sexta-feira, 30 de outubro de 2009

NECESSIDADE DE CORREÇÃO MONETÁRIA DO ORÇAMENTO RELATIVO AO PODER JUDICIÁRIO ESTADUAL

NECESSIDADE DE CORREÇÃO MONETÁRIA ANUAL DO ORÇAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO DE SEGUNDA INSTÂNCIA

Mozar Costa de Oliveira: bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor de direito aposentado (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

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Introdução — o teorema e os corolários sobre a matéria. Cuidamos aqui de um assunto específico, a saber, dos orçamentos mediante os quais são passados ao Tribunal de Justiça de São Paulo (ou a qualquer Tribunal de Justiça) as verbas correspondentes aos seus gastos ordinários, normais, vegetativos. Não tangemos, pois, aqui senão muito de leve, a questão concernente às omissões dos outros dois poderes da república, quando deixam de aprovar lei proposta pelo Poder Judiciário, quando este visa ao gasto de mais dinheiro, destinado a ampliação dos seus serviços e bens. Isto bem pode ocorrer com prejuízo do serviço público (= serviço ao Povo), quando este serviço é examinado e percebido na integralidade complexa das circunstâncias no interior do Espaço-Tempo.

O conceito de Estado: instrumento e não poder autocrático. “Estado” é um conjunto de relações jurídicas e sociais criadas por certo Povo, relações estas estabelecidas entre este ente criado pelo Povo (e personificado pelo reconhecimento do direito supra-estatal ou Das Gentes) e outras pessoas internas, públicas e privadas, servindo de instrumento para o ser humano alcançar mais facilmente os seus interesses (bem-estar, honra, independência, prosperidade), ou seja, é um instrumento do Povo para este obter o que importa aos seus fins específicos, isto é, à sua felicidade.[1]

O Estado brasileiro é estado federado. As unidades internas estão personificadas: União, Estado-membro, Distrito Federal e Municípios. Todos eles são instrumentos e não uma “cracia” ou autoridade livre e arbitrária, com poder impositor de domínio, de mando. O que a ciência e a técnica apontarem como necessidade da coletividade interna (sociedade, Povo), precisa de atendimento. Quando o Poder Judiciário precisa de mais pessoal (cargos e provimento deles), ou mais material para o trabalho, e a simples correção monetária não é bastante para isso, então os dois Poderes têm dever jurídico de atender: trata-se de direito público subjetivo do Estado-membro. Em surgindo obstáculo, irradia-se-lhe ação de direito material para compelir os criadores desse obstáculo a cumprirem o devido. [2]

O propósito deste estudo. Afirmamos e queremos demonstrar apenas que de um para outro exercício, como de 2009 para 2010, é preciso, do ponto de vista jurídico, que a previsão para 2010 tem de ser pelo menos a mesma de 2009 com correção monetária. Esta a tese deste estudo com as correspondentes conclusões, ou o teorema de que tiraremos corolários. [3]

A função aritmética da correção monetária. A correção monetária não aumenta qualquer importe financeiro, acaso pesando sobre ele com algum acréscimo real de mais dinheiro. Não passa de atualização aritmética (abstração) de valores ou conteúdos econômicos (conteúdos de realidade extramental). Não pesa mais em desfavor das fontes responsáveis por pagamentos, ou contra as fontes responsáveis por tomada de medidas administrativas ou financeiras — desde que, claro está, tomem as medidas convinháveis e necessárias para enfrentá-la de um para outro exercício.

1º corolário. É contrário a direito, ato ilícito, qualquer repasse anual de verba para 2010, que for inferior ao do exercício de 2009, isto é, a nominal do passado, com aplicação de correção monetária sobre ela.

2º corolário. Esse ato ilícito (comissivo ou omissivo) pode ser corrigido jurisdicionalmente. Conta-se para tanto com remédios jurídicos processuais diversos; se todos os fatos discutidos estiverem provados com a petição inicial, cabe o mandado de segurança. Tem interesse de agir o Presidente, cujas obrigações legais a cumprir têm contra si o empecilho criado pelo Governador.

3º corolário. Poderá ser invocado o conjunto de normas constitucionais discutidas acima, com mais a do artigo 37 caput, no tocante à falta de legalidade e de obstáculo indevido à produtividade no trabalho ou eficiência:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

O Estado e o seu dever jurídicos sobre o equilíbrio fiscal. Quando o sujeito da vida econômica é o Estado na função de Poder Executivo, o equilíbrio fiscal é um dever jurídico dele; está fora da matéria política em si mesma. A omissão no cumprimento deste dever é para ele um fato jurídico ilícito. Mais precisamente: pode até ser uma responsabilidade transubjetiva — aquela em que se atua sem culpa, sim, mas a ação ou a omissão é do agente que causa dano. Se for a transubjetiva, responde o Estado por ter havido atuação ou omissão do sujeito, causadora de dano. Exemplo: o governador exerce regularmente as suas atividades, mas, mesmo com todos os cuidados recomendados pela técnica, causa inflação, ou não a consegue debelar. Se ele causa com isso prejuízo ao funcionamento do Poder Judiciário, responde o Estado-membro porque este atua mediante a pessoa do governador. A presença ou ausência de culpa transcende a pessoa do sujeito ela é indiferente para que se configure a ilicitude da ação e da omissão. [4]

(Nem é este o lugar para discussão sobre a responsabilidade pessoal do Governador, pessoa física).

Ainda sobre a inflação. O Poder Executivo conta com a arrecadação tributária de cada ano. Também é dever jurídico dele arrecadar. De um para outro exercício os preços sobem aritmeticamente seguindo as exigências “naturais” da inflação. A elevação dos preços é artificial porque, sem haver antes o aumento de bens materiais, as pessoas, produtoras ou comerciantes, elevam os algarismos de um mesmo bem, mesmo que para ele não tenham aumentado os custos. Mas, a inflação tem mais de um componente ou causa. Vários desses componentes são ressaltados pelos especialistas como o resultado da luta dos agentes econômicos para manterem a sua participação na renda na inflação inercial, autônoma ou estável, como diz o economista, ex-ministro da Fazenda, professor Luiz Carlos Bresser Gonçalves Pereira.[5]

Esta elevação é real, efetiva. O contrapeso real e efetivo — dizemos nós — tem que ser o equilíbrio emocional das pessoas. Poucos o têm... E surge a correria econômica, a inflar os preços com o sopro dos algarismos.

Diz o mesmo Bresser Pereira que são vários os autores a estudarem o assunto, com diferença de teorias e, curioso, todos com razão a seu tempo certo. Depende das circunstâncias de momentos diversos: ora o que desequilibra mais é o excesso de demanda dos mesmos bens, ora prepondera a diminuição da oferta destes bens, ou, em outra parte ainda do espaço-tempo o que mais conta é o poder de empresas juntamente com sindicatos. Etc. etc.

