segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

UM FÍSICO BRASILEIRO AGNÓSTICO E UM TEÓLOGO BRASILEIRO CATÓLICO SOBRE AS “ORIGENS”


UM FÍSICO BRASILEIRO AGNÓSTICO E UM TEÓLOGO BRASILEIRO CATÓLICO SOBRE AS “ORIGENS” [1]



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Ciência, fé e as três origens.

Marcelo Gleiser [2]


A compreensão científica dos vários fenômenos da natureza deveria fortalecer a nossa espiritualidade

UMA EXCELENTE ILUSTRAÇÃO da intersecção entre a ciência e a religião ocorre quando refletimos sobre o que chamo de "as três origens": a do Universo, a da vida e a da mente.
Por milênios, mitos de criação de todas as partes do mundo vêm tecendo explicações para esses três grandes mistérios. No meu livro "A dança do Universo" (Ed. Companhia das Letras, 2006), explorei alguns dos temas míticos que reaparecem na ciência, em particular na cosmologia, no estudo do Universo.
Precisamos conhecer nossas origens. E, desde os primórdios, olhamos para os céus em busca de respostas. Hoje, sabemos que somos aglomerados de poeira estelar dotados de consciência. Para desvendar nossa misteriosa origem, precisamos saber de onde vieram as estrelas, como a matéria não viva se transformou em matéria viva e como essa virou matéria pensante.
Mitos de criação atribuem as três origens a forças sobrenaturais, capazes de realizar feitos que nos parecem impossíveis. Grande parte do conflito entre a religião e a ciência se deve à tensão entre esses dois modos antagônicos de explicação.
Qualquer entidade que, por definição, existe além das leis naturais está além da esfera da ciência.
Será que as três origens podem ser explicadas pela ciência, sem a interferência de entidades sobrenaturais? Em caso afirmativo, religiões baseadas em entidades que existem além das leis naturais teriam que sofrer revisões profundas.
Isso não significa que, caso a ciência venha a entender as três origens, não teremos mais uma conexão espiritual com a natureza. Pelo contrário, a compreensão dos fenômenos naturais, dos mais simples aos mais profundos, deveria apenas fortalecer nossa espiritualidade. A racionalidade e a espiritualidade são aspectos complementares.
Religiosos ou não, poucos resistem ao fascínio da criação. As perguntas que fazemos hoje foram já feitas há milênios de anos na savana africana, nas pirâmides do Egito, nas colinas do monte Olimpo e na selva amazônica. O que mudou foi a natureza da explicação.
A cosmologia nos mostra que o Universo surgiu há 13,7 bilhões de anos. Podemos reconstruir sua história a partir de um segundo após a criação -um grande feito do intelecto humano. Mas ainda não podemos ir até a origem. Podemos afirmar que todos os seres vivos na Terra, presentes e extintos, dividem um ancestral em comum, um ser unicelular que viveu em torno de 3,5 bilhões de anos atrás. Mas não entendemos a origem da vida em si e nem sabemos se a questão pode ser respondida de forma definitiva: talvez existam várias origens da vida.
Entendemos menos ainda o cérebro, esse fantástico aglomerado de cerca de 100 bilhões de neurônios que define quem somos. Porém, através da ressonância magnética, detectamos as atividades de grupos de neurônios que trabalham como numa orquestra sem maestro.
Se podemos ou não entender as três origens através da ciência é matéria para futuros ensaios. Precisamos destrinchar as questões relacionadas com a natureza e com os limites do conhecimento.
São as questões não respondidas que servem de motivação para os cientistas. O destino final importa menos do que o que aprendemos no meio do caminho.

Que havia antes do antes? [3]
Leonardo Boff [4]


Adital - Grande parte da comunidade científica tem como dado assegurado que o universo e nós mesmos viemos de uma incomensurável explosão - big bang - ocorrida há cerca de 13,7 bilhões de anos. Há um derradeiro fóssil desse evento, verificado pela ciência. Em 1965 dois técnicos norte-americanos da Bell Telephone Laboratories de New Jersey, Arno Penzias e Robert Wilson construíram um aparelho ultra sensível de micro-ondas. Ao testarem o aparelho, constataram que nele havia um ruído que não podiam limpar. Ele vinha uniformemente de todas as partes do universo, uma onda baixíssima de três graus Kelvin.Qual a origem deste ruído cósmico de fundo? Eles e outros astrofísicos constataram que era o último eco da grande explosão e o derradeiro resto da irradiação inicial. Tomando como referência as galáxias mais distantes que estão fugindo de nós a grande velocidade e cuja radiação vermelha está agora chegando a nós, concluíram que tal fato teria ocorrido cerca de 13,7 bilhões de anos atrás. Por isso, Penzias e Wilson ganharam o prêmio Nobel em física em 1978. Quer dizer, a nossa idade não é aquela de nosso nascimento mas essa, do nascimento do universo há tantos bilhões de anos, quando estávamos potencialmente todos lá juntos com os demais seres do universo. Este dado, segundo alguns, teria sido a maior descoberta da ciência.
Que havia antes do big bang? Os cosmólogos nos sugerem que havia o vácuo quântico, o estado de energia de fundo do universo, origem de tudo o que existe. Outros o chamam de abismo alimentador de todo o ser. Condensação dele, seria aquele pontozinho que primeiro se inflacionou como um balão e depois explodiu dando origem talvez a outros eventuais mundos paralelos, consoante a teoria das cordas. Mas o vácuo quântico, última realidade atingida pela microfísica, é ainda uma realidade discernível. É o antes. Mas antes deste antes discernível o que havia?
Num programa de rádio perguntaram a Penzias [5] o que havia antes do big bang e do vácuo quântico? Ele respondeu: "não sabemos; mais sensatatamente podemos dizer que não havia nada". A seguir uma radiouvinte, irritada, telefonou acusando Penzias de ateu. Ele sabiamente retrucou: "Madame, creio que a senhora não se deu conta das implicações do que acabo de dizer. Antes do big bang não havia nada daquilo que hoje existe. Caso houvesse caberia a pergunta: de onde veio?" Em seguida comenta que se havia o nada e de repente começaram a aparecer coisas é sinal de que Alguém as tirou do nada. E conclui dizendo que sua descoberta poderá levar a uma superação da histórica inimizade entre ciência e religião.
O que podemos, honradamente, dizer é que antes do antes havia o Incognoscível, o Impenetrável, o Mistério. Ora, os nomes que as religiões atribuem àquilo que chamam de Deus ou Tao, ou Javé ou Olorum ou qualquer outra Entidade é exatamente de ser o Incognoscível e o Mistério a que se referia Penzias. Portanto, havia "Deus". Ele não criou o mundo no tempo e no espaço, mas com o tempo e com o espaço.
Que havia antes do antes? Agora podemos balbuciar: Havia a "Realidade" fora do espaço-tempo, no absoluto equilíbrio de seu movimento, a Totalidade de simetria perfeita, a Energia infinita e o Amor transbordante. Sequer deveríamos usar tais nomes, pois eles surgiram depois, quando tudo já havia sido trazido à existência. Na verdade deveríamos calar. Mas como somos seres de fala, usamos palavras que nada dizem. Apenas são flechas que apontam para um Mistério.




