Annaeus Seneca, 4 a.C.-65 d. C.); "Da arrogância nasce o ódio; da insolência, a arrogância." (Cícero, 106-43 a.C.).
            A longa experiência de algumas religiões compendia lições de conteúdo moral. O cristianismo é uma delas com os “vícios capitais” (=principais), como vimos. Instando, são eles: soberba, avareza, luxúria , gula, ira, inveja, preguiça e (mais modestamente) pessimismo. Adquirem-se assim os hábitos de: arrogância, apego escravizador a bens materiais[23], culto ao prazer sensível, vontade de vingança, descontrole sobre o sentimento instintivo de raiva, consternação pela da vitória de outrem, indolência consentida em face do trabalho, visão depressiva das circunstâncias da vida, imobilismo íntimo diante das persistentes agruras comuns. De modo algum o arrogante enxerga a sua responsabilidade social. Neste senso lato, perde noção de justiça; com a alma apequenada à míngua de ideais, não luta a favor de ninguém. Sobrevive como carga socialmente pesada no seio do Povo. Errará mais no raciocínio e no sentimento, embora a autossuperação seja possível, a caminho da socialidade.
Eis agora dois breves exemplos de socialidade, afora os mencionados mais acima em nota de rodapé.
Maior que a tristeza de não haver vencido é a vergonha de não ter lutado”, pronunciou Rui Barbosa (1849-1923), que também disse alhures: “Não há nada mais relevante para a vida social que a formação do sentimento da justiça”.
O contrário dos vícios capitais (o pessimismo consta ter sido posto nesse rol pela igreja de rito bizantino) é conhecido como se viu: humildade (noção correta de si e reconhecimento do valor do “outro”); generosidade com o patrimônio material de que se dispõe; domínio regular e sereno sobre as atrações sexuais; moderação nos alimentos (incluída a ingestão daqueles de que não se gosta, mas são recomendados para a saúde); o costume da mansidão e doçura no trato com as pessoas; admiração interna pelos dotes e as vitórias dos outros; hábito de gostar de trabalhar com espírito diligente na execução de tarefas — trata-se de um esforço contrário à morosidade injustificada. Por fim o otimismo: é o ânimo esperançoso de conseguir transpor barreiras e de imaginar renovadas soluções e pô-las em prática sem mais queixumes[24]. O homem viciosamente enfraquecido é avesso aos gestos correspondentes a estas forças interiores que, por árduas que sejam, a sobriedade dos sérios cultiva. O fraco, como o corrupto, não: por fas ou por nefas quer tudo vencer sinuosamente, haurindo proveito indevido. A torto e a direito trai a consciência. Por ser covarde prefere ser temido; com o correr do tempo termina odiado.
Vêm a calhar outras reflexões de pensadores célebres. De Platão: “Vencer a si próprio é a maior das vitórias”. Também deste grego: “Procurando o bem para os nossos semelhantes encontramos o nosso”. "A arte de vencer aprende-se nas derrotas" (Simón Bolívar, 1783-1830). De autor desconhecido: "Vencer não é competir com o outro. É derrotar os seus inimigos interiores [...], a própria realização do ser."
            Ainda pertinentes: "A verdadeira medida de um homem não é como ele se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas como ele se mantém em tempos de controvérsia e desafio." (Martin Luther King, 1929-1968); e "Durante toda minha vida nunca traí minha consciência.” (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, 1892-1979)[25]. “Quem arma Persarum non fregerunt, vitia vicerunt”. [Quinto Curcio Rufo, historiador do Século I da Era Cristã, Historiae 6.2][26] . “Quem quisque metuit, odit; quem odit, periisse cupit[27].  (M. T. Cícero, 106-43 a.C.- De Officiis 2.7).                                                                                                                                   O Eu e o Outro
Egotismo versus Solidariedade — este antagonismo axiológico traduz o pêndulo da oscilação humana de alguém ser pior ou ser melhor, para si e para o seu círculo social, andar feliz ou cair empoado.
“Entre nuvens errantes a voz das estradas, /Entre picos nevados / E o canto das ondas, / Entre horas passadas / E o tempo futuro, / O pêndulo da vida / Oscila sobre o pó[28] .