Inflação e Governo. Também em boa parte a causa dos desequilíbrios emocionais do Povo provém do próprio governo, seja com a alta dos juros seja com a emissão de moeda sem lastro na produção de bens. Quanto ao governo, a sua falta de habilidade gestora pode levar ao déficit público: terá sido ou porque gasta demais ou porque se descuida de manter o nível de arrecadação; de todo modo, é, neste caso, causação por culpa. Essa sua culpa, porém, não pode atingir licitamente outro poder, como o Poder Judiciário. Tem-se aí uma ilicitude cometida contra o Poder Judiciário porque lhe retira a independência e a autonomia, contrariando gravemente a Constituição Federal de 1988, artigos 2º e 18 caput. Essas qualidades, que são de cada um dos três Poderes, têm de ser acolhidas e respeitadas na prática segundo direito vigente; não se trata de enfeite literário ou de tirada retórica. Fora daí pode ser enorme o prejuízo para as pessoas do Povo — de que emanam todos esses três Poderes.

Os prejuízos causados ao Poder Judiciário. Quer isto dizer, no caso particular do Estado de São Paulo, que se o Tribunal de Justiça sofre prejuízo se em tempo de alguma inflação, o orçamento dele não for retificado ano a ano pela correção monetária: não poderá arcar com as suas despesas comuns. [6]

Vamos a um caso típico: digamos que o exercício de 2010 ficará destituído de força econômica para fazer os mesmos gastos de 2009, se a verba para 2010 não receber a correção monetária das verbas de 2009. Repisemos. Esta é uma situação de embaraço do funcionamento que o Executivo estará criando ao Poder Judiciário. Nem importa se a superveniência desse embaraço foi por culpa do Poder Executivo, ou se não houve culpa dele — a responsabilidade é transubjetiva. O dano foi causado por tem o dever jurídico de preveni-lo. Nestes casos órgão estadual de classe tem também legitimação para agir em mandado de segurança porque todos os magistrados sofrem prejuízo no exercício das suas funções específicas.

“Quid juris” se, por força maior, a arrecadação não foi suficiente para atender ao requisito jurídico da correção monetária? Digamos que no exercício seguinte, para o qual se exige a correção monetária, veio a ser de parca arrecadação causada por crise econômica, nacional ou mundial. Qualquer que seja o esforço do Executivo, os resultados ficariam abaixo da inflação intercorrente de um para outro ano seguinte. É esta uma hipótese possível. O Poder Executivo estaria, então, diante de impossibilidade inafastável de adimplir o seu dever jurídico de arrecadar bastantemente. Terá ocorrido a pré-excludente da vis major. Ora bem, a força maior tanto pode ser determinada pela natureza bruta como por fatos do homem (como o comportamento da Economia geral descontrolada). Segue-se, pois, não se configurar a responsabilidade do Executivo. Terão também os outros dois Poderes de arcar com o alcance deletério desse azar social. O prejuízo do Poder Judiciário ficará, nesse exercício, sem possibilidade de ressarcimento porque ad impossibilia nemo tenetur. Carecerá da própria correção monetária do orçamento do ano anterior.

Quando não foi a inflação a causa de mais gastos. Outra coisa, diversa, é o aumento real de despesas que o Poder Judiciário queira fundamentadamente ter porque o interesse público precisa de mais gasto agora que no ano anterior. Se novos itens forem então acrescidos às contas do ano anterior, aí, sim, é de mister que constem da lei orçamentária anual. Alguns exemplos:

(a) uma nova fixação de subsídios, ou a sua alteração mediante aumento (real!) dos vencimentos dos magistrados, ou dos funcionários. Sobre este suporte fático incide a 1ª parte da norma constitucional do artigo 37, inciso X, de modo que é indispensável a edicção de lei:

A remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada a revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices;

(b) Também depende de lei específica a criação de novos cartórios, ou de novos cargos nos cartórios já existentes, ou a compra de veículos novos com aumento da frota; passa-se o mesmo com a aquisição de outros imóveis, ou móveis — afora os de mera reposição.

A razão jurídica é a mesma ora apontada: não se cuida de mera correção monetária; os gastos aumentam no seu conteúdo. Sobre eles são muitas as regras jurídicas constitucionais a vigorar.

Neste caso a matéria destes novos gastos, diversos do exercício anterior, atrai conseqüências jurídicas diferentes da simples ausência de correção monetária. Precisa esse aumento real de gasto público de ser discutida e aprovada pelo Poder Legislativo, e cumpre sobrevenha lei nova. De todo modo, também hão de ser observadas as leis orçamentárias (LOA) e a Lei Complementar 101/2000 (responsabilidade fiscal). É que a falta de dinheiro (“recursos financeiros”) ter-se-á originado no aumento dos gastos novos, que não na falta de correção monetária do orçamento do exercício passado, assunto que tocamos em nota de roda-pé acima.

A lei orçamentária anual (LOA) e a lei de diretrizes orçamentárias (LDO). E notemos: para a validade da lei orçamentária anual (LOA) é indispensável a observância da lei de diretrizes orçamentárias (LDO). A LDO tem como finalidade principal orientar a elaboração dos orçamentos, ou seja, apresenta o plano financeiro estratégico da administração pública para certo exercício, dando expressão numérica às receitas e às despesas dos órgãos públicos dentro de cada período ou exercício de execução. Contém valores em moeda, para o cumprimento, o acompanhamento e o controle da gestão.

Matéria constitucional. Consubstancia-se aqui uma matéria constitucional. Veja-se a Constituição Federal de 1988 ao cuidar do orçamento:[7]

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1º - A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. [...]

E sobre a LDO consta no § 2º:

A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

A Lei Orçamentária Anual (LOA) é uma lei de proposta do Poder Executivo; ela estabelece as despesas e as receitas que serão realizadas no ano seguinte à aprovação dela. O orçamento deve ser votado e aprovado até o final de cada sessão legislativa. A respeito dela vige na Constituição Federal de 1988 a norma do artigo 165, com os seguintes §§:

§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público; [...]

§ 6º - O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia. [...]

§ 8º - A lei orçamentária anual não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos termos da lei. [8]

Porque o Estado tem que prestar serviços continuados, quase tudo é urgente. Donde o estabelecimento de prazos nesta matéria fundamental:

Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.

4º corolário. Vigem os limites fixados pela Constituição mesma e pelas leis referidas, dentro dos quais não se configura invasão alguma, arbitrária, na autonomia e independência de um poder no outro — nem do Executivo nem do Legislativo.

Agora, de outro lado, a não-observância da aplicação de correção monetária sobre verbas, de um exercício para o seguinte, é contrariedade a direito causadora de dano, portanto um fato jurídico ilícito. Se se descumpre a lei (= o direito objetivo válido vigente), cabe ao lesado ajuizar alguma medida judicial: deve o Tribunal de Justiça, por seu presidente, entrar na Justiça para exigir o valor que lhe cabe por lei. Quando presentes os pressupostos próprios do mandado de segurança, cabe esta ação mandamental para se coibirem os abusos de quem quer que seja — mandado para que o Governador cumpra o estabelecido no sistema jurídico, ou para que cessem as omissões correspondentes ao mesmo. [9]

A lei de responsabilidade fiscal (LRF). É a lei complementar de número 101, de 4 de maio de 2000. Preparada por dois economistas, ela traça várias normas jurídicas de relevância sobre os pontos discutidos. Vamos a alguns deles, pormenorizados, com destaques nossos.