[1] As notas de rodapé foram inseridas por Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

[2] Nascido no Rio em 1959, é professor do Dartmouth College (EUA) e colunista da “Folha de São Paulo”. Este artigo é de fevereiro de 2011.
[4] Nascido Concórdia (Santa Catarina) em dezembro de 1938. (Ver http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Fs7j5TdzirYJ:pt.wikipedia.org/wiki/)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

VIDAS DESCARTÁVEIS


VIDAS DESCARTÁVEIS

Prof. José Afonso de Oliveira,
Professor der Sociologia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE -, professor da rede estadual do Paraná, formado em Ciências Sociais pela PUCAMP


Qual o sentido da vida? Essa é a pergunta fundamental que deve ser feita neste início de século, onde tudo é mutável rapidamente. Essa confusão provoca vários problemas, sendo o mais significativo o valor que damos à vida humana. No final da Segunda Guerra Mundial, Jean Paul Sartre fazia essa mesma pergunta originando o pensamento existencialista na filosofia. Parece que a resposta, até os dias atuais é ainda difícil de ser encontrada.
A cidade de Foz do Iguaçu cresceu rapidamente, em função de toda uma série de empreendimentos e circunstâncias, gerando também uma situação extremamente caótica, onde a violência aparece com grande intensidade. Os órgãos repressores responsáveis em coibir a violência, a criminalidade, não dão conta de que esse fato ocorra, em função de fatores que escapam à instituição policial do Estado.
A violência não é um fator exclusivo desta sociedade, senão que hoje encontra-se disseminada, mundo afora, tendo pois razões muito diferenciadas e distintas. Nem podemos assim dizer que haja uma razão única capaz de gerar também uma forma unificada de manifestação da violência. São vários os fatores e temos formatos, em alguns casos, muito criativos da ação da violência na sociedade atual.
O que pretendemos neste artigo é refletir sobre a violência na cidade de Foz do Iguaçu, focada principalmente nos jovens vitimados por ela na primeira década deste século que está se iniciando agora. Mediante um levantamento realizado pela Fundação Nosso Lar, com a participação doe estudantes do curso de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE -, temos agora vários dados para serem analisados a respeito dessa questão pendente nesta sociedade. Questão esta palpitante, séria que requer ações visando extirpar a violência na cidade, de uma forma toda especial, entre as crianças e os jovens.

FOZ DO IGUAÇU

A cidade de Foz do Iguaçu teve o incremento de seu desenvolvimento atual na década de 70, do século XX com a instalação da Itaipu Binacional e a construção da hidrelétrica de Itaipu no rio Paraná, fronteira com o Paraguai.
Isso teve vários significados mas foi visível o movimento migratório passando a cidade de 34.000 habitantes, aproximadamente, em 1973 para 134.000, no ano seguinte, inicio da construção civil da hidrelétrica.
Durante os próximos dez anos a cidade vai crescer exatamente em função da construção da hidrelétrica e da instalação de seus equipamentos. Estando pronta e funcionando no início da década seguinte boa parte dos trabalhadores começaram a sair da cidade para outras obras, em direção ao Norte do Brasil ou para o Iraque que, naquele momento, recrutava trabalhadores para obras de construção civil.
Com a crise inflacionária que vamos viver no Brasil no final do século XX o comércio com Ciudad Del Este no Paraguai intensifica-se de uma forma muito rápida e bastante intensa. Como essa cidade é declarada pelo governo paraguaio como sendo um porto livre, não incidindo tributação para os produtos provenientes do exterior, evidente que isso oferece vantagens altamente competitivas com a produção nacional. Provoca esse fato o incremento de comércio com plena conivência com os órgãos controladores de alfândega e fronteiras do Brasil.
O advento do Plano Real com a nova a moeda nacional que entrava em vigor vai acelerar ainda mais todo esse comércio pois que, realizado em dólar, ficava mais competitivo ainda pelo fortalecimento da nossa moeda, frente à moeda norte-americana. Isso faz com que pessoas de todas as partes do Brasil, das mais próximas, às mais longínquas tenham em mente, fugindo da crise inflacionária se dirijam para Foz do Iguaçu, realizando comércio de vários produtos e disso buscando tirar o seu sustento.
Para melhor entendermos essa relação é preciso ter em conta que a política inflacionária da década de 80, do século passado, acabava gerando uma grande crise, cuja visibilidade era também altas taxas de desemprego. Essa população desempregada e constituindo um alto contingente, encontrava-se disponível para a realização da prática desse comércio com o país vizinho de forma intensa e em grandes quantidades.
Interessante perceber que a cidade de Foz do Iguaçu muito pouco ganha com todo esse movimento, uma vez que ele era realizado com grande intensidade e rapidez. Comboios de ônibus chegavam à cidade logo cedo, pela manhã, as pessoas eram levadas para Ciudad Del Este e já, no final da tarde, com seus imensos volumes de mercadorias partiam em direção à suas cidades de origem.
Esse fenômeno não só não ajuda a cidade como, em até certos aspectos, vai dificultar, e muito, o fluxo de turistas de vez que serão substituídos pelos compradores de produtos, muitas vezes de qualidade duvidosa, no Paraguai.
Claro aqui também que tudo isso será feito de forma extremamente desorganizada, gerando vários fatos graves de incidentes com roubos e homicídios, difíceis de serem averiguados, dados o volume enorme de pessoas envolvidas nessas atividades.
Mais interessante ainda era o fato de que as pessoas envolvidas, ou não no processo, achavam esse comércio plenamente legal e justificavam até que era necessário para aliviar a crise que se vivia no Brasil. Talvez pela última colocação é possível entender a pouca ação dos órgãos federais de repressão a essas práticas comerciais. Justificava-se que era melhor assim pois que, do contrários, a crise social seria muito pior em nosso território.
Os moradores da cidade de Foz do Iguaçu adquiriam, por exemplo, seus eletro domésticos em Ciudad Del Este dadas as vantagens competitivas e achavam isso uma questão muito natural de comércio transfronteiriço, sem maiores problemas. Não admitiam, de forma alguma, que isso pudesse ser identificado como sendo uma atividade criminosa e ilegal, sujeita às penas da Lei.