Verdade seja: a história da humanidade “é a história da conciliação das duas forças essenciais e eternas, o indivíduo e o organismo total”[29].
O egotismo, depósito dos sete vícios capitais, leva o indivíduo à exacerbação de si contra o todo porque erra mais na inteligência e nos instintos. Faz do indivíduo um doente temível, por ser pessoa esgarçada e de nenhum caráter, capaz de se esparzir deleteriamente no grupo a que pertence. Ao menos nos seus primeiros anos de vida não há homem isolado. “Homem alguma é uma ilha” como escreveu o monge trapista Thomas Merton (1915-1968). O egotista estimaria isolar-se de gentes porque não gosta de pessoas; quer bastar-se com os correligionários, ou com os seus fiéis sequazes e parceiros no egocentrismo — outros brutos rapaces da mesma súcia.
            Ao moralmente fraco figuram como inadequadas as fontes de água limpa, ele dispensa aspirações elevadas, desagrada-se dos homens vincados pelos traços próprios do ser humano: forças de inteligência e de doação. Estes, que são mais profundamente humanos, é comum o individualista egoísta taxá-los de ingênuos, ou então de “socialistas marxistas”. Enclausurado no grotão dos seus interesses, não tolera o “organismo total”, o Povo, os Povos, a Humanidade — onde mora o bravo ser humano, o forte homem feliz (ευδαίμων).
De notar-se, porém: mesmo assim, miserável que é, e socialmente perigoso, até o corrupto ainda há de ser tratado como ser humano. Aconselha-o Sêneca: Quemcumque fortem videris, miserum neges. [Hercules Furens, 464][30]. E do mesmo Sêneca: Quemcumque miserum videris, hominem scias. [Hercules Furens 463][31].
Por fim cumpre acrescentar: quem se vir preso por algumas raízes de maldade poderá recobrar tempo e converter-se à dignidade. Daí em diante, fortalecido, terá como praticar atos construtivos; poderá praticar as salvíficas oito virtudes cardeais.
            O brasileiro Milton Viola Fernandes ou Millôr Fernandes (Rio, 1924-2012) bem ao seu estilo enunciou: "Se você agir sempre com dignidade, pode não melhorar o mundo, mas uma coisa é certa: haverá na Terra um canalha a menos”.
                                  Breves considerações finais
Convém confiar nas quididades formadas por nossa inteligência, e nos conceitos definidos, e nas proposições afirmativas e negativas — confiar mas com alguma desconfiança. Não se trata de ideia trágica de retórica. Cuida-se de teoria do conhecimento no seu problema fundamental: o que é conhecer, como conhecemos, quando acertamos e por que erramos tanto. no âmbito da "condição humana".
Por outras palavras, esta matéria diz respeito ao erros, ou acertos do pensamento. Como o pensamento é mesclado do mundo instintivo, sói o primeiro ser seguido da atuação nas relações com o alter, os socii, com os membros da sociedade, se torna mais fácil é perceber a responsabilidade do ato inicial de pensar, mais errada ou mais acertadamente. Portanto a complexidade das relações, com as quais se tecem as nossas vidas, faz-nos pensar em quão real é a debilidade dos nossos saberes; nisto temos de substituir a admiração pelas filosofias (com os seus belos sentimentos) pela ciência com o método indutivo experimental. Deste modo aumentarão bastante as convicções fundadas nos fatos do mundo: teremos mais dados postos na esfera extramental (le donné) do que a armação feita com eles pelo psiquismo (le construit).
Ser um pensador livre e neutro (mais livre e mais neutro) parece ser necessário, mas a ideologia anda a dançar no nosso cérebro. Atrapalha a independência (1) da função pensante (racionar e não apenas intuir com os sentidos) e (2) da dignidade (patamar superior ao da só animalidade); e são estas as nossas duas características do ser humano. 
A complexidade mescla-se com a variedade de temperamento e talento das pessoas. Quando o talento chega ao nível da genialidade a pessoa com esse singular dom parece ser de outro mundo. Tomemos o exemplo de Steve Jobs[32] (de 24.02.1955 a 05-10-2011), inventor da "Apple", como está na sua biografia (ISAACSON, Walter. Steve Jobs. New York: Simon & Schuster, 2011). Steve Jobs tinha grande prazer em unir tecnologia e arte (p. 238-249), era "normal" mas carregado de idiossincrasias, com excentricidades das mais complexas e variadas (p. 117-124 e 358-367). Com câncer e grande vontade de viver, mantinha o seu ideal de unir tecnologia e humanismo (p. 525-537); aprender mais era uma meta continuada e, parece, também um ato de alguma humildade: "I did learn some things along the way. I did learn some things. I really did"[33] ((p. 537).  
A complexidade torna-se mais fácil de entender quando se pensa na diversidade dos seres na nossa pequena Terra. A inteligência precisa valer-se muitas vezes da intuição instintiva em toda classe de objetos com que tratamos[34].
 De outro lado, como é central a tomada de consciência desta debilidade, para errar menos no pensar e no sentir, se torna necessário o cultivo das atitudes fortalecedoras do caráter — as virtudes cardeais com mais as sete virtudes contrárias aos sete vícios capitais, a começar pela soberba (orgulho, jactância, arrogância). Um dos perigos existentes contra o acerto no conhecimento e no sentimento é a ideologia; embora mais comum nas relações de política e de economia, a ideologia se insinua também no campo da religião, da moral, da estética, do direito, da ciência, da moda, das regras de bom tom etc.
Logo se vê ser a ideologia um lastro pesado desde o mundo acadêmico até ao quotidiano, para o saber e para o sentir; como tal ela propende a ficar fincada nos cérebros. Disse o nosso poeta; "toda sociedade é, por definição, conservadora [...]".           Mas, ao que parece, com muita cautela metodológica e moral (humildade), mais o afinco nos nossos esforços (coragem e otimismo), podemos confiar nos resultados do nosso pensar e do nosso sentir, a despeito das mudanças incessantes no Todo já que "impedir a mudança é impossível. [...]".
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Autores de que se extraíram aforismos e citações.
Aristóteles, Cícero, Dante Alighieri, Erasmo de Rotterdam, Fernando Pessoa, Francis Bacon, Goethe, Honoré de Balzac, J. E. Renan, JESUS CRISTO[35], John Ruskin, Martin Luther King, Millôr Fernandes, Moliére, P. Antônio Vieira, Paolo Mantegazza, Platão, Pontes de Miranda, Quinto Cúrcio Rufo, Rabindranath Tagore, Ramakrishna, Rui Barbosa, Santo Tomás de Aquino, Sêneca, Simón Bolívar, Thomas Merton, Victor Hugo.
                                                  Bibliografia e referências.