Art. 2o Para os efeitos desta Lei Complementar, entende-se como:

I - ente da Federação: a União, cada Estado, o Distrito Federal e cada Município; [...] IV - receita corrente líquida: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos: [...]

Art. 4o A lei de diretrizes orçamentárias atenderá o disposto no § 2o do art. 165 da Constituição e:

I - disporá também sobre:

a) equilíbrio entre receitas e despesas; [...]

§ 1o Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes.

§ 2o O Anexo conterá, ainda: [...] V - demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.

§ 3o A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem.

O artigo 19 dela estabelece limites de gastos tocantemente à receita corrente líqüida de cada qual, para cada uma das unidades federativas, de modo que o Estado-membro está incluído aí. Esta questão é sem maiores dificuldades.

Regras jurídicas de interesse especial para o Poder Judiciário estadual. E outras normas jurídicas minuciosas há, e de relevo, como as seguintes de que sublinhamos passagens. São diretamente ligadas ao Judiciário estadual:

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: [...] II - na esfera estadual: [...] b) 6% (seis por cento) para o Judiciário; [...]

§ 1o Nos Poderes Legislativo e Judiciário de cada esfera, os limites serão repartidos entre seus órgãos de forma proporcional à média das despesas com pessoal, em percentual da receita corrente líquida, verificadas nos três exercícios financeiros imediatamente anteriores ao da publicação desta Lei Complementar. [...] III - no Poder Judiciário: [...] b) Estadual, o Tribunal de Justiça e outros, quando houver. [...]

§ 5o Para os fins previstos no art. 168 da Constituição, a entrega dos recursos financeiros correspondentes à despesa total com pessoal por Poder e órgão será a resultante da aplicação dos percentuais definidos neste artigo, ou aqueles fixados na lei de diretrizes orçamentárias.

Art. 21. É nulo de pleno direito o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda: I – [...]

Observa-se que o art. 99 e § 1º asseguram dois diferentes direitos constitucionais ao Poder Judiciário:

Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.

§ 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.

Em face do duplamente assim regrado, percebe-se ter razão o professor Ives Gandra da Silva Martins ao dissertar sobre estes pontos, mostrando que os três poderes estaduais podem celebrar acordo informal, um deles passando ao outro alguma parte do seu percentual, porque terá menos despesas que o outro, com pessoal, por exemplo. Com isso o Judiciário poderá ultrapassar os ditos 6% e estabelecidos no artigo 20-II, b) da lei de responsabilidade fiscal.[10] Cumpre se ponha atenção, entretanto, a dois pontos — (1) que esse aumento só será direito subjetivo público como eficácia jurídica desse negócio jurídico perfeito, de que o autor fala. Não decorre este direito pura e simplesmente ex vi legis. — (2) Essa consecução de mais verba para novos gastos nada tem a ver com o assunto principal nosso: o direito público subjetivo dos tribunais de 2ª instância à correção monetária anual do orçamento, agora sim, ipso jure.

5º corolário. São normas sobre a legalidade de gastos (Constituição Federal de 1988, artigo 37, caput). A não-observância destas regras jurídicas, de parte de qualquer dos poderes, sujeita o responsável a penalidades e a conseqüências de nulidade dos atos praticados. Nada têm a ver, todavia, com a mera correção monetária do orçamento anterior, tocantemente ao exercício seguinte: a só correção monetária, insista-se, não revela aumento porque não é acréscimo de valores reais.

6º corolário. Se os mesmos 6% previstos no artigo 20-II, alínea b) da lei de responsabilidade fiscal (até susceptíveis de ampliação mediante eventual negócio jurídico com outro Poder), resultarem em quantia inferior ao do exercício anterior sem correção monetária, tem o Poder Judiciário direito subjetivo público a que aquele resultado final seja corrigido pelos índices habituais de correção. Só não exsurgirá a responsabilidade do Poder Executivo, e o Poder Judiciário quedará sem a correção monetária, se tiver ocorrido a força maior na arrecadação do período inflacionado, de que se trate.

O Poder Judiciário e o princípio constitucional da transparência. Vigem, e incidem também sobre o Poder Judiciário, as regras jurídicas de responsabilidade fiscal relativas ao relatório resumido da execução orçamentária, tal como está no artigo 52 e § 2º da lei de responsabilidade fiscal. Determina-o também o art. 56 da mesma lei.[11]

Eis aí um ato legalmente obrigatório, explícito, de transparência ou prestação de contas ao público, ao Povo, de que se origina todo o poder, e de quem o Estado é instrumento de vida. Sabe-se viger uma regra jurídica não escrita que se escrevera em constituições brasileiras de outrora: “e em seu nome é exercido”. A origem do poder é o Povo, e o Povo é o destinatário da prestação estatal dos três poderes.[12]

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ALGUMAS CONCLUSÕES

1) Correção monetária de valores não é aumento de importes financeiros. — 2) De um exercício para outro o presidente do Tribunal de Justiça não precisa solicitar ao Governador do Estado o valor do orçamento anterior, devidamente corrigido pelos índices usuais de correção monetária; apenas lhe basta requisitá-lo (ressalvada a hipótese, rara mas possível, de baixa arrecadação decorrente de força maior no exercício seguinte). — 3) Cumpre examinar se o índice de atualização foi corretamente aplicado; a quantia posta no orçamento serve tão-somente para verificar se o índice da correção monetária foi legalmente posto em prática sobre o resultado final relativo ao orçamento do exercício pretérito. — 4) Se não foi atendido, o órgão estadual de classe e o próprio Presidente podem impetrar mandado de segurança contra a omissão do Governador.[13]


[1] Ver PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição Brasileira de 1967, com a Emenda 1/69. 6 v. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1969, tomo I, páginas 44-81 e 478-481.

[2] O mandado de segurança dificilmente poderia ser impetrado, dadas as dificuldades de se ter prova antecipada dos fatos afirmados na petição inicial. Pode eventualmente ser uma ação de inconstitucionalidade por omissão (ADO) se essas despesas necessárias ao Poder Judiciário não tiverem constado nem da lei orçamentária anual (LOA) nem da lei de diretrizes orçamentárias (LDO).

Pois, para esta ADO se pode pensar nos seguintes autores com legitimação para agir: artigo 2º [...] IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou [...] VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; [...] IX – [...] entidade de classe de âmbito nacional [ANAMAGES, AMB]. É o constante na lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999, artigo 2º (ADIN), segundo a remissão feita no artigo 2º da lei nº 9.882, de 03 de dezembro de 1999 (ADO).

[3] Para efeitos didáticos estaremos a falar de corolários durante a exposição mesma, passo a passo, quando couberem. Chamaremos de conclusões os resultados finais do estudo.

