quarta-feira, 14 de abril de 2010

A CORRUPÇÃO E O PROCESSO EDUCACIONAL CONTRÁRIO


A CORRUPÇÃO E O PROCESSO EDUCACIONAL CONTRÁRIO
Mozar Costa de Oliveira — bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor aposentado de direito (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

Este artigo trata da corrupção; mais alargadamente pretendemos cuidar do assunto em livro, cuja publicação esperamos ser no corrente ano. Muitos são os sinais de corrupção, pessoais uns e sociais outros. Eles têm raízes nos vícios humanos, tão antigos como a humanidade. Alguns sinais permitem-lhe a clara percepção nas posturas do dia a dia.
Alguns deles são os seguintes, postos aqui em ordem aleatória. Interesse direto e exclusivo por riqueza material. Cobiça por dinheiro com algum intuito político (favorecimento de alguém, busca de prestígio, vaidade em exercer influência sobre outras pessoas etc.).  O querer conservar ou em aumentar o seu próprio poder (político, ou em certo grupo).  Egoísmo intenso sob as mais variadas formas. Demonstração de soberba (= orgulho, vaidade), autoritarismo, pouco apreço pelos méritos das outras pessoas. Na avareza: guardar o máximo de bens materiais, nutrir medo de perder parcela até pequena deles. Sinais de luxúria (sexo desordenado). Sinais de ira ou raiva de alguém. Indícios de glutonaria, desordem no comer. Sinais de preguiça, indolência, desleixo. O desvio de poder (de parte de quem exerce algum cargo público de autoridade, chefia). Marcas de falta de controle sobre si próprio (ausência de temperança pessoal ou grupal; explosões temperamentais). Traços de imprudência, incapacidade de previsão das conseqüências dos próprios atos.  Vestígios de fraqueza de ânimo (temor em demasia, covardia em tomar decisões ou para atuar em certa circunstância). Costume de ser uma pessoa intensamente injusta com outrem: insensibilidade perante o sofrimento alheio, ausência de gratidão, nenhuma ou pouca solidariedade.  A inveja de conquistas que outrem consegue atingir. A tristeza por se sentir incapaz de realizar as mesmas coisas. Carência de moderação, impotência para tomar o meio-termo entre extremos prejudiciais à vivência e à convivência etc. etc. Estas fraquezas são as raízes da corrupção — na vida pública e na conduta particular.
Os remédios contra a corrupção a nosso ver são notadamente a educação moral continuada[1] e a punição exemplarmente efetiva, mormente para os agentes públicos de quaisquer dos três poderes, do mais humilde ao ocupante de cargo do mais alto grau de poder. No presente trabalho cuidamos da formação humana. Tomamos como exemplo, clássico mas atual, a educação pensada e em boa parte vivida na Grécia antiga. Nossas considerações adotam duas partes: a) em geral (a paidéia) e b) o pensamento de Aristóteles (Ética a Nicômaco).

A — Formação humana ("paidéia"): os ideais da cultura grega.
Intróito. Esta primeira exposição é resumo nosso de obra clássica sobre esta matéria. O autor, Werner Jaeger, aparecerá nas linhas normais do trabalho. As páginas indicadas entre parênteses aludem à obra do dito autor alemão. As nossas opiniões virão com a indicação de o comentário (Comentários nossos) serem as nossas considerações sobre o tema. São também nossas as indicações iniciais desses temas, indicadas em letra itálica.
Educação e comunidade. Educação é um processo intelectual e volitivo de transmissão de valores através dos tempos, numa concepção de tipo ideal absorvido por uma comunidade. [2] A comunidade é a fonte de proceder do “animal político”. Incluem-se ai as leis, escritas ou não escritas. A base nessa formação humana é a consciência generalizada dos valores que governam a vida geral. Logo se vê: a educação sofre detrimento quanto são derrubadas as boas tradições de dignidade. Advirta-se também: o mais profundo aspecto da história é o parentesco espiritual. A civilização grega é um exemplo disso na busca de um tipo superior de ser humano (superior à animalidade bruta). Aquele povo transmitiu-nos o ideal de formação humana — “paidéia”. Boa parte dos países do ocidente apoderou-se dela nos seus primórdios. Alguns só mais recentemente.

 

“Without Greek cultural ideals, Greeco-Roman civilizaton would not have been a historical unity, and the culture of the western world would never have existed” (vol. I, Introdução).
          
A cultura moderna deixou-se dispersar num fluxo de aparatos exteriores. Desorganizou-se a vida no seu tanto; coisa boa será voltar à civilização original. Esta fonte anterior traçará nova direção da cultura com a antiga hierarquia de valores. Haverá o cultivo das qualidades individuais mais em consonância com as necessidades coletivas. Está é a harmonia de que o mundo necessita naturalmente:
“They had an innate sense of the natural [...] A series of separate results and systematizing them into an abstract conclusion [...] And interpreted each isolated fact from a general conception which gave it position and meaning as part of a whole [...] To construct universal patterns" [...]

Deste modo os gregos puderam moldar o ser humano, a sua maior obra de arte, segundo uma concepção típica do seu tempo, muito de conformidade com as leis da natureza. Este é o individuo político, este é o animal social, sábio, incluída sempre a essência mesma da sensibilidade. (Livro I, Introdução).
A nobreza da vida correta ("areté", virtude). Na Grécia do tempo antigo (“Archaic Greece”) a nobreza tinha lugar relevante, sempre ligada à “areté”. Areté é “virtude”: a capacidade física e mental (conhecimento e dignidade) dos diferentes indivíduos. Ao depois pensaram que este ideal tinha de universalizar-se, e vai ser vivida no século de Péricles (Livro I, nº 1, nota 6).
Os nobres eram os melhores, os “áristoi: possuíam em si os melhores elementos éticos segundo os altos padrões humanos, regendo-se por livre senso de dever. Neste senso de dever estava contida a honra grega (aidos, também ela a areté, a virtude). Compõe-se de habilidade e mérito a qualidade pessoal que resulta em efeitos práticos (ibidem, nº 2). Mais tarde esse conceito de honra descambou, segundo a percepção da ética cristã, no cultivo de ambições como orgulho pessoal, consciência exagerada do próprio valor.
O móvel da areté é a posse das grandes belezas (calós kai agatós): cumprir o mais perfeitamente possível a lei, ou seja, buscar a felicidade porque ai está o bem mais valioso e durável para o ser humano (Livro I, pág. 4-14).
Comentários nossos. Podemos entender hoje a honra como o reconhecimento dos valores próprios. A prova externa de que se possuem tais valores pode ser a opinião alheia demonstrada explicitamente — a honra. Uma das modalidades de corrupção é a temível fraqueza de busca do prestígio: o poder público não para servir ao povo, mas para dele se servir a "autoridade". No mundo privado tem-se a ambição de parecer mais que a plebe...
O processo educacional torna-se cultura conforme o meio: um processo continuado de a pessoa ser plasmada segundo um typos (pág. 21). Isto já fora escrito por Homero (Ilíada); já na Odisséia predominam as qualidades intelectuais e sociais (pág. 22).
Na mulher hão de predominar a beleza pessoal, a moralidade sóbria e a prudência doméstica (pág. 22-23). A mulher é a depositária “of high morality and old tradition”, circunstância que prova ter havido uma adiantada educação social já nos tempos homéricos (pág. 23, nota 27).
Na educação de Aquiles o seu preceptor ou conselheiro situa bem um problema central da formação do homem: o conflito entre a paixão cega e a intenção mais profunda, sendo que a educação também tem os seus limites (pág. 25-29).
Segundo Platão a poesia não é uma fonte segura para a educação, mas há nela um passatempo estético. Era diferente para Homero; segundo ele são inseparáveis os elementos ético e estético, ambos fundamentais na educação grega (pág. 35-36).
A poesia educativa, ou seja, a literatura hábil para a formação do homem, é aquela que se enraíza nas profundezas da alma. São as aspirações do espírito que se tornam permanentes na formação universal. A só filosofia leva o ser humano a um trato de idéias puramente abstratas, sem significado universal; falta-lhe o apelo simultâneo do mundo sensível (pág. 36-37).
A educação ou formação e o ideal de justiça. Na língua grega a palavra diké significava originalmente “parte de vida”. Homero usava o termo “themis”, que significa “instituição” (de Zeus): é o direito, a justiça em abstrato. Diké significava o mesmo que exigência legal da aplicação do direito. Por outras palavras, “themis é algo normativo e diké é algo pratico” (pág. 103). A diké, parte da vida, variava de acordo com as condições sociais do individuo. Mais tarde o pensamento grego conceituou a diké como situação igual para todos, como igualdade de direitos. Houve um longo processo de amadurecimento até chegarmos atualmente ao nosso “Estado democrático de direito” (pág. 104).
Dikaiosýne foi vocábulo criado para significar retidão, ausência de corrupção, observância das leis. Com isso a observância das leis tornou-se areté, virtude. Sobreveio o conceito de nómos, com o sentido de código das leis postas em vigor (pág. 105-106). Foi assim que todas as demais concepções de areté se subordinaram ao conceito de justiça (pág. 106-107). Em Esparta a lei é a expressão objetiva de um forte senso de comunidade, senso este criado pelo amor à pátria (pág. 109).
Platão e Aristóteles insistem a observância das leis como parte essencial da formação do homem desde o ideal social de aristocracia até a concepção fundamental de “homem, como individuo” (pág. 109). Por outras palavras o legislador e o literato (que o poeta é) foram considerados pelos gregos como os grandes formadores daquele povo (pág. 110). Não foi diferente com a concepção política da Jônia, onde lei seria o padrão fundamental da formação humana (pág. 111).
O conjunto do povo (polis) imprimiu no homem este novo aspecto, de ele ser um “animal político (bios politikós)”: o homem não é homem sem estar inserido na vida social (pág. 111-112). Foi assim que “politizar” veio a ter o mesmo significado de “viver”. Para Aristóteles o ser humano só é ser humano se viver no Estado; Platão definiu assim a essência da “paidéia” (=cultura, formação humana), como está em "LEIS", 643e:  