A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

Na década de 80, do século XX, tem início o que se designou denominar como sendo a Revolução Tecnológica. Utilizando a informática na produção de bens podemos agora realizar três aspectos absolutamente necessários, a saber: quantidade de bens infinitos, em qualquer lugar do planeta e produzidos em tempos reduzidíssimos. De alguma forma os problemas pertinentes à produção estão, definitivamente, resolvidos, de sorte que o problema agora está posto na questão do consumo. Assim sendo, utilizando a informática aos meios de comunicação social de massa, notadamente à televisão, acoplada aos satélites temos o que os americanos denominam como sendo o processo de globalização. Quer dizer o mercado produtor e de consumo deixou de ser nacional passando a ter uma conformação global, assim produzimos para um consumo globalizado.
É por isso que estamos vivendo já a denominada sociedade pós-industrial que se caracteriza, segundo Domenicio de Masi, como sendo: “Os cinco aspectos que a definem são: 1) a passagem da produção de bens para a economia de serviços; 2) a preeminência da classe dos profissionais e dos técnicos; 3) o caráter central do saber teórico, gerador da inovação e das idéias diretivas nas quais a coletividade se inspira; 4) a gestão do desenvolvimento técnico e o controle normativo da tecnologia; 5) a criação de uma nova tecnologia intelectual”( De Masi, p. 33)
Ante essa profunda mudança no cenário internacional, fruto das modernas tecnologias, temos aqui em nossa região também uma nova forma de agir. Agora sim o comércio com Ciudad Del Este passou a ser entendido como ilegal, originando a questão do contrabando e descaminho. Os órgãos repressores agem com maior controle e severidade, causando, de início intenso conflito e grandes confusões.
Há na cidade, fruto de momentos anteriores intensa migração de pessoas que passam a ter pequenos empregos em Ciudad Del Este como, por exemplo, descarregadores de mercadorias, atendentes de lojas e mesmo pessoas que transportam mercadorias até Foz do Iguaçu e fazem entregas em hotéis da cidade.
Repentinamente essas pessoas não tem mais meios de sobrevivência dada a repressão que é exercida pelos órgãos oficiais federais. Fica no ar a pergunta: O que fazer? Não havendo, por outro lado, oferta de empregos em Foz do Iguaçu cresce assim uma camada marginalizada da sociedade que é bastante significativa em termos numéricos.
Não tendo setores industriais e pouca área agriculturável, a cidade de Foz do Iguaçu passa a ter a sua economia na área de prestação de serviços e, nesse sentido, está plenamente inserida dentro do contexto da globalização. Mas a expansão dos setores de prestação de serviços em hotelaria, turismo é também ampliada com novos investimentos sociais em educação superior de uma forma, muito acentuada.
Mais recentemente a cidade assiste a novos investimentos no setor de comércio interno com a instalação e funcionamento de um shopping Center e a ampliação do setor de supermercados. Da mesma forma, no contexto da globalização, produtos importados são agora comercializados até nos supermercados da cidade, não havendo mais necessidade de que sejam buscados em Ciudad Del Este, no Paraguai. Sim esse movimento é nacional e assim diminuem consideravelmente o afluxo de pessoas para realizarem compras no Paraguai. Deixou de ser assim atrativo e competitivo o comércio de Ciudad Del Este, implicando que agora, aí também comece a existir uma transformação com a colocação de produtos mais caros, sofisticados que não tenham facilidade de serem encontrados no Brasil. Mas, note bem, essa mudança visa a atender a um público bem mais sofisticado com maior poder aquisitivo.