[4] Sobre o fato jurídico ilícito, em todas as suas modalidades, no direito privado e no direito público, sempre com precisão de conceitos, verem PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 60 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, t. I, § 32, página 95 e seguintes; t. I, § 63, página 212 e seguintes; t. I, § 99; página 424 e seguintes; t. II, § 163, página 193 e seguintes; t. II, § 166, página 213 e seguintes; t. V, § 621, página 464 e seguintes; t. XXVI, § 3.104, página 19 e seguintes; t. XXVIII, § 3.347, página 279 e seguintes; t. XLVIII, § 5.147, página 236 e seguintes; t. XLIX § 5.208, página 253 e seguintes; t. LII, § 5.242, página 395 e seguintes e, finalmente o tomo LIII em diversas passagens, notadamente quando trata dos Fatos ilícitos absolutos, Fatos ilícitos absolutos e do Estado e servidores.

[6] O mesmo temos de dizer, claro está, do Distrito Federal e dos outros Estados-membros quando postos nas mesmas circunstâncias.

[7] Na Constituição do Estado de São Paulo figura regra jurídica assemelhada no artigo 19 da Constituição Federal de 1988.

[8] Vigem também regras jurídicas cogentes proibitivas de desorganização da economia e, nela, das finanças, como as do art. 167: “São vedados: I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; III - a realização de operações de créditos que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta; [...] V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes; VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa; § 1º - Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.

[9] Não haverá aí mesmo de persistir qualquer "temor reverencial ao Executivo", de todo em todo inconcebível.

[11] § 1o As contas do Poder Judiciário serão apresentadas no âmbito: [...] II - dos Estados, pelos Presidentes dos Tribunais de Justiça, consolidando as dos demais tribunais.

[12] A rigor, e sem menosprezo (antes, ao contrário), todo ocupante de cargo público é um ministro (minister = o que serve) do seu Povo, um servidor da sua gente.

[13] Quando o Tribunal de Justiça precisa de aumento efetivo de valores para o serviço próprio das suas incumbências, a que a mera correção monetária não é suficiente para atender e os outros dois Poderes não incluem tais importes na LDO e na LOA, terá que conseguir, de quem de direito, a proposição de ADO.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (“OMC”) E OS DANOS AMBIENTAIS

A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (“OMC”) E OS DANOS AMBIENTAIS

Por Mozar Costa de Oliveira: bacharel em filosofia (Universidad Comillas de Madrid), mestre e doutor em direito (USP), professor de direito aposentado (Universidade Católica de Santos, São Paulo).

A título de Introdução

O intuito deste trabalho é discorrer sobre os problemas relacionados com o comércio internacional, notadamente por causa da poluição causada por transporte marítimo. Voltando ao passado, faz-se uma comparação entre a situação atual e a poluição marítima segundo o GATT.

Como se cuida de comércio internacional, haveremos de examinar as regras jurídicas de direito supra-estatal que, incidindo, vigem a regular a matéria. Para tanto cumpre examinar-se a diferença entre o direito objetivo supraestatal e os negócios jurídicos internacionais. Também a necessária distinção extramental entre incidência e efetividade; é como se poderá enxergar a tarefa ingente para a correta aplicação do direito objetivo. Erra-se em aplicação, não em incidência — esta é absoluta —, ao passo que naquela se pode infringir. O grau de infringência das regras pelas pessoas de direito supraestatal define a taxa de efetividade dessa classe (a hierarquicamente mais alta) de normas.

Ver-se-á, pois, ser difícil a prática do direito em face das responsabilidades práticas; elas são bem definidas pelo sistema, mas, rejeitadas pelos povos economica e politicamente mais fortes, muito mais dificilmente se efetivam. Grave a conseqüência, já que a questão aí vivida se situa na própria eficácia dos fatos jurídicos: que direitos subjetivos se irradiam, por exemplo, do ato ilícito, e que pretensões, e que ações, e que exceções e, ponto difícil, como se exercitam perante adversários poderosos.

As conclusões são melancólicas na interioridade do direito, definido este como fato social, como vivência humana, como processo social de adaptação.

1. Poluição causada por transporte marítimo.

Danos ao meio ambiente. A experiência com alguns níveis de poluição marítima tem sido sumamente danosa ao meio ambiente. Um dos casos mais conhecidos — fato público e notório — é o do navio que, em novembro de 2002 (petroleiro "Prestige"), naufragou ao largo da Espanha. Eram 77 mil toneladas de óleo. Partiu-se em dois, depois de ordens dadas pela Marinha portuguesa. O petroleiro, com pavilhão das Bahamas, quebrado ao meio. Estava ao largo da zona econômica espanhola e a 30 milhas a norte da zona portuguesa.

A poluição marítima vem causada, sobretudo, por hidrocarbonetos. Tanto ocorre em acidentes marítimos (encalhes, afundamentos e abalroamentos) como pode ser resultado de despejos deliberados (na lavagem de tanques dos petroleiros, água de lastro), e ainda operações de imersão de resíduos produzidos em terra.

Outras classes de danos ao meio ambiente. Outra ocorrência é a das "marés negras", ou seja, grandes derrames provenientes de acidentes, de que se encontram as imagens de aves cobertas de betume.

Entre desastres dessa natureza dos navios Torrey Canyon (Reino Unido, 1967), Amoco Cadiz (França, 1978) e Exxon Valdez e outros. Os resultados variam: mortalidade de indivíduos por sufocamento, contaminação toxicidade, carcinogenicidade, bio-acumulação. Atingem todo tipo de vida, do molusco ao mamífero. A fixação dos sedimentos prolonga os efeitos da poluição durante anos. A economia de vastas regiões é altamente prejudicada, do turismo à indústria. Ora bem, é o transporte marítimo o responsável por cerca de 500.000 toneladas de petróleo por ano. Dizem especialistas que a maioria dos acidentes ocorre em operações de rotina (cargas-descargas, abastecimentos). Também em descargas operacionais de lavagens de tanques. São difíceis de detectar esses acidentes corriqueiros, de tal sorte que é quase impossível aplicar-se o direito interno para se punir o responsável. Dizem, contudo, especialistas que, a esse respeito, de 1986 e 1995 aumentou em cerca de 45% a boa qualidade do comércio marítimo. Muita vez não funcionam sequer os planos emergenciais, também por se desconhecerem as cargas transportadas.

Consta ainda esta coisa grave: que a eliminação dos resíduos perigosos é “grande indústria”, e o seu tráfico tem ligações com crime organizado.[1]

2. GATT e poluição marítima [2]

O texto de criação da OMC alude 25 vezes ao GATT-1947, e já ao Preâmbulo se refere ao meio ambiente, a ser preservado ao tempo em que se buscam estoutros objetivos:

“melhoria dos níveis de vida, a realização do pleno emprego e um aumento acentuado e constante dos rendimentos reais [....] o desenvolvimento da produção e do comércio de mercadorias e serviços, [....] um desenvolvimento sustentável [....]”.