 

[...] "the education in areté  from youth onwards, which makes men passionately desire to become perfect citizens, knowing both how to rule and how to be ruled on a basis of justice" (ver p. 113).

Sólon, um sábio construtor. Um dos sábios da Grécia foi Sólon, o criador da cultura política ateniense. Foi poeta lírico, legislador e político. A poesia de Sólon é didática, inspirada pela idéia de diké, como a de Hesíodo. Ele completa essa idéia e procura mostrar que ela é verdadeira porque os seus efeitos são sempre humanamente vitoriosos. Já os efeitos da injustiça são intrínsecos: acarretam a própria destruição da república. A boa legislação é a deusa da harmonia social (pág. 138-141). Este grande sábio da Grécia acentuou a idéia de responsabilidade: o homem desenha o traçado do seu próprio destino e a felicidade depende dele próprio (pág. 142-145).
Este sábio da Grécia combate a ambição e é contra todo tipo de excesso, ou seja, quer o equilíbrio de direitos. Disso ele deu seu próprio exemplo pessoal, que usou como um poder em favor da sociedade. Era pessoa dotada de generosidade no seu sentimento de parentesco com as coisas humanas. Dispunha igualmente de força de simpatia (pág. 146-147). Daí a sua fé no valor da vida humana, digna de alegria e não de melancolia, para o próprio gozo da existência (páginas 147-148).
A conaturalidade desse grego com o conceito de justiça vinha do próprio senso interior do valor da lei. Acima das palavras da lei há sempre um conteúdo característico de alegria da vida. Em Sólon unem-se na prática os conceitos de sociedade e indivíduo, como também os conceitos de Estado e de espírito individual. Será esta a característica cultural mais delineada que os gregos deixarão ou mundo como herança (pág. 148-149).
*** [...]***
Se a areté pode ser atingida pelo ser humano. Simônides, rival de Píndaro, sustentava que a areté seria uma qualidade inatingível: poderia ser discutida, mas não adquirida. Ao contrário, Píndaro considera a virtude uma qualidade aristocrática, herdada, sim, mas também adquirível pelo exercício. Esta é a razão por que também Píndaro é considerado um educador (pág. 214). Quando a areté passa de geração em geração pode ela não aparecer num determinado membro, mas depois ser recorrente em outro, mesmo sendo ele descendente do primeiro (pág. 215-216). A pessoa virtuosa é um exemplo a imitar (pág. 216).
“Once more we see the deep social and spiritual kinship of this aristocratic ideal of paidéia with the educational spirit of Plato's philosophy of ideas. That philosophy is rooted in the aristocratic system of education, and is fundamentally alien to all the Jonian natural philosophy with which historians of philosophy almost invariably connect it” (pág. 217).

A política cultural dos tiranos. A missão do poeta é formar os aristocratas a começar pelos reis (pág. 221). A tirania chegou a Atenas porque aristocracia não entendeu Sólon. Houve luta; foi quando Pisístrato se apresentou como chefe do povo e se apossou do poder com segurança total (pág. 223-224). Iniciou-se a política conhecida como tirania. Mesmo assim via-se em Pisístrato um homem de grande habilidade para espertamente conseguir conciliações. Geralmente o tirano era odiado pelos nobres já decaídos, que de vez em quando os derrubavam. Às vezes também era o povo simples que os retirava do poder. Pisístrato ficou muito tempo no poder, com bom êxito.
Algum bem praticado pelos tiranos. De tempos em tempos as cidades gregas adotavam ditadores temporários para reformarem alguns pontos das suas constituições. Eles influenciaram bastante a direção cultural, sendo o tirano quem primeiro levava a cabo as reformas. Tornava-se assim um modelo de homem culto, e reunia à sua volta homens letrados. Atenas mantinha com eles, por algum tempo, a característica de "cidade das musas". As artes mais que a filosofia eram um instrumento humano — para formar cidadãos verdadeiramente humanos. Terminada a época dos tiranos não houve nenhuma cidade–estado que tivesse tido uma política cultural sistemática. Mesmo assim, contudo, a arte ficou sendo um privilégio de poucos. Saiu das ruas para adentrar aos palácios dos grandes. Das sementes dessas artes a Grécia conseguiu belezas na poesia, na música e na escultura (pág. 231-233).

***
O drama de Ésquilo. Esse dramaturgo genial tinha tanta influência sobre a consciência popular como se fosse um líder político de alta aceitação. Era assim porque as suas peças literárias eram bem absorvidas pelo conhecimento do povo simples. Este lia e ouvia Ésquilo do mesmo modo que procedia com os mitos, porque o dramaturgo apresentava idéias, sentimentos e normas cativantes em todos os espaços da pólis. Saiba-se que todo ano havia concurso artístico. Foi Ésquilo, pois, um plasmado da alma popular grega.
O pensamento filosófico de Ésquilo baseia-se na idéia de justiça desenvolvida por Sólon – o erro acarreta sofrimento; a origem da revolta humana é a ganância: quer-se possuir o máximo de coisa independentemente de qualquer moral (pág. 253-256).
Ésquilo ensina que a ambição engana o homem com adulações; anda sempre temerosa das perdas. Da ambição provêm disposições para a prática de qualquer mal. Ligam-se Ésquilo, pois, estas duas antigas máximas: (1) conhece-te a ti mesmo, e (2) o sofrimento produz conhecimento (pág. 260-261). O sofrimento é um expediente importante para sanar temores e duvidas humana. Sem os homens sofrerem não chegam a restabelecer a harmonia geral. Sem sofrimento algum a natureza humana continuará desordenada (pág. 266-267).
O movimento sofista. Os sofistas tiveram lugar depois da morte de Sócrates; “procura-se com eles um estado com intelecto”: importante é educar homens capazes de governar, embora as qualidades de governo sejam em grande parte inatas. E necessário desenvolver a presença de espírito e a sadia antevisão. É importante aprender a arte de convencer pessoas. A educação chega, portanto, à habilidade oratória, isto é, à retórica (pág. 286-291).
Instrumentalização do poder mental e cultural. Os sofistas levaram até o seu extremo o movimento de racionalização tão próprio do século de Péricles: o poder intelectual tem que ser levado ao até o seu grau máximo. Para este fim servem a gramática, a retórica, a dialética. Assim, a razão tem que ser pesquisada em duplo aspecto: (A) como órgão de apreensão de fatos: consegue-se uma enciclopédia de conhecimentos (B) como capacidade de formas: a razão chega a uma estruturação interior com exercício precioso de formalismo. A conseqüência dessas estratégias dos sofistas foi acima de tudo o enfraquecimento da ética. A alma humana, que a poesia e a música tanto tinham ajudado a plasmar, ficou em segunda plana (pág. 286-291).
Discordância de Platão e de Aristóteles. Platão e Aristóteles impugnaram a concepção sofista do mundo exatamente por esta carência de apresso à moralidade (pág. 291-293). Essa preocupação com a vida prática no exercício do poder estatal demonstrava também pouco apreço pelo pensamento. O único sofista filósofo foi Protágoras (pág. 294-295). Os sofistas por sua maioria apreciavam a velha poesia grega apenas como uma fonte de normas para a vida prática do poder, como se as artes tivessem de funcionar como um “livro de ascese”, um exercício para difundir o ensinamento sofista.
O individualismo sofista. De certo modo a estratégia sofista de viver foi retomada na idade media pelos “literati”, que andavam de corte em corte ensinando para ganharem dinheiro. A despeito de pretenderem os sofistas uma educação comunitária, caíram em estrênuo individualismo. Sua contribuição para a formação do humanismo consistiu em fortalecerem as bases da racionalidade.  Ficou-nos dos sofistas o conflito entre retórica e pensamento filosófico (pág. 296-298).
A teoria educacional dos sofistas e o seu ideal de cultura. Os sofistas foram os fundadores da pedagogia — para eles era ela a arte suprema de toda atividade do espírito; acentuaram demasiadamente a importância da política na vida social.  Cansados com a decadência da religião grega, voltaram as suas vistas para o homem como “medida de todas as coisas” (Protágoras). Eram otimistas (exageradamente otimistas, segundo Platão). Colaboraram, todavia, para o estabelecimento do poder da cultura natural para a plasmação do caráter do homem. Parece que veio deles a palavra cultura ao compararem a educação com a agricultura (natureza); o solo é o elemento natural, o agricultor é o pedagogo e a semente é o próprio ensino (pág. 310-313). Para os sofistas a educação escolar é só uma preparação para a plasmação do homem definitivamente adulto. A realização da paidéia (formação humana, educação) é o ser humano viver de conformidade com a lei. A lei é o maior padrão da vivência, o paradigma do cidadão.
 [...] “For law is the most universal and final expression of current moral standards” (pág. 310).   