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[1] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais (Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP). Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 2000. p.17-19.

[2] Ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, O sábio e o artista. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, p. 227 – 264, 1960; A sabedoria da inteligência. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960; A sabedoria dos instintos. 3ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960 e Epiküre der Weisheit. 2. Aufflage. München: Griff-Verlag, 1973.
[3] Legitimation Crisis. Boston: Beacon Hill, 1975, p. 10 ss.

[4] Sobre a história leiam-se os dizeres de George Santayana, gravados na entrada do "Bloco 4" de Auschwitz: "Quem não relembra a História está condenado a vivê-la de novo" (ver Clóvis Rossi, "O inferno nunca sai da alma", Folha de São Paulo, 22.05.2012, Caderno "Mundo").
[5] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais (Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP). Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 2000. p.17-19.

[6] No sentido tradicional o ato de filosofar é parte da vida não científica, proveitoso e necessário quando se busca algo do misterioso sentido da existência humana, como busca de indagações como de onde viemos, para quê estamos na Terra, para onde iremos. Veja-se a esse respeito PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Por que filosofar? (Revista Brasileira de Filosofia, v. XIII, fasc. 52, 1963.  .             
[7] para que tenham vida, e a tenham em maior abundância.
[8] Deste total, 192 são Estados, membros da ONU. Menos de dez outros são países independentes de facto. Os acolhidos na lista da ONU têm: a) uma população permanente, b) um território definido, c) governo, d) capacidade para entrar em relações com os outros estados.
[13] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Vorstellung vom Raume. Atti del V Congresso Internazionale di filosofia. Napoli, 1925.
[14] Sobre paixão e razão, esta dualidade natural indissociável, ver   OLIVEIRA, Mozar Costa de. Paixão, Razão e Natureza (investigação sobre o discurso normativo)”. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1994. (Resumo em RT-678—abril de 1992 e em http://mozarcostadeoliveira.blogspot.com).

[15] Sobre a extração das quididades (species, "jeto"), a formação de conceitos e a de proposições afirmativas e negativas (com precisão de ideias e de linguagem), ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. O problema fundamental do conhecimento. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, páginas 171-192, 229-258 e 241-258.