O TRÁFICO DE DROGAS

A produção e comercialização de drogas, originando o tráfico internacional está vinculado aos países amazônicos, notadamente à Colômbia que, utilizando de rotas aéreas, através da vasta região amazônica fazia chegar as drogas, em grandes quantidades aos países consumidores, notadamente Estados Unidos e países europeus.
Era difícil o controle da rota internacional dado o tamanho da Amazonia, seu pouco e escasso povoamento e a própria floresta que dificulta sobremaneira a fixação do homem nessa região. Ante esses fatos o governo brasileiro fez publicar em 19/12/1986 a lei número 7.565, referente ao Código Brasileiro de Aeronáutica que regula as questões pertinentes a essa área da aviação em todo o nosso território.
Em 5 de março de 1998, através da Lei número 9.614 que alterava o artigo 303 da Lei 7.565 permitindo a derrubada de aviões, especialmente na região Norte do Brasil que fossem suspeitos de estarem sendo utilizados pelo tráfico internacional de drogas. Diz mais a lei, quais os procedimentos que devem ser tomadas até que seja dada a ordem de ataque e abate da aeronave. Essa lei, por isso mesmo, ganhou a alcunha de “Lei do Abate” e, efetivamente, alguns aviões foram derrubados sendo, posteriormente, confirmados como estando a serviço do tráfico internacional de drogas.
Diante desse fato o tráfico internacional de drogas tomou uma nova atitude, passando a fazer o tráfico, não mais aéreo, dado o seu alto risco, e sim rodoviário. Nesse sentido uma das rotas escolhidas foi exatamente a de ligação de Ciudad Del Este no Paraguai, através da Ponte da Amizade, com Foz do Iguaçu, no Brasil.
Assim teremos a ação da Polícia Federal no combate ao tráfico de drogas, relacionado intimamente com as questões pertinentes ao crime organizado. Para tanto, com ajuda do governo norte americano, na gestão presidencial de Fernando Henrique Cardoso, será construída, em Foz do Iguaçu, a mais moderna delegacia da Policia Federal, em todo o Brasil. Isso dá a importância da ação da Polícia Federal já no final do século passado e, principalmente, durante a primeira década do atual século XXI.
São realizadas várias operações, culminando com apreensões recordes de drogas de todo o território brasileiro. Somam toneladas de drogas, sendo a carceragem da Policia Federal rapidamente ocupada por criminosos que, uma vez julgados e condenados, são remetidos para a penitenciária estadual localizada em Foz do Iguaçu. Em casos de maior periculosidade os criminosos são remetidos à Catanduvas, aqui no Oeste do Paraná, para a penitenciária de segurança máxima federal, única existente em todo o Brasil.
Em que pese toda essa ação que é muito eficaz e produtiva, no entanto o tráfico se imiscui na cidade de uma forma impressionante. Evitando que os adultos sejam presos, em determinado momento as mulheres são recrutadas bastando para tanto perceber o aumento do número de mulheres presas no cadeião da cidade, aguardando julgamento.
Em outros momentos, mais recentes, crianças e adolescentes são colocados para realizarem operações do tráfico internacional de drogas, de vez que a legislação sobre os menores é bem mais educativa e branda do que no caso dos adultos. Aumenta assim de forma considerável o número de crianças e adolescentes que se encontram julgados e presos na cidade em uma unidade prisional especializada.

VIOLÊNCIA

O que entendemos por violência atualmente? Essa pergunta tem diversas respostas pois que temos violência física, moral, ética, de costumes, enfim uma série bastante considerável de formas de violência. Ela, em si mesma é sempre negativa, mesmo que, em alguns casos seja necessária como, por exemplo, para a defesa da própria vida ou então visando controlar grandes distúrbios. Também pode ser entendida como necessária para garantir o direito de propriedade, por exemplo, quando da invasão de uma casa por um assaltante.
Luís Mir em obra magistral assim se expressa: “ Os poderes do Estado são precedidos pelos direitos sociais. Ele bloqueia, então, qualquer regulamentação ou aplicação desses direitos, vertical e universalmente. A guerra (ausência de leis) e os direitos (fundamentais) são incompatíveis,m mesmo que estes últimos tenham caráter pétreo, isso é a barbárie, a ausência total de lei. Hobsbawn dá à palavra barbárie dois significados: 1) quebra e colapso das regras e conduta moral pelos quais as sociedades regulam a convivência entre seus membros e, em menor grau, entre seus membros e os de outras sociedades; 2) a reversão da universalidade de tais códigos e padrões de conduta moral, corporificado em instituições (do Estado) dedicadas ao progresso natural do ser humano.