Diz ainda Werner Jaeger que o sistema cosmovisional sofista proporcionou a consciência sobre a imprescindibilidade do processo educacional. [3]
A concepção de Sócrates. Sócrates entendeu ser missão sua mostrar que o maior valor do homem é a alma, que paidéia é o cuidado da alma. Ele usava um discurso de duas fases: exame e exortação. Diz-se que a estrutura da oratória cristã se iniciou com ele (pág. 37-41). Voltando: a alma é uma contextura distinta da matéria, mas unida a esta necessariamente. Guarda com a matéria uma analogia — a plasticidade. Por isso a alma pode ser educada (pág. 41-5).
Moralidade e sociedade. Para Sócrates a moralidade é a expressão da natureza humana corretamente entendida, e treinada pelo conhecimento. O ser moral é o que se põe em harmonia com a natureza do universo e alcança a eudaimonia (estado possível de felicidade). É no sentido desse fim do homem que nasceu a ascese socrática. Para Sócrates o seu humano não pode ser bem entendido sem ser na sociedade, portanto na política (pág. 46-9).
Contrariava assim o liberalismo ateniense, a cujo nascimento assistia (pág. 49-52). Para ele não é possível a vida política sem o aperfeiçoamento educacional dos chefes postados dentro da estrutura publica. O agente público necessariamente tem de exercitar-se no autodomínio (ascese); torna-se livre à medida que a razão é capaz de orientar os impulsos. Posto este estado de progresso, Sócrates não vê sentido em insurreição contra a autoridade (pág. 56-7).
Comentário nosso. A idéia de o homem ser por natureza um ser político com mais a outra, de carecer de sentido uma educação individualista, aviva-se em Aristóteles. Concebe ele a política como a própria a ciência do bem, como mais abaixo se verá, verbis:
[...] a finalidade que desejamos por si mesma, [...], evidentemente [...] deve ser [...] o melhor dos bens. [...]. Parece que [...] a ciência política, [...] determina quais [...] as [...] ciências que devem ser estudadas em uma cidade[4], [...]; a ciência política usa as ciências restantes e [...] legisla sobre o que devemos fazer e [...] de que devemos abster-nos, [...] inclui [...] a finalidade das outras, [...]; esta finalidade deve ser o bem do homem. [...] tal investigação é [...] o estudo da ciência política.

O individualismo extremado, de costas para a sociedade, é fácil de ver nos usurpadores da coisa pública, forma de corrupção das mais freqüentes. Note-se, exemplificando, o caso do presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, [5] o apego ilegal às vantagens pessoais do cargo. Pouco se lhe dá a causação de grave prejuízo ao dinheiro pago pelo povo, o dano à coisa pública.
Outro caso, entre muitos outros milhares de pessoas implicadas, [6] ocorreu no Supremo Tribunal Federal.  O individualismo assume in casu a forma, de maneira muito comum — o interesse de classe (corporativismo, individualismo e egoísmo grupal dos ministros do Supremo). É uma forma de imoralidade. Foi ele discutido num mandado de segurança contra decisão do Conselho Nacional de Justiça, que arquivou representação contra ministro do Supremo, segundo notícia de março de 2008.
"A FIEMT [Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso] argumenta que a decisão do CNJ contraria os artigos 102 e 103 da Constituição Federal (CF). [...] O inciso I, letra “r” do artigo 102 apenas atribui ao STF competência para julgar as ações contra o CNJ, mas não exclui a atribuição deste órgão colegiado para analisar pedidos de ordem administrativa/disciplinar contra ministros do STF (ações e omissões dos ministros na qualidade de membros da magistratura nacional). [...] 'O artigo 103-B, parágrafo 4º, dispõe que compete ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe (este controle), além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura'. [...] Trata-se de falta administrativo, [...] "por excesso de prazo para colocá-las em julgamento". [...] Trata-se das ADIs 3067 e 3144, propostas, respectivamente, em novembro de 2003 pelo partido Democratas (DEM)  e, em fevereiro de 2004, pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), ambas contra o Presidente da República".  [...].

Amizade. Na concepção de Sócrates a amizade aceitável é aquela em que os amigos buscam a perfeição do próprio caráter, desenvolvem a arte de agradar e têm esta consciência: um precisar do outro em alguma coisa. Assim sendo, não queria ser chamado “mestre”, mas apenas “amigo”. Aí está uma das divergências dele com o pensamento sofista (pág. 57-59). Para seus amigos jovens Sócrates escolhia os intelectualmente muito capazes. Pensava ele que são os mais precisados de educação, assim em conhecimento como em justiça. Com eles, e com todos os mais, entendia Sócrates que a virtude política é uma arte de viver com mais perfeição o binômio homem versus sociedade. Para isso é indispensável que a pessoa reconheça sua própria ignorância e conheça as suas capacitações (pág. 59-62).
O bem é a virtude. O fim que Sócrates tinha em vista do ponto de vista intelectual foi sempre o conhecimento do bem. Com esta virtude intelectual a mente mantém em si o predomínio da alma sobre o corpo (diríamos hoje que é o predomínio da inteligência sobre o instinto). Também a virtude é fundamentalmente una com múltiplas manifestações (pág. 62-71). Essa descoberta do espírito conduz à unitariedade do eu, razão por que o hedonismo tem de ser objeto de pesquisa extremamente cuidadosa. A educação haverá de levar em conta, no individuo e na sociedade, esta máxima posterior — "tudo quanto é meu eu levo comigo" (Sêneca, Cícero, São Paulo): “omnia mea mecum porto” (pág. 67-70).
Comentário nosso. O enfraquecimento moral continuado distorce a personalidade, dissolve poderes do eu, estraga as linhas psíquicas do ser humano, enfraquece a relevância social da pessoa. Ela passa a ser um agente depravador nos círculos sociais. Espraiado este mal desgastante, todo o Povo sofre detrimento perigoso para si próprio. Pessoas espirituosas recolhem dados observados, talvez com algum pessimismo.
Veja-se, por exemplo, este conjunto de dados, em O Brasileiro é assim:

1. - Saqueia cargas de veículos acidentados nas estradas.
             2. - Estaciona nas calçadas, muitas vezes debaixo de placas proibitivas.
            3. - Suborna ou tenta subornar quando é pego cometendo infração.
            4. - Troca voto por qualquer coisa: areia, cimento, tijolo, dentadura.
            5.- Fala no celular enquanto dirige.
6. -Trafega pela direita nos acostamentos num congestionamento.
7. - Para em filas duplas, triplas em frente às escolas.
8. - Viola a lei do silêncio.                                      
9. - Dirige após consumir bebida alcoólica.
10. - Fura filas nos bancos, utilizando-se das mais esfarrapadas desculpas.
11.- Espalha mesas, churrasqueira nas calçadas.
12. - Pega atestados médicos sem estar doente, só para faltar ao trabalho.
13. - Faz  "gato" de luz, de água e de tv a cabo.
14. - Registra imóveis no cartório num valor abaixo do comprado, muitas vezes irrisório, só para pagar menos impostos.
15. - Compra recibo para abater na declaração do imposto de renda para pagar menos imposto.
16. - Muda a cor da pele para ingressar na universidade através do sistema de cotas.
17. - Quando viaja a serviço pela empresa, se o almoço custou 10 pede nota fiscal de 20.
18. - Comercializa objetos doados nessas campanhas de catástrofes.
19. - Estaciona em vagas exclusivas para deficientes.
 20. - Adultera o velocímetro do carro para vendê-lo como se fosse pouco rodado.
21. - Compra produtos piratas com a plena consciência de que são piratas.
22. - Substitui o catalisador do carro por um que só tem a casca.
23. - Diminui a idade do filho para que este passe por baixo da roleta do ônibus, sem pagar passagem.
24. - Emplaca o carro fora do seu domicílio para pagar menos IPVA.
            25. - Freqüenta os caça-níqueis e faz uma fezinha no jogo de bicho.
26. - Leva das empresas onde trabalha, pequenos objetos como clipes, envelopes, canetas, lápis.... como se isso não fosse roubo.
            27. - Comercializa os vales-transporte e vales-refeição que recebe das empresas onde trabalha.
28. - Falsifica tudo, tudo mesmo... só não falsifica aquilo que ainda não foi inventado.
29. - Quando volta do exterior, nunca diz a verdade quando o fiscal aduaneiro pergunta o que traz na bagagem.
30. - Quando encontra algum objeto perdido, na maioria das vezes não devolve. [7]