É tímida a redação; o final deste considerandum deixa ver o próprio caráter programático desse importante negócio jurídico, e fonte de normas, colhido, um e outra, pela regra jurídica de Direito das Gentes — o pacta sunt servanda. Fala-se aí de [...] “modo compatível com as respectivas necessidades e preocupações a diferentes níveis de desenvolvimento econômico”. A norma jurídica se faz, com isso, programática. Melhor que nada, sim, mas pouco. De modo que é verdadeiramente apoucada no GATT a tematização do meio ambiente.[3]

Logo, o GATT propriamente dito é muito omisso quanto ao meio ambiente. Não é, contudo, desprezível, em matéria de exegese, o estabelecido, mesmo programaticamente, no art. XX, alíneas b e g:

“Subject to the requirement that such measures are not applied in a manner which would constitute a means of arbitrary or unjustifiable discrimination between countries where the same conditions prevail, or a disguised restriction on international trade, nothing in this Agreement shall be construed to prevent the adoption or enforcement by any contracting party of measures [....].

De modo que, a vida humana, como também as outras formas de vida, e os recursos naturais em geral, são levados em alguma linha de conta, posto seja de maneira pouco enfática. Essa redação, aliás, tem conduzido os Povos mais poderosos a praticar o “eco-imperalismo” (JACKSON: 426-436).

Tentames de dominação. É claro que, deixada a exegese a líbito dos figurantes de negócios jurídicos (e dos que edictaram regras jurídicas de direito supra-estatal), em que seja feita alusão ao GATT, a irracionalidade do interesse tornará inoperante a objetividade da interpretação e, pois, das atuações jurídicas eficientes. Tem-se uma vez mais que se lançar mão das regras gerais de fontes e interpretação, que a teoria geral da dogmática jurídica oferece, e o profissional do direito há de ter em mente.[4] Ora bem, um dado importante nos contratos celebrados entre países ricos e países pobres, bem como nas regras jurídicas a que precisam aderir, é o favorecimento equilibrado aos mais pobres em face da regra da igualdade crescente no mundo. Muitas são as passagens a conterem regras programáticas, que servem como demonstração do sentido e orientação de fontes jurisferantes e de negócios jurídicos.[5]

3. Direito supra-estatal objetivo e negócios jurídicos internacionais:

O direito supra-estatal. O “direito internacional público” em verdade paira sobre os Estados, não fica só entre os Estados. Supraestatal é o que ele é — quando a norma posta incide sobre o fato surgido, gera fato jurídico acima dos Estados. Se algum deles o não aceita, infringe a norma.[6]

As principais fontes escritas do Direito das Gentes, metidas em forma de “princípio” estão no art. 38, alíneas b e c da CIJ. Princípios são, aí, as proposições gerais reconhecidas pelas nações civilizadas (=doutrina), no que mais tenham em comum entre as gentes da terra: boa-fé, ônus da prova, proporcionalidade, in dubio pro reo, audiatur et altera pars, prescrição, responsabilidade (Malanczuk, p. 48-50), eqüidade (p. 55).

Os seus princípios são de duas naturezas: 1) os princípios estruturais do próprio Direito das Gentes, e 2) os princípios gerais de direito. Princípios estruturais do Direito das Gentes são: igualdade soberana dos Estados, boa fé, solução pacífica das controvérsias, vedação de ameaça ou uso da força, igualdade de direitos e de livre determinação, não-intervenção, cooperação pacífica. Tudo isto, repisado na Res. 2625 da XXV A.G. (1970), já estava implícito no art. 1.2. da Carta da ONU (Piernas, p. 101-105). Surgem eles à medida que se arraigam, pelo costume, na prática dos povos. Todo material escrito a esse respeito, longe de ser criação nova, é só declaração do direito preexistente (Id. 110).

Princípios gerais do direito são postulados: não há raciocínio intra-sistemático necessário para explicá-los. Impõem-se com o fato da aceitação de sua incidência pela maioria dos membros influentes da sociedade internacional. Ela os cria em relações biológicas instintivas. Indicam necessidades instintivas de segurança e traçam a regra para se acharem soluções de conflito. O instinto pressiona. Risca as linhas diretas (direito), simplificadoras de solução.

Com estes pressupostos, temos de afirmar que as Convenções, e bem assim os Tratados em que se estabeleçam normas, são fonte formal de Direito das Gentes, e não simples negócios jurídicos plurilaterais. Basta que a maioria dos Povos mais influentes do mundo os assine, e já são regras jurídicas. Depois de entradas em vigor, aparecendo o suporte fático, elas incidem. Os elementos do suporte fático, se eram só econômicos, ou políticos, ou éticos etc., continuam a sê-lo — mas passaram a ser também jurídicos.

De modo que, à falta de rigor técnico dos elaboradores de cláusulas, ou de normas, cumpre recusar o apriorismo de dizer que o “documento” tal, ou qual, é somente negócio jurídico, ou apenas “documento” jurisferante de Direito das Gentes.

Em geral. Não faltam negócios jurídicos internacionais específicos contra a classe de poluição, a que aludimos. Nem fontes formais. A Convenção Internacional para Prevenção da Poluição por Navios, MARPOL, e o tratado internacional no campo da poluição marinha, são exemplos.

A Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Marinha Causada por Operações de Imersão de Detritos e outros Produtos, conhecida como LDC 72, regula a poluição por alijamento, dos resíduos produzidos em terra e despejados no mar.

A Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar (“Lei do Mar”), é direito objetivo de que deriva atribuição de direitos e deveres, de forma diferenciada para as diversas zonas consideradas. São mais relevantes para a vigilância marítima três zonas: as águas territoriais, a zona contígua e a zona econômica exclusiva.

Algumas vantagens da OMC. Em fins de julho de 2004 o Brasil teve bons êxitos na Rodada Doha. Resultado, diz especialista, resultado melhor que as gestões de negócios dentro da ALCA e na relação UE-Mercosul. De modo geral as cláusulas da OMC são mais justas que as de outros sistemas internacionais de economia. Mormente para o Brasil na sua atual fase de aumento de exportações, sobretudo as de produtos agrícolas (JAHK 2004: 3).

Programaticidade, ou aplicação imediata. É complexa, nos EUA, a resposta à questão de serem ou não de aplicação imediata os tratados já em vigor (“self-executing treaties”) — JACKSON: 298-316. Lá se distingue entre eficácia de aplicação imediata de um tratado e a sua invocabilidade, já que ele se equipara à lei federal, nunca à Constituição (Id. 318-319). Não esclarece o autor se a “supremacy of the Constitution” acarreta a nulidade da lei a ela contrária (ou do tratado a ela contrário), ou se se cuida apenas de anulabilidade (Id. 332-342). A distinção é interesse teórico e prático e outra discussão assemelhada a esta última é se o tratado é diretamente aplicável pelos particulares, ou se essa aplicação exige a mediação de órgão estatal para tanto (Idem: 342-350). Todo tratado sobre comércio tem o GATT ao centro das atenções dos protagonistas. Outros tratados ficam a funcionar como satélites do Agreement (idem, 417). Como previsto por este autor, a Rodada Uruguai trouxe-lhe algumas alterações importantes, em termos de direito ambiental (ibidem).