O aspecto da discussão sobre a violência étnica do Estado brasileiro é muito vasto. Em permanente reciclagem do seu extremismo étnico agora criou o cidadão-bandido, que é pobre, favelado ou qualquer um. Os planos desse Estado de intensificar a guerra fria social e o conflito distributivista podem parecer irracionais, mas garantem a sua sobrevivência e a sua hegemonia. À primeira vista, paradoxal. O paradoxo resolve-se quando os valores da hegemonia e da sobrevivência são adequadamente categorizados” (Mir, Luis Guerra Civil p. 163)
Portanto a violência não pode mesmo ser discutida, pensada, fora de um contexto social. Ela já foi dita que pertencia à natureza do homem, segundo Rousseau, Hobbes mas o que conhecemos atualmente, está intimamente associado à sociedade em que vivemos.
Jessé Souza contextualiza a violência na sociedade brasileira, explicando: A característica periférica da modernidade de sociedades como a brasileira não reside, portanto, em nenhum “jeitinho”, em nenhuma “emotividade” pré-moderna, nem em qualquer dessas muletas explicativas retiradas do senso comum e de nosso mito nacional. A modernidade de países como o Brasil é “deficiente”, seletiva e periférica porque jamais foi realizado aqui um esforço social e político dirigido e refletido de efetiva equalização de condições sociais das classes inferiores. A inclusão das classes inferiores no Brasil foi sempre percebida – até pelos melhores como Florestan Fernandes – como algo que o mercado em expansão acabaria por incluir como que por mágica. Os esforços assistencialistas de ontem e de hoje, que são fundamentais (é melhor que existam do que não), mas insuficientes, nunca tocam no ponto principal por serem iniciativas condenadas ao curto prazo. Essa é a diferença que explica efetivamente a distância social de sociedades modernas periféricas como a brasileira e sociedades modernas centrais como Alemanha, França ou Holanda” (Souza, Jessé, A Ralé Brasileira p. 401)
Isso quer dizer que a violência na sociedade brasileira é da própria estrutura de organização social que temos, herdada de um Brasil colonial e que, por incrível que possa parecer, ainda tem marcas muito fortes e acentuadas no presente. Prova disso está posta nas questões étnicas onde os afro descendentes, escravos na colônia, independentes e marginalizados na sociedade atual.
Esse caldo de profunda desigualdade social e forte preconceito étnico tem como visibilidade a violência que campeia, Brasil afora e também aqui na região nossa de uma Tríplice Fronteira.
Foz do Iguaçu está situada entre as cem cidades mais ricas do Brasil, ocupando a sexagésima sexta posição com um PIB de R$ 6,14 bilhões em 2007, segundo dados do IBGE, divulgados pela Gazeta do Povo de 16 de outubro de 2010.
Em que pese essa riqueza considerável, temos no entanto uma grande parcela de nossa população vivendo na miserabilidade onde temos mais de 50 favelas na cidade, e um atendimento do Bolsa Família para mais de 20.000 famílias.
Portanto essa desigualdade social aqui encontrada é reflexo também do que existe, Brasil afora, com a particularidade de que não havendo outras alternativas de ocupação de mão-de-obra e geração de renda, os caminhos ficam abertos para atos ilegais e de forte tendência na criminalidade, seja essa o assalto, roubo ou homicídio. Isso coloca a cidade entre as 5 mais violentas do Brasil na atualidade, segundo revelado pelo Ministério da Justiça.
Evidente que existe um componente atual na questão da violência, refiro-me explicitamente aos meios de comunicação social de massa. Muitos programas, especialmente de rádio, logo pela manhã, são mesmo brutais, descrevendo cenas macabras, atos de profunda estupidez humana, comentando sobre isso e levando, não tanto a informação, muito mais o sentimento de ódio, vingança, maldade mesmo para as pessoas. Assim elas vão trabalhar pensando e discutindo a violência, não pelo seu aspecto de extermínio, senão mesmo pela sua expansão e, pior do que isso, achando que ela é natural, normal, para muitos de direito, isto é quase que legal.
De outra forma a televisão principalmente incentivando o consumo pelo consumo, através de várias e sofisticadas formas, diariamente leva as pessoas a consumirem, mesmo que não tenham necessidade de alguns dos produtos ofertados e mostrados. Como nem todos os que assistem televisão possuem renda suficiente, muitos terão acesso aos bens anunciados de forma extra legal e daí aparecendo um convite muito forte para o uso da violência.
Nesse sentido podemos dizer que a violência está convivendo conosco na sociedade de uma forma, por vezes, imperceptível, imaginária, causando sérios danos para as pessoas e seus patrimônios. Não existe, com a mesma insistência, a valorização do ser humano, da vida humana do convívio em harmonia, enfim da paz essencial para a melhoria de qualidade de vida para todos, indistintamente.