 Com isso as pessoas confiam menos umas nas outras. A burocracia estatal e privada cresce à busca de menos perda, mais segurança. Gasta-se mais tempo e os aborrecimentos aumentam. A vida humana tem menos gosto de vida. A violência tende a crescer.[8]
O patriotismo de Sócrates. O grande pensador grego entrou em conflito com a lei no seu sentido formal; não era um revolucionário político e sim um reformador dos valores internos. Falava a seus concidadãos naquele momento histórico (pág. 70-75). Buscava uma vitalidade de dentro para fora, melhorando o povo por meio na melhora dos indivíduos (pág. 75-76).
Platão. No nosso século XIX surgiram estudiosos que procederam a uma organização sistemática do pensamento de Platão. Em todas as suas obras Platão também explorou como Sócrates o conhecimento do bem, tendo este como objeto natural da vida humana. (pág. 80-86). Entre as ditas obras figuram os “Diálogos Menores”. Neles faz a pesquisa do problema da virtude. Embora seja obra de beleza do Platão jovem, ele não tem intuito estético mais sim o de reflexão sobre a vida no bem; escreveu depois muitos “Diálogos”, nos quais coloca em destaque a figura de Sócrates como o grande educador. Vai levando os leitores a se apoderarem da realidade das virtudes. A sua filosofia acompanha seus trabalhos, digamos, de fora a fora: o problema do mundo sensível relacionável com o mundo inteligível, sempre na posição de [...] “A well-planned conversation aimed at discovering the truth” (pág. 87-91). Este plano e método são aplicados ao conhecimento do bem na sua obra talvez mais conhecida – República (pág. 91-97). [9]
Concepção platônica sobre educação — também diferente da concepção dos sofistas. Isto fica claro em “Protágoras”, obra escrita em trama bem urdida e com especial precisão e equilíbrio literário. O viver em virtude é um saber. Os verdadeiros valores ultrapassam as demonstrações da aparência e entregam-se sinceramente à pratica interna e externa  do bem. Estão aí, segundo Platão, as bases da paidéia (pág. 105-125).
Lei e justiça. No dialogo Górgias Platão estuda o educador na posição de "homem de estado". Adentra-se em pormenores como ginástica, medicina, cosmética e cozinha. À frente de tudo esta sua concepção de poder (pág. 126-9). Segundo ele as principais “artes” da alma são a legislação e a justiça. A retórica haverá de ser um instrumento da justiça, sempre voltada para o bem da alma (pág. 129-132). Diz Platão que no poder entram duas tendências opostas: de paixão e de razão, ou seja, de tirania e de beleza-bem. O atendimento ao apetite imediatista (paixão) leva à tirania. O tirano é no fundo infeliz porque pratica o mal, mal que no fundo a alma não pode querer. Quando o homem castiga com justiça, pratica o bem porque corrige o erro, e o erro infelicita o ser humano. Mais feliz é quem recebe injustiça do que quem a pratica (pág. 132-136).
Concebida a natureza humana como ordenação entre paixões e razão, a lei natural daí extraída é a expressão do bem. É a justiça. A reflexão freia o mundo passional, bem conduzindo a vida humana em sociedade, perenemente (pág. 136-145). O grau de felicidade depende desse bem viver. O pensamento reflexivo ajuda o homem a curar-se do mal, a libertar-se da corrupção interior. Retifica-lhe a caminhada pela injustiça. A injustiça é o maior mal (pág. 145-150).
Comentário nosso.  Tão velho quanto o homem vem a ser o conflito interno entre a inteligência e o instinto, entre razão e paixão. A corrupção é maior quando pessoas e grupos, ensimesmados no egoísmo, cedem ao pendor passional, que não vencem e de que saem sob derrota.  Vamos a um exemplo da história da ditadura militar brasileira. Vladimir Herzog, croata, bacharel em filosofia pela USP, fez-se comunista no Brasil; em outubro de 1975 era diretor de jornalismo da TV Cultura. Agentes do 2º Exército convocaram-no para depor sobre as suas ligações com o partido comunista brasileiro, proibido pela ditadura militar. O depoimento de Herzog foi tomado sessão de tortura. No dia 25 daquele mês foi encontrado enforcado com o cinto da roupa. Há consenso na sociedade brasileira de a morte ter resultado de tortura praticada por servidores do DOI-CODI.
Contrariou-se o sistema jurídico brasileiro vigente. Ocorreu decomposição moral dos torturadores — altivez, arrogância, presunção, cólera, raiva, desejo de vingança são atos ou mesmo hábitos de que resulta a perda de energias vitais tônicas.
Fraqueza de caráter é uma base de corrupção porque estira os tecidos morais da pessoa. A educação tem de estar ao lado das punições legais efetiva para se evitar, e se pôr cobro, a estas situações de perigo e de dano ao conjunto geral das pessoas — ao Povo, grande parte do qual é composto de pessoas já muito sofridas.  A gente de apoucado caráter em geral só tenta mudar de atitude com o medo de sofrer (penas legais bem aplicadas a servirem também de exemplo).
A propósito de Platão. A intenção deste filósofo era desenvolver pesquisa não puramente intelectual. Estava atento às realidades da vida integral. Até mesmo com alguma inclinação para o mundo ultra-sensível (pág. 150-2). Assim, nos seus escritos Platão usa também do estratagema do mito, mas sempre cuidadoso para com ele não se enganar o leitor. Ora emprega o mito como uma síntese de argumentos lógicos desenvolvidos no discurso, ora o mito é para ele como meio de atingir a emoção do leitor para que este transforme a leitura num conhecimento vital bem fundamentado em realidades extra-subjetivas. Quer isto dizer que para Platão política e formação humana (paidéia) confundem-se na prática: tendem ambas à construção do animal político, do homem social, tudo baseado no conhecimento aprofundado do bem existencial (pág. 152-159). A educação no bem é transmissível. O melhor conhecimento resume-se na sabedoria: na escolha acertada dos valores elevados, recolhidos por uma síntese pessoal. (pág. 170-173).
"Symposium”, o diálogo sobre o amor ("eros"). O amor em Platão é a amizade, alargada e profunda. As pessoas são convidadas a alçar vôo sobre as paixões desorganizadas pelo instinto solto e atingir, com a alma, os altos ideais a que o homem se destina. Esse amor, essa amizade, é uma necessidade social (p. 174-180).  Paixão e razão são componentes de todos os seres humanos. Platão aplica a teoria dos contrários, desenvolvida por Hesíodo, mostrando que o carnal e o espiritual são elementos naturais. Educa-nos a amizade com pessoas boas porque neste relacionamento podem guisar-se prudentemente até a perfeição os dois elementos naturais, paixão e razão (pág. 182-184).
Dois tipos de "eros". No terceiro discurso[10] Platão mostra que esta harmonia haverá de levar em conta a permanência existencial de dois de dois eros: do eros bom com o eros mau. Ora, o amor humano bom (eros bom) aperfeiçoa o nosso eu (pág. 224-7). O lado bom do eros incita a natureza humana a querer o que de melhor há nela — o seu próprio fim, a felicidade mesma. A eudaimonia completa satisfaz o homem por ser o próprio bem dele (pág. 227-232). E com o eros do bem que os homens aperfeiçoam sua educação num processo gradativamente mais perfeito (pág. 232-8).
Comentário nosso. O erotismo dos dias atuais tem no eros platônico uma raiz quase só etimológica. No filósofo grego, como se vê do descrito em Sócrates, eros era o amor no seu sentido mais humanamente belo — a amizade capaz de dedicar-se, ligando os espíritos na beleza, na liberdade. Não levava consigo necessariamente a união física. Quando atualmente se colhe o conceito no seu desajuste de condutas, quando se entra na licenciosidade. É uma exacerbação do prazer corpóreo sem ligações psíquicas, sem alma. Cada um é para o parceiro um objeto de gozo material. Classicamente se chama a este desequilíbrio de luxúria, isto é, incontinência, lascívia, sensualidade fugaz ao comando da inteligência, dissolução (desagregação de energias humanas produtivas), libertinagem, corrupção. Não se poderia defender moralismo, falta de naturalidade em face do estabelecido pela natura rerum. Cumpre tutelar a saúde mental, o equilíbrio psicossomático de pessoas interiormente válidas, prestantes. Os meios de comunicação têm, com a família e o Estado (nos órgãos especialistas em educação), deveres sociais a cumprir.
Algumas idéias de Platão na “República”. Platão retoma o velho tema da justiça procurando retificar a tradição dos poetas a respeito da formação humana (pág. 248-257). Insiste constantemente que toda educação tem de estar firmada na busca da verdade. É mediante o apego à verdade das coisas e a afeição à dignidade da pessoa que se podem lançar as raízes da educação (=formação humana) — pág. 257-269. O caráter da pessoa amolda-se lentamente. Esta moldagem educativa tem que conter harmonia e ritmo, isto é, sentimento de beleza e equilíbrio dinâmico. Tudo isso junto para, corretamente, se diagnosticarem valores da vida, sem as imitações formais da só natureza instintiva (pág. 269-280).  Na própria educação física Platão vê uma maneira de se desenvolver a virtude da coragem. Sem a educação pelo caminho da virtude o Estado falhará no seu esforço educativo (pág. 280-290). A educação na virtude da justiça conduz os seres humanos à unificação da alma entre todas as contradições dos impulsos interiores (pág. 290-295). É também no seu tratado “República”, preparado por diálogos anteriores, que Platão insiste em ponto reputado essencial: o próprio Estado tem que rejeitar o fluxo das aparências para, no lugar delas, colher o cerne da felicidade de todos: a educação da alma (pág. 306-321).
Platão e a ciência. Platão faz várias alusões ao que naquele tempo se chamava ciência. Ela é um elemento fundamental para a educação de que o Estado se tem de encarregar. Fala da essência real das coisas e, cuidando da idéia de bem no mito da caverna, afirma que a busca da luz para se caminhar conscientemente é uma modalidade de aquisição da ciência. Com a ciência o homem saberá como sair no mundo puramente fenomênico. Ele confere especial relevo à formação em matemática como passo para se apreender o cerne das realidades do mundo (pág. 358-380).
Governar e saber. Platão traça o caminho que o homem público haverá de percorrer para governar: jogos na matemática, educação física e musical, dialética, aperfeiçoamento do caráter; é como estará preparado para, já adulto, governar bem, incluindo-se aí a capacitação para legislar. A lógica funda-se na matemática e não pode haver política sem ética (pág. 380-395). A preocupação do homem em se enriquecer de coisa materiais é um vicio daninho: impede a formação da vontade voltada para o fortalecimento interior da pessoa (pág. 395-407).
Quanto à dominação, virtualidade própria da paixão política, Platão a considera um grande complicador da vida passional (pág. 412-424). É impossível pensar construtivamente em política, no sentido de governo de todos, sem antes se aprimorar a formação do caráter de cada um. No egoísmo sem freio está o ninho da corrupção (pág. 424-435). Também na pratica das artes é indispensável que os mitos e as delícias intelectuais passem pelo crivo da verdade e da justiça. Se carente destas duas forças interiores (=virtude), o homem estará dominado pelo sentimento cego e pela imaginação acrítica. Não será homem de bem (da pág. 436 até o final da obra).