Conflito entre direito ambiental e direito econômico. Os países ricos exigem mais cuidado com o meio ambiente, e com os produtos correspondentes. É fator em que os mais pobres não têm como concorrer em igualdade de condições (JACKSON: 420-423). O conhecimento ainda confuso dos limites do meio ambiente levanta a questão do que sejam “scientific principles”, ou “sound science”. São situações surgidas nos litígios entre pobres e ricos, e dentro do ambiente dos ambientalistas, estes naturalmente apegados aos conceitos seguros, já tradicionais, havidos como tais (idem: 425). Pede o futuro próximo que se aprofundem os estudos da matéria, criando-se um modelo mínimo, a favorecer compreensão e tolerância (Idem: 426).

Custos e liberdade; baixa efetividade do direito objetivo. Preservação tem custo maior para os países de legislação mais exigente. Semelhantemente ocorre, em matéria de custos, com os Povos de legislação social mais avançada, para os quais os produtos acarretam despesas de valor mais alto que os de povos liberais. De modo que o livre comércio pode trazer prejuízos a Estados com regras jurídicas mais exigentes em matéria ambiental, ou socialmente mais avançados. Não há estabelecimento globalizado de padrões mínimos. O GATT não dá solução adequada ao problema. Fica-se na dependência de tratados (idem: 346-438).

Questão delicada. Temos de acrescentar que, quando se estabelece ser livre a adesão a esses tratados, claro está, não obriga a nenhum deles os Estados não aderentes. E isto é ainda o quod plerumque fit em Direito das Gentes. Nem é diferente com a OMC em matéria de poluição marítima. Quer isto dizer que o Direito das Gentes é também aqui de pouca efetividade regulatória, embora incida, regulando! [7] A questão é delicada. E a tal ponto que até a sua mera discussão pública costuma ser evitada... (idem, 438, nota 58). Torna-se patente: o conflito entre meio ambiente e comércio internacional é de difícil solução: vem a ser extremamente intricado vencer as diferenças culturais nesta matéria entre os Povos, quase todos a porfiarem entre si com interesses conflitantes.

Causas. Isto ocorre por razões dentre as quais ressaltam as seguintes: a) o GATT é de apoucada transparência; b) os julgamentos dos “painéis” não obrigam as partes em todos os pormenores — é parca a observância do princípio (que é supra-estatal, dizemos nós) do stare decisis; c) nem todos sequer se deixam julgar (mormente as potências maiores) e tanto o descumprimento como o não-acolhimento dos julgados acabam por ser coisa aceita... pelo costume; d) o MTO (“Multilateral Trade Organisation”) — organização multilateral do comércio —, não passa ainda de tentativa balbuciante, sem efetividade; e) objetivamente é de muito percalço manter-se comércio internacional produtivo com boa administração do meio ambiente — e ambos estes objetivos são necessários; f) as regras jurídicas do GATT são poucas e confusas; g) neste mundo conflituoso, pouco avançou a Rodada Uruguai, notadamente, no tocante às normas administrativas e procedimentais; h) poucos são os Estados dispostos a acatar os tratados, incorporando-os à sua legislação (coisa bem clara nos EUA, Canadá e Reino Unido); h) o preparo técnico em questões ambientais ainda é precário, mesmo entre profissionais, com prejuízo para a formação firme de convicções nas disputas (JACKSON: 439-448).

E será assim até que se logre grau mais elevado de equalização entre os Estados, programada juridicamente na Carta da ONU... A questão é sombria sem a existência efetiva, funcionalmente sem dependência, do projetado MTO — organização multilateral do comércio. Ele não arranca para surtir efeitos práticos (Id: ibidem).

Esforço construtivo. O Direito figura como um dos sete processos sociais de adaptação. Todos se influenciam mutuamente, tanto na formação como na aplicação das suas regras — cada qual com a sua especificidade. Movimentos religiosos, e morais, e artísticos, e políticos, e econômicos podem, e precisam de fazê-lo, podem — repito — pressionar pessoas e grupos para procederem corretamente na elaboração de regras jurídicas de direito supra-estatal e de direito interno em favor da “biota geral”. O mesmo há de ocorrer, por pressão justa, para se acertar na exegese a mais científica possível, pelo método indutivo experimental.[8] Será este o modo de a energia mental do Homem, poderosa, poder encontrar a reta medida do tempo na Terra.[9]

4. Responsabilidades:

Indenização por poluição marítima. A CIJ julgou em 1995 um caso ocorrido em 1974: se um Estado é prejudicado no meio ambiente por ato de outro Estado, dá-se a àquele direito de reparação. Isto consta na Convenção sobre o Mar, de 1982; mais: já contava, com fonte própria, no art. 21 da Declaração de Estocolmo (1972) — SHAW: 591-592. Entanto, segundo o autor, a norma do art. 194 da Convenção sobre o Mar não é das mais claras.

Ora, cuida-se de “medidas para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho”, como está redigido. A nosso ver a redação, até mesmo por sua completude, é transparente.[10] Não oferece dificuldade especial de exegese do texto. De todo modo, como constou da Rio-1992, é de Direito das Gentes que se adotem medidas de cooperação (SHAW: 600-602). Quer-nos parecer, com firmeza, que o conceito “cooperação”, apesar da aparência de ser apenas ético, é também jurídico. Já entrou nos sistemas jurídicos, que a maioria dos Povos influentes acolhe. Está posto, é direito posto, positivo (não mera questão ética, ou conceito de jure condendo).

Princípio de direito ambiental internacional. Entende-se por princípio, em matéria de direito ambiental internacional, o conjunto daquelas regrais muito gerais, ainda que não escritas por ora, mas que os vários sistemas jurídicos adotam ao menos implicitamente (SHAW: 603-605). Exemplos temo-los no de número 15 e no de número 16 da Rio-92. Esta questão é complexa, quando se faz a exegese científica do texto. Dizem estes dois princípios:

“PRINCÍPIO 15 - De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.” “PRINCÍPIO 16 - Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais”. (g. n.).

Responsabilidade do Município. Quando o Município está na orla marítima, posto que não seja só dele a responsabilidade (como seria se ainda a redação falasse de “peculiar interesse” como nas constituições anteriores à Constituição Federal de 1988), a poluição do mar atinge interesse local. Em sendo assim, até legislar o Município pode e deve sobre essa classe de poluição. Tutelará com isso a sadia qualidade da pesca e a limpeza dos banhos de praia nos limites do seu território. Cuida-se de “interesse local” (Constituição atual art. 30: “Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local”). Não difere do “interesse local” se a matéria é exercício do direito de construir, quando cumpre ao Município providenciar por que a preservação ambiental seja mantida (MEIRELLES, 1983, 181-183). Ainda: de modo permanente é dever do Município cuidar diretamente da saúde e da segurança públicas (CAVALCANTI, 1964, vol. III, 178-179) em todo o respeitante a águas. Por ser direito-dever, tanto poderá ocorrer ser autor como ser réu nesta matéria — infração de outrem, infração dessa pessoa de direito público interno.