[16] Nesse respeito ver SCHMID, Wilhelm. GLÜCK. Alles, was Sie darüber wissen müssen, und warum es hicht das Wichigste im Leben ist. Frankfurt am Main und Leipzig: Insel Verlag, 2007; também SCHÖNES LEBEN? Einfürung in die Lebenskunst. Frankfurt am Main: Suhkamp Verlag, 2005.

[17] Ver SOARES, Caio Caramico. Humildade analítica, arrogância dialética. Folha de São Paulo. 30.05.2004. Caderno MAIS, página 13.

[19] A atuação de qualquer povo da Terra só é limitada pelo direito supraestatal ou Direito das Gentes. Só o povo é titular do direito de revolução, isto é, de alterar mesmo profundamente a sua ordem jurídica. Entre outros, ver COMPARATO Fabio Konder. Justiça e democracia – O poder judiciário no regime democrático. Revista da associação dos magistrados Brasileiros, 2004, nº 13, pág. 10-15.
[20] O Estado tem em si toda a falibilidade humana de modo que precisa da cooperação do povo para a obtenção do “bem-estar geral”. São estes “pilares de um autentico conceito de democracia participativa”. (TEODÓSIO, Walter. Devaneios sobre a concretização da democracia participativa. Revista da Procuradoria Geral do Município de Santos, 2005, pág. 142-144).

[21] A psiquiatria avança na descoberta de anormalidades no sexo. Em geral toda sofreguidão acarreta esse distúrbio — uma das fontes de corrupção dos caracteres (COLAVITTI Fernanda e TURRER Rodrigo. O que é sexo normal?  Revista Época. Editora Globo nº 615 março de 2010, pág. 80-81).
[22] "Racionalidade" é aqui tomada no sentido escolástico e cartesiano, posição contrária ao exame do mundo fático. Veja-se PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti Meditações Anti-cartesianas. Revista Brasileira de Filosofia [Instituto Brasileiro de Filosofia]. São Paulo: Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, v. XXXI, nº 121: jan./mar., 1981.

[23] O luxo é uma forma de exagero de necessidade de coisas materiais. Torna as pessoas ainda mais egoístas e prejudica a própria economia das empresas. Tal é o caso, por exemplo, de uma reunião de negócios feita numa sala com piso de mármore comparativamente com uma reunião numa sala modesta. Os executivos que se entregam ao luxo são menos responsáveis que os executivos mais simples. Esta pesquisa foi feita por um professor de Harvard (Chua Roy Entrevista à revista Época. Época, Editora Globo, nº 615, março de 2010, pág. 96-98).

[24] Livro digno de leitura sobre a esperança otimista (e "realista") é CURY Augusto Jorge, Nunca desista de seus sonhos. Rio de Janeiro: Sextante/GTM Editores Ltda, 7ª edição, 2004. A princípio poderia parecer a alguns como livro de "autoajuda", mas é obra de um respeitável estudioso. Publicou mais de dez livros dos quais são também bem conhecidos os seguintes: O Vendedor de Sonhos, A Revolução dos Anônimos, Pais Brilhantes, Professores Fascinantes (2003), Seja líder de si mesmo (2004).

[26] Aquele a quem as armas dos persas não esmagaram, os vícios venceram.
[27] Odeia-se a quem se teme; a quem se odeia, deseja-se que morra.

[28] BOMFIM, Paulo. Quinze anos de poesia. 2ª ed., São Paulo: Maltese, 1992.

[29] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, tomo 3, página 61.
[30] O bravo que vires, não digas que ele é infeliz.

[31] Qualquer infeliz que vires, reconhece-o como um ser humano.

[32] Alguns dados sobre a vida desse homem "especial", com frases dele, estão em http://pensador.uol.com.br/autor/steve_jobs/

[33] A aprendi algumas coisas ao longo do caminho. Aprendi mesmo.
[34] Um exemplo é o das pessoas a mesclar e de quem cuidar na Economia.  Veja-se nesse respeito o escrito por Julio Vasconcellos, 31 anos no jornal Folha de São Paulo, 24.05.2012, Caderno MERCADO, sob o título O segredo dos banqueiros suíços. Escreve ele que [...] o empreendedor, para ter êxito, precisará de uma diversidade de pessoas devidamente combinadas [...]. O autor é  economista, fundador e presidente-executivo do site de compras coletivas "Peixe Urbano" (empresa brasileira de compras coletivas, isto é, feitas com descontos elevados).
[35] Sobre a inteligência e a sensibilidade de Jesus Cristo ler de Cury Augusto Jorge, op. cit., páginas  22-46.