B) Aristóteles na Ética a Nicômaco
O pensamento de Aristóteles; breve intróito. A partir deste ponto da nossa exposição passamos a estudar Aristóteles sem ligação com a obra de Werner Jäger, que viemos citando até aqui.[11] Foi mantida a numeração tal como figura na tradução autorizada pela Universidade de Brasília. Abreviamos o texto dele (Ética a Nicômaco) ora retirando frases ou palavras, ora alterando pormenores da pontuação. Tivemos a cautela de não mutilar o original. Por vezes deixamos apenas os enunciados de uma que outra seqüência (abaixo, na parte final, ficamos apenas com eles); [12]o leitor poderá perceber a continuação do pensamento. Eis, pois, o que segue.

Livro I
Capítulo 1: toda a atividade humana visa a um bem, sendo certo que
alguns bens são subordinados a outros.
Comentário: o pensador grego parte de fundamento da ética, buscando o conceito de felicidade, sinônimo de bem humano. O homem corrupto, ao contrário, está à caça de aparências, de prazeres, como se o hedonismo e o poder, em e por si, o fizessem contente na vida ao modo como a natureza exige.
2.  Política, a ciência do bem.
 [...] a finalidade que desejamos por si mesma, [...], evidentemente [...] deve ser [...] o melhor dos bens. [...]. Parece que [...] a ciência política, [...] determina quais [...] as [...] ciências que devem ser estudadas em uma cidade[13], [...]; a ciência política usa as ciências restantes e [...] legisla sobre o que devemos fazer e [...] de que devemos abster-nos, [...] inclui [...] a finalidade das outras, [...]; esta finalidade deve ser o bem do homem. [...] tal investigação é [...] o estudo da ciência política.

Comentário. O político corrupto nenhuma preocupação leva consigo sobre ciência a respeito do bem do Povo, bem público ou dos assuntos do Estado. Manipula este como um instrumento para conseguir mais prestígio e dinheiro. Longe está de aceitar, no mundo dos fatos e na efetividade da atuação pessoal, que o Estado seja instrumento para o bem ("felicidade") do conjunto das pessoas ligadas a ele.
3. Ciência e experiência.
[...] algumas pessoas [...] foram levadas à perdição por sua riqueza [...]; a deficiência [...] depende [...] de ela deixar-se levar pelas paixões, perseguindo cada objetivo que se lhe apresenta. Para tais pessoas conhecimento não é proveitoso, [...]; mas para quem [...] age segundo a razão o conhecimento de tais assuntos é altamente útil. [...]

4. Para o homem, o bem é a felicidade.
[...] as pessoas mais qualificadas dizem que este bem supremo é a felicidade, [...] que viver bem [...] equivale a ser feliz; [...].

5. O bem: prazer, honrarias, riqueza; a vida contemplativa.
[...]. os homens [...] mais vulgares [...] parecem [...] identificar o bem [...] com o prazer. [...]. as pessoas mais qualificadas [...] identificam a felicidade com as honrarias, [...] o objetivo da vida política. Mas [...] as honrarias dependem mais daqueles que as concedem que daqueles que as recebem, [...] A vida dedicada a ganhar dinheiro é vivida sob compulsão, [...] não é o bem que estamos procurando; [...].

6. O bem primacial.

[...], mas o dever nos leva a dar a primazia à verdade. [...]

Comentário. Voltando aos casos de corrupção, veja-se a análise abaixo, sobre a falta de fortaleza ou virilidade e o orgulho de um presidente (mentiras e soberba). São aqui as raízes da sua corrupção.



A agressividade de Lula nos últimos dias é um sinal que cada um de nós pode interpretar como quiser, mas o cerco que o acomete, feito de contrariedades e desafios à sua soberba, é invariável. [...].
O insulto de Lula aos ministros do Tribunal de Contas da União, acusados de "leviandade" [...] revela a responsabilidade maior do próprio Lula, [...] Seu nomeado para o rico Ministério da Integração Nacional, no segundo mandato, foi nada menos do que um "anão do Orçamento", [...]. Geddel tratou de usar o ministério para sua própria candidatura, a par, claro, de outras finalidades.
[...] Lula já havia falado [...] de seu encontro com Barack Obama, [...]. A Casa Branca liberou [...] a relação das conversas [...].  Lula ficou de fora [...]; tanto deslumbramento e soberba, tem ares de humilhação. [...] Daí [...] sua exaltada volta às bravatas: "Não vão fazer com o Irã o que vão fazer com o Iraque".
[...] Lula [...] afastou Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente, propagou por aí afora a construção da terceira maior hidrelétrica do mundo, fez uma estranha concorrência - [...] o consórcio das maiores empreiteiras comunica a desistência [...]. Então, lá vem bravata: "Belo Monte vai ser feita de qualquer jeito, o governo vai fazer".  [...]
Para encerrar a semana [...], o desafio de Lula à Justiça Eleitoral avançou para um ataque aos magistrados [...], uma convocação aos políticos para a desobediência à Constituição. [...] [14]

7. A felicidade, bem final, é auto-suficiente (Aristóteles).
 [...]. Já que há [...] mais de uma finalidade, [...] o bem supremo é [...] absolutamente final [...], é sempre desejável em si, [...] a felicidade, [...] é tida como este bem supremo, [...] as honrarias, o prazer, [...] e todas as outras formas de excelência, [...] escolhemo-las por causa da felicidade, [...] a felicidade é auto-suficiente. [...] aquilo que, em si, torna a vida desejável [...] é a felicidade; [...] algo final e auto-suficiente, [...] o fim a que visam as ações. [...] a função do homem é uma atividade da alma por via da razão, [...] a função própria do homem é certo modo de vida, [...] constituído [...] de ações da alma [...] e a função própria de um homem bom é o bom e nobilitante [...] a prática destas ações, [...], e se há mais de uma excelência, de conformidade com a [...] completa entre elas [...].