A VIOLÊNCIA INFANTO JUVENIL EM FOZ DO IGUAÇU

Infelizmente os dados não são nada animadores, onde o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA) mostra Foz do Iguaçu como sendo a cidade com o maior número de jovens assassinados do país. Cerca de dez jovens a cada mil adolescentes entre 12 e 18 anos são mortos no município. Isso é alarmante, configurando uma situação de extrema gravidade.
Para entendermos melhor a questão basta dizer que o índice de Foz do Iguaçu de homicídios juvenis é quase cinco vezes maior do que a média nacional, de 2,03 jovens vítimas de assassinato antes de completarem 19 anos.
Trabalho realizado pela Fundação Nosso Lar e a Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, campus de Foz do Iguaçu, através do curso de Direito, observou e fez levantamentos, nos últimos dez anos, junto às famílias que tiveram vítimas assassinadas, cujos dados servirão de base para os comentários, visando entender melhor o que vem acontecendo na cidade.
Temos em números absolutos de 2001 até 2009, 484 adolescentes assassinados na cidade, menores de 19 anos, a maioria tinha pais reconhecidos por certidão de nascimento e também eram conhecidos dos adolescentes.
Uma primeira questão que se coloca é que, aproximadamente, metade dos adolescentes não estavam estudando, indicando alguns problemas sério na área educacional como, por exemplo, alta evasão escolar e desinteresse completo pela escola, podendo ser entendido que a escola tem pouco a ver com a vida dos adolescentes.
Temos também o item que mostra a maioria dos adolescentes assassinados como sendo alunos do ensino fundamental, isto é, estavam estudando entre a quinta e a oitava séries do ensino fundamental.
Também aqui, cerca da metade dos adolescentes trabalhavam, ao mesmo tempo em que eram estudantes, o que dificultava sobremaneira todo o seu desenvolvimento intelectual na escola, possivelmente mostrando atrasos escolares em relação aos outros alunos, com idades mais próprias para as séries que estavam freqüentando.
A maioria dos adolescentes, mais de 50% eram de origem católica mas temos também número muito significativo de jovens que não possuíam nenhuma identificação religiosa. Isso pode mostrar também que a Igreja, notadamente pelo maior número, Católica não está realizando um trabalho que atenda às necessidades prementes desses jovens, no sentido de uma orientação de vida e comportamento social.
O fato de que muitos não tenham qualquer religião é indicativo também que o aspecto religioso, se bem que muito relevante em nossa sociedade, está perdendo seu significado social, possivelmente não sendo encontrado na sociedade nenhum sucedâneo o que implica em graves problemas de perda de sentido de vida.
Como no caso específico fica evidenciado que a escola também está perdendo o seu sentido social, tanto que os índices de evasão e repetência continuam elevados, esses jovens ficam completamente desamparados, podendo ser vítimas, especialmente da violência, conforme de fato está ocorrendo.
Os motivos das mortes estão mais ou menos difusos entre vingança, roubo, porém a questão do tráfico de drogas aparece como algo muito relevante. Podemos dizer que os motivos estão relacionados, grosso modo, com conflitos sociais mas, particularmente na cidade com o tráfico de drogas. Quer dizer os jovens foram do sistema educacional ou dentro dele, se bem que não consigam a inserção social, grande parte sem trabalho, tornam-se presas muito fáceis dos traficantes e, decorrendo daí, todo o seu envolvimento com a criminalidade.
Esse fato fica muito mais esclarecido quando estamos informados que a maioria dos jovens já tinha passagem pela polícia ou pelo CIAADI, significando que já estavam bem envolvidos com a criminalidade quando do momento do assassinato. Indica também que o sistema prisional, seja a polícia ou o CIAADI não atendem a qualquer processo de socialização que permitisse a inserção social desses jovens, evitando o convívio com a marginalidade social, especialmente a disponibilidade para o ingresso no tráfico internacional de drogas.
Um dado que chama a atenção é quando há indicação de, aproximadamente 75% de que os adolescentes não tiveram nenhum envolvimento com o Conselho Tutelar, ou seja, este órgão oficialmente encarregado de garantir os direitos das crianças e adolescentes não esteve, quase que em nenhum momento envolvido com a vida desses adolescentes assassinados. Indica que sendo recente a sua atuação e tendo poucos membros trabalhando torna-se incapaz de poder prestar um atendimento mais profundo, acompanhando a vida dos adolescentes, por exemplo, evadidos do sistema educacional.
Da mesma forma, curiosamente temos a informação em que a maioria dos jovens assassinados não tinha, anteriormente, qualquer envolvimento com confusões passadas. Ora esse item mostra o acobertamento de algumas questões quando, em outro item temos a informação que a maioria deles tinha já envolvimento com a polícia ou com o CIAADI, indicando que estavam sim envolvidos em ilícitos, talvez não se configurando como sendo as formas de agressão, podendo ser indicativo de que já estavam trabalhando no tráfico de drogas, daí resultando as capturas pelos órgãos repressivos da sociedade.
Um outro item importante indica que a maioria dos adolescentes freqüentava algum grupo e saí junto, podendo ser indicativo de que se deixavam levar pelos outros, mas há um detalhe positivo, quando podemos perceber a superação do individualismo por uma visão mais coletiva. No entanto esses grupos eram de pessoas próximas aos adolescentes quando somos informados tratar-se de grupos da mesma rua. Até aí, tudo bem, pois já havia algum conhecimento prévio, mas fica-se espantado quando também número muito significativo informa que os grupos que eles freqüentavam eram de pessoas desconhecidas, podendo estar aí colocado os grupos com envolvimento no tráfico de drogas.
A situação financeira das famílias dos adolescentes eram relativamente estáveis se entendemos que a maioria afirma ter casa própria, indicando assim uma situação econômica relativamente segura, pois a casa é o patrimônio mais fundamental da sociedade.
De outra forma a maioria informa que não havia nenhum interesse, ao menos aparente, na morte dos adolescentes. Isso significa que não havendo envolvimentos anteriores, conforme fica explícito nas informações recebidas, os assassinatos se dão por motivos fúteis, ou, mais provavelmente, ligados ao tráfico de drogas e envolvimento com dívidas e outras questões de poder dentro dessa linha de criminalidade.
No período de 2005 à 2009 temos algumas informações também bastante pertinentes e muito interessantes. Cerca de 48% dos adolescentes assassinados viviam com as mães onde 52% dos casais já estavam separados. Essa quebra da família produz conseqüências muito importantes na vida desses adolescentes que ficam meio que perdidos na sociedade, não possuindo referenciais que possam ajudá-los no encontro de caminhos. Perdem aquilo que é absolutamente essencial para a vida em sociedade, os laços afetivos que dão solidez às pessoas, vida afora. Esse sim é um dado muito importante no entendimento da questão da violência infanto-juvenil na cidade de Foz do Iguaçu.
Em que pese parecerem ter uma situação relativamente estável, do ponto de vista econômico-financeiro, no entanto temos que algo em torno de 55% à 60% dos pais que não tem carteira de trabalho assinada, indicando trabalhos esporádicos de baixa remuneração, o que evidentemente está ligado à questão da destruição dos laços familiares e mesmo do não atendimento das necessidades básicas dos adolescentes.
No caso das mães, com quem a maioria dos adolescentes vivem, a situação é um pouco pior pois que variando de 75% à 85% elas não tem carteira assinada, indicando mais uma vez a situação muito precária do ponto de vista econômico-financeiro. Não podendo ajudar, ou melhor, investir na educação dos filhos eles se encontram em total disponibilidade para conseguirem meios de sobrevivência, sejam eles legais ou ilegais, daí aparecendo o componente forte do tráfico de drogas.
A renda familiar para a maioria varia de 1 a 2 salários mínimos, existindo percentual bastante elevado com ganhos até 1 salário mínimo, indicando que estão em situação de grande precariedade, sem qualquer perspectiva de melhoria social.
Há a percepção da maioria de serem pobres, alguns, bastante significativos informando serem muito pobres, ou seja, há consciência da situação em que estão vivendo á margem da sociedade com todas as suas conseqüências.
A maioria dos pais não informa o nível de escolaridade mas pelas poucas indicações que aparecem fica claro que tem nível educacional muito baixo com pouca freqüência escolar.
Já as mães informam o nível de escolaridade, extremamente baixo, a maioria tendo freqüentado o ensino fundamental nas séries iniciais, ou seja, da primeira à quarta série, também indicando claramente as dificuldades para poderem acompanhar o desenvolvimento educacional de seus filhos.
Ninguém, no momento da morte dos jovens, trabalhava no Paraguai ou com produtos procedentes do Paraguai, afirmando terem trabalho aqui mesmo na cidade, com baixa remuneração e nenhuma especialização.