Insistamos. A incidência das regras jurídicas dá-se sempre sobre suportes fáticos concretos, históricos. Se não se consideram os fatos na sua feição específica, corre o intérprete o risco de trabalhar com abstrações sacrificando a realidade jurídica e de apegar-se erroneamente a conceitos indevidos como “intenção do legislador” e “vontade da lei”. (ver PONTES DE MIRANDA, 1922).

Interpretação e métodos. O princípio da prevenção está claro no número 15. O do poluidor-pagador é tão velho quanto o direito romano, pelo menos.[11] Mas a parte final é regra de métodos e interpretação. Há que se conjugar a preservação da limpeza dos mares não apenas com o interesse público, mas também com a conservação dos interesses comerciais globais e com os investimentos também globais. Tem o intérprete de entrar nas outras relações sociológicas, como as políticas e, sobretudo, as econômicas, com o todo o rigor e completude de análise, para descobrir (=revelar) o sentido da regra geral — que tal é o princípio. Matéria difícil, a ser vencida pelo método indutivo experimental.[12]

Plataforma continental e responsabilidade. As águas que cobrem a plataforma continental merecem atenção especial por serem aí especiais os direitos e as responsabilidades (=deveres jurídicos) — SHAW: 432-449 e 629-630. Concorda este autor com o julgamento proferido pela CIJ em 1969: essa plataforma é continuação do respectivo território estatal (ver p. 433, nota 201). Dos danos ambientais aí produzidos irradiam-se, pois, dizemos, direitos e ações em favor do Estado-proprietário. Cumpre definir se advém apenas responsabilidade subjetiva (culpa), ou transubjetiva (ato sem culpa), ou ainda também pela puramente objetiva: mesmo sem ato (como no caso da força maior). É questão de alta indagação. Nem há resposta sem se percorrem os métodos de fontes e interpretação com o método indutivo experimental.

“Strict liability” é a responsabilidade não dependente de culpa. A prova da relação de causalidade é bastante, desde que seja firmada em método adequado (MALONE: 12). A concepção da autora é insuficiente em ciência jurídica. Se há responsabilidade sem culpa, mas há ato, então a responsabilidade nem é só subjetiva nem chega a ser objetiva. É transubjetiva. Quando se responde, mesmo sem ter havido o ato (causação tem de haver, claro está), é aí que se configura a responsabilidade objetiva.[13] Pela Convenção de 1969 (sobre responsabilidade por danos da poluição marítima), se há culpa do proprietário, a indenização é ampla: perdas e danos, e mais custos de prevenção. A competência para o julgamento é do Estado prejudicado. Excetua-se em tudo, por ora, a hipótese de causação por força maior (acts of God). Ver SHAW: 629-631. Houve Emenda com o Protocolo de 1992. Novos protocolos faltam por assinar. Prevê-se mais um reforço financeiro — o fundo de compensações. Quando todas essas regras entrarem em vigor, pensamos, também se responderá objetivamente, dado o risco, conhecido em geral, que se assume ao navegar, com mais a necessidade de seguro total. Tudo em favor assim do meio ambiente como do comércio internacional (Id. ibidem).

Dano e perigo. No Brasil pode haver responsabilidade pela só exposição a risco ambiental (até com a configuração de crime de perigo). Na lei de crimes ambientais, nº 9.605, de 12.02.1998, art. 56, § 1o, tem-se:

Produzir, processar, embalar, importar, exportar comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidos no "caput", ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança. (g. n.).

Diferentemente alhures. Nos EUA, disse a Supreme Court em 1995, ser indispensável o dano (MALONE: 33, nota 4).

5. Conclusões:

1) O exercício de direitos, pretensões, ações e exceções de direito material em matéria ambiental, quando se cuida de fatos jurídicos entrados no mundo nas relações entre os componentes da O M C, é exercício dos mais árduos. A infringência das normas de direito é freqüente e, ou os remédios jurídicos processuais faltam, ou os poderosos não admitem, sobre si, a autoridade jurisdicional criada pelo Direito das Gentes.

2) Por isso mesmo, o regime jurídico ainda é, nestes pontos, de certa barbárie. Torna-se de mister se lance mão, geralmente sem êxito, de meios estranhos à aplicação civilizada do direito: diplomacia, mediações, rogos, favores, trocas.

3) Regras jurídicas de Direito das Gentes (ou direito supraestatal), sobretudo as não econômicas relacionadas com as necessidades materiais — em igualdade social crescente —, são de baixa efetividade; a ponto de mais parecerem recomendações morais — com grave deformação da concepção jurídica das autoridades públicas, e dos cidadãos. Economia e Política são processos sociais de adaptação de alta taxa de dominação e de instabilidade.

4) Essa situação, demonstradora do lento evolver e ziguezaguear do direito supra-estatal, continua de pedir a atuação política geral, como também a atuação diplomática; exige, contudo, para aumento mais rápido da taxa de efetividade, exige mais: a atuação popular vigorosa, em que as ONG’s têm demonstrado eficiência.

5) Contribui não pouco para esses mesmos fins a continuada formação acadêmica dos profissionais do direito (qualquer que seja o campo de atuação profissional) nos moldes da teoria geral da dogmática jurídica, em função do seu valor histórico, descoberto e mantido pelo método indutivo experimental. Também a ciência positiva figura entre os sete principais processos sociais de adaptação, e tem a sua energia específica; unida esta à dos outros processos, abre caminhos novos possíveis.

6. Referências bibliográficas:

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991.

HELD, Martin; GEIBLER, Karlheinz( Hg). Ökologie der Zeit. Stuttgart: Universitas, 2000.

JACKSON. John H. The Jurisprudence of GATT and the WTO. Cambridge: CPU, 2002.

JAHK. Marcos Sawaye. Cupins no porão. Folha de São Paulo, 26.07.04, p.3.

MALANCZUK, Peter. Akehurst’s modern introduction to international law. 7ª ed. London: Routledge, 1997.

MALONE. Linda A. Environment Law. 5ª ed. New York: Emanuel, 1997.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22ª ed. at. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 562-563.

PIERNAS, Carlos Jiménez. El concepto de derecho internacional público, in: VALLEJO, Manuel Diez de Velasco. Instituciones de derecho internacional público. Madrid: Tecnos, 12ª. ed., 1998.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 60 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954-1969; tomo I, 1954.

________. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.

_________. Subjektivismus und Voluntarismus im Recht. Archiv für Rechts–und Wirtschaftsphilosophie. Berlim, 1922, Heft 4, p. 537–543.

PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement. 5ª ed. Paris: Dalloz, 2004.

SHAW. Malcom N.. International Law. Fourth ed. Cambridge: CUP. 1997.