8. A felicidade — definição.
[...]. Os bens são [...], alguns [...] exteriores, [...] outros [...] pertinentes à alma ou ao corpo. Chamamos [...] os bens pertinentes à alma de bens no verdadeiro sentido [...] e no mais alto grau, e atribuímos à [...] alma as ações e atividades psíquicas. [...] o homem feliz vive bem e se conduz bem, [...] definimos a felicidade como uma forma de viver bem, [...] alguma forma de excelência. [...] A [...] conforme à excelência é agradável em si, pois [...] o agradável para cada pessoa é aquilo que [...] ama; [...], do mesmo modo que [...] atos caracterizados pela excelência dão prazer a quem ama a excelência. [...] as ações conformes à excelência devem ser [...] agradáveis. [...]. Então a felicidade é o melhor, mais belo e mais agradável dos bens; [...], também requer bens exteriores, [...] não é fácil, praticar belas ações sem os instrumentos próprios. [...]

9. Pode-se aprender a ser feliz?  — pelo hábito, por alguma divin­dade, pela sorte?
[...] se podemos aprender a ser felizes, ou [...] felizes graças ao hábito ou a algum [...] exercício, [...]; é melhor ser feliz assim do que por sorte, [...] é assim que se atinge a felicidade, [...] que ocorre segundo a natureza é [...] tão bom quanto pode ser [...] Entregar à sorte o que há de melhor e mais belo seria [...] dissonante.
[...] a finalidade da ciência política é a [...] suprema, e o principal empenho desta ciência é infundir [...] caráter nos cidadãos — [...] torná-los bons e capazes de praticar boas ações. [...]. A felicidade, [...] pressupõe [...] uma existência completa, [...] Ninguém pode considerar feliz uma pessoa que [...] teve um fim [...] lastimável.

10.  Ser alguém feliz enquanto se vive?
[...] O sucesso [...] na vida não depende dos favores da fortuna, mas a vida humana, [...] também deve contar com eles; [...] são nossas atividades [...].
[...]. Tampouco sua sorte será inconstante e contrastante, [...] nem ele será deslocado de sua felicidade [...] por infortúnios corriqueiros, mas somente por grandes e freqüentes desventuras, [...]

Comentário. O elemento característico do ser humano, que o torna melhor que o animal bruto, é o poder superior do mundo mental, a superioridade do psiquismo (elemento intelectual e elemento moral). Ocorrendo isto na atividade mental e na atuação da conduta moral, fica definido o que seja a dignidade. Mas, tal posição altaneira é uma conquista da nobreza própria dos homens. A natureza exige esforço para esse fim. Cumpre levar-se em linha de conta a energia da fortaleza de alma, a virilidade nos tempos de sofrimento e desventura. O ambiente de corrupção é infenso a esta visão, a estes valores da dignidade, à nobreza de espírito. Veja-se como anda tudo ao revés em dois casos exemplificativos entre inúmeros outros:
a) TCU aponta fraude de R$ 65 milhões em salários do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (09 de abril de 2010, por Leandro Colon em "O Estado de S. Paulo") [15];
b) Grupo Delfin e as fraudes nos anos 80:


[...], a operação sigilosa de Ronald Guimarães Levinshon com o BNH [...]. Levinshon correu para mobilizar seus contatos influentes. [...] O show de prestígio por certo pesaria, mesmo que só subliminarmente, no desfecho das negociações entre Delfin e o BNH. ["...] o heterodoxo empresário já então podia exibir, com orgulho, a Medalha do Pacificador, condecoração que recebeu do Exército." “[...] de alguma forma foram sacudidas todas as instituições da República – o Executivo, o Parlamento (onde se constituíram CPIs na Câmara Federal para os "casos" Delfin - BNH e Capemi, outra denúncia de Assis), o Judiciário, as Forças Armadas, a Polícia, o SNI. [...].” [16]

11. Se as vicissitudes dos vivos afetam os mortos.
[...] é feliz o homem ativo de conformidade com a excelência [...] e suficientemente aquinhoado com bens exteriores, [...] por toda a vida [...] é feito para viver assim e morrer de maneira compatível com a vida que levou [...]; o futuro é obscuro [...], concebemos a felicidade como uma finalidade [...] auto-suficiente. [...] devemos declarar [...] felizes as pessoas vivas que preencham os requisitos mencionados [...], feitas para continuar a preenchê-los, [...] dentro das limitações da condição humana. [...]

Comentário. A partir deste ponto (em que o autor reflete até sobre a morte) deixaremos escritas somente as palavras do próprio Aristóteles, afora [α] um ligeiro resumo dos itens desta Ética a Nicômaco até o final do capítulo III e [β] a síntese dos capítulos restantes tal como se lê em trabalho da própria editora mencionada, da universidade de Brasília. É extremamente claro o pensamento do eminente pensador sem prejuízo da riqueza do seu conteúdo, e da sua surpreendente atualidade. O leitor verá quão longe dessa experiência de vida privada e pública desanda a corja da gente corrupta, assim na esfera pública como na dos pequenos círculos sociais e nos assuntos particulares de cada qual. A seguir eis, pois, [α] o sumário a que aludimos.
A felicidade está acima de qualquer louvor.  Há excelência intelectual e há excelência moral. A excelência moral adquire-se pela repetição dos atos morais. Há atos não graduáveis com exatidão; devem-se evitar o excesso e a falta. O prazer na excelência moral é um bom sinal; excelência moral, prazer e sofrimento. Ações conducentes á excelência moral. Excelência moral é uma disposição (nem emoção nem faculdade). Excelência moral, uma capacidade de escolher o meio-termo. Várias formas de excelência moral. Os extremos se opõem, entre si e ao meio-termo. O meio-termo, difícil de atingir, não pela razão, porém. [17] O louvor e a censura são para as ações não praticadas sob compulsão. A excelência moral pressupõe ação de escolha, provinda de deliberação. O objeto do desejo racional é a finalidade: o bem propriamente dito ou o aparente de cada um. Somos responsáveis por nossas más ações e pelas boas. A coragem (os sentimentos de medo e temeridade). A motivação da coragem é o sentimento de honra; formas con­trárias: covardia e temeridade. Coragem e pseudo-coragem. A coragem com o sofrimento e o prazer. A moderação é limitada a certos prazeres tácteis. Concupiscência e insensibilidade. A concupiscência é mais voluntária que a covardia; crianças mimadas.
Continuando, [β] a síntese dos capítulos restantes segundo a editora, com breves anotações nossas.[18]
Capítulo 1: a liberalidade. Capítulo 2: a magnificência. Capítulo 3 magnanimidade. Capítulo 4: a forma de excelência moral entre a ambição e o desprendimento Capítulo 5: a jovialidade. Capítulo 6: a viabilidade. Capítulo 7: a sinceridade. Capítulo 8: a espirituosidade. Capítulo 9: a vergonha.

Anotação. O homem corrupto perde-se com o estrago feito em si próprio. Roto o espírito, fica com a alma apequenada, sem gesto algum de grandeza, sem postura de magnificência, magnanimidade, excelência moral, sinceridade, vergonha.
No âmbito privado assistimos em 2.010 à frieza da Febraban com as inundações do Rio de Janeiro. [19]
Livro V
Capítulo 1: o justo = legal (justiça em sentido amplo) e o justo = correto e equitativo (justiça em sentido restrito); exame da pri­meira acepção. Capítulo 2: exame da segunda acepção: divisão entre justiça distributiva e justiça corretiva. Capítulo 3: justiça distributiva, conforme à proporção geométrica. Capítulo 4: justiça corretiva, conforme à progressão aritmética. Capítulo 5: justiça em troca; re­ciprocidade. Capítulo 6: justiça política e espécies análogas de jus­tiça. Capítulo 7: justiça natural e justiça legal. Capítulo 8: escala dos graus de injustiça. Capítulo 9: pode-se tratar alguém volunta­riamente de modo injusto? A culpa por injustiça na distribuição cabe a quem distribui ou a quem recebe? A prática da justiça não é tão fácil quanto parece, porque não se trata de uma maneira de agir, mas de uma disposição íntima. Capítulo 10: eqüidade, um corretivo da justiça legal. Capítulo 11: pode uma pessoa ser injusta consigo mesma?