EDUCAÇÃO EM FOZ DO IGUAÇU

Temos um grande e grave problema na cidade de Foz do Iguaçu onde estão matriculados no ensino fundamental de quinta à oitava série 21.293 alunos, mas no mesmo ano de 2010 temos 11.607 alunos no ensino médio. Esse afunilamento indica uma perda de, aproximadamente, 10.000 alunos na passagem do ensino fundamental para o ensino médio.
Onde estão esses jovens? Por isso mesmo pesquisa realizada pelo Instituto Ethos com exclusividade para a RPC/TV Cataratas/Gazeta do Povo constatava que 47% dos adolescentes de 16 e 17 anos estão fora da escola e 76% dos que tem 18 a 24 anos não estudam.
Em que pese que tenhamos 5.643 alunos no Ensino de Jovens e Adultos, no entanto há uma enorme perda de alunos que, fora das salas de aula, muitas vezes sem emprego e vivendo na ociosidade tornam-se presas fáceis para o tráfico de drogas e outras formas de criminalidade.
Temos também 11.522 alunos no ensino superior distribuídos em várias instituições privadas e públicas, em vários e diferenciados cursos de graduação.
Constata-se uma falta crônica de prédios escolares, especialmente no que diz respeito à rede pública estadual onde, nos últimos 8 anos foram construídas apenas duas novas unidades escolares em lugares de difícil acesso. Anteriormente, também em 8 anos, foram construídas 8 unidades escolares novas possibilitando uma descentralização em favor dos bairros mais distantes do centro da cidade.
É também bastante importante pensar na instalação de cursos de nível médio profissionais, de vez que há uma grande necessidade na cidade, dada a baixa oferta existente. Temos que pensar que a educação atravessa vários e sérios problemas tanto em termos nacionais, quanto também internacionais, que dizem respeito à sua eficiência para os dias atuais, através da possibilidade da concretização de resultados em função das mudanças que estão ocorrendo na sociedade, neste momento.
Não é mais possível pensar e agir com uma educação meramente livresca, altamente acadêmica, sem pouca ou nenhuma aplicabilidade o que possibilita a sua maior desvalorização. Além do mais desde o século XIX com Emile Durkheim já temos ciência da importância da educação no sentido de podermos socializar as crianças e os jovens para a vida em sociedade. Ela já era apresentada e mostrada como fundamental para a vida em sociedade, mormente após o advento do capitalismo industrial. Ela que permite um ser individual ter abertura para a coletividade e assim, transformando-se em um ser social, por excelência.
Na medida em que a educação vai perdendo o seu valor, fica cada vez mais difícil a vida em sociedade, de uma forma muito mais especial ainda em crianças e adolescentes que já procedem de famílias com graves problemas sociais de inserção na sociedade.
Pierre Bourdieu em sua obra A Miséria do Mundo que ele diligentemente organizou mostra toda essa problemática vivida por famílias procedentes da Argélia que tem graves problemas de inserção na sociedade francesa, onde as crianças e os jovens tem imensas dificuldades de serem aceitos nas comunidades escolares, reforçando a idéia, que existe na prática de uma educação para os franceses e outra para os migrantes, coincidindo, é verdade, com maiores desníveis educacionais, assim privilegiando alguns em detrimento de outros.
É claro que toda essa discussão sobre a educação tem um alto custo de investimentos, mas podemos pensar em investir agora em educação ou no futuro pagarmos muito caro, por exemplo pela violência, tal qual estamos assistindo e mesmo por manter criminosos no sistema prisional que além de caro, mostra-se pouco eficiente na socialização dos detentos para a sociedade.

CAUSAS DA VIOLENCIA JUVENIL EM FOZ DO IGUAÇU

Não é possível pensar em uma causa única. Por mais importante que seja o aspecto econômico, mesmo que na visão marxista, ele não dá conta de explicar, isoladamente o problema da violência juvenil em Foz do Iguaçu.
Entendemos, por isso mesmo, não ser possível ter uma única causa, senão várias causas, dada a complexidade do tema e mesmo de vários motivos que podem aparecer como causadores da violência juvenil em Foz do Iguaçu.
Fica claro que as mudanças que estão ocorrendo na cidade, fruto da Revolução Tecnológica e do processo de globalização, apresentando novas perspectivas de vida social, são também causadoras de novas posições na sociedade, gerando toda uma série de conflitos e estes tendo, muitas vezes, visibilidade de atos homicidas contra os jovens, conforme estamos agora assistindo.
Não podemos dizer tratar-se de fatos isolados, onde em dez anos tivemos 448 jovens assassinados, dando uma margem de, aproximadamente 50 jovens por ano. Isso está ocorrendo com maior intensidade agora, podendo estar ligado às mudanças sociais que estão sendo mais sentidas e vividas, neste momento, tanto quanto também pela intensificação do tráfico de drogas e a falência de algumas instituições fundamentais na sociedade que sejam capazes de garantir uma determinada harmonia.
Mostramos com mais detalhes a questão educacional pois que ela hoje é básica na sociedade, na medida em que o capitalismo atual está sendo exercido através de uma forte base de conhecimento. Diz-se até, com propriedade,que vivemos a fase da sociedade do conhecimento, pois este é mais importante, nos dias atuais, do que o próprio processo de acumulação de capital, pois que hoje é absolutamente impossível acumular capital sem deter grande conhecimento.
Mas a família também cumpre papel essencial para a vida em sociedade. Ela, a mãe é constituída como sendo a primeira educadora das pessoas para a vida social. A presença do pai, garantidor do sustento e, com isso, da própria família, é presença fundamental no sentido de orientar os jovens para a vida em sociedade. Hábitos, costumes, proposições éticas e morais são aprendidas na família, de vez que ninguém nasce sabendo viver em sociedade.
Esse é um aprendizado longo, ocupando grandes espaços da vida das pessoas, tendo a propriedade de serem úteis para toda a vida. Diferem do aprendizado escolar, mais técnico e científico, durante uma parte da vida e úteis para determinadas finalidades muito claras e próprias dentro do sistema capitalista e da própria sociedade burguesa.
O fato de que temos os pais envolvidos com questões econômico-financeiras e outras pertinentes à manutenção das famílias faz com que a vivência entre seus membros seja diminuída, causando, muitas vezes, enormes problemas. A quebra dos vínculos familiares, por toda uma questão enorme de condições e fatos, traz também conseqüências muito sérias na condução das crianças e dos jovens que, sentindo-se, muitas vezes isoladas, percebem que estão perdidas, sem qualquer meio de orientação na sociedade.
A idéia básica da sociedade de consumo de substituição do ser pelo ter, mostrando que com isso você adquire posição na sociedade, destaque, sendo merecedor de respeito inculca na maioria das pessoas e os jovens são mais frágeis a esses apelos a idéia de que a felicidade está aliada com a aquisição de bens de consumo. É feliz quem consome muito, tem muito dinheiro e assim adquire grande poder na sociedade.
Esse fato também aparece na criminalidade, dita agora como sendo organizada, onde são feitos pactos de sangue que, uma vez rompidos, a morte parece ser mesmo inevitável. Ninguém aparece para falar nada sobre o acontecido, por medo do poder dessa sociedade que também se enriquece e vive uma determinada organização eficiente para suas finalidades criminosas. Parece claro que essa fidelidade seja responsável por inúmeros assassinatos que são verificados na cidade, ultimamente, envolvendo principalmente os jovens em grande escala e número.
Finalmente a perda do vínculo religioso, sem que haja qualquer sucedâneo capaz de ajudar na formação das crianças e jovens, inculcando valores éticos e propondo convivências morais aceitáveis acaba mesmo fazendo com que haja uma perda de sentido na vida. Daí termos o conceito de vidas descartáveis que são imediatamente substituídas por outras nessa roda infindável da criminalidade.
Não havendo objetivos a serem alcançados a vida vai perdendo o seu sentido mais profundo, dando a entender que tudo pode ser feito pois que não existem regras a serem cumpridas, leis a serem obedecidas e a vida não vale mais nada. Nesse sentido, vivido por muitos jovens, tanto faz continuar vivendo de uma forma marginal ou morrer de uma forma violenta. Não há nem um zelo pela vida, nem pela sua, nem pela daqueles que lhe são próximos.