[1] Ver http://gasa.dcea.fct.unl.pt/infozee/3.1.htm (acesso em 30.07.04), site onde se contém estudo publicado por autor, ou autores, do grupo InfoZEE (Portugal).

[2] Sobre poluição marítima consultem-se, entre outros, COMMITTEE ON SHIPBORNE WASTES. Clean ships, clean ports, clean oceans: controlling garbage and plastic wastes at sea. Washington: National Academy Press, 1995, com 355 páginas e DOERFFER, J.W. Oil spill response in the marine environment. Oxford: Pergamon Press, 1992, de 391 páginas.

[3] Na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar o meio ambiente é mencionado quatro vezes apenas.

[4] Sobre interpretação de “atos jurídicos”, ver Francisco Cavalcanti PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. 60 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954-1969, tomo 38, §§ 4.198 e seguintes; a respeito de exegese de regra jurídica, mesmo autor, Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed. 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, tomo II, p. 112 a 123.

[5] Um exemplo está na Carta da ONU, “ARTIGO 2 - A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios: 1. A Organização é baseada no princípio da igualdade de todos os seus Membros.”

[6] Só incide regra jurídica eficaz — a existente, já publicada e vigente; a eficácia própria da regra jurídica é incidir (dar feição de segurança extrínseca a certo fato da vida, ou alterar uma feição já jurídica por outra). O conceito de legitimidade é sociológico, não jurídico: vê o direito por fora e (primeiro conceito) 1) verifica, com dados da ciência, se a lei convém ou não convém hic et nunc, ao círculo social sobre o qual vige, ou está destinada a viger; 2) segundo conceito: independentemente de convir ou não a regra jurídica, examina se proveio da maioria numérica dos membros do círculo social, sobre o qual vige, ou está destinada a viger.

O conceito de validade é intrajurídico: vale a regra jurídica que a) está de conformidade com outra eventualmente de taxinomia superior (exemplo, a interna no Brasil, relativamente à Constituição Federal; b) se a lei examinada seguiu a tramitação legislativa prevista legalmente para a sua elaboração. Por fim vem a conceituação de efetividade: é o grau ou taxa de observância ou não-observância da norma por parte do círculo social, ou círculos sociais, a que se destina. São conceitos precisos do brasileiro Pontes de Miranda, em várias das suas obras.

[7] Nada tem a ver, com esta questão da efetividade, a distinção entre “hard law” e “soft law”. Nota-se que a “soft law” é, em verdade, na ciência jurídica brasileira, a regra jurídica de termos mais vagos, menos definidos. Seu conteúdo é mais abrangente. Deixa lugar amplo à técnica exegética da eqüitas, mais que em outras. Todas as regras jurídicas, porém — note-se muito — deixam algum lugar a essa indispensável técnica, própria da limitação global e relatividade geral do conhecimento humano (Pontes de Miranda, Popper, Bachelard, Morin). A regra jurídica de termos mais amplos (sociólogos do direito a denominam por vezes “norma de símbolos fracos”) tem algumas vantagens pragmáticas, dizem os experts em negociações internacionais: (a) torna mais fáceis eventuais acordos celebrados com base em leis de exegese mais estrita (“hard law”), (b) diminui os custos dos negócios jurídicos celebrados, (c) lida com mais incertezas, (d) serve de instrumento de melhor adaptação jurídica nas relações entre indivíduos e Estado, e ainda (e) converte em mais cômodas as soluções jurídicas.

[8] Roteiro construtivo, neste sentido, está em COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum. 2a ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1991, p. 388 e seguintes.

[9] Ver Martin HELD; Karlheinz GEIBLER (Hg). Ökologie der Zeit. Stuttgart: Universitas, 2000, p. 128-131.

[10] Trazemos aqui o texto em Português, grafia de Portugal: “1-Os Estados devem tomar, individual ou conjuntamente, como apropriado, todas as medidas compatíveis com a presente Convenção, que sejam necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho, qualquer que seja a sua fonte, utilizando para este fim os meios mais viáveis de que disponham, e de conformidade com as suas possibilidades, e devem esforçar-se por harmonizar as suas políticas a esse respeito. 2- Os Estados devem tomar todas as medidas necessárias para garantir que as actividades sob sua jurisdição, ou controlo, se efectuem de modo a não causar prejuízos por poluição a outros Estados e ao seu meio ambiente, e que a poluição causada por incidentes ou actividades sob sua jurisdição, ou controlo, não se estenda além das áreas onde exerçam direitos de soberania, de conformidade com a presente Convenção. 3- As medidas tomadas, de acordo com a presente parte, devem referir-se a todas as fontes de poluição do meio marinho. Estas medidas devem incluir, inter alia, as destinadas a reduzir tanto quanto possível: a) A emissão de substâncias tóxicas, prejudiciais ou nocivas, especialmente as não degradáveis, provenientes de fontes terrestres, da atmosfera ou através dela, ou por alijamento; b) A poluição proveniente de embarcações, em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência, garantir a segurança das operações no mar, prevenir descargas intencionais ou não e regulamentar o projecto, construção, equipamento, funcionamento e tripulação das embarcações; c) A poluição proveniente de instalações e dispositivos utilizados na exploração ou aproveitamento dos recursos naturais do leito do mar e do seu subsolo, em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência, garantir a segurança das operações no mar e regulamentar o projecto, construção, equipamento, funcionamento e tripulação de tais instalações ou dispositivos; d) A poluição proveniente de outras instalações e dispositivos que funcionem no meio marinho em particular medidas para prevenir acidentes e enfrentar situações de emergência, garantir a segurança das operações no mar e regulamentar o projecto, construção, equipamento, funcionamento e tripulação de tais instalações ou dispositivos. 4-Ao tomar medidas para prevenir, reduzir ou controlar a poluição do meio marinho, os Estados devem abster-se de qualquer ingerência injustificável nas actividades realizadas por outros Estados no exercício de direitos e no cumprimento de deveres de conformidade com a presente Convenção.” 5- As medidas tomadas de conformidade com a presente parte devem incluir as necessárias para proteger e preservar os ecossistemas raros ou frágeis, bem como o habitat de espécies e outras formas de vida marinha em vias de extinção, ameaçadas ou em perigo.”

[11] Na literatura estrangeira, ver a esse respeito Michel PRIEUR. Droit de l’environnement. 5ª ed. Paris: Dalloz, 2004, 145-153.

[12] Sobre métodos de pesquisa dos fatos, como conhecimento das relações, ler Francisco Cavalcanti PONTES DE MIRANDA. Sistema de ciência positiva do direito. 2ª ed., 4 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, tomo I, p. 77 -138.

[13] A esse respeito, com rigor científico, Francisco Cavalcanti PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. 60 tomos. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954-1969, t. 2, p. 361. Metido de parelha o direito administrativo, temos a responsabilidade pelo “risco administrativo” (transubjetiva) e a responsabilidade pelo “risco integral” (objetiva). Esta última não é aceita — mas sem razão — por Hely Lopes MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro. 22ª ed. at. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 562-563.