  Livro VI
Capítulo 1: razões para o estudo da excelência intelectual; di­visão do intelecto em contemplativo e calculativo. Capítulo 2: o objeto do primeiro é a verdade, e do segundo é a verdade corres­pondente ao desejo certo. De Capítulo 3 a Capítulo 7: formas prin­cipais de excelência intelectual: a) ciência = conhecimento demons­trativo do necessário e do eterno; b) arte = conhecimento da maneira de fazer as coisas; c) discernimento = conhecimento da maneira de atingir as finalidades da vida humana; d) inteligência = conheci­mento dos princípios dos quais provêm a ciência; e) sabedoria fi­losófica = união da inteligência e da ciência. Capítulo 8: relações entre o discernimento e a ciência política. De Capítulo 9 a Capítulo 11: formas secundárias de excelência intelectual, relacionadas com a conduta: a) excelência na deliberação, e sua relação com o dis­cernimento; b) entendimento, a qualidade crítica correspondente ao discernimento (qualidade imperativa); c) julgamento, percepção correta do eqüitativo; lugar da intuição na ética. Capítulo 12: dife­rença entre o uso do conhecimento filosófico e do discernimento; o conhecimento filosófico é a causa formal da felicidade; o discer­nimento é a faculdade que assegura a adoção dos meios próprios para chegar aos fins desejados pela excelência moral. Capítulo 13: o discernimento em suas relações com a excelência natural, com a excelência moral e com a reta razão.

Anotação. Em Aristóteles já seria ciência a demonstração racionalista cabal, de forma lógica perfeita. Não era ainda daquele tempo a ciência firmada em fatos (método indutivo-experimental). Um ponto ressalta neste capítulo: o relevo posto na política e no discernimento. Esta Ética a Nicômaco é, aliás, uma introdução ao seu tratado sobre a política, um tipo de conhecimento e de prática em que se provê o bem de todos. O discernimento consiste no resultado de pesar e sopesar conveniências e inconveniências das ações, sejam elas públicas ou particulares.
Nos longes dessas forças interiores está a fraqueza, convertida em maldade, de muito agente público. Veja-se na década de 1990 o conjunto de alguns casos dos chamados escândalos na gestão da res publica.
Escândalo da Aprovação da Lei da Privatização das Estatais; Programa Nacional de Desestatização; Escândalo do INSS (ou Escândalo da Previdência Social); Escândalo do BCCI (ou caso Sérgio Corrêa da Costa); Escândalo da Ceme (Central de Medicamentos); Escândalo da LBA; Esquema PP; Esquema PC (Caso Collor); Escândalo da Eletronorte; Escândalo do FGTS; Escândalo do BC; Escândalo da Merenda; Escândalo das Comunicações; Escândalo da Vasp; Escândalo da Aeronáutica; Escândalo do Fundo de Participação; Escândalo do BB; Caso Edmundo Pinto (1992); Escândalo do DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra a Seca ou caso Inocêncio Oliveira); Escândalo do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Previdência Social); Caso Nilo Coelho; Caso Eliseu Resende; Caso Queiroz Galvão (em Pernambuco); Escândalo da Telemig (Minas Gerais); Jogo do Bicho (ou Caso Castor de Andrade) (no Rio de Janeiro); Caso Ney Maranhão; Escândalo da Cruz Vermelha Brasileira; Escândalo da Colac (no Rio Grande do Sul); Escândalo da Fundação Padre Francisco de Assis Castro Monteiro (em Ibicuitinga, Ceará); Escândalo da Administração de Antônio Carlos Magalhães (Bahia); Escândalo da Administração de Jaime Campos (Mato Grosso); Escândalo da Administração de Roberto Requião (Paraná); Escândalo da Administração de Ottomar Pinto (em Roraima); Escândalo da SUDENE de Pernambuco; Escândalo da Prefeitura de Natal (no Rio Grande do Norte); CPI do Detran (em Santa Catarina); CPI do Pó (em Paraíba); Escândalo da Estacom (em Tocantins); Escândalo do Orçamento da União (ou Escândalo dos Anões do Orçamento ou CPI do Orçamento); Escândalo da Administração de Paulo Maluf (na cidade de São Paulo); Escândalo do BNDES (verbas para socorrerem estatais privatizadas); Escândalo da Telebrás; Escândalo da Venda da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD); Escândalo da Administração do PT (primeira denúncia contra o Partido dos Trabalhadores desde a fundação em 1980, feito pelo militante do partido Paulo de Tarso Venceslau) Escândalo dos Precatórios;  Escândalo do Banestado;  Escândalo do Banespa;  Escândalo dos Fiscais de São Paulo (ou Máfia dos Fiscais);  Escândalo do Judiciário (ou CPI do Judiciário);  Escândalo dos Desvios de Verbas do TRTSP (Caso Nicolau dos Santos Neto, o "Lalau");  Escândalo da Administração da Roseana Sarney (no Maranhão, 1995-2002);  Corrupção na Prefeitura de São Paulo (ou Caso Celso Pitta, 1997-2000);  Escândalo da Administração de Mão Santa (no Piauí, 19992001);  Escândalo de Corrupção dos Ministros no Governo FHC;  Escândalo Ganhe Já (Escândalo fiscal ocorrido no 2o Governo de José Agripino Maia,1991-1994.);  Escândalo da Merenda; Escândalo da Vasp; Escândalo da Aeronáutica;  Escândalo do DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra a Seca) (ou caso Inocêncio Oliveira).[20]
    Livro VII
Capítulo 1: seis tipos de caráter; método de abordagem, opi­niões correntes. Capítulo 2: contradições inerentes a estas opiniões. Capítulo 3: resposta à pergunta: como o conhecimento do homem incontido é prejudicado? Capítulo 4: resposta à pergunta: onde se manifesta a incontinência? Distinção entre o sentido estrito e o sen­tido amplo de incontinência. Capítulo 5: incontinência em sentido amplo inclui uma forma irracional e mórbida. Capítulo 6: a incon­tinência em relação à cólera é menos aviltante que a incontinência propriamente dita. Capítulo 7: lassidão e resistência, duas formas de incontinência: apatia e impetuosidade. Capítulo 8:, concupiscência, pior que incontinência. Capítulo 9: correlação entre continência e obstinação, incontinência, insensibilidade, moderação. Capítulo 10: o discernimento não é compatível com a incontinência, mas o talento é. Capítulo 11: três pontos de vista hostis ao prazer, e ar­gumentos a favor dos mesmos. Capítulo 12: o prazer é ou não é um bem? Capítulo 13: o prazer é ou não é o bem supremo? Capítulo 14: discussão do ponto de vista de que os prazeres, em sua maioria, são maus, e da tendência para identificar os prazeres do corpo com o prazer em geral.

Anotação. O corrupto é destituído de moderação do apetite sensível, de comedimento no tocante aos prazeres corporais. A bebida alcoólica e a cocaína estão incluídas nessas atrações. Nelas vai entrando o consumismo de crianças e adolescentes[21], levados de roldão pela gula e pela licenciosidade, como pelo crack.
À busca incessante da satisfação destes vícios, torna-se devasso o corrupto sem perceber o quanto lhe debilitam o caráter e a saúde. Para este fim agarram-se a mais e mais bens materiais e luxo. Importa-lhes nada a moderação pedida pela Moral.
Viu-se quanto ao Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso ter sido desvendado, no interior do Tribunal de Justiça, um procedimento corrupto de venda de julgamentos do ano de 2.010. Na fruição das vantagens figuravam parentes de magistrados e escritórios de advocacia. Foi descoberto graças ao trabalho da auditoria da Velloso & Bertoline, contratada na gestão dos desembargadores Paulo Inácio Dias Lessa (ex-presidente) e Orlando de Almeida Perri (ex-corregedor-geral). [22]

Livro VIII
Capítulo 1: a amizade é ao mesmo tempo necessária e nobilitante; principais dúvidas a este respeito. Capítulo 2: três objetos de amor; conotações da amizade. Capítulo 3: três espécies corres­pondentes de amizade; superioridade da amizade motivada pelo bem. Capítulo 4: contraste entre a espécie inferior e a superior de amizade. Capítulo 5: a disposição para a amizade é distinta da ati­vidade da amizade e do afeto. Capítulo 6: diferentes relações entre as três espécies. Capítulo 7: deve haver uma proporcionalidade nas amizades desiguais. Capítulo 8: amar é mais condizente com a es­sência da amizade do que ser amado. Capítulo 9: paralelismo entre a amizade e a justiça; a cidade abrange todas as comunidades me­nores. Capítulo 10: classificação das constituições; analogias com as relações familiares. Capítulo 11: formas correspondentes de amizade e de justiça. Capítulo 12: várias formas de amizade segundo os tipos de relacionamento. Capítulo 13: princípios a ser observados na amizade entre pessoas iguais. Capítulo 14: princípios a ser observados na amizade entre pessoas desiguais.