CONSIDERAÇÕES

Revelar, mesmo que parcialmente as complexas causas da violência juvenil em Foz do Iguaçu serve para o conhecimento em si mesmo, mais ainda para ações que podem e devem ser tomadas. Entendemos que a situação atual não pode, de forma alguma, persistir não só porque isso nos causa um certo medo, muito mais para que essas vidas que hoje estão sendo descartáveis possam ser úteis para a sociedade. Pensar que essas pessoas tem pleno direito de serem felizes, realizadas, úteis para a sociedade.
Pensar também vendo a situação em que esses jovens vivem que a eles não se pode, de forma alguma, responsabilizar como únicos agentes responsáveis pela alta incidência de violência juvenil na cidade, senão mesmo que a sociedade, como um todo, tem compromissos sério com essa situação alarmante que estamos vivendo.
Ficar de braços cruzados significa sempre ser conivente com essa situação esperando que ela possa ser mudado por efeito próprio ou quiçá por obra de algum bom governante ou mesmo por alguma divindade. Ora a situação deve e tem mesmo que ser mudada pela ação cidadã de cada um de nós que moramos aqui e desejamos uma sociedade com boa qualidade de vida para todos, indistintamente.
Muito podemos fazer nos setores frágeis como sejam na educação, discutindo, propondo e apresentando alternativas. O mesmo tem que ocorrer nas famílias, tanto quanto também através dos movimentos religiosos da cidade. Esses segmentos cumprem papéis muito importantes no sentido da reversão do quadro que se está vivendo, neste momento.
Assim é que os cidadãos, em várias circunstâncias podem mesmo fazer muito em prol desses jovens que perderam completamente o sentido da vida, não sabendo mais o motivo de estarem vivendo e, nesse sentido, podendo também em risco a vida de todas as outras pessoas, inclusive as nossas próprias vidas.
Neste momento em que a sociedade brasileira está passando por um ponto maior de equilíbrio e estabilidade é um dos momentos muito privilegiados para que possamos atuar, transformando a realidade que nos cerca, na certeza de que vamos ter novo sentido da vida, dentro de um clima de equalização social e de paz.
É muito importante também pensar em projetos que possam ter sustentabilidade e continuidade, partindo daquilo que já existe. Dando um exemplo: já temos todo um sistema educacional montado e funcionando, aliás sendo muito bem avaliado, mostrando melhorias muito significantes no quesito qualidade de ensino. É aí portanto que teremos que agir evitando criar coisas novas de sucesso duvidoso.
O mesmo podemos pensar quando se trata do envolvimento, tanto da família quanto também das religiões onde trabalhos podem ser propostos envolvendo o Conselho Tutelar, a Promotoria Pública e a Vara da Infância e Juventude. A capacidade de podermos constituir grupos de trabalho e passarmos a agir de forma mais sistemática, contando com o apoio e o envolvimento das universidades é algo fundamental e muito importante neste momento crucial que estamos vivenciando.
Ninguém sozinho, mesmo que investido de autoridade é capaz de direcionar ações que visem erradicar, definitivamente, esses problemas,de sorte a podermos ter uma sociedade mais equilibrada, justa e harmônica.
Claro que muito já foi realizado, muitas vezes de forma espontânea, mas o fato é que a persistência do fenômeno dos homicídios juvenis na cidade não está conseguindo encontrar solução adequada que de conta de amenizar e resolver esse problema de grande preocupação para todos os que vivem na cidade de Foz do Iguaçu.
O fato de que isso não é tarefa fácil, tanto que temos dez anos já da ocorrência do problema e neste tempo todo, nossos alunos do curso de Direito muito aprenderam mas ficaram mesmo estarrecidos com tudo aquilo que presenciaram. Em determinado momento e circunstância sentiram-se ameaçados e tivemos então que adotar táticas e estratégias diferentes para podermos dar continuidade ao trabalho que vínhamos realizando.


REFERÊNCIAS

SOUSA, Jessé – A Ralé Brasileira Quem vive e como vive. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2009
MIR, Luís – Guerra Civil Estado e Trauma. São Paulo, Geração Editorial, 2004
DE MASI, Domenico – A Sociedade Pós Industrial. São Paulo, Editora Senac, 2000
CASTELLS, Manuel – A Sociedade em Reder. São Paulo, Editora Paz e Terra, 1999
Índice de Homicídios na Adolescência – IHA – Programa de Redução da Violência Letal contra Adolescentes e Jovens – UNICEF, 2009