Anotação. A amizade é um sentimento nobilitante porque eleva os espíritos acima do egoísmo animal. O querer bem a outrem é o mesmo que buscar-lhe a felicidade de pessoa nobre. Diz-se mais próprio da amizade o buscar a felicidade alheia que o ser querido por outra pessoa. É porque a amizade motivada pelo bem é nobreza específica do ser humano — capacidade de raciocinar e de doar-se. Já entre os corruptos vige a lei do interesse em parceria, uma toma lá dá cá de vantagens recíprocas inspiradas no ego, acostumado este a vencer o eu (= a nobreza de almas). Veja-se o caso julgado pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça em março de 2.010; abriu-se processo administrativo disciplinar contra o desembargador Alberto Motta Moraes para apurar favorecimento ao prefeito de Rio das Ostras (Estado do Rio de Janeiro). Segundo o corregedor, ministro Gilson Dipp, há sólidos indícios de que o desembargador violou o dever de imparcialidade para beneficiar o prefeito Carlos Augusto Balthazar, que empregava o seu filho, Alberto Motta Moraes Júnior, em cargo de confiança na prefeitura. É estranho a esta classe de comportamento o enunciado por Aristóteles no livro seguinte (Livro IX). O corrupto é moralmente incompetente para a amizade "baseada no amor-próprio", amor este consubstanciado na auto-estima, no gosto pela nobreza de alma de que se tem consciência. Daí a paz no relacionamento, a tranquilitas ordinis de Tomás de Aquino, ou seja, a concórdia realizada na convivência.
Livro IX
Capítulo 1: princípios a ser observados quando as motivações das duas partes numa relação de amizade são diferentes. Capítulo 2: conflitos de obrigações. Capítulo 3: rompimento da amizade. Capítulo 4: a amizade é baseada no amor-próprio. Capítulo 5: relação entre amizade e afeição. Capítulo 6: relação entre amizade e concórdia. Ca­pítulo 7: o prazer da beneficência. Capítulo 8: natureza do verdadeiro amor-próprio. Capítulo 9: por que o homem feliz necessita de amigos? Capítulo 10: o limite do número de amigos. Capítulo 11: os amigos são mais necessários nos bons ou nos maus momentos? Capítulo 12: a essência da amizade é a convivência.

Livro X
Capítulo 1: dois pontos de vista opostos acerca do prazer. Ca­pítulo 2: discussão do ponto de vista de que o prazer é o Bem. Capítulo 3: discussão do ponto de vista de que o prazer é totalmente mau. Capítulo 4: definição do prazer. Capítulo 5: os prazeres diferem se­gundo as atividades que lhes são inerentes; critério de avaliação dos prazeres. Capítulo 6: a felicidade, não o entretenimento, é a melhor atividade. Capítulo; 7: a felicidade no sentido mais elevado é a vida contemplativa. Capítulo 8: novas considerações sobre a vida contem­plativa. Capítulo 9: as leis são necessárias para que o homem atinja a sua finalidade; transição para a Política.

Anotação. O prazer é o Bem no sentido de que se vive alegre, contente e satisfeito quando alguém é amante da dignidade de pessoa. Por isso a felicidade, "não o entretenimento, é a melhor atividade". A "vida contemplativa" a que alude o filósofo é característica da dignidade, o sabedoria da inteligência e a doação de si às pessoas do círculo social de cada um — a atuação na pólis. Este é, pela Moral, o fim mesmo das regras jurídicas. "As leis são necessárias para que o homem atinja a sua finalidade". A felicidade só possível na convivência geral.
* * * * * *
À guisa de conclusão.  Não se precisa de aprofundada pesquisa histórica para se perceber o risco constante para qualquer povo em cujo seio grassa a corrupção generalizada. As fontes dessa fraqueza são os vícios, os maus hábitos. Muitos são eles e variados, a efeminarem os caracteres da pessoa. A esse tipo de gente falta a força interior, o vigor de espírito. Definha em dignidade, em nobreza de alma pela ausência de solidez e de energia. Já não é capaz de envergonhar-se do mal causado a si e à sociedade. Tal estado continuado de debilidade humilha, fragiliza, corrói, destrói o ser humano. Fá-lo inoperante, de todo em todo desalentado para ser alguém prestante, digno, superior à animalidade pura. A tanto levam a falta de caráter, a congérie de falhas, de imperfeições, de defeitos sem fim. Muita vez o corrupto blasona de esperteza, de ser sabido. É, porém, uma gente tomada de pusilanimidade, covardia, arrogância — frouxidão moral detestada da maioria das pessoas. Pior: é elemento danoso ao círculo social, ou aos círculos sociais, que tem ou têm a má sorte de contar com ele no seu ambiente.
Há cerca de 2.500 anos os gregos viram isto com admirável nitidez. Nem eles nem as religiões conseguiram a vitória sobre a corrupção. A contrariedade a ela tem de ser um processo continuado, sempre a recomeçar — com educação continuada e punições severas.
[Em abril de 2.010]


[1] Sobre educação continuada em geral, sem a especificidade da formação de cunho ético, ver >> http://de.wikipedia.org/wiki/Lebenslanges_Lernen Esta educação há de ser um longo processo. A mídia terá aí papel da maior relevância. Os especialistas realizarão papel central nesse esforço (educadores, jornalistas, psicólogos, sociólogos, líderes religiosos e políticos e outros).

[2] A obra de que nos valemos neste resumo é, pois, JAEGER, Werner. Paidéia — The Ideals of  Greek Culture. Oxford, 1947, 2 volumes. (Por ora a indicação das páginas é do vol. I, Livro I, até que indiquemos o vol. II etc. Por isso, aqui como mais à frente, indicaremos no próprio texto a fonte, entre parênteses.

 

[3] A partir deste ponto da exposição a fonte é o vol. II da obra: JAEGER, Werner. Paidéia — The Ideals of  Greek Culture. Oxford, 1947, 2 volumes; volume II. Quer isto dizer, pois, que recomeça a paginação.

[4] O termo “cidade” é sempre usado na acepção de cidade-estado, a pólis grega.
[6] Com o nome de escândalos, operação etc. corre na internet uma lista de 221 casos de corrupção vindos ao conhecimento público. Constam 155 nomes de políticos profissionais de partidos os mais variados, envolvidos em situações de ilícitos criminais como por sonegação fiscal, falsidade ideológica, estelionato, peculato, apropriação indébita, formação de quadrilha, "escândalo das ambulâncias", crime de responsabilidade, crime eleitoral, lesão corporal, crime contra a ordem tributária e prevaricação,  corrupção ativa,  corrupção passiva, crime contra a ordem tributária e seqüestro, declaração falsa de imposto de renda, crime de escravidão, crime contra o consumidor, crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro, crime ambiental, improbidade administrativa, contratação de serviços públicos sem licitação e concussão, porte ilegal de arma, gestão fraudulenta de instituição financeira, uso de documento falso, dançarina do plenário da câmara comemorando absolvição de corrupto, quebra de sigilo bancário, "mensalão", dólares na cueca, falcatruas, compra de votos, "mensalinho". e outros mais.

[7] Ver >>
http://mais.uolhttp://mais.uol.com.br/view/r71k1ntkdfex/afinal-o-brasileiro-reclama-de-que-0402366AC8C98346?types=A&.com.br/view/r71k1ntkdfex/afinal-o-brasileiro-reclama-de-que-0402366AC8C98346?types=A&

[8] Ver, por exemplo, de Gilberto Dimenstein, "A escola do inferno -- O contato com a violência é uma das razões pela qual a carreira do professor é tão desgastante no Brasil" in Folha de São Paulo, 21.03.2010.
[9] Indo mais além de seu mestre Sócrates, Platão tem um plano de educação política embora haja cometido o erro filosófico, apontado por seu discípulo Aristóteles, de pensar que a idéia estaria situada fora do mundo sensível (pág. 94-104).

[10] Notemos que doravante a fonte da obra de Werner Jaeger é retirada à tradução espanhola, com a correspondente indicação das páginas. Assim, pois: Paideia, los ideales da la cultura griega. Traducción de Wenceslao Roces. Mexico-Buenos Ayres: Fondo de Cultura Economica, 2ª edición, 1948.

[11] Veja-se, pois, ARISTÓTELES.  In Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996, páginas de 111 a 320 — Ética a Nicômaco; tradução publicada sob licença da Edumb - Editora da Universidade de Brasília.

[12] Tal o que ocorre neste início do Livro I e Capítulo 1.

[13] O termo “cidade” é sempre usado na acepção de cidade-estado, a pólis grega.
[14] FREITAS Janio de. O descontrole. Folha de São Paulo, Caderno Brasil, 11.04.2.010
[17] Daqui para frente entra-se no Livro III.
[18] Veja-se em Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996, páginas 112-118.


[21] Ver FREI BETTO (frade dominicano, escritor) Criança e consumo. Folha de São Paulo, Caderno Opinião, 16 de março de 